Parâmetros indicativos da variabilidade genética em populações não selecionadas¹ Elizângela Emídio Cunha2, Déborah Galvão Peixôto Guedes3, Caio Martinelle Barbalho de França4 1 Parte do trabalho de iniciação científica do terceiro autor. Profa. Adjunta III do Departamento de Biologia Celular e Genética - UFRN/Natal. e-mail: [email protected] Graduanda do curso de Zootecnia – UFRN/Natal. Bolsista PIBIC/CNPq. e-mail: [email protected] 4 Zootecnista graduado pela UFRN. 2 3 Resumo: Objetivou-se avaliar a variabilidade genética em populações fechadas e não-selecionadas (controle), como ocorre em programas de conservação genética, ao longo de 10 gerações consecutivas e discretas. Por meio de simulação em nível de gene, foi obtido um genoma semelhante ao genoma caprino, usado na obtenção das populações base, inicial e controle. Foram geradas quatro populações controle considerando as razões sexuais (macho: fêmeas) de 1:10 e 1:50 para reprodutores acasalados ao acaso (RAA) ou excluindo-se os acasalamentos de irmãos-completos (EIC). A variabilidade genética foi quantificada nas populações por meio dos seguintes parâmetros: número de gerações completas traçadas, número máximo de gerações traçadas, número de gerações equivalentes completas e estatísticas F de Wright (FIS, FST e FIT). O número máximo de gerações traçadas e seu tamanho efetivo foram superiores aos de gerações equivalentes que superaram os de gerações completas na razão sexual de 1:10. Na razão de 1:50, esses parâmetros tiveram valores aproximados nas três gerações. A endogamia média dos fundadores e o parentesco médio na população foram menores na razão sexual de 1:10, com pouca diferença entre os tipos de acasalamentos. O coeficiente de endogamia média (FIT) na razão sexual de 1:10 foi menor do que na razão de 1:50, independentemente do tipo de acasalamento. O valor positivo do FIS (desvio da casualidade nos acasalamentos) em todas as (meta)populações sugere que cada uma delas estava dividida em subpopulações. O acasalamento EIC teve efeito positivo na razão sexual de 1:50, pois resultou em menor valor de FIS. O FST (endogamia média sob acasalamentos ao acaso) foi praticamente nulo nas diferentes populações, sugerindo que os acasalamentos ocorreram predominantemente ao acaso. Palavras–chave: conservação genética, estatísticas F de Wright, tipos de acasalamento, simulação Indicative parameters of genetic variability in unselected populations Abstract: It was aimed at evaluating the genetic variability in closed and unselected (control) populations, as it occurs under programs of genetic conservation, along 10 consecutive and discrete generations. Using simulation at gene level, it was obtained a genome similar to the goat genome, necessary for obtaining the base, initial and control populations. Four control populations were generated considering the sex ratios (male: females) of 1:10 and 1:50 for breeders mated at random (RAA) or via exclusion of full-sibs mating (EIC). The genetic variability was quantified in the populations through the following parameters: number of traced complete generations, maximum number of traced generations, number of equivalent complete generations and Wright’s F-statistics (FIS, FST and FIT). The maximum number of traced generations and their effective size were higher than those of equivalent generations which were higher than those of complete generations in the sex ratio of 1:10. In the sex ratio of 1:50, these parameters had similar values in the three generations. The average inbreeding of the founders and the average relatedness in the population were lower in the sex ratio of 1:10, with few differences between the mating types. The average inbreeding coefficient (FIT) in the sex ratio of 1:10 was lower than that in the 1:50 ratio, regardless of the mating type. The positive value of FIS (deviation of randomness in the mating) in all (meta)populations suggests that each one of them was subdivided in subpopulations. The EIC mating had a positive effect in the sex ratio of 1:50, as it resulted in lower value of FIS. The FST (average inbreeding under random mating) was practically a null coefficient in the different populations, suggesting that the mating occurred predominantly at random. Keywords: genetic conservation, mating types, simulation, Wright's F-statistics 1 Introdução Nas espécies animais, quantificar a variabilidade genética de uma população é de fundamental importância quando se pretende melhorá-la geneticamente ou preservá-la da extinção. Neste contexto, a relação entre a diversidade genética e a coancestralidade média sinaliza que a definição de uma política de acasalamentos objetivando o uso restrito de pais aparentados pode ser uma estratégia útil para reduzir a endogamia e maximizar a diversidade genética. Inúmeros autores, estudando a estrutura populacional de rebanhos zootécnicos, têm ressaltado as consequências negativas dos níveis elevados da endogamia, como perdas no potencial para ganho genético por seleção e queda no valor fenotípico médio, ao longo do tempo, constatados, sobretudo, para as características quantitativas ligadas à produção, reprodução e ou eficiência fisiológica dos animais. Já nos programas de conservação genética, como os efetivos populacionais costumam ser ainda menores, preocupa a manutenção da diversidade alélica (“pool” gênico) das populações visando não apenas sua utilização racional e sustentável no presente, mas garantindo, sobretudo, seu uso no futuro. Principalmente para populações fechadas, Caballero & Toro (2002) concluíram que o parentesco mínimo entre os reprodutores e a prática de acasalamentos estratégicos reduzem as taxas de endogamia na população por um número maior de gerações. Portanto, nas pequenas populações sob seleção ou conservação genética, é relevante o tipo de acasalamento entre os reprodutores. O objetivo com este estudo foi computar o número de gerações separando os indivíduos de seus ancestrais e as estatísticas F de Wright em populações fechadas e não-selecionadas – a exemplo do que ocorre sob conservação genética – considerando acasalamentos e razões sexuais diferentes. Material e Métodos Para simular um genoma semelhante ao de caprinos (Capra hircus), foi utilizado o software GENESYS (Euclydes, 1996). Este genoma continha 29 pares de cromossomos autossômicos, os quais apresentaram tamanhos diferentes entre si, com limite de 10% de variação. O comprimento total do genoma foi de 2.000 cM e nele foram acomodados, ao acaso, 200 locos quantitativos bialélicos, cuja freqüência inicial do alelo favorável teve média de 0,50 sob distribuição normal. Os efeitos aditivos dos genes e os de ambiente temporário também seguiram a distribuição normal. Não foram simulados cromossomos sexuais, efeitos de interação gênica, de sexo e nem de mutação; apenas quatro rebanhos como efeito fixo. Obteve-se uma população-base constituída por 1.000 indivíduos, sendo 500 machos e 500 fêmeas, não-aparentados entre si. Em seguida, foram escolhidos e acasalados 50 machos com 500 fêmeas, gerando dois descendentes por casal, resultando em 1.000 indivíduos, constituindo a população inicial, na qual foi observado o início dos laços de parentesco. A partir da população inicial, foram simuladas populações controle (AAA: não-selecionadas) – consideradas como populações mantidas sob conservação genética – de diferentes estruturas, respeitando-se duas razões sexuais: na primeira (1 macho:10 fêmeas), foram acasalados 5 machos e 50 fêmeas, gerando dois descendentes por casal num total de 100 indivíduos; na segunda razão sexual (1 macho:50 fêmeas), foram acasalados 5 machos e 250 fêmeas, com produção de dois descendentes por casal num total de 500 indivíduos. As populações controle foram conduzidas por 10 gerações consecutivas e discretas, tendo sido efetuadas 10 repetições por geração. A cada geração, os reprodutores escolhidos ao acaso foram acasalados segundo dois tipos de acasalamentos: reprodutores acasalados ao acaso (RAA) e exclusão dos acasalamentos de irmãoscompletos (EIC). Quatro populações correspondentes às duas razões sexuais combinadas aos dois tipos de acasalamentos foram avaliadas. As populações-base e inicial foram comuns às duas razões sexuais, e dentro da mesma razão sexual os arquivos compartilharam da coluna data de nascimento, com os dois filhos nascidos da mesma mãe registrados sob a mesma data. Na primeira razão sexual, as datas de nascimento variaram de 1988 a 1996; e na segunda razão, de 1988 a 2007. A população inicial e as subsequentes constituíram a população referência – definida como aquela em que os animais possuem ambos os pais conhecidos. Os animais da população-base, sem pais conhecidos, foram considerados como fundadores. A variabilidade genética foi quantificada nas populações empregando-se: 1) Número de gerações completas traçadas (g): número de gerações separando o descendente das gerações mais distantes, onde 2 g 2 de seus ancestrais são conhecidos; 2) Número máximo de gerações traçadas: o número de gerações separando o indivíduo de seu ancestral mais distante; 3) Número de gerações equivalentes completas: a soma dos termos (1/2)n sobre todos os ancestrais conhecidos, onde n é o número de gerações separando o indivíduo de cada ancestral conhecido (Maignel et al., 1996); 4) Estatísticas F de Wright (1978): ~ ~ ~ ~ F f , onde f f e computadas pelas fórmulas (Caballero & Toro, 2002): F F f ; FST FIS ~ IT 1 f 1 f 1 f ~ f ~ e F são, respectivamente, o coeficiente de coancestral médio e o de endogamia para a metapopulação (população inteira), e f , o coeficiente de coancestral médio para a subpopulação, de modo que: (1 – FIT) = (1 – FIS)(1 – FST). FIT é o coeficiente médio de endogamia da população; FST designa o coeficiente médio de endogamia esperado se os reprodutores de cada período fossem acasalados aleatoriamente; e FIS expressa o desvio da casualidade nos acasalamentos. Os parâmetros foram obtidos para a média das repetições, utilizando-se o programa computacional ENDOG v.3.2 (Gutiérrez & Goyache, 2005). Resultados e Discussão Na razão sexual de 1:10 (mais larga), o número máximo de gerações traçadas e seu tamanho efetivo superaram os resultados de gerações equivalentes; e esses, os de gerações completas (Tabela 1). Tabela 1 – Parâmetros populacionais médios para cada uma das diferentes populações, ao longo de todas as gerações. Razão Sexual de Razão Sexual de 1 macho:10 fêmeas 1 macho:50 fêmeas Parâmetros AAA AAA RAA EIC RAA EIC NA1 3000 3000 7000 7000 2 F (%) 3,55 3,56 7,71 7,52 AR3(%) 2,40 2,42 9,80 9,65 GM4 2,50 2,50 4,79 4,79 5 ∆FGM (%) 1,86 1,89 2,01 1,96 NeGM6 27,0 26,6 24,9 25,6 GC7 2,31 2,33 4,79 4,78 8 2,09 2,07 2,01 1,97 9 NeGC 24,4 24,4 24,9 25,5 GE10 ∆FGC (%) 2,47 2,47 4,79 4,78 11 1,89 1,91 2,01 1,96 12 26,6 25,9 24,9 25,6 ∆FGE (%) NeGE 1 número total de animais; 2endogamia média dos fundadores; 3parentesco médio; 4, 7 e 10média do máximo de gerações traçadas, de gerações completas e equivalentes, respectivamente; 5, 8 e 11 incremento de endogamia no máximo de gerações traçadas, nas gerações completas e equivalentes, respectivamente; 6, 9 e 12tamanho efetivo no máximo de gerações traçadas, nas gerações completas e equivalentes, respectivamente. 3 Contudo, na razão de 1:50 (mais estreita), esses parâmetros tiveram valores praticamente iguais nas três gerações. A endogamia média dos fundadores e o parentesco médio na população foram menores na razão sexual de 1:10, com pouca diferença entre os tipos de acasalamentos. Na razão de 1:50, os acasalamentos com exclusão de irmãos completos (EIC) proporcionaram menor endogamia e parentesco médio. O coeficiente de endogamia média (FIT) na razão sexual de 1:10 foi menor do que na razão de 1:50, independentemente do tipo de acasalamento (Tabela 2). A estatística FIS mede o desvio da casualidade nos acasalamentos (Gutiérrez & Goyache, 2005) e se o seu valor for positivo (FIS> 0), então a endogamia real ultrapassa o nível de endogamia esperado sob acasalamentos ao acaso. O valor positivo do FIS para todas as populações (Tabela 2) sugere que a metapopulação estava, de fato, dividida em subpopulações, no caso, em rebanhos isolados. Segundo Caballero & Toro (2002), se a população for permanentemente subdividida em grupos (sublinhas independentes com pedigrees completamente diferentes), as linhas se tornarão completamente endogâmicas, mas a oscilação genética será minimizada porque alelos diferentes serão fixados nos grupos diferentes. Se a subdivisão da população não for completa, então a endogamia e a oscilação terão a mesma taxa final, mas o declínio na endogamia precederá o da oscilação. Logo, na ausência de outros fatores (sanitários, genéticos, culturais), praticar acasalamentos de mínima coancestralidade sem qualquer subdivisão conduzirá à minimização da soma total dos coeficientes de endogamia e, portanto, da depressão endogâmica. De modo geral, o FIS teve comportamento semelhante ao do FIT, ou seja, foi menor na razão sexual de 1:10, na qual não houve diferença entre os tipos de acasalamentos. Na razão de 1:50, os acasalamentos entre indivíduos aparentados tendiam a ocorrer com maior freqüência, ao longo das gerações, tendo em vista o uso de poucos machos para a reprodução com muitas fêmeas e, ainda, o fato de que a população se encontrava fechada. Logo, o uso de acasalamentos com exclusão de irmãoscompletos teve efeito positivo, pois resultou em valor de FIS menor que o obtido sob acasalamentos ao acaso (RAA). Em outras palavras, na razão sexual de 1:50, a diferença ou desbalanceamento na contribuição dos reprodutores, em cada rebanho, a partir das gerações de seleção ao acaso (AAA), ocorreu principalmente por conta do tipo de acasalamento adotado (RAA ou EIC), pois apenas a coluna de data de nascimento tinha sido compartilhada entre os arquivos. Por sua vez, o FST, que é o coeficiente médio de endogamia esperado na população se os reprodutores de cada período fossem acasalados aleatoriamente, foi praticamente nulo nas diferentes populações, sugerindo que os acasalamentos ocorreram predominantemente ao acaso. Uma explicação para isso estaria no fato de que os acasalamentos com exclusão de irmãos-completos (EIC) não se concretizaram pelo algoritmo da simulação, e assim perderam o efeito, nas vezes em que os dois irmãoscompletos filhos de um determinado casal eram do mesmo sexo. Tabela 2 - Valores médios das estatísticas F de Wright AAA Estatísticas F EIC RAA Razão Sexual de 1:10 EIC RAA Razão Sexual de 1:50 FIS FST 0,0232289 0,0005490 0,0232920 0,0005238 0,0277757 0,0005828 0,0292932 0,0002384 FIT 0,0237652 0,0238033 0,0283423 0,0295245 Conclusões A endogamia foi maior na razão sexual de 1:50 e sob acasalamentos ao acaso. Todas as populações passaram pelo processo de divisão em subpopulações, independentemente da razão sexual ou do tipo de acasalamento. Agradecimentos Ao CNPq pela concessão da bolsa de iniciação científica (PIBIC) ao segundo e terceiro autores. 4 Literatura citada BOICHARD, D.; MAIGNEL, L.; VERRIER, E. The value of using probabilities of gene origin to measure the genetic variability in population. Genetic, Selection and Evolution, v.29, p.5-23, 1997. CABALLERO, A.; TORO, M.A. Analysis of genetic diversity for the management of conserved subdivided populations. Conservation Genetics, v.3, p.289-299, 2002. EUCLYDES, R.F. Uso do sistema para simulação Genesys na avaliação de métodos de seleção clássicos e associados a marcadores moleculares. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1996. 149p. Tese (Doutorado em Genética e Melhoramento) – Universidade Federal de Viçosa, 1996. GUTIÉRREZ, J.P.; GOYACHE, F. A note on ENDOG: a computer program for analyzing pedigree information. Journal of Animal Breeding and Genetics, v.122, p.172-176, 2005. MAIGNEL, L.; BOICHARD, D.; VERRIER, E. Genetic variability of french dairy breeds estimated from pedigree information. Interbull Bull, v.14, p.49-54, 1996. WRIGHT, S. Evolution and the Genetics of Populations: v.4. Variability within and among natural populations. University of Chicago Press, Chicago, IL, USA. 1978. 5