ESTUDOS E PESQUISAS Nº 108 O Brasil e a Economia do Conhecimento o Modelo do Tripé e o Ambiente Institucional João Paulo dos Reis Velloso * XVII Fórum Nacional China e Índia como desafio e exemplo e a reação do Brasil... para cima Rio de Janeiro, maio de 2005 * Coordenador-geral do Fórum Nacional (INAE), Presidente do IBMEC – Mercado de Capitais, Professor da EPGE (FGV). Ex-Ministro do Planejamento. Versão Preliminar – Texto sujeito à revisões pelo(s) autor(es). Copyright © 2005 - INAE - Instituto Nacional de Altos Estudos. Todos os direitos reservados. Permitida a cópia desde que citada a fonte. All rights reserved. Copy permitted since source cited. 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Introdução: Brasil – os três desafios e a economia do conhecimento Na introdução ao programa deste XVII Fórum Nacional, salientamos que o Brasil está hoje diante de três grandes desafios. De um lado, o desafio que já vínhamos enfrentando, de transformar o crescimento havido em 2004 (um pouco acima de 5%) em um verdadeiro ciclo de Crescimento Sustentado (pelo menos algo como 4 a 5% ao ano), mostrando havermos readquirido o know how extraviado nos “anos perdidos” (principalmente a partir de 1985). De outro, o desafio que agora se coloca, diante do grande avanço realizado, nos últimos anos, principalmente pela China e Índia, que, além do alto crescimento e da vantagem competitiva representada pelo custo de mão-de-obra muito mais baixo que o nosso, deram saltos de competitividade em setores nos quais estamos procurando competir no mercado internacional. São eles nossos parceiros, lutando ao nosso lado contra os obstáculos opostos pelos desenvolvidos às exportações do mundo em desenvolvimento, e figurando entre as prioridades do nosso esforço de aprofundamento das relações econômicas. Mas, ao mesmo tempo, são os nossos concorrentes mais próximos. 1 Nos anos 70, nosso concorrente mais próximo era a Coréia. Pelos descaminhos em que entramos, nos anos 80, inclusive deixando de situar-nos bem no novo Paradigma Econômico, à base da Informática, ficamos para trás. Agora, o risco é ficarmos para trás também em relação à China e Índia. Por isso, temos de encontrar uma saída ... para cima. Fazendo melhor do que eles. E chegou o momento de reconhecer o terceiro desafio, que já se vem configurando há algum tempo: a grande força econômica de nossa época é a “Revolução do Conhecimento” (e da Informação) transformando a economia e a sociedade, nos países desenvolvidos. Existem, principalmente, três grandes impulsos por trás dessa Revolução. 1 Ver, por exemplo, no jornal “Valor Econômico”: “China toma espaço do Brasil nos Estados Unidos e União Européia” (17.2.05, pág. B2). 2 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Em primeiro lugar, o efeito das tecnologias genéricas: as tecnologias da Informação e das Comunicações (TICs) e a Biotecnologia (permitindo o uso de novas formas de vida), com seu efeito de recondicionar todos os setores econômicos e sociais. Em verdade, o que está acontecendo é o maior uso do Conhecimento, em geral, para fins de desenvolvimento. Conhecimento em todos os sentidos – Educação, Treinamento de Recursos Humanos, Ciência/Tecnologia (Tecnologias Genéricas, Tecnologias específicas do setor, Engenharia de Produto e Processo), Informação, Design, Marketing, Métodos Modernos de Gestão, Marca, Logística. Em segundo lugar, a redução constante e drástica dos custos de Transportes e Comunicações e, em geral, do custo das transações, numa velocidade nunca vista2. Em terceiro, o avanço do capital humano, decorrente das maiores exigências de qualificação da mão-de-obra e do efeito das TICs (Informática-Eletrônica, Comunicações e Internet). Essa força dinâmica e transformadora – a Revolução do Conhecimento – é muito mais poderosa que todas as Revoluções Industriais havidas anteriormente. Em seu livro As time goes by3 – From the Industrial Revolutions to the Information Revolution, Chris Freeman e Francisco Louçã fazem um balanço das “sucessivas Revoluções Industriais”: a Revolução Industrial Britânica (Era dos Têxteis, Ferro e Energia Hidráulica); Era das Estradas de Ferro, Energia a vapor e Mecanização; Era do Aço, Maquinária Pesada e Eletrificação; Grande Depressão e Era do Petróleo, Automóvel e Produção em Massa; Emergência de um novo Paradigma Técnico-Econômico: Era das Tecnologias da Informação e Comunicações (TICs). E assim se chegou ao novo Modelo de Desenvolvimento – a Economia do Conhecimento, já predominante nos países desenvolvidos (e, com grande destaque, na Coréia). Neles, segundo os estudos da OECD4, as atividades ligadas à geração, uso e difusão do Conhecimento já correspondem a mais de 50% do PIB. Com isso, passou a colocar-se um novo elemento do desafio da China e Índia, pelo fato de que esses grandes emergentes já estão executando o seu programa de transição para a Economia do Conhecimento: o da China teve início em novembro de 2001 e o da Índia, em novembro de 2004. Os pilares do programa da China são: upgrading da Educação; construindo a Infra-estrutura da Informação; fortalecendo o sistema de R&D; procurando absorver mais o conhecimento global (pela maior inserção internacional). Pilares do programa da Índia: Fortalecendo o regime econômico e institucional; upgrading da mão-de-obra educada e qualificada (para absorver os novos skills); criando um eficiente Sistema de Inovação; construindo uma dinâmica Infra-estrutura de Informação. Desta forma, vemos que os três desafios citados de início acabam ficando interligados: estamos tentando chegar ao Crescimento Sustentado e a resposta ao desafio da China e índia implicam não apenas que alcancemos esse objetivo mas também que, de um lado, tentemos chegar ao Alto crescimento, numa fase posterior, e, de outro, avançar no sentido do novo Modelo de Desenvolvimento. Ou seja, a Economia do Conhecimento – Modelo que temos de procurar dominar, sob pena não apenas de ficarmos para trás em relação aos dois parceiros e concorrentes, mas igualmente de ficarmos fora do mundo em que o desenvolvimento se estará movimentando. 2 Por trás dessas reduções de custos está principalmente o efeito da Lei de Moore. 3 Evidentemente, o título do livro é uma referência à música de “Casablanca” (dirigido por Michael Curtiz, e gloriosamente protagonizado por Ingrid Bergman e Humphrey Bogart) (19...). Música que motivou o título do filme de Woody Allen (Play it again, Sam). 4 Ver China and the knowledge Economy – Seizing the 21st Century (pág. 32), de autoria de Carl J. Dahlman e Jean-Eric Aubert, publicação conjunta do Banco Mundial – Região da Ásia Oriental e Pacífico e World Bank Institute. 3 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL O Brasil já deu passos nesse sentido. Em maio de 2002, o XIV Fórum Nacional teve como tema básico “O Brasil e a Economia do Conhecimento”. Nele, através de uma parceria entre o Fórum e o Centro de Economia do Conhecimento do Banco Mundial, houve três painéis em que se discutiram as implicações da Economia do Conhecimento para o Brasil. E o Pronunciamento Inaugural do Presidente Fernando Henrique Cardoso teve como título “O Brasil a caminho da Sociedade do Conhecimento”. No ano passado, o Pronunciamento Inaugural do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi sobre “Economia do Conhecimento, Crescimento e Inclusão Social: a Estratégia global de desenvolvimento do Brasil”. Isso significa estar havendo sinais de que o País parece reconhecer a necessidade de evoluir para o novo Modelo. É chegada, assim, a hora de termos também o nosso Programa de transição para a Economia do Conhecimento As duas dimensões da economia do conhecimento e a Tfp Em primeiro lugar, a Dimensão Econômica: levar o conhecimento a todos os setores da economia (e não apenas desenvolver os setores de Altas Tecnologias). Explicitando: Agricultura (Agronegócio, Agricultura Familiar); Indústrias de Novas Tecnologias (como as TICs, a Biotecnologia, os Novos Materiais); “Indústrias Dinâmicas” do Antigo Modelo (Bens de Capital, Insumos Industriais Básicos, geralmente intensivos em Recursos Naturais), Indústrias Tradicionais, Serviços Modernos (Educação, Saúde - Saneamento, Lazer, Cultura, Turismo Ecológico e Cultural, B-2-B, Consultoria Tecnológica), Infra-estrutura (Energia Elétrica, Petróleo-Gás, Transportes, Comunicações, Logística). A idéia básica é tornar os diferentes setores intensivos em Ciência/Tecnologia e, em geral, em Conhecimento. Uma das implicações desse esforço é que inúmeras commodities agrícolas e industriais se tornam produtos diferenciados. Como exemplos, podemos lembrar, na Agricultura: • Cafés gourmet já exportados pelo Brasil: cafés finos, tão bons quanto os melhores cafés colombianos; • Possibilidade de virmos a ter, em breve, café sem cafeína: já foram identificadas espécies de cafeeiro que produzem café naturalmente isento de cafeína; • No Vale dos Vinhedos, próximo a Bento Gonçalves (Rio Grande do Sul), já se faz uso de foguetes para desviar nuvens, com o objetivo de evitar chuvas na época da colheita. • Ônibus produzidos sob medida por empresas brasileiras, atendendo às condições específicas de certos países. • Prêmios de design recebidos por móveis brasileiros, por exemplo, na Alemanha. O significado básico dessa dimensão da Economia do Conhecimento é a possibilidade de uma completa mudança no quadro de nossas vantagens comparativas (especializações), atuais e potenciais. Para melhor, claro, em termos de competitividade e criação de valor adicionado. A segunda é uma Dimensão Econômico-Social: levar o Conhecimento a todos os segmentos da sociedade, inclusive os de renda baixa. 4 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Tal dimensão resulta de uma necessidade econômica: o mundo da Economia do Conhecimento é muito mais exigente em termos de qualificação dos Recursos Humanos. Usar intensamente o Conhecimento para fins de desenvolvimento depende de maior densidade do Capital Humano. Por outro lado, há uma óbvia necessidade social: se os segmentos de renda baixa recebem mais Conhecimento, passam a participar dos resultados de um crescimento mais rápido; se isso não acontece, vamos criar dois novos tipos de exclusão – a Exclusão Digital e o Hiato de Conhecimento. Daí a importância da universalização da Informática, das Comunicações, da Energia Elétrica, por exemplo. Isso significa a necessidade de ter programas nacionais de viabilização dessas universalizações. Em suma, é a Economia do Conhecimento como oportunidade e risco. E a ênfase deve ser colocada na conjugação das duas dimensões, para revelar a riqueza econômica e social da Economia do Conhecimento. Implicação essencial dessa conjugação é o fato de que a Produtividade Total dos Fatores (TFP) – crescimento do PIB que não decorre do simples aumento quantitativo de fatores de produção como Mão-de-Obra, Capital, Recursos Naturais – se transforma em variável-chave do desenvolvimento. Assim, para elevar a taxa de crescimento da economia, deve-se não apenas aumentar a taxa de investimento (relação Investimento/PIB) mas também acionar a TFP. A idéia é que ao lado do crescimento da quantidade de fatores de produção, haja simultaneamente a sua melhoria qualitativa e a expansão do conteúdo de Inovação da economia. Cabe, a propósito, lembrar a riqueza da TFP em Tecnologia e Conhecimento, juntamente com a melhoria do Ambiente Econômico-Institucional. Existe, inclusive, a tendência a que os investimentos em “Intangíveis” ricos em Conhecimento – Educação (Capital Humano, em geral), R&D, Software, Design, novos métodos de Management, construção de Networks (redes de interligações), Marketing – se tornem mais importantes, na empresa, que os investimentos em Equipamentos, Máquinas, Construção. Na verdade, trata-se de investimentos complementares, freqüentemente (exemplo: Computadores e Software), mas é crescente a importância dos intangíveis na criação de novos produtos e modelos, melhoria do produto, diferenciação do produto. A indagação se coloca, em decorrência: como acionar a TFP? Em duas palavras, de um lado, injetar Tecnologia e Conhecimento (principalmente pelos Intangíveis) nas empresas, através de um adequado equilíbrio entre Inovação própria, Inovação adaptativa e Inovação adquirida (neste caso, recorrendo ao pool de Inovação disponível no resto do mundo, através de IDE–Investimento Direto Externo, Alianças Estratégicas, compra de Tecnologia, importação de Equipamentos). De outro, procurar tornar os fatores de produção, em geral, mais densos de Conhecimento e mais elásticos (ou seja, dotados de resiliense, à la Hicks, como veremos, suscetíveis de múltiplos usos). Em suma, transformar a TFP em variável-chave significa fazer funcionar o poder das idéias no fortalecimento da Competitividade Internacional e na geração de Desenvolvimento. Esse, o objetivo do presente painel: fazer sugestões para tal Programa. E a idéia deste paper 5é propor um arcabouço adaptado às condições do Brasil. Arcabouço que abrange uma concepção de 5 A propósito de Economia do Conhecimento, ver, principalmente, o Relatório de Desenvolvimento Mundial de 1998/99, Knowledge for Development, 1999, Oxford University Press (Banco Mundial). 5 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Economia do Conhecimento, em duas dimensões, ao lado de um Modelo à base de três Pilares e de um Ambiente Econômico-Institucional. O modelo: os três pilares (building blocks) e o ambiente econômico-institucional PILAR I: Converter a tecnologia (principalmente as TICs e a biotecnologia) e o conhecimento, em geral, em motor do desenvolvimento, para transformar a economia e a sociedade “Qualquer tecnologia suficientemente indistinguível da mágica”. avançada é Arthur C. Clarke (autor do “2001: A Odisséia espacial”) “Networking (redes eletrônicas) terá mais impacto em nossas vidas do que a televisão e o telefone. Networking irá crescentemente transformar, multiplicar e concentrar a interação humana. Mudará a forma como nos relacionamos uns com os outros, como aprendemos, como definimos e remuneramos o trabalho, e mesmo como nos governamos”. William R. Johnson, Jr.6 A idéia desse poder transformador da tecnologia no Século XXI foi inspirada pelos livros de Alvin Toffler (e, particularmente, uma entrevista dele à imprensa, quando esteve no Brasil há uns quatro anos) e pelo livro de Alfred D. Chandler que citaremos logo adiante. Essas manifestações conferem com a nossa visão do que é e poderá ser o Brasil, principalmente depois da emergência da Economia do Conhecimento. Em nosso entender, tal visão se poderá transformar em realidade através de nossa atuação no tocante a algumas linhas de ação. A primeira Linha de Ação é a idéia da “Inovação como estratégia” – concepção nova, coisa completamente diversa de estratégia de Inovação, que a maioria das empresas tem (entre outras estratégias). A Inovação passa a ser um objetivo em si mesmo, a força criadora que faz a empresa funcionar. Claro, estamos falando de Inovação em sentido amplo – qualquer novo tipo de estratégia empresarial, seja do ponto de vista estritamente tecnológico, ou o lançamento de novo produto ou processo, ou uma nova estratégia de marketing, ou de management. Mas agora a empresa existe para Inovar. Isso perpassa todas as funções e estratégias da empresa. E, conseqüentemente, vai ser a sua competitive edge (vantagem competitiva). Tal concepção, lançada em 2002 (por Armand De Meyer, Soumittri Dutta e Sandeep Srivahtava)7, parte da análise do que tem acontecido no campo das novas tecnologias para concluir: “A partir de agora, a Inovação vai ser um imperativo para a sobrevivência, e não apenas para o crescimento. A Inovação vai ser rotina, e a quantidade da Inovação não irá contar menos que a qualidade”. 6 William R. Johnson, Jr., ensaio no livro Technology – 2001, organizado por Derek Leebaert, The MIT Press, Cambridge (EUA), 1991. 7 No livro The Bright Stuff - How innovative people and technology can make the old economy new, Prentice Hall, Londres, 2002. 6 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Os autores dão ênfase à real natureza da Inovação, e à sua ligação com o Conhecimento: “Embora a Inovação às vezes seja o resultado de serendipity (acidentalidade, casualidade), na maioria dos casos ela é o resultado de um foco sistemático na acumulação, melhoria e aplicação do Conhecimento (grifo nosso). O Conhecimento se situa na raiz da Inovação e a Inovação cria Conhecimento novo. Em realidade, existe uma forte relação de sinergia entre Conhecimento e Inovação”.8 A conclusão: “Inovação é todo o negócio da empresa; Inovação é responsabilidade de todo mundo. Inovação é a estratégia. Inovação como estratégia é o novo motor da firma”. E a sua identidade. E a idéia matriz para repensá-la, e reconfigurá-la em bases mais competitivas. A segunda Linha de Ação é “O Século da Eletrônica e construção, no Brasil, de forte base em TICs”. Em seu conhecido livro de 2001, Alfred D. Chandler9 Jr. começa dizendo que “O Século da Eletrônica” do título é o Século XXI. O Século XX apenas criou as fundações (a “Infra-estrutura”), pois foi, na verdade, o Século Industrial. No capítulo final, compara o Século Industrial e o Século Eletrônico, para fazer a afirmação de que a situação atual resulta da combinação das duas tecnologias (Industrial e Eletrônica). As principais “Indústrias criadas durante o Século Industrial não foram substituídas por aquelas que estabeleceram as fundações do Século Eletrônico... Mas seus modos de operação foram transformados pelas tecnologias de Áudio, Vídeo e Informação...” E convém mencionar as novas tendências tecnológicas dessas TICs, apresentadas em recente estudo da OECD10: 8 9 • Computação ubíqua: em razão da rapidez da Inovação, da queda de custos e da redução do tamanho das unidades, as “capacidades de computação tornam-se onipresentes”. • Código aberto: o “código aberto oferece uma plataforma alternativa para a Inovação no setor de Softwares, viabilizando seu aperfeiçoamento constante”. • A Internet baseia-se em uma arquitetura aberta e relativamente simples. “A atualização de elementos de arquitetura da Internet (IPv6) produzirá benefícios suplementares no futuro”. • Tecnologia wireless (Comunicações sem fio): novos tipos de Comunicações sem fio modificam a estrutura do setor, abrindo novas oportunidades de ganho econômico e social, principalmente pelo crescimento dos efeitos de Rede. • Interação ponto-a-ponto (peer-to-peer): os avanços referidos significam que o modelo dominante de troca de informações está sendo modificado, passando de um modelo centralizado e hierárquico para outro, descentralizado, horizontal, repartido de maneira mais igual e democrática. A interação ponto-a-ponto é um exemplo importante dessa mudança de estrutura e natureza no intercâmbio de informações. Obra citada, pág. 136. Alfred D. Chandler Jr., Inventing the Electronic Century, The Free Press, New York, 2001. 10 OECD, Information technology Outlook: ICTs and the Information Economy, 2002 (existe edição brasileira da Editora SENAC São Paulo) (págs. 335/336). 7 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL A isso se deve acrescentar a TV Digital e o Cinema Digital. E, principalmente, os últimos avanços, relacionados com a convergência de tecnologias, dando origem ao computador como central multimídia, ao telefone celular como central multimídia e à convergência fixa-móvel na telefonia. Por outro lado, de grande importância econômica é o novo papel que as TICs estão passando a assumir dentro das empresas11: ao invés de constituírem uma área de suporte (meio) para as diferentes áreas de negócio (fins), as TICs estão sendo chamadas a adicionar valor a cada tipo de negócio, passando a fazer parte das áreas de negócios. Ou seja, contribuir diretamente para a criação de produtos, ou a sua diferenciação. Diante do cenário apresentado, do Século XXI como Século das Tecnologias de Informação e Comunicações, assume alta prioridade a “Construção, no Brasil, de uma forte base em TICs”, equilibrando importações e produção interna (com possibilidade de criação de Plataformas de Exportação, regionais, ou globais, em certas linhas de produtos). Do contrário, continuaremos mal situados em relação ao Paradigma Econômico atual. De passagem, essa área já foi apontada como sendo “possivelmente a mais grave das fragilidades da estrutura industrial brasileira”.12 A questão nevrálgica, quanto a essa forte base nas TICs, é preservar uma orientação racional. Trata-se de desenvolver novas vantagens comparativas em certo número de linhas de produtos. Ou seja, teremos de passar, sempre, pelo teste da competitividade. Para isso, precisamos ter uma Estratégia especial, principalmente para as áreas prioritárias: Softwares e semicondutores. E montar o sistema de incentivos adequados, usando, particularmente, o BNDES e os mecanismos na área do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Importa, igualmente, montar uma política sistemática de atração de Investimento Direto Externo (IDE), de modo a ter no Brasil, principalmente quanto a Semicondutores, os grandes competidores globais, com projetos que venham a resultar na criação de plataformas regionais ou globais de exportação. A terceira Linha de Ação consiste na “Superação do “paradoxo brasileiro”, pela construção de um verdadeiro Sistema Nacional de Inovação, através da “estratégia da hélice tripla””. Em entrevista à VEJA (em 2001) 13, Jeffrey Sachs disse: “O Brasil é um paradoxo. Tem indústria e cientistas, mas não tem competitividade” (o que é verdade, hoje, apenas até certo ponto). Em essência, esse paradoxo brasileiro significa que temos as peças de um Sistema Nacional de Inovação, mas não temos um Sistema. Falta interação, falta integração. São três dinâmicas envolvidas: a da empresa, a da Universidade e a do Governo. É preciso compatibilizá-las e integrálas. E isso só acontecerá se as três instituições reconhecerem que é do seu interesse realizar a interação e envolver-se em parcerias. A melhor forma de superar o paradoxo é através da construção do que se chamou de “estratégia da hélice tríplice”14. Consiste ela, essencialmente, numa configuração em que Universidade, empresa 11 Ver, a propósito, o artigo de Eduardo Vieira, “Tempestade à vista”, na revista Info-CORPORATE, de setembro/2004. 12 Paper de João Furtado, “O comportamento inovador das empresas brasileiras” (in “Cinco Décadas de Questão Social e os Grandes Desafios do Crescimento Sustentado”, organizadores João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque, José Olympio Editora, 2004, Mini-Fórum de setembro/2004). 13 Ver páginas amarelas, revista VEJA, de 18.7.2001, págs. 11 a 15. 14 Ver o livro Universities and the Global Knowledge Economy – A triple helix of University – Industry – Government Relations, organização de Henry Etzkowitz and Loet Leydesdorff, Ed. Continuum, Londres – Nova York, 1997. 8 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL e Governo passam a interagir, cada vez mais, em espiral, em movimento constante, tendo cada componente da hélice tríplice competências e responsabilidades específicas15. O ponto de partida é o reconhecimento de que, de um lado, a empresa desempenha papel crucial no processo de Inovação – é ela que tem a percepção dos bens e serviços a serem produzidos e desempenha papel insubstituível principalmente na etapa final da geração do produto (o D, de R & D). E, de outro, a Universidade, como centro de Conhecimento e Pesquisa, assume papel cada vez mais importante no desenvolvimento. E, por isso, a empresa só tem a ganhar em com ela associar-se. Na estratégia, existem opções e oportunidades para cada uma das instituições. No tocante à empresa, começa ela a sair (tanto no caso da empresa nacional como da empresa estrangeira) da tradicional passividade tecnológica que havia no Brasil: ou a empresa nacional comprava tecnologia (ou a recebia através de novos equipamentos) ou a filial da empresa estrangeira a importava da matriz. Passam, assim, as empresas a ter a percepção da importância da Inovação, num mundo que deseja novos produtos, novos modelos ou produtos diferenciados. E a enfrentar opções quando procura o justo equilíbrio entre o que faz diretamente, o que procura obter da Universidade (ou Instituto de Tecnologia) e o que capta do Exterior, através de licença, aliança estratégica ou importação de equipamentos. E aí entra o papel dos novos mecanismos de transferência de Conhecimento e Tecnologia das Universidades: a compra de patentes (caso da UNICAMP), o contrato de consultoria (USP), o cluster de Inovação (ou pólo tecnológico). Caso especial são as incubadoras de empresas, existentes hoje em inúmeras universidades brasileiras. No tocante à Universidade, o mais importante é o entendimento de que pode realizar melhor a sua função de pensar o mundo e o País voltando-se mais para as demandas da sociedade e do desenvolvimento. A partir daí, vêm naturalmente as formas de interação com a empresa e os órgãos de governo, para realização de seus projetos. Com o benefício óbvio de evoluir para um novo modelo de financiamento, já que o antigo (financiamento integral pelo Governo, no caso das universidades públicas) simplesmente deixou de existir. O Governo, por seu turno, tem muito mais a ganhar quando recorre a parcerias com as Universidades, para a realização de projetos integrantes de seus planos, na área econômica e, principalmente, na área social. Por outro lado, ao voltar-se para o financiamento em maior escala da Inovação, no binômio empresa-Universidade, está colocando uma Política Tecnológica dentro da Política Industrial. Como deve ser: é sabido que, atualmente, em particular no caso da União Européia, Política Industrial, Tecnológica e de Comércio é um conjunto. Com a vantagem de que, assim, até os subsídios se tornam aceitáveis, pelas regras da OMC. O que terminamos vendo, com a interação de dinâmicas consistentes na estratégia da hélice tríplice, é que cada instituição passa a ter um pé em cada uma das outras duas. É a mesma dinâmica das grandes Universidades americanas, que sempre têm um pé colocado nas empresas e o outro no governo. E assim poder realizar grandes projetos, sem abrir mão de suas finalidades existenciais (ligadas à função de centro de reflexão). 15 Ver, sobre a aplicação da estratégia ao caso brasileiro, a matéria sobre “Inovação: desafios e oportunidades”, na revista “Inteligência Empresarial”, do Centro de Referência em Inteligência Empresarial (COPPE-UFRJ), outubro/dezembro-2004. 9 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL A quarta Linha de Ação consiste em “O Século XXI como Século (também) da Biotecnologia e a Estratégia de Biotecnologia para o Brasil”. A Biotecnologia, ou seja, o conjunto de tecnologias baseadas no uso de células ou moléculas biológicas (novas formas de vida), para aplicação na produção de bens e serviços, desenvolveu-se a partir dos anos 70, com alto conteúdo científico-tecnológico, e enorme capacidade de transformação da economia e da sociedade. Por isso, o Século XXI deverá ser não apenas o Século da Eletrônica, como disse Chandler, mas também o Século da Biotecnologia. A verdade é que a Revolução da Biotecnologia é uma das principais forças vitais da Revolução do Conhecimento que vimos discutindo, embora seu desenvolvimento se tenha concentrado nos Estados Unidos (onde está havendo uma explosão de bioprodutos, nos últimos anos). Importante notar que a Biotecnologia vai muito além da Biotecnologia Farmacêutica (e de Cosméticos/Perfumes) e da Biotecnologia Agrícola. Em 1999, o Administrador da NASA colocou bem o alcance dessa nova área, assinalando: “O Século XXI será a era da Biotecnologia. A maioria das pessoas não compreende que estamos ingressando numa revolução biológica. Elas não vêem a Biotecnologia ligada a coisas muito além da Biologia. A Biotecnologia tem o potencial para mudar dramaticamente a Eletrônica, os mecanismos de computação, através tanto do hardware como do software, e materiais multifuncionais”. De forma mais imediata, a Biotecnologia tem apresentado resultados importantes em Saúde Humana e Animal, Agricultura, Informática (Bioinformática), Energia e Meio Ambiente. No tocante à Biotecnologia Farmacêutica, o principal ponto a destacar é que os novos medicamentos operam ao nível das causas moleculares das doenças. São, pois, drogas mais eficazes, com menos efeitos colaterais. Na fase anterior, a verdade é que os “cientistas realmente não sabiam o suficiente sobre os detalhes de como o corpo funcionava e o que causava muitas moléstias. E não tinham meios de assegurar que as novas drogas atuariam apenas sobre o alvo desejado. Como conseqüência, a maioria das drogas tratavam apenas os sintomas da moléstia – a dor e a inchação no caso da artrite, por exemplo –, sem atingir a causa da doença.”16 A Biotecnologia Farmacêutica, usando sua constelação de tecnologias (como Engenharia Genética, Síntese de DNA e proteínas, Bioquímica, Engenharia Química), tem desenvolvido certas áreas básicas (buidling blocks), como sejam:17 • O projeto GENOMA Humano; • Desenvolvimento de instrumentos para o estudo do GENOMA, a exemplo de Biochips (ou DNA chips); • Tratamento da doença ao nível de seqüências de genes (ou seja, drogas destinadas a atuar diretamente sobre as seqüências de genes próprios de determinados vírus e bactérias, ou células cancerosas). Trata-se das drogas antisense ; 16 Observação feita em From Alchemy to IPO – the business of Biotechnology, de Cynthia Robbins-Roth, Perseus Publishing, Cambridge, Massachussets, EUA, 2000 (pág. 7). 17 Obra citada, Parte II. 10 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL • Terapia de doenças genéticas (uso de instrumentos da Biotecnologia para identificar o gene ligado à moléstia e a mutação causadora, dando ao paciente um gene substituto). • Acompanhando o trajeto de comunicação (identificação das interações de molécula a molécula usadas por células e que não estejam funcionando adequadamente, para criar uma droga que corrija o problema). É a chamada signal transduction. • Criação de tecidos humanos (para repor pedaços de pele, ossos, veias e artérias, etc.). • Química combinatória (produção de um grande número de produtos químicos relacionados – os compostos –, de modo a obter o composto mais indicado para o alvo de uma certa droga). No tocante à Biotecnologia Agrícola, o essencial a dizer é que várias tecnologias da revolução biológica molecular permitem adicionar a safras e à pecuária melhorias genéticas, no sentido de resistência a doenças e pestes, valor nutritivo, maior resistência a secas (no caso de safras, menor uso de pesticidas, com benefícios para a nossa saúde e o meio ambiente). Em geral, um ponto a assinalar é que a citada revolução biológica molecular que teve lugar recentemente, com predominância nos Estados Unidos, se realizou sem tomar a Biodiversidade como fundamento. E esse ponto, claro, é muito importante para o Brasil. Podemos então, voltar-nos para a questão das bases de uma Estratégia de Desenvolvimento da Biotecnologia no Brasil. Para isso, devemos partir de duas considerações. De um lado, a produção de novos medicamentos à base da Biotecnologia, tem longo ciclo de maturação, é de alto custo e de alto risco (o medicamento, na fase clínica, pode não dar o resultado esperado). Como ilustração, “para o desenvolvimento e comercialização de uma única droga, em média, são gastos US$ 500 milhões ao longo de 8 a 10 anos”.18 De outro, a importância de que a referida Estratégia dê ênfase à Biotecnologia baseada na Biodiversidade, pelo fato óbvio de que o País tem uma das maiores Biodiversidades, no mundo, e, portanto, um grande potencial nas indústrias à base se sua utilização. Biodiversidade na Amazônia, nos Cerrados, na Mata Atlântica e até no Mar (Plataforma Continental). Talvez seja possível definir alguns fatores básicos para o desenvolvimento da Biotecnologia no País, como sejam: • Em nenhuma outra área a superação do Paradoxo Brasileiro é tão importante, por tratar-se de setor intrínsicamente de base científica (e Ciência recente). Isso significa: extrema importância da integração entre pesquisa e demais atores de mercado. A Universidade entra com seus Centros de Excelência, para permitir a formação de Clusters de Inovação em Biotecnologia, isto é, Centros de Biotecnologia, como o já existente na Zona Franca de Manaus, ou Pólos de Biotecnologia, como o de Minas Gerais; A ela se associam pequenas empresas (em geral) de base Biotecnológica já existentes. 18 Artigo “A corrida pela Inovação”, de Rodrigo Carvalho, na revista “Inteligência Empresarial”, do CRIE/COPPE/UFRJ, julho/setembro de 2004. 11 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL • Outra ação da Universidade pode ser como Incubadora de pequenas empresas de base biotecnológica. “Existem no Brasil quatro incubadoras setoriais em Biotecnologia e diversas multisetoriais que abrigam empresas de base biotecnológica”.19 • Importância das alianças estratégicas e parcerias entre pequenas empresas de base biotecnológica e grandes companhias farmacêuticas, por serem eminentemente complementares. “A relação com as grandes corporações não estaria apoiada apenas na linha fornecedor-cliente, mas, principalmente, ... no acesso a competências gerenciais de desenvolvimento de produtos e na comercialização”. • E as grandes corporações encontram nas pequenas empresas “o permanente contato com o estado da arte da ciência” e a pesquisa em estágios anteriores. • Papel crucial do financiamento (inclusive por mecanismos inovadores), dadas as características do setor. No Fórum de Competitividade da Cadeia de Biotecnologia (em setembro/2004), o Ministro da Ciência e Tecnologia “adiantou que o BNDES deverá apresentar, em 90 dias, um modelo de financiamento para o setor, envolvendo recursos dos fundos setoriais e linhas de financiamento do próprio banco”20. E a disponibilização de venture capital, para participações acionárias, é, claro, indispensável. • Importância estratégica da definição dos marcos regulatórios, para que o lado da demanda funcione (significando: o interesse de empresas e investidores privados, para que os investimentos aconteçam). Nesse aspecto, a questão principal é que passe a existir uma favorável legislação de acesso ao patrimônio genético “que regulará a produção de fitoterápicos e de produtos naturais”. Nesse sentido, “o Governo Federal prepara um substitutivo ao projeto de lei de acesso aos recursos genéticos que está tramitando na Câmara dos Deputados.” A quinta Linha de Ação é a “Incorporação maciça da Pequena Empresa (significando MPME – Micro, Pequena e Média Empresa) ao desenvolvimento”. Segundo dados do IBGE, as micro e pequenas empresas constituem 98% das empresas existentes no País (o que não quer dizer muita coisa). Fatos mais importantes são que empregam 60% da PEA, geram 42% da renda produtiva no Setor Industrial e contribuem com 21% do PIB21. Só que nesse mundo existe de tudo. Daí a importância de sua incorporação maciça ao desenvolvimento, através de Estratégia que signifique a sua profissionalização, expansão e modernização, chegando até a sua orientação para as exportações, em grande escala. Isso, de um lado, evitará que seja uma simples “estratégia de sobrevivência” e, de outro, levará a que passem a desenvolver papel muito mais relevante na geração de empregos (bons empregos) e no crescimento nacional, assim como na inserção internacional do País. Tal Estratégia de Incorporação e Desenvolvimento poderá ocorrer através de três eixos principais. Inicialmente, a aprovação da Lei Geral da Pequena Empresa e de legislação complementar, consagrando o princípio geral da diferenciação: na legislação tributária, na legislação 19 20 21 Ver artigo citado de Rodrigo Carvalho. Ver revista “Pesquisa FAPESP”, outubro/2004, pág. 26 e 27. Segundo Comércio Exterior – Informe do Banco do Brasil, nº 54, pág. 21. 12 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL previdenciária, na legislação trabalhista. Significando: tratar desigualmente o que é desigual, inclusive para reduzir substancialmente a Informalidade no Brasil. Em seguida, transformar o Microcrédito (à empresa) em uma realidade importante, através das instituições financeiras públicas e privadas. Em terceiro lugar, realizar o desenvolvimento da MPME principalmente sob a forma de apoio aos APLs – Aglomerados Produtivos Locais, como mecanismo estruturador e organizador das pequenas empresas. Trata-se de sua associação, a nível local ou regional (é uma forma de cluster), para efeito de crescimento e competitividade. Iniciativa relevante foi adotada recentemente pelo Banco, ao contratar 10 universidades para caracterização de 50 aglomerações produtivas selecionadas. A providência pode ser complementada pela criação, no mesmo Banco, de um programa permanente de apoio aos APLs, dotado de um cardápio de linhas de crédito, para diferentes necessidades das MPMEs. Ao falar-se em APLs, sempre cabe referir o sucesso dos “distritos industriais” da Terceira Itália, que são uma forma de aglomeração produtiva. Estudo recente assinala que em 1990 foi feito um levantamento dessas redes locais de pequenas empresas (61, na Itália), não apenas em setores industriais tradicionais – Têxteis, Vestuário, Mobiliário, Calçados, Couro e Peles, Instrumentos de Música, Cerâmica, Brinquedos – mas também em Mecânica e Eletromecânica. Há muito que aprender com a Terceira Itália (regiões Nordeste e Centro do país).22 Voltando ao caso brasileiro, duas observações. De um lado, o desenvolvimento em grande escala de pequenas empresas modernas é um dos mais poderosos instrumentos para reduzir substancialmente o mercado informal. E a modernização da MPME começa pela sua Inclusão Digital. O problema é grave: “De acordo com o SEBRAE Nacional, 53% das MPMEs não possuem qualquer tipo de informatização.23 Desta forma, tem que haver políticas para a Inclusão Digital de pessoas e também para a Inclusão Digital de empresas.” De outro lado, cabe assinalar que a Pequena empresa Inovadora e a Pequena empresa de base tecnológica são essenciais para vários setores, e principalmente para as TICs e a Biotecnologia24. Ou seja, para as bases do paradigma de desenvolvimento e transformação do nosso século. A sexta Linha de Ação corresponde à realização de “Uma Nova Revolução no Agronegócio/Agroindústria e, em geral, nos setores intensivos em Recursos Naturais – como os Insumos Industriais Básicos –, através da Economia do Conhecimento” Deve-se lembrar tratar-se de duas áreas em que o Brasil se tem revelado muito competitivo e é grande exportador. Neles já houve, anteriormente um grande salto (em dimensão e em competitividade). No caso do Agronegócio/Agroindústria, o salto ocorreu principalmente dos anos 90 para cá: grande avanço da pesquisa agrícola, notadamente através da EMBRAPA; a nova fronteira, representada pelos “cerrados”; e a boa gestão empresarial. Mas suas raízes vêm dos anos 70, quando houve o Programa de Insumos Modernos para a Agricultura (com juros fixos de 7% ao ano, ao longo de toda a década), a criação da EMBRAPA, em 1973, e a revelação do potencial dos Cerrados (na qual se destacam o estudo feito pelo 22 23 Considerar a matéria publicada na revista “Rumos”, julho/agosto-2003, pág. 16. Ver “Gazeta Mercantil”, 9.11.2004, pág. TI-1. 24 Ver, a propósito, entrevista de Eduardo Costa (FINEP) na revista “Inteligência Empresarial”, outubro/dezembro – 2004 (“O futuro do Brasil está na Pequena Empresa Inovadora”). 13 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL IPEA, iniciado em fins dos anos 60 e publicado em livro também em 73) e as pesquisas de Johana Dobereiner sobre os processos de fixação do nitrogênio por bactérias em plantas. Quanto aos Insumos Industriais Básicos (principalmente Siderurgia, Celulose e Papel, Petroquímica, Metais Não Ferrosos), o salto foi dado através dos programas de investimentos do II PND, que transformaram o Brasil, de grande importador, em grande exportador líquido, nessa área. E o avanço da competitividade continuou nos anos 80 e, particularmente, na década de 90, sem perda de continuidade com a privatização das empresas estatais existentes em certos segmentos dessa área. Desta forma, o que se está propondo é um novo salto de competitividade e crescimento, pela aplicação intensiva da Economia do Conhecimento. Podemos começar por uma referência breve ao “Modelo Escandinavo”, citado por Fernando Fajnzyber em vários estudos25. Falando dos países nórdicos (Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia), mostra ele a importância dos setores intensivos em Recursos Naturais em sua alta inserção internacional, que lhes permite ter um dos níveis de renda per capita mais altos do mundo. Isso é algo muito diferente dos principais países da América Latina, inclusive o Brasil, que também têm sua inserção internacional com grande apoio em setores intensivos em Recursos Naturais, mas apenas alcançam um nível médio de renda per capita. A chave da diferença está no enfoque adotado pelos países nórdicos e que lhes permite ter grande “capacidade de adicionar valor intelectual aos recursos naturais disponíveis”. Em síntese, tal enfoque envolve duas formas de ação: uso maciço de Ciência e Tecnologia (e Conhecimento, em geral), assim como de Capital Humano (qualificado). E visão dos segmentos de Recursos Naturais como cadeias produtivas, incluindo a fabricação dos Bens de Capital pra desenvolvê-los. Foi assim que tais países se tornaram altamente competitivos em linhas de produtos como Maquinária para produção de Celulose e Papel, Móveis de alto design , Equipamentos para processamento de alimentos, e refrigeração, Máquinas Agrícolas, Máquinas para processamento de recursos florestais. Desta forma, os Recursos Naturais não são (em geral), oferecidos ao mercado mundial in natura, e sim processados, e os equipamentos e máquinas para seu processamento são também linhas de exportação. Estudo mais recente do Banco Mundial26 assinala ainda o fato de que essa tradição de uso de competentes estruturas organizacionais, redes de conhecimento e agressivas políticas de Capital Humano serviu de base para o desenvolvimento de Indústrias de Altas Tecnologias, como Indústria Aeronáutica e Telecomunicações Avançadas. Como exemplo, a Nokia, hoje um dos mais importantes competidores globais na indústria de telefones celulares, foi originalmente uma produtora de celulose. E a conclusão: “Quando bem feitos e localizados no ambiente institucional adequado, os Recursos Naturais podem ser vitais para o desenvolvimento”. Evitemos, portanto, falsas opções, e vamos desenvolver as vantagens comparativas que melhor se ajustem às nossas dotações de fatores naturais e “criados”. E sempre de olho na demanda mundial, para saber o que o resto do mundo deseja importar. 25 Ver, por exemplo, Unavoidable Industrial Restructuring in Latin America, Duke University Press, Durham e Londres, 1990 (capítulo 5). 26 From Natural Resources to the Knowledge Economy, relatório de equipe coordenada pelo gabinete do Economista –chefe da América Latina e Caribe, liderada por Guilhermo Perry, Washington, 2001. 14 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Falando em dotações de fatores, o referido estudo do Banco Mundial tem uma importante análise das novas dotações de fatores – em complemento às tradicionais (naturais) dotações –, ou seja; Clusters Industriais (Aglomerações), baixos custos de Logística (“custos de levar os produtos certos, ao lugar certo, na hora certa”), Tecnologias de Informação e Comunicações (TICs) e Conhecimento. E o estudo empírico realizado chega à conclusão: “No geral, a evidência estatística mostra que, especialmente para manufaturas, mas também para certos produtos agrícolas, as “novas” dotações de fatores (ligados à Economia do Conhecimento) explicam uma parcela maior das diferenças internacionais em vantagens comparativas do que as dotações tradicionais”. Voltando as vistas mais diretamente para o Agronegócio, cabe uma palavra sobre o que se tem denominado de Agricultura de Precisão. A idéia é que, na medida do possível, os modernos métodos de management (gestão) sejam aplicados ao setor. Segundo relatório de Comitê Especial apresentado ao National Research Council, nos Estados Unidos27, o essencial da Agricultura de Precisão é a aplicação das Ciências Geoespaciais e, principalmente, das TICs à gestão do Agronegócio. Aumenta-se substancialmente a intensidade da informação para a tomada de decisões, procurando ter maior conhecimento de todos os fatores que condicionam a produtividade, não só ao nível da fazenda mas também de subáreas dentro dela, para ter possibilidade de fazer uma aplicação de insumos diferenciada, conforme a subárea. Com esse procedimento – melhor informação e informação por subárea – se poderia obter melhor produtividade total na fazenda. Nesse quadro, existem ações a nível regional, a cargo de instituições, e ações locais, a cargo da empresa agrícola. Nos dois, com uso intenso de diferentes áreas das TICs – Microeletrônica, Sensores, Computadores, Telecomunicações. A observação final, nesse tema da aplicação da Economia do Conhecimento aos setores intensivos em Recursos Naturais, é relativo ao lado da demanda. Segundo é sabido, o Comércio Internacional se faz hoje principalmente à base de produtos diferenciados (em Mercados de Concorrência Imperfeita ou Concorrência Monopolística)28. Ora, a Economia do Conhecimento permite ter produtos diferenciados, em lugar de commodities (produtos padronizados), na Agricultura, e não raro, também em Insumos Industriais Básicos. A sétima Linha de Ação consiste no “Desenvolvimento das “Indústrias” ricas em Conteúdo Cultural ou de Alta Criatividade (Creative Industries).29 A colocação preliminar é que partimos da concepção de que desenvolvimento ou é global – econômico, social, político, cultural – ou não existe.. Como “Indústrias” da categoria citada podemos citar: Educação (principalmente Educação Superior), Indústria do Livro, Cinema (inclusive DVD), Teatro, Música (Clássica e Popular), Artes Plásticas, Dansa, Novo Turismo (Turismo Cultural e Ecológico), Esportes (principalmente Futebol), Mídia (TV, jornal, rádio), Moda criativa. 27 Precision Agriculture in the 21st Century – Geospatial and Information Technologies in Ceop Management, Relatório do Comitê Especial do Conselho de Agricultura, National Research Center, National Academy Press, Washington, 1997. 28 Ver, por exemplo, o conhecido livro de Paul R. Krugman e Maurice Obstefeld, International Economics, Addison Werley, Boston, 2003 (6ª edição). 29 Logo de início, observação de que a ênfase deste tópico não é na Cultura per se, mas como atividade produtiva, e, mesmo, cadeia produtiva. Fora de dúvida, as duas dimensões estão sempre juntas. 15 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL O ponto de partida, para a nossa análise, é a emergência, principalmente nos Estados unidos, das Indústrias Culturais de Alta Criatividade como Mega-Indústrias globalizadas, levando grandes grupos empresariais, da Indústria Eletrônica e de outros setores, a se voltar para essa área de Cultura/Entretenimento. E significando que as novas Mega-Indústrias passaram a transformar a economia30. Assim se afirmou a criticality of entertainment (caráter estratégico da Indústria do Entretenimento) para o resto da economia. Segundo estudo realizado pela Consultoria Price Waterhouse-Coopers, a Indústria do Entretenimento faturou, mundialmente, US$ 1,3 trilhão em 2004, passando a rivalizar com Indústrias gigantescas como a Automobilística e a de Telecomunicações. Desse total, 50% correspondem aos Estados Unidos. A Cultura/Entretenimento está assumindo caráter de grande Indústria também no Brasil, mas existe ainda o que podemos denominar de “Paradoxo Cultural brasileiro”: o Brasil tem, em geral, criatividade artística/cultural – principalmente em MPB, Literatura, Direção de Cinema, Direção de Teatro, Artes Plásticas, Esportes -, mas o desempenho das Indústrias nessas áreas não tem o poder competitivo revelado pelos principais setores econômicos – Indústrias de Transformação e Agronegócio, particularmente. Isso, por uma conjugação de fatores: • Debilidade, com exceções, das estruturas produtivas na área de Cultura/Entretenimento • Existe aí, inclusive, um hiato: a escassez de empresas e empresários no sistema, para exercer funções como a de criador de estruturas produtivas sólidas, produtor de cinema, produtor de peças teatrais, editor de livros, etc. • A enxurrada de produtos culturais americanos sendo importados, a preços anormalmente baixos: com a globalização a vantagem competitiva (competitive edge) dos EUA se revela, especialmente, nessa área. • A insuficiente articulação da Indústria de Cultura/Entretenimento com a Televisão – o nosso grande veículo de comunicação de massa. E, igualmente, com as empresas, para obtenção de patrocínios, em particular. Observe-se haver um círculo vicioso: a baixa articulação, em boa medida, ocorre pelo fato de a TV e as empresas perceberem a debilidade de estruturas produtivas e a defasagem de competitividade das Indústrias Culturais, em comparação com outras áreas. Ora, a maior articulação é peça importante para reduzir a defasagem. Existe, nesse paradoxo,um risco para o País: a nossa descaracterização cultural e a perda de oportunidade (em face da criatividade disponível). Não se trata de fazer nacionalismo cultural. Nesse campo, há mão dupla: a Cultura é universal, mas por outro lado, freqüentemente, o universal se alcança através do nacional e, mesmo, do regional. É só considerar os exemplos de “Dom Casmurro”, do Machado (com a relação entre Capitu e Bentinho) e de “Vidas Secas”, do Graciliano (com a Baleia e o pequeno mundo em que vivia). Diante disso, há necessidade de Políticas Culturais de apoio ao desenvolvimento das Indústrias Culturais, em geral, e que levem a Cultura às populações de baixa renda. Sua execução deve levar em 30 A propósito desse fenômeno, ver the Enterteinment Economy, de Michael J. Wolf, Times Books (Random House), Nova York, 1999. 16 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL conta que em praticamente todas as atividades das Indústrias de Cultura/Entretenimento, existe o problema do alto custo fixo de eventos, ou do lançamento de produtos, com dois tipos de conseqüências. De um lado, este alto custo fixo, considerando-se a demanda prevista (e a necessidade de financiamento) pode inviabilizar a realização de certos produtos, no País. E, de outro, como a reprodução de eventos pode ser muito barata ou o custo marginal de produtos muito baixa, e até insignificante, cria-se o problema da exportação pelos Estados Unidos (e outros desenvolvidos), de produtos culturais a preços anormalmente baixos. Por exemplo: o custo de produção da primeira cópia de um filme é alto, ou muito alto; a produção de cópias adicionais tem custo insignificante.31 Tais políticas culturais podem colocar-se em três principais prioridades. A primeira é de Apoio ao Desenvolvimento das Indústrias Culturais. Alguns pontos: • Isentar o Ministério da Cultura de contingenciamentos, para que ele possa desempenhar melhor sua ação promocional. Razão básica: é essencial ao desenvolvimento (inclusive à Inclusão Social) e é barato – trata-se de Ministério com um pequeno orçamento. • Uso, cada vez mais aperfeiçoado e eficiente (com bons controles) do sistema de incentivos fiscais existentes – principalmente a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual. • Financiamento de instituições financeiras oficiais a Indústrias Culturais, condicionado ao fortalecimento das respectivas estruturas produtivas. • Instituição de Prêmios anuais, de valor razoável, a todos os setores culturais. O efeito de estímulo é muito maior do que o valor do prêmio. Significa também reconhecimento público e grande divulgação. Lembrar: Prêmio Nobel, Oscar, Prêmio Pulitzer. • Avaliação do Programa, em Portugal, de “clusterização”32 de Indústrias Culturais: “densificação das redes de cooperação empresarial, em Portugal e com actores internacionais”; “mobilização de talentos (grifo no original) e de inteligência nacional em torno de plataformas tecnológicas avançadas de escoamento de conteúdos culturais”; “acesso fácil e barato a capitais (idem) nas bases de risco típicas das empresas de alta tecnologia e inteligência-intensivas”; “digitalização acelerada (idem) das bases de dados – públicas e privadas – por forma a permitir “escalabilidade”; “estratégia comercial de penetração em mercados alargados”. • Apoio às diferentes formas de Cultura Popular (Carnaval do Rio, Recife, Salvador, etc., Centros de Cultura nas Favelas, movimentos culturais populares no Nordeste, representações teatrais em Nova Jerusalém, Cavalhadas em Goiás), produtos como a ópera “Alabê de Jerusalém” (de Altay Veloso; é “a saga de Jesus sob a ótica do negro”).33 A segunda prioridade corresponde à Política de universalização de um mínimo de Cultura/Entretenimento (“bens públicos”), através de ações como: 31 Essa problemática é discutida no livro de Richard E. Caves, conhecido economista, sobre Creative Industries – Contracts between Art and Commerce, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, EUA, 2000 (princ. Cap. IV). Charles I. Jones salienta o fato de que as idéias, como bens não competitivos (Nonrival rous) têm um alto custo fixo de produção e custo marginal nulo (que passa a ser diferente de zero apenas na medida em que estejam embutidas num bem competitivo). Ver seu Introduction to Economic Growth, N.W. Norton, Nova York, 1998. 32 Ver, a propósito, o estudo “As indústrias de Conteúdos Culturais em Portugal”, de Roberto Carneiro (in “Economia e Prospectiva”, revista do Ministério da Economia, abril;junho/2002), Lisboa, Portugal. 33 Sobre essa opera popular de um compositor para canções de pagodes, ver pág. 1 do caderno B, JB de 5.4.2005. 17 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL • Tratar as favelas e periferias das grandes cidades como bairro (acabando com a “Cidade Partida”), parte integrante das cidades, a elas levando não só Políticas Sociais (Educação, Saúde/Saneamento), mas também um mínimo de Cultura/Entretenimento. Isso principalmente em relação aos jovens, para evitar que, sem oportunidades, se deixem aliciar pelo narcotráfico. • Realização de parcerias com ONGs e igrejas, principalmente a Igreja Católica, para a criação dos referidos centros culturais em áreas pobres. • Parcerias também com empresas, fazendo incluir a idéia da universalização de um mínimo de Cultura/Entretenimento no conceito de Responsabilidade Social. • De passagem, revisão da legislação sobre tributação de entidades sem finalidades lucrativas (há algumas distorções). A terceira prioridade refere-se à Promoção de maior articulação com a Mídia, e principalmente a Televisão aberta (e em particular a Rede Globo)34. Os programas culturais e educativos são poucos e, não raro, em horários esquisitos (5 horas da manhã). O ponto importante é dialogar com os canais de TV aberta, para mostrar-lhes ser de seu interesse elevar o conteúdo cultural de sua programação. É falso o argumento de que o grande público não se interessa por cultura: todos os eventos culturais de massa levados a efeito no Rio de Janeiro têm grande sucesso popular (exemplos: Fogos de reveillon, árvore de Natal da Lagoa, shows de praia, campeonatos de futebol de praia, ou outros esportes, etc.). Ações que poderiam ser adotadas: • Divulgação de livros, por exemplo, em programas de grande auditório (“Domingão do Faustão”, Programa Gugu Liberato, Programa Silvio Santos). Basta lembrar que a simples apresentação de um livro no programa da Oprah, nos Estados Unidos, significa venda de milhões de exemplares. • Inserção de referências a livros e outros tópicos culturais em novelas (as sucessoras dos antigos romances-folhetim) e nas mini-séries, que, não raro, são em si bons produtos culturais (“Os Maias” é uma obra-prima). • Mais espaço para filmes, dança (inclusive balé), MPB, música clássica (de forma adequada a um veículo de comunicação de massa) nos programas de TV. • Apresentação de programas no gênero que nos EUA se chama de “interesse público”: reportagens ou programas de entrevistas sobre temas com conteúdo cultural. • Ter as estações de TV participando da produção de filmes (e peças teatrais) de companhias independentes, dentro do conceito de Indústria/Cultura/Entretenimento Multimídia. • Encontrar formas de os produtos culturais terem presença na Internet e em jogos eletrônicos. Se coisas como as sugeridas n;ao forem feitas, continuaremos no círculo vicioso citado, com a continuação do “paradoxo cultural brasileiro” (gostamos de ser paradoxais) e a maioria dos 34 A Televisão por assinatura tem razoável conteúdo cultural. Mas, por definição, é paga. O que se pode fazer, nessa área, é uma avaliação de conteúdo. Quantidade existe. 18 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL brasileiros continuará privada de uma dimensão básica do desenvolvimento – ou seja, excluída culturalmente. A palavra final, no assunto, é que o Brasil tem grande potencial nas Indústrias Culturais, inclusive para exportações, por causa da criatividade demonstrada em várias delas. Mas tal potencial só se realizará se construirmos sólidas estruturas produtivas e fizermos as parcerias referidas. Essa, a grande tarefa. PILAR II: Desenvolver estratégia de competitividade internacional, com base nas “especializações avançadas” (à la hicks), para tornar o país capaz de estar sempre criando novas vantagens comparativas, principalmente nas linhas de “produtos dinâmicos” De início, cabe ressaltar a distinção de ângulo entre o Pilar I e o Pilar II. No primeiro, as políticas de competitividade voltavam-se principalmente (mas não exclusivamente) para o lado da oferta: em que setores ou linhas de produtos tornar-se competitivo. No atual, orientam-se tais políticas principalmente (mas não exclusivamente) para o lado da demanda: procurar vender o que o resto do mundo está querendo comprar. Ao definir uma Estratégia de Competitividade Internacional que permita manter a viabilidade da nossa inserção, vale a pena lembrar o risco que enfrentava a Coréia – país de tradição de alta competitividade – em meados de 1977 (o ano da Crise Asiática). O diagnóstico então realizado foi de que o “Milagre Econômico” tinha acabado e o país estava, na verdade, enfrentando um quebra-nozes competitivo (competitive nutcraker)35, espremido entre as Indústrias de Alta tecnologia do Japão, de um lado, e as Indústrias Intensivas em mão-de-obra barata da China, de outro lado. Literalmente: “Os desafios competitivos com que se defronta a Coréia se tornarão crescentemente mais severos. Em particular, o quebra-nozes competitivo (grifo nosso) se tornará mais apertado, e as pressões por mudança sobre a Coréia vão-se intensificar. A China já tem uma posição significativa no mesmo núcleo de indústrias que a Coréia escolheu, e que se tornarão a força dominante na definição do futuro econômico da Coréia. De forma semelhante, as empresas japonesas se vão tornar uma ameaça crescente, à medida que aquele país completa a reconfiguração de suas estratégias”... A “Visão Coréia” então proposta, entre cinco “imperativos”, dava ênfase a um ponto que cabe destacar: “A Coréia deve mover-se para a frente a fim de ser uma economia baseada no Conhecimento”. E, efetivamente, no ano 2000, a Coréia aprovou o seu programa de evolução para Economia do Conhecimento, que teve excelentes resultados.36 Como pano de fundo para a discussão do caso brasileiro, convém levar em conta a evolução do padrão tecnológico das exportações mundiais. Entre 1985 e 2000, o aumento médio anual do total das Exportações mundiais foi de 8,2%. Nesse conjunto, o crescimento das exportações de Produtos Primários foi de 3,75% a.a., enquanto o dos Industrializados foi de 9,1%, sendo 6,6% nos setores Intensivos em Recursos Naturais ; 8,9% nos 35 Conforme o relatório Revitalizing the Korean Economy toward the 21st Century, da Booz-Allen and Hamilton, Seul, Coréia, outubro-1997. 36 O programa se intitula Korea and the knowledge-based Economy – Making the transition, Banco Mundial e OECD, 2000, sob a coordenação de Carl Dahlman e Thomas Andersson. 19 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Manufaturados de Baixo Conteúdo Tecnológico; 8,5% em Manufaturados de Médio Conteúdo Tecnológico; e 13,2% em Manufaturados de Alta Tecnologia.37 Enquanto isso, estudo recente do IEDI38 chegou às seguintes conclusões (analisando o Comércio Exterior do Brasil em 2004): • O País é grande exportador de produtos de Baixa e Média Intensidade Tecnológica (78% de nossas Exportações). E grande comprador de produtos de Alto e Médio-Alto Conteúdo Tecnológico (45% das Importações). • Nas Exportações, os produtos com crescimento mundial negativo no período 1995/2001 têm um peso expressivo (46%). Nas Importações, o destaque são os produtos de setores com alto crescimento mundial (32% das importações). Ademais, ocorre que, a despeito do bom desempenho recente de nossas Exportações, existe para o Brasil o risco de um “quebra-nozes competitivo”: o País, a médio prazo, tende a ficar espremido entre a mais alta capacidade dos países da OECD e emergentes como China e Índia, que não apenas têm custos de mão-de-obra muito mais baixo, mas também estão investindo maciçamente em Inovação e Educação Superior, para alavancar suas vantagens Industriais Intensivas em Conhecimento. A saída que propomos é o Brasil basear a sua Estratégia de Competitividade Internacional nas “Especializações Avançados” da colocação de Hicks. Lembrando: em seu ensaio sobre o desenvolvimento econômico no âmbito internacional (de 1959)39, John R. Hicks, faz a colocação de que a principal diferença entre países de baixo nível de desenvolvimento e os mais avançados (isto é, que usam mais avançados métodos de produção: melhores tecnologias, mais qualificação e eficiência da mão-de-obra, melhores organizações) está no seguinte: ... “a partir de quando um país alcança um certo estágio de desenvolvimento, parece adquirir (ou ser capaz de adquirir) uma espécie de resilience (elasticidade) contra mudanças em suas vantagens comparativas. Uma das grandes vantagens das especializações “avançadas” é que trazem consigo a capacidade (grifo no original) de fazer outras coisas; assim, se uma nação “avançada” é colocada fora de uma especialização, não lhe é insuperavelmente difícil criar (grifo nosso) uma outra”. Em outras palavras, após um certo nível de desenvolvimento (avanço econômico), o país fica dotado de “Especializações Avançadas” (não confundir com Altas Tecnologias): a elasticidade nas vantagens comparativas. A capacidade de estar sempre criando novas vantagens comparativas, para competir melhor no mercado mundial. Tal elasticidade se manifesta a nível de linhas de produtos, ou clusters de produtos – novos produtos, ou produtos melhores, ou produtos diferenciados (inclusive pela conversão de commodities, agrícolas ou industriais, em non-commodities). Isso, através de Novas Tecnologias, Engenharia de Produto e Processo, Design, Investimento em Intangíveis (como anteriormente visto). E, igualmente, a nível de fatores de produção – alta qualificação de Capital Humano, incorporação de novas Tecnologias ao Capital Físico, métodos superiores de uso da Terra, mais adição de Ciência 37 Esses dados constam da tabela 2, Estrutura das Exportações mundiais, no artigo Globalization and Development, de Sanjaya Lall, no livro”BNDES – 50 anos, Desenvolvimento em Debate”, Rio de Janeiro, 2002 (com base em dados da UNCTAD). 38 Trata-se de “O Comércio Exterior do Brasil em 2004”, do IEDI (Instituto de Estudos pra o Desenvolvimento Industrial), fevereiro de 2005 (mimeografado). 39 In Essays in World Economics, John R. Hicks, 20 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL e Tecnologia aos Recursos Naturais. São formas de tornar os fatores mais densos em conhecimento, e, portanto, com polivalência (elasticidade) no seu uso. A efetivação da Estratégia deve verificar-se principalmente através de novas vertentes competitivas, atendendo à lógica de duplo mercado (interno e externo), e de investir para exportar, com duplo objetivo – expansão e diversificação das exportações; e maior participação na lista de “produtos dinâmicos” no Comércio Mundial (segundo a UNCTAD, por exemplo). A primeira dessas vertentes seria um Programa Especial de Criação de Novas Plataformas de Exportação. Plataforma de Exportação não é apenas um conjunto de empresas que exportam. Subjacente está a idéia da integração de empresas,40 setorialmente, e/ou de integração ao longo da cadeia produtiva. No caso de setores Industriais, freqüentemente existem empresas-âncora (por exemplo, em Siderurgia, Celulose-Papel, Bauxita-Alumina), e/ou “empresas globais, nacionais ou internacionais” (exemplo: Indústria Automotiva). Entre as principais plataformas de exportação brasileiras, se podem incluir: Agronegócios (cadeia de soja, milho-carne, açúcar-álcool, suco de laranja), Indústria Automotiva (automóveis compactos, caminhões, ônibus, motores e autopeças, máquinas agrícolas), Indústria Aeronáutica, Siderurgia (metálicos, placas, acabados planos), Metalurgia (Bauxita-Alumina), Celulose-Papel, CouroCalçado.41 Frischtak considera plataformas emergentes (ou a forte potencial) as áreas de Indústria Farmacêutica, Bens de Capital e Serviços para Exploração Petrolífera, e Fruticultura Irrigada. A questão que salta aos olhos é: o que está faltando aí? Obviamente, plataformas de alto conteúdo tecnológico. Por exemplo, na área das TICs. A exceção é, naturalmente, a Indústria Aeronáutica, onde a EMBRAER continua sendo o exemplo sempre citado. Por que? Porque perdemos vários bondes, devido a descaminhos, principalmente nos anos 80 – a Lei da Informática (de 1983), o despreparo do País, “em termos industriais e tecnológicos”, para a migração da “complexidade dos produtos eletrônicos de sistemas de componentes isolados para circuitos eletrônicos”. Daí não termos criado as bases para dominar o novo Paradigma Econômico, e não havermos aproveitado as oportunidades trazidas pela explosão da disseminação da Televisão, e, mais recentemente, dos celulares, para “consolidar uma indústria de componentes e uma plataforma de Eletroeletrônicos”42. E até hoje choramos o leite derramado. E estamos, agora, buscando recuperar o tempo perdido, após aqueles descaminhos e as dúvidas hamletianas dos anos 90. A TV Digital pode ser a nova oportunidade. Qual a orientação a seguir, nesta altura? Nossa sugestão é de que, enquanto procuramos construir novas plataformas integradas43, adotemos políticas de desenvolvimento de novas vantagens comparativas, a nível de linhas de produtos/clusters de produtos, ou a nível de empresas industriais 40 Por isso, freqüentemente se fala de plataformas integradas. 41 Ver o paper de Cláudio R. Frischtak e Marco Antônio F. H. Cavalcanti, “O investimento e o caminho crítico das exportações brasileiras” (in “Governo Lula – Novas Prioridades e desenvolvimento sustentado”, coordenador: João Paulo dos Reis Velloso, José Olympio Editora, 2003). 42 43 Mesmo paper. Inclusive pela criação de novos Clusters de Inovação (“Parques Tecnológicos”), como será proposto a seguir. 21 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL (com base em seu potencial de Inovação), nas prioridades estratégicas” da Nova Política Industrial: Microeletrônica (o calcanhar de Aquiles do Complexo Eletrônico, no País), Indústria Farmacêutica, Bens de Capital, Software (inclusive mediante clusters de empresas), Serviços Tecnológicos. O teste essencial é, em todos os casos, a competitividade internacional. Mas com isso podemos ter vantagens comparativas (com o sentido dinâmico referido) desde a área dos Agronegócios, e outros setores Intensivos em Recursos Naturais, até as Altas Tecnologias. Mantendo um olhar voltado para o objetivo de ir sempre avançando no sentido do estabelecimento de novas plataformas integradas de exportação. O que, segundo o paper citado, significa atender a três pré-requisitos: demanda doméstica importante (como base para a estratégia de duplo mercado), fortes vantagens comparativas (naturais ou criadas) e presença de um núcleo de empresas com capacidade de se projetarem globalmente. A segunda das novas vertentes consiste num Programa Especial de Criação de novos Clusters de Inovação (ou “Parques Tecnológicos”, ou “Centros Tecnológicos”), que, como é sabido, significam a articulação de um Centro de Pesquisa (e, freqüentemente, de Ensino) com empresas de base tecnológica. Os exemplos típicos, no Brasil, são CTA/ITA/EMBRAER (em São José dos Campos e cidades nas quais se encontram os fornecedores da EMBRAER), UNICAMP, São Carlos, Santa Rita de Sapucaí (Telecomunicações). Segundo o “Programa 2003”, da ANPROTEC44, naquele ano o País tinha os seguintes parques tecnológicos: CTA/ITA/EMBRAER, Centro de Eletrônica e Telecomunicações da UNICAMP (Campinas), Porto Digital (Recife), Parque Tecnológico Agroindustrial do Oeste (Cascavel, PR), Parque Petrópolis Tecnópolis (Petrópolis, RJ), Parque do Rio (UFRJ), Parque Fundação Bio-Rio (FBR, RJ), Parque Tecnológico da PUC-RS(PUC Porto Alegre), Parque Tecnológico Alfa (Florianópolis), Parque Tecnológico de Alta Tecnologia (São Carlos, SP). Por outro lado, no tocante aos Agronegócios (Agricultura, Agroindústria, Pecuária), dispomos de um grande Cluster de Inovação: sua relação permanente com os vários segmentos dos Agronegócios. No levantamento citado, havia, ainda, cerca de 10 parques tecnológicos em implantação, inclusive em São Paulo (Capital). Nossa sugestão é que o Programa Especial proposto identifique os Centros de Excelência, em nossas Universidades, que poderiam converter-se em matriz tecnológica para a criação de novos Clusters de Inovação, nos próximos 10 anos, e concentrar nesses projetos a ação do BNDES, FINEP, Ministério da Ciência e Tecnologia. Um levantamento preliminar fez a seguinte seleção45: • Rio de Janeiro: cuja aglomeração de recursos qualificados (e por vezes subutilizados) talvez seja sem par no País. Devem-se estimular redes de cooperação e inovação em torno de pelo menos duas áreas de excelência: Tecnologia de Informação (PUC, UFRJ, IMPA, IME, CBPF, LNCC), e Biomédica (UFRJ, IOC), além dos Institutos de Engenharia Nuclear (IEN) e da Radiometria e Dosimetria (IRD), a exemplo do que já se faz em engenharia de Petróleo. 44 ANPROTEC – Associação Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimento de Tecnologias Avançadas, “Panorama 2003”. 45 Proposta de Cláudio Frischtak ao INAE. 22 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL • Eixo Manaus-Belém (ênfase em Biotecnologia): Associação do Centro de Biotecnologia da Zona Franca de Manaus com INPA, Museu Goeldi e departamentos selecionados das Universidade Federais: áreas de Fármacos (novos princípios ativos, plantas medicinais), materiais “nativos”, desenvolvimento de produtos baseados em frutas exóticas. • Recife: cluster centrado nas áreas de Software/Computação e Ótica (com base no Departamento de Física da UFPE) e Biomédica (inclusive equipamentos e materiais de uso médico-hospitalar). • São José dos Campos: cluster centrado nas áreas aeroespacial e eletrônica, com base no ITA/CTA e EMBRAER. • Campinas – São Carlos – São Paulo: possivelmente o “triângulo de Inovação” de maior importância no país, nas áreas de Eletrônica, Ótica, Mecânica de Precisão e Tecnologia de Informação, assim como em Biotecnologia e Engenharia Genética (neste último caso com uma rede já em funcionamento, articulada pela FAPESP). • Florianópolis: cluster centrado na área de Mecânica de Precisão, em torno do Departamento de Mecânica da UFSC. • Porto Alegre: cluster na área de Computação e Software, em torno da UFRGS (Centro de Computação de Alto Desempenho). A terceira vertente competitiva seria o Programa Especial de Criação de Novas Incubadoras de Empresas Tecnológicas. Segundo a ANPROTEC, havia em operação, nacionalmente, mais de 200 Incubadoras de Empresas, no início de 200446. Delas já resultaram cerca de 1500 empresas incubadas. Em particular, somente a UNICAMP gerou mais de 90 empresas tecnológicas, nos últimos 15 anos. Caso singular é o Instituto Werner Von Braun, um centro de pesquisas avançadas administrado por físico da UNICAMP, e que está criando empresas no Vale do Silício, na Califórnia (com recursos de investidores americanos). Além disso, tem um modelo de inserção no mundo: administra um consórcio de empresas exportadoras (produtos tecnológicos sob medida, para os clientes no Exterior). A idéia do Programa ora proposto é, a partir de agora, dar atenção especial à criação de empresas tecnológicas, em áreas de Novas Tecnologias. A quarta nova vertente consiste num Programa Especial de Apoio a novos Competidores Globais, ou seja, empresas brasileiras com projeção internacional. Num mundo globalizado através de mercados oligopolizados, as questões da dimensão da empresa e de sua internacionalização se tornam prioritárias. Do contrário, estaremos condenados a ser jogadores de segunda divisão (o setor Petroquímico é bem ilustrativo desse fato). Estudos recentes, inclusive da CEPAL (março de 2005) mostram que o País não dispõe de mais do que 10 a 15 empresas internacionalizadas (isto é, com centos de produção e/ou comercialização no Exterior), quando o potencial, pela presença do Brasil em certos setores, é muito maior. Faz-se preciso, então, ter Programa voltado para superar os vários obstáculos e essa internacionalização de nossas empresas. Obstáculos de natureza estratégica, tecnológica, comercial 46 Segundo matéria da “Gazeta Mercantil”, pág. B-11, 13.1.04. 23 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL e principalmente financeira47. Isso significa um programa abrangente, capaz de apoiar as empresas de bom potencial globalmente, nessa corrida de obstáculos (o BNDES está fazendo o que pode, através de linha de crédito especial, mas sozinho não pode criar as condições gerais para a transformação exigida). A quinta nova vertente corresponde a um Programa Especial de Exportações para os grandes emergentes (obviamente, China, Índia, Rússia, México, em particular), sem abrir mão da nossa condição de global trader. Significando: nossa primeira prioridade é MERCOSUL e integração Sul-Americana, mas nossos principais parceiros econômicos são Europa e Estados Unidos. E temos grandes interesses no bloco da Ásia (e Oriente Médio). Em resumo: o Brasil não depende basicamente de um só mercado, e tem de relacionar-se bem com todos os blocos. Tem razão Pascal Lamy: “O Brasil deve investir no multilateralismo”.48 Mas temos uma relação especial com os grandes emergentes, e como nossas relações econômicas com eles estão defasadas, muito aquém do que deveriam ser, isso justifica a montagem do Programa Especial ora proposto, como nova vertente de nossa inserção internacional. A questão seguinte a ser tratada, neste Pilar II, refere-se às dimensões a serem consideradas, na definição de nossa Estratégia de Competitividade Internacional. Em primeiro lugar, a dimensão relativa ao aprofundamento de nossa Inserção Internacional, com o aumento da participação do fluxo de comércio no PIB (hoje na ordem de 25%), de forma sustentável. Isso implica crescente envolvimento nas negociações internacionais – Multilaterais, Regionais e, igualmente, Bilaterais (em especial quanto a novos mercados), equilibradamente. Em seguida, a dimensão relativa ao lado da demanda, significando não podermos desenvolver Políticas de Competitividade voltadas apenas (ou quase exclusivamente) para o lado da oferta: sermos competidores nesta ou naquela área, nesta ou naquela linha de produtos. Igualmente importante é orientarmos nossa Política de Exportações considerando a evolução da demanda mundial. É o já dito: procurar vender principalmente o que o resto do mundo está querendo comprar. É estar sempre procurando aumentar a nossa participação na lista dos “produtos dinâmicos” no Comércio Mundial (que hoje é muito baixa, inaceitavelmente baixa). A terceira dimensão refere-se ao lado da concorrência. Em particular, estar atento às estratégias de competição dos grandes emergentes. Que são nossos aliados, não raro na OMC; e com as quais desejamos manter uma relação especial, segundo há pouco proposto. Mas que são os nossos concorrentes mais próximos e estão ganhando parte de nossa fatia de mercado, nos Estados Unidos e na Europa. Estaria incompleto, este Pilar II, se não nos voltássemos para a questão do sistema de mecanismos e incentivos destinados a tornar realidade a Estratégia de Competitividade antes definida. Cabe destacar os mais importantes49: 47 Considerar, por exemplo, o paper “A projeção global das empresas nacionais”, de Cláudio R. Frischtak (in “Brasil 500 anos – Futuro, presente, passado”, Coordenação de João Paulo dos Reis Velloso, José Olympio Editora, 2000). 48 Declaração complementada pela explicação: “É nesse fórum que o Brasil poderá conseguir a derrubada de barreiras como subsídios e modificações de regras antidumping” (ver matéria na “Gazeta Mercantil”, pág. A-9, 16 e 17.4.05). 49 Devemos notar que, atualmente, a AEB está realizando excelente trabalho no sentido da implementação (parceria setor privado/setor público), de um Plano de Ação de Eliminação de Barreiras Internas às nossas Exportações. Barreiras tão importantes (ou mais) quanto as barreiras externas. 24 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL • Direcionar o sistema de incentivos à Inovação na área do BNDES, FINEP e MCT – inclusive a nova Lei de Inovação, e a Lei de Incentivos fiscais, a ser proximamente submetida ao Congresso Nacional – para a realização das novas vertentes citadas, sempre com estratégia de duplo mercado (interno e externo). Nesse contexto, a visão do “BNDES como EXIMBANK” (sem prejuízo da atuação do BB e do sistema financeiro, em geral) traz uma contribuição relevante a que consigamos montar um sólido instrumento de apoio ao desenvolvimento dos setores de tradeables (produtos comercializáveis internacionalmente). • Importância da Isonomia Competitiva, principalmente na área tributária e financeira. Ser competitivo o nível de empresa e de Infra-estrutura não é suficiente. É preciso dispor de financiamentos e tratamento tributário em condições semelhantes às de nossos concorrentes. Isso é regra básica. • Crescente importância de assegurar alta prioridade à criação de mecanismos para identificar certas oportunidades de investimentos em setores de Novas Tecnologias e para elas atrair empresas líderes globais, que possam realizar tais projetos, considerando o mercado regional (MERCOSUL e América do Sul) e/ou o mercado global. Essa promoção de investimentos estratégicos para a Exportação é particularmente importante em setores como a Microeletrônica e a Biotecnologia. • Grande número de projetos de IDE estão deixando de vir para o Brasil à falta de um mecanismo como esse (que existe em nossos concorrentes próximos, como China e Índia). • Importância crescente do Mercado de Capitais (que dispõe de novos mecanismos para desenvolver-se em grande escala) no sentido de realização das novas vertentes propostas e, em geral, para viabilizar a Estratégia de Competitividade. • Mas isso não acontecerá espontaneamente. É preciso ter uma agenda, em que se engajem instituições como o BNDES, e ter uma parceria mercado/Governo. PILAR III: Nova oportunidade para o Brasil, pela sua conversão em país de alto conteúdo de capital humano, como base para a criação de uma economia competitiva e de uma sociedade humanista A terceira peça do tripé refere-se ao desenvolvimento do Capital Humano. Trata-se, realmente, de uma nova oportunidade. Em seu primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano, em 1990, o PNUD-ONU considerou o caso do Brasil uma “oportunidade perdida para o desenvolvimento humano”. O texto: “O Brasil deixou de alcançar um desenvolvimento humano satisfatório, a despeito de altas rendas, crescimento rápido e substanciais dispêndios governamentais nos setores sociais”. Diferentemente, a Coréia, no mesmo período (as décadas de 60, 70 e 80), conseguira transformar-se em país de alto conteúdo de Capital Humano (o Brasil era médio). Para a discussão do tema, a colocação inicial é no sentido de, como visto anteriormente, salientar a grande transformação trazida pela Economia do Conhecimento: o crescimento (e o desenvolvimento) passam a depender principalmente de idéias, know how, Tecnologia e, em geral, Conhecimento. A conseqüência é a nova importância que o Capital Humano passa a ter, por ser a fonte de tudo isso. O ponto seguinte é a transformação que a Economia do Conhecimento acarreta para o mundo do Capital Humano e da Empresa (e do Trabalho, em geral). Senão, vejamos. Lifelong Learning (Aprendizado permanente) passa a ser o novo nome da Educação – não se trata apenas de Educação Permanente. 25 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Primeiro, estamos falando de Aprendizado, o que implica Educação formal (na escola ou Universidade), Educação e Treinamento não formal (mas estruturados) e Educação e Treinamento informais (não estruturados)50. Trata-se da cultura do aprendizado: aprender, desaprender, reaprender51. Depois, é Aprendizado ao longo de toda a vida, por causa das constantes mudanças que os mundos da Escola e do trabalho vão experimentando. Fixar-se em determinado cânone – econômico, tecnológico, educativo – significa desatualizar-se com rapidez. Daí a necessidade de contínua reciclagem. Ao lado disso, há a mudança de métodos, no processo de Aprendizado permanente, inclusive através das TICs – na escola/Universidade, no trabalho e até em casa, pela Internet, Televisão (principalmente a cabo) e, agora, a emergência de veículos multimídia. Na Educação, em sentido estrito, há a mudança de conteúdo, para atender às exigências da Economia do Conhecimento. O modelo educacional, atualmente, deve transmitir os códigos da modernidade (capacidade cognitiva, capacidade de comunicação, capacidade de tomar iniciativas, criatividade) e as linguagens básicas: Informática/Internet, Inglês (a “língua franca”, a exemplo do Latim vulgar, à época final do Império Romano), ao lado, claro, de Matemática e Português. A grande mudança no mundo da empresa se mantida na nova visão de Peter Drucker, o papa do management na segunda metade do Século XX: “Desenvolver o talento (de seus recursos humanos) é função principal da empresa”.52 Diante dessas transformações, colocava-se o caráter imperioso do estabelecimento de um binômio Escola/Universidade e Empresa – são essas as duas esferas em que vai gravitar a vida das pessoas. Feita essa colocação geral, cabe analisar os desafios à Educação no Brasil, principalmente quanto ao conflito entre massificação e qualidade. Ao longo do período 1960/1990, houve uma grande expansão de matrículas, em todos os níveis – Fundamental, Médio e Superior. Mas à custa, sem dúvida, de perda de qualidade, nos vários níveis, e principalmente no Ensino Fundamental. Considerando a situação como ela se apresenta, agora, podemos fazer algumas colocações sintéticas. O grande desafio do Ensino Fundamental – hoje virtualmente universalizado – é o problema da qualidade. Daí ter-se criado a expressão “analfabetismo funcional”. A prioridade, portanto, é dar bom ensino nas primeiras séries, como têm assinalado, por exemplo, Cláudio Moura Castro e João batista Araújo e Oliveira, dois dos nossos principais estudiosos da Educação. Em síntese: “Básico é o básico”. Diz João Batista: “Com repetência ou não, na 4ª série, ao final de um percurso que leva em média seis anos para ser completado, entre 60% e 80% dos alunos não conseguem compreender o que lêem ou escrevem”. E a conclusão: ”De volta ao início: prioridade para o Ensino Fundamental”. Quanto ao Ensino Médio e Superior, existe o desafio simultâneo de qualidade e quantidade. 50 A propósito, ver Lifelong Learning in the global Knowledge Economy, Banco Mundial, Washington, 2003. 51 Como observa Jarl Bengstsson, no paper “Educação para a Economia do Conhecimento”, (in “O Brasil e a Economia do Conhecimento, organizador: João Paulo dos Reis Velloso, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 2002). 52 Artigo de Peter Drucker na Harvard Business Review (2003). 26 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL Desde 1998, o Fórum Nacional vem propondo que se cumpra o mais cedo possível a nova meta quantitativa (agora que está universalizado o Ensino Fundamental): a universalização do Ensino Médio, para proporcionar aos alunos um mínimo de 11 a 12 anos de estudo, como base para o mundo do trabalho dentro do atual Paradigma Econômico. E isso resolveria também o insolúvel problema de tentar dar acesso ao Ensino Superior às minorias através, por exemplo, do sistema de quotas (assunto que se discute nos Estados Unidos há vinte anos, sem chegar a nenhuma conclusão). Feito isso, o estudante ficaria com opções: entrar logo no mercado de trabalho; complementar sua formação educacional com cursos profissionais de curta duração (Ensino Técnico, cursos de Tecnólogo); ou avançar para o Ensino Superior (como parece ser o sonho – ou mania – da quase totalidade dos brasileiros, e de suas famílias), através dos processos gerais. Um diagnóstico da nossa Educação Superior mostra que tanto as Universidades Federais como as Universidades particulares vão mal, obrigado, embora haja exceções e, até, tenhamos um considerável número de Centros de Excelência, como dito. Mas, em geral, é um universo em dificuldades, e precisamos pensar a saída para as Universidades Federais e as Universidade Privadas separadamente, cada uma dentro de sua problemática. Nos dois casos, respeitando a autonomia universitária, mas cobrando resultados. Isso nos traz a um outro desafio, geral, para todos os níveis de ensino: a questão da avaliação. Sistema que não é avaliado, permanentemente, é sistema que tende a deteriorar. Passando ao ponto seguinte, cabe colocar – também nesse tema – o lado da demanda. Em essência: é preciso que o desenvolvimento, em visão global, dê oportunidade ao Capital Humano que se está formando. E o paradoxo – ou drama – é que o País, a despeito de ainda não haver chegado ao nível de alto conteúdo de Capital Humano , ainda se dá ao luxo de subutilizar o Capital Humano já existente. Foi o que ocorreu nas “décadas perdidas” (80 e 90)53, por falta de crescimento, levando aos freqüentes casos de médicos e economistas que viram motoristas de táxi. E ao imenso mundo de Informalidade que conseguimos criar. E que tem, no presente contexto, um significado: as pessoas estão no emprego (ocupação) que conseguem obter, e não naquele para que foram qualificadas. Para não falar nos sem emprego. A última palavra, mas não a menos importante, é no sentido de estarmos falando de uma Educação com valores (valores humanistas), em todos os níveis. Para formar cidadãos e uma sociedade humanista. Por isso, falamos, indistintamente, em Capital Humano ou Desenvolvimento Humano. Porque o “investimento” em Capital Humano não é apenas a formação de mão-de-obra para o trabalho. É a formação global para o desenvolvimento global. Sem esquecer: Educação e Cultura são irmãos siameses. Por isso, as Escolas/Universidades devem ter estratégias inovadoras, que incluam projetos culturais para os alunos. Educação com valores e conteúdo cultural. E as empresas também: Responsabilidade Social significa, também, Responsabilidade Cultural. Ambiente econômico-institucional 53 Ver, a propósito, o paper de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, (in “Cinco Décadas de Questão Social e os Grandes Desafios do Crescimento Sustentado”, coordenadores João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 2005). 27 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL O tripé apresentado funcionará melhor ou pior, dependendo do Ambiente Institucional que conseguirmos estabelecer no Brasil, e que é, também, parte da TFP (Produtividade Total dos Fatores). Esse contexto pode ser colocado da seguinte forma: criação de clima institucional favorável ao funcionamento da Economia de Mercado, tanto do ponto de vista de “regras do jogo” (inclusive institutos legais) como de Capital Institucional – Instituições (Organizações) no sentido estrito. Na segunda dimensão, merece destaque o bom funcionamento dos Poderes da República (Res Pública – coisa pública). Alguns aspectos particularmente relevantes, no caso brasileiro: • Idéia geral de que o funcionamento do Governo – os Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário – deve favorecer o funcionamento da Economia de Mercado. • Normas consistentes na gestão da Política de Desenvolvimento. Se as regras mudam freqüentemente, como pode o Setor Privado adotar decisões, em nível de risco razoável? • É particularmente importante o respeito à lei, respeito a contratos, a ausência de choques desestabilizadores (como moratória da Dívida Interna ou da Dívida Externa). • Adoção de marcos regulatórios racionais, não estatizantes, principalmente quanto às áreas de Infra-estrutura (que significam, em geral, investimento alto e com retorno a longo prazo). Respeito à autonomia das Agências Reguladoras, dentro de suas atribuições. Autonomia técnica do Banco Central, idem. • Sistema de Incentivos que estimule o aumento da produção, a geração de emprego, a realização de novos investimentos. E que desestimule a Informalidade. Estamos falando, principalmente, de uma carga tributária não inibidora da iniciativa privada (no caso brasileiro, está-se chegando a verdadeira mobilização de forças empresariais e sindicais contra os aumentos de tributação). • Dessa preocupação resulta uma Agenda de Reformas Econômicas que deve ter prioridade: Reforma Tributária, Reforma da Previdência, Reforma das Relações Trabalhistas, etc. • Atenção permanente para a Isonomia Competitiva: é questão de equidade, para evitar que a empresa em operação no Brasil esteja sempre em condições de desigualdade perante as empresas em funcionamento no Exterior. • Outra questão de equidade: tratamento diferenciado para a Pequena Empresa, importante, em particular, para a geração de emprego e o baixamar da Economia Informal. • Agenda de Reformas no tocante ao capital Institucional: Reforma Política, para ter um razoável Sistema Político, indispensável ao “bom governo”; Reforma do Judiciário, para construir um Judiciário menos lento e mais acessível aos pobres; Reforma Administrativa, em sentido amplo, para conter o Poder Executivo imperial, que dificulta ter-se um Congresso co-responsável pelo Orçamento, pela Agenda de Reformas e pelo Ajuste Fiscal. E para dimensionar adequadamente a máquina burocrática. • Controlar as diferentes formas de patrimonialismo que se estão alastrando no Estado brasileiro (Executivo, Legislativa e Judiciário): clientelismo, corporativismo, abuso de mordomias, populismo. • O “bom governo” fica cada dia mais difícil e a democracia perde credibilidade. 28 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO - O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL • Condições mínimas de Segurança Pública, que é responsabilidade não só dos estados mas também, com ênfase, do Governo Federal. Ênfase, porque o Governo Federal, inclusive as Forças Armadas, está sendo tímido. Os municípios devem colaborar. Ponto importante: o Poder Paralelo do narcotráfico/crime organizado, e suas ramificações no seio do Estado, é algo aterrorizante e que está sendo subestimado. O problema atual da Colômbia (inclusive com Guerra Civil) não surgiu de repente. Conclusão: riqueza social e humana da economia do conhecimento Em texto recente, ao colocar o problema do desenvolvimento, Ignacy Sachs escreveu: “A rigor, a adjetivação deveria ser desdobrada em socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo”.54 Vamos reter essa idéia de desenvolvimento, e principalmente a dimensão do desenvolvimento socialmente includente, para retornar ao mundo da Economia do Conhecimento. Nele, segundo o modelo apresentado, ficam esmaecidas as fronteiras entre Crescimento Econômico, Desenvolvimento Social, Capital Humano (principalmente Educação, ou melhor, Aprendizado), Cultura e Valores Humanistas. É uma convergência para a visão globalizante (Renascentista?). A preocupação com a Inclusão Social leva à noção de Cidadania Econômico-Social – um mínimo, para todos, de Conhecimento e Oportunidades. Em termos práticos, isso significa falar, principalmente, em certas universalizações e em geração de empregos (ocupações). Universalização do Ensino Médio, como dito, no mais curto prazo, Inclusão Digital (disseminação do uso do Computador e da Internet), universalização de Telecomunicações (telefonia fixa ou celular), universalização da Televisão, universalização da Energia Elétrica. Por outro lado, só há desenvolvimento autêntico com grande geração de emprego, para reduzir a um mínimo o mundo da Informalidade. Inclusive, programas locais e regionais de geração de emprego e renda e de desenvolvimento de APLs (aglomerações produtivas), associados a mecanismos, a nível federal, estadual e municipal, de promoção de oportunidades de investimento e exportações. E as implicações para a Área Fiscal e o Orçamento Público. A fim de ter recursos para apoiar as universalizações e os programas especiais de geração de emprego, coloca-se a importância das opções sociais na área fiscal. Significando, particularmente, o seguinte: o que não estiver relacionado ao desenvolvimento de Capital Humano (Educação, Saúde Pública/Saneamento, Treinamento), apoio a universalizações e geração de emprego (ou seja, o que não for altamente prioritário do ponto de vista de redução de pobreza e Inclusão Social), deve ficar dentro da norma: faz-se o que for possível. Palavra final: uma visão estratégica que leve o Brasil para o Modelo de Economia do Conhecimento, com as características apresentadas, fará muito para melhorar a auto-estima nacional, principalmente após um longo período de expectativas limitadas. 54 Ignacy Sachs, prefácio ao livro “Desenvolvimento Sustentável – o desafio do Século XXI”, de José Eli da Veiga, Editora Garamond, Rio de Janeiro, 2005. 29 O BRASIL E A ECONOMIA DO CONHECIMENTO O MODELO DO TRIPÉ E O AMBIENTE INSTITUCIONAL João Paulo dos Reis Velloso “ERA O MELHOR DOS TEMPOS, ERA O PIOR DOS TEMPOS, ERA A IDADE DA SABEDORIA, ERA A IDADE DA TOLICE, ERA A ÉPOCA DA CRENÇA, ERA A ÉPOCA DA INCREDULIDADE, ERA A ESTAÇÃO DA LUZ, ERA A ESTAÇÃO DAS TREVAS, ERA A PRIMAVERA DA ESPERANÇA, ERA O INVERNO DO DESESPERO, NÓS TÍNHAMOS TUDO DIANTE DE NÓS, NÓS NÃO TÍNHAMOS NADA DIANTE DE NÓS...”. CHARLES DICKENS, “UMA HISTÓRIA EM DUAS CIDADES” (ÀS VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO FRANCESA). Sentido: Oportunidades e riscos das revoluções. “O CONHECIMENTO É O NOSSO MAIS PODEROSO MOTOR DE PRODUÇÃO CRESCIMENTO)”. ALFRED MARSHALL, 1890. Maio de 2005 INTRODUÇÃO IMPORTÂNCIA DE EVOLUIR PARA O NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO – A “ECONOMIA DO CONHECIMENTO” –, RESULTANTE DA GRANDE FORÇA TRANSFORMADORA DE NOSSA ÉPOCA – A “REVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO” Os três impulsos por trás dessa Revolução: • • • Efeito das tecnologias genéricas – as Tecnologias da Informação e das Comunicações (TICs) e a Biotecnologia (novas formas de vida, a nível molecular). Redução constante e drástica dos custos de Transportes e Comunicações. E, em geral, do custo das transações (Lei de Moore). Avanço do Capital Humano, decorrente das maiores exigências de qualificação da mão-de-obra. CONHECIMENTO EM SENTIDO AMPLO – EDUCAÇÃO: TREINAMENTO (APRENDIZADO, EM GERAL), CIÊNCIA/TECNOLOGIA (TECNOLOGIAS GENÉRICAS, TECNOLOGIAS ESPECÍFICAS DO SETOR, ENGENHARIA DE PRODUTO E PROCESSO), INFORMAÇÃO, DESIGN, MARKETING, MÉTODOS MODERNOS DE MANAGEMENT, MARCA, LOGÍSTICA. AS DUAS DIMENSÕES DA ECONOMIA DO CONHECIMENTO I – Dimensão Econômica: levar o conhecimento a todos os setores da economia, inclusive a Agricultura e outros setores intensivos em Recursos Naturais. II – Dimensão econômico-social: levar o conhecimento a todos os segmentos da sociedade, inclusive os de renda baixa. Significado: Economia do Conhecimento como oportunidade e risco. Implicação: a Produtividade Total dos Fatores (TFP) se transforma em variávelchave do desenvolvimento. O MODELO PROPOSTO: OS TRÊS PILARES E O AMBIENTE ECONÔMICOINSTITUCIONAL PILAR I CONVERTER A TECNOLOGIA (PRINCIPALMENTE AS TICs E A BIOTECNOLOGIA) E O CONHECIMENTO, EM GERAL, EM MOTOR DO DESENVOLVIMENTO, PARA TRANSFORMAR A ECONOMIA E A SOCIEDADE LINHAS DE AÇÃO A DESENVOLVER I “INOVAÇÃO COMO ESTRATÉGIA” • Concepção inteiramente diversa da idéia de estratégia de Inovação, que a maioria das empresas tem (entre outras estratégias). • “Inovação é todo o negócio da empresa. Inovação é responsabilidade de todo mundo. Inovação é a estratégia. Inovação como estratégia é o novo motor da firma” II “O SÉCULO XXI COMO SÉCULO DA ELETRÔNICA.” E A CONSTRUÇÃO, NO BRASIL, DE FORTE BASE EM TICs • Chandler: “O Século XXI é o século da Eletrônica”. século XX apenas construiu as bases • Por isso, importância de construir no Brasil forte base em TICs, equilibrando importações e produção interna (com possibilidade de construção de plataformas de exportação, regionais ou globais, em certas linhas de produtos). Passando sempre pelo teste da competitividade. O • Proposta: superação do paradoxo através da “Estratégia da Hélice Tríplice” – configuração em que existem oportunidades e opções para cada uma das instituições. No tocante à Universidade, o essencial é o entendimento de que ela pode desempenhar melhor sua função de pensar o mundo e o País voltando-se mais para as demandas da sociedade e do desenvolvimento. Daí decorrem as interações com a empresa e os órgãos de Governo, para realização de seus projetos. Com o benefício de poder evoluir para um modelo melhor de seu próprio financiamento. III SUPERAÇÃO DO “PARADOXO BRASILEIRO” DE COMPETITIVIDADE • Jeffrey Sachs (2001): “O Brasil é um paradoxo. Tem indústria e cientistas, mas não tem competitividade”. Significando: temos as peças de um sistema nacional de Inovação, mas não temos um sistema. • São três dinâmicas – a da empresa, a da Universidade e a do Governo. É preciso integrá-las. E isso só acontecerá se as três instituições reconhecerem que é de seu interesse realizar a integração e envolver-se em parcerias. IV SÉCULO XXI COMO SÉCULO (TAMBÉM) DA BIOTECNOLOGIA. E A ESTRATÉGIA DE BIOTECNOLOGIA PARA O BRASIL • Biotecnologia – o conjunto das tecnologias baseadas no uso de células ou moléculas biológicas (novas formas de vida) para aplicação na produção de bens e serviços (a partir dos anos 70). Uma das forças vitais da “Revolução do Conhecimento”. Então: Século XXI como Século da Eletrônica e da Biotecnologia. • Biotecnologia Farmacêutica: os novos medicamentos operam ao nível das causas moleculares das doenças. São, pois, drogas mais eficazes, com menos efeitos colaterais. Na fase anterior, não havia suficiente conhecimento “sobre os detalhes de como o corpo funcionava e as causas de muitas moléstias. Igualmente, não havia meios de assegurar que as drogas atuariam apenas sobre o alvo desejado”. • Constelação de tecnologias da Biotecnologia Farmacêutica: Engenharia Genética, síntese de DNA e proteínas, Bioquímica, Engenharia Química. BIOTECNOLOGIA AGRÍCOLA: CONJUNTO DE TECNOLOGIAS DA REVOLUÇÃO BIOLÓGICA MOLECULAR QUE PERMITEM ADICIONAR ÀS SAFRAS AGRÍCOLAS E À PECUÁRIA MELHORIAS GENÉTICAS, NO SENTIDO DE RESISTÊNCIA A DOENÇAS E PESTES, VALOR NUTRITIVO, MAIOR RESISTÊNCIA A SECAS. NO CASO DE SAFRAS, MENOR USO DE PESTICIDAS, COM BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE HUMANA E O MEIO-AMBIENTE PONTOS BÁSICOS DE UMA ESTRATÉGIA DE BIOTECNOLOGIA PARA O BRASIL • O grande potencial, baseado principalmente na Biodiversidade do País: Biodiversidade na Amazônia, nos Cerrados, na Mata Atlântica, e, até, nos mares (plataforma continental muito rica). • Importância da criação de clusters de Biotecnologia – a exemplo do Centro de Biotecnologia da Zona Franca de Manaus. Importância das parcerias entre pequenas empresas de base Biotecnológica e grandes companhias farmacêuticas (são complementares). • Essencialidade do Marco regulatório. V ESTRATÉGIA DE INCORPORAÇÃO MACIÇA DA PEQUENA EMPRESA AO DESENVOLVIMENTO EIXOS PRINCIPAIS • • • • Aprovação da Lei Geral, estabelecendo o princípio da diferenciação; diferenciação na Legislação Tributária, na Legislação Trabalhista, na Legislação Previdenciária. Tratar desigualmente o que é desigual, para evitar a informalidade e permitir a modernização. Transformar o microcrédito (a empresas) em realidade importante, através de instituições financeiras públicas e privadas. Apoio ao desenvolvimento da MPME principalmente através dos APLs (Aglomerados produtivos). Inclusão digital da MPME. VI UMA NOVA REVOLUÇÃO NO AGRONEGÓCIO/AGROINDÚSTRIA E NOS DEMAIS SETORES INTENSIVOS EM RECURSOS NATURAIS Inclusive através da “Agricultura de Precisão” – aplicação das Ciências Geoespaciais e das TICs à gestão do Agronegócio. Objetivo: maior conhecimento de todos os fatores que condicionam a produtividade, não só ao nível da fazenda, mas também de subáreas dentro dela. Para fazer aplicação na dose certa e diferenciada dos insumos modernos. VII DESENVOLVIMENTO DAS “INDÚSTRIAS” RICAS EM CONTEÚDO CULTURAL OU DE ALTA CRIATIVIDADE • • • Exemplos: Educação (principalmente Ensino Superior), Indústria do Livro, Cinema (inclusive DVD), Teatro, Música (Clássica e MPB), Artes Plásticas, Dança, Novo Turismo (Turismo Cultural e Ecológico), Esportes (principalmente Futebol), Mídia (Jornal, Rádio, TV), Moda Criativa. Emergência, principalmente nos Estados Unidos, dessas Indústrias como Mega-Indústrias globalizadas – integração de Indústria (Economia), Cultura e Entretenimento. Cultura/Entretenimento pode assumir caráter de grande indústria no Brasil. Mas – existência do “paradoxo cultural brasileiro”. Necessidade de estratégia para superá-lo. PILAR II DESENVOLVER ESTRATÉGIA DE COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL COM BASE NAS “ESPECIALIZAÇÕES AVANÇADAS” (À LA HICKS), PARA TORNAR O PAÍS CAPAZ DE ESTAR SEMPRE CRIANDO NOVAS VANTAGENS COMPARATIVAS, PRINCIPALMENTE NAS LINHAS DE “PRODUTOS DINÂMICOS” NO COMÉRCIO MUNDIAL I • Colocação da idéia: lembrando: competitivo da Coréia, em 1997. o “Quebra-Nozes” • O Brasil também corre risco de um “Quebra-Nozes” competitivo, a despeito do bom desempenho recente das nossas exportações. II A PROPOSTA: DESENVOLVER “ESPECIALIZAÇÕES AVANÇADAS” (ELASTICIDADE NAS VANTAGENS COMPARATIVAS): • Lembrando – Hicks (1959): ... “A partir de quando um País alcança um certo estágio de desenvolvimento, parece adquirir (ou ser capaz de adquirir) uma espécie de elasticidade (resilience) contra mudanças em suas vantagens comparativas. Uma das grandes vantagens das especializações “avançadas” é que trazem consigo a capacidade (grifo no original) de fazer outras coisas; assim, se um nação “avançada” é colocada fora de uma especialização, não lhe é insuperavelmente difícil criar (grifo nosso) uma outra.” Ou seja: “especializações avançadas” (não confundir com Altas Tecnologias) significa elasticidade nas vantagens comparativas. • Elasticidade a nível de linhas de produtos, ou clusters de produtos (novos produtos, melhores produtos, produtos diferenciados). Como? Através de novas tecnologias, novas estratégias empresariais, Engenharia de produto e processo, Design, Investimento em Intangíveis (como dito). • Elasticidade a nível de fatores de produção: alta qualificação de Capital Humano, capital fixo com incorporação de avanço tecnológico (embodiement), mais adição de Ciência e Tecnologia aos Recursos Naturais – em suma, mais densidade de Conhecimento nos diversos fatores. III FORMA DE EFETIVAÇÃO DA ESTRATÉGIA – NOVAS VERTENTES DE COMPETITIVIDADE • Programa especial de novas plataformas de Exportação. • Programa de novos Tecnológicos). • Programa de novas Incubadoras de empresas tecnológicas. • Programa de apoio a novos Competidores (empresas brasileiras de projeção internacional). clusters de Inovação (Parques Globais IV E também: Programa Especial de mais integração econômica com os grandes emergentes (China, Índia, Rússia, México): • Mais comércio • Mais investimento direto (inclusive ligado a comércio). Ponto importante: sem abrir mão da nossa condição de global trader (relações com todos os blocos e preferência para Mercosul). V DIMENSÕES DA ESTRATÉGIA DE COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL • Aprofundamento da inserção internacional, de forma sustentável Implicação: crescente envolvimento nas negociações internacionais. • Atenção para o lado da demanda: aumento da participação na lista de “produtos dinâmicos”, mundialmente. • Atenção para o lado dos concorrentes próximos – os grandes concorrentes (a relação dupla). PILAR III NOVA OPORTUNIDADE PARA O BRASIL, PELA SUA CONVERSÃO EM PAÍS DE ALTO CONTEÚDO DE CAPITAL HUMANO, COMO BASE PARA A CRIAÇÃO DE UMA ECONOMIA COMPETITIVA E DE UMA SOCIEDADE HUMANISTA I PNUD-ONU (1990): O Caso do Brasil como “oportunidade perdida para o desenvolvimento humano”. E a questão básica, hoje – com a Economia do Conhecimento, o crescimento (e o desenvolvimento) passam a depender principalmente de idéias, know how, tecnologia e, em geral, conhecimento. Daí: nova importância do capital humano – a fonte de tudo isso. II AS QUESTÕES DE CONTEÚDO • Necessidade de aprendizado permanente (lifelong learning), e não apenas Educação permanente. Abrangência: Educação formal, Educação e treinamento não formal (mas estruturados) e aprendizado em geral (na escola, no trabalho, na internet, etc.). Com reciclagem, sempre: aprender, desaprender, reaprender. • Novo modelo educacional: os códigos da modernidade (capacidade cognitiva, capacidade de comunicação, capacidade de tomar iniciativas, criatividade) e as linguagens básicas (Informática/Internet, Inglês e, claro, Português e Matemática). III PRIORIDADES DA EDUCAÇÃO (STRICTO SENSU): • O desafio do Ensino Fundamental: o problema da qualidade, principalmente nas primeiras séries. “Básico é a base”. • Desafio quantitativo e qualitativo do Ensino Médio e Superior, com ênfase na meta de universalização do Ensino Médio, o mais breve possível (mínimo de 11 a 12 anos de escolaridade, no mundo da Economia do Conhecimento). Por último, mas não o último: Educação com valores, Educação com Cultura. AMBIENTE ECONÔMICO-INSTITUCIONAL Síntese: criação de clima institucional favorável ao funcionamento da Economia de Mercado, tanto do ponto de vista das “regras do jogo” (inclusive institutos legais) como do capital institucional – instituições como organizações (inclusive os Três Poderes da República). Do contrário, o tripé não funciona. E a TFP perde boa parte de seu conteúdo. CONCLUSÃO: RIQUEZA SOCIAL E HUMANA DA ECONOMIA DO CONHECIMENTO I Na Economia do Conhecimento, ficam esmaecidas as fronteiras entre crescimento econômico, desenvolvimento social, capital humano, cultura e valores humanistas (convergência para uma visão globalizante do desenvolvimento). II Só há verdadeiro desenvolvimento com grande geração de empregos (bons empregos), inclusive para reduzir a um mínimo a Informalidade. III Importância de um modelo como a Economia do Conhecimento para a auto-estima nacional