RECORTES DO COTIDIANO: A INCLUSÃO PENSADA A PARTIR DE UM ESPAÇO EDUCACIONAL DE EXCELÊNCIA Patricia Braun1 Márcia Marin Vianna2 O presente ensaio tem por finalidade abordar algumas reflexões sobre a experiência vivida em um colégio de aplicação de uma universidade pública diante das demandas de alunos com necessidades educacionais especiais, incluídos no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Como ponto de partida, algumas considerações sobre a descrição desse cotidiano são apresentadas para que, a partir desse cenário, possamos analisar práticas adotadas em sala de aula, dificuldades percebidas e perspectivas vislumbradas. 1. Ponto de partida: como tudo começou O projeto Necessidades Especiais em Processos de Inclusão teve seu início em 2006 com o objetivo de promover o acompanhamento, em sala de aula, de estudantes com necessidades educacionais especiais3, buscando a efetiva inclusão desse aluno nos processos de ensino e aprendizagem. O formato do projeto se dá a partir da interação entre graduandos bolsistas de Iniciação à Docência, da Faculdade de Educação, com os alunos que apresentam necessidades específicas que estão inseridos em turmas 1 Professora assistente do Instituto Fernando Rodrigues da Silveira – CAP/UERJ, Mestre em Educação (UERJ) e doutoranda do Programa de Pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2 Professora assistente do Instituto Fernando Rodrigues da Silveira – CAP/UERJ, Professora do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, Mestre em Educação (UERJ). 3 O alunado com necessidades educacionais especiais é aquele que nos termos da Política Nacional de Educação Especial apresenta características de: deficiência auditiva — perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do ouvido; deficiência visual — redução ou perda total da capacidade de ver manifestando-se como cegueira ou visão reduzida; deficiência física — variedade de condições não sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade, coordenação motora geral ou da fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou ainda, de má-formação congênitas ou adquiridas; deficiência mental — caracteriza-se por um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média; deficiência múltipla — associação no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa; condutas típicas — manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado; altas habilidades — notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes, capacidade psicomotora (BRASIL, 1994, p. 13-16). 1 regulares. Em suas ações, a finalidade desse projeto está em promover suporte pedagógico aos professores e alunos onde há demandas específicas nos processos de ensino e aprendizagem. O acesso de alunos com necessidades educacionais especiais ao cotidiano da escola regular tem sido uma realidade cada vez mais presente na atualidade, pois esse direito está garantido em legislações nacionais. Só para elucidar, na referida instituição, considerada uma escola de excelência, o ingresso de alunos no primeiro segmento acontece por sorteio para o primeiro ano, podendo participar dele qualquer criança da comunidade, havendo somente como condição a faixa etária. Por causa da maior conscientização da população, das legislações e de uma maior democratização da escola pública, o ingresso de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais passou a ser uma realidade nessas escolas, também. Oferecer ensino de qualidade a alunos com as condições biopsicossociais preservadas parecia certeiro, mas como continuar com esse panorama lidando com alunos que “fogem” ao que até então era conhecido? Como oferecer o mesmo ensino de qualidade a todos? Considerando essa realidade, constatamos a relevância de projetos e pesquisas que avançassem nas discussões e encaminhamentos sobre o dia a dia na sala de aula, aprimorando as ações pedagógicas para todos os envolvidos nesse processo, assim como favorecendo reflexões sobre as dinâmicas desse fazer pedagógico. É relevante considerar, também, que sendo a formação do professor um dos principais quesitos pronunciados pelas políticas públicas como uma estratégia necessária para a efetivação de novas possibilidades e sucesso da proposta de inclusão escolar, viabilizar espaços reais para tal capacitação docente se torna justificável e extremamente pertinente, como asseguram diversos autores que pesquisam esse contexto (BUENO, 2001; RODRIGUES, 2006; GLAT & BLANCO, 2007). Assim, o projeto tem sido desenvolvido de modo a favorecer a formação inicial (dos graduandos), a formação em serviço (dos professores regentes), além de proporcionar condições mais adequadas para o aluno com necessidades educacionais especiais acompanhar o processo educativo. Nesse intento, entendemos que criar condições para um trabalho sistemático e intensivo com esses alunos não significa 2 apenas atendê-los nas classes regulares; mas, também conhecer e respeitar suas necessidades específicas, reconhecendo as diferenças, independente de ter ou não necessidades educacionais especiais. Vale ainda frisar que o termo necessidades educacionais especiais apresenta um caráter de relatividade conceitual e que as demandas escolares abarcam um leque maior de necessidades específicas, por isso são considerados alunos elegíveis para esse projeto também aqueles que apresentam, por exemplo, dislexia, déficit de atenção, distúrbios emocionais e outras situações que possam exigir procedimentos pedagógicos diferenciados. Essa observação intenta gerar melhor compreensão sobre quem é o alunado que apresenta diferenças significativas e que requer da escola respostas educativas que favoreçam a sua real aprendizagem e, consequentemente, a inclusão. 2. Os espaços e tempos no cotidiano escolar O espaço escolar onde situamos essa reflexão está organizado do 1º ao 5º ano de escolaridade, em turmas que têm duas professoras regentes, cada uma assumindo dias da semana diferenciados. As atividades são organizadas em dois turnos, sendo as do núcleo comum pela manhã (aqui estão compreendidas as disciplinas que abordam conhecimentos nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História e Geografia) e Educação Física, Artes, Música, Teatro, Clube de Leitura e oficinas opcionais acontecem à tarde. Além disso, há aulas de recuperação também à tarde. Os dias de permanência no turno da tarde são de acordo com os anos de escolaridade, por exemplo, o primeiro ano tem todas as atividades reunidas pela manhã, no segundo e no terceiro anos eles passam a ficar uma vez por semana, e no quarto e quinto, duas. Nesse cenário, as possibilidades para o ensino aos alunos com necessidades especiais estão balizadas em torno do que os professores podem e tentam propiciar aos estudantes, pelas presenças semanais de bolsistas, com a orientação de docentes do Departamento que têm formação em Educação Especial, mas que não atuam na docência com esta função. 3 Com a inserção do aluno que aprende em um tempo flexibilizado e de formas variadas, a percepção cultural da homogeneidade da sala de aula está sendo desmascarada, gradualmente. Com essa ruptura, a estrutura da escola e a organização para favorecer as interações entre professores, alunos e demais interlocutores desse cenário, passaram a ser repensadas, já que seus espaços e tempos foram deflagrados como incapazes para dar conta dos “novos” (mas não tão desconhecidos) alunos. Atualmente é relevante considerar que há a necessidade de um novo ordenamento espacial e temporal no contexto educativo. Como meio de favorecer essa visão, a sala de recursos é compreendida como um aporte, entre outros, significativo para o alargamento das ações, atuações e movimentos em favor da aprendizagem de alunos com necessidades especiais, principalmente. Nas palavras de Silva (2008, p. 101), Diferentemente do espaço ocupado pelas salas de aula comuns, estruturado em suas origens para atender alunos “normais” e que traz consigo símbolos, signos e valores atualizados no dia a dia escolar, a sala de recursos impõe “novas” relações escolares, nas quais o ordenamento espacial e temporal do fenômeno educativo significa, ao mesmo tempo, um distanciamento daquela atualização diária e uma vinculação da escola com o universo do especial. No entanto, a sala de recursos não deve ser entendida como um ensino individualizado, no sentido de discriminar, evidenciando a diferença, mas sim como um espaço e tempo para favorecer possibilidades do aluno, por meio de estratégias adequadas às necessidades, levando-o a melhor interagir no cotidiano escolar. O apoio ao professor diante da educação inclusiva também é uma estratégia prevista nas diretrizes nacionais, mas ainda pouco viabilizada, por questões políticoeconômicas, as quais nesse momento não cabem ser analisadas. Pensar em espaço e tempo escolar, na atual conjuntura educacional, traz à tona a constatação da necessidade de mudança no cotidiano, de investimento em mão de obra e recursos materiais. De mudança na forma de perceber a escola, os professores e os alunos. Quando o modelo de organização dos tempos e espaços da escola pressupõe que seus alunos têm, por exemplo, esquemas já desenvolvidos para perceber e compreender o que em suas salas de aula é apresentado, de saída já estará desconsiderando aqueles que não possuem os mesmos esquemas, da forma esperada. É 4 como pedir (ou deixar) que todos façam parte de um cenário quando alguns já estão à parte (CAVALCANTI, 2008). Atualmente, não há como esperar que o professor regente dê conta, sozinho, das necessidades apresentadas por seus “novos” alunos. “Todos os esforços desenvolvidos para dispensar atenção personalizada aos alunos, a fim de dar respostas às suas necessidades individuais e diversas”, indicam que os professores e escola precisam de tempo para rever suas práticas, precisam revisitar suas concepções sobre o que é ser aluno, o que é ensinar (RIEF & HEIMBURGE, 2000). Talvez, por essas e outras ponderações é que o projeto Necessidades Especiais em Processos de Inclusão, tenha surgido. 3. As ações investidas Desde sua criação em 2006, foram atendidos pelo projeto oito alunos, de anos de escolaridade diferentes, do 1º segmento do Ensino Fundamental. A cada ano letivo, devido à disponibilidade reduzida do número de bolsistas (dois) e de acordo com as demandas apresentadas pelos alunos acompanhados, tem sido necessário dar prioridade aos casos que requeiram maior atenção e intervenções sistemáticas, com a presença mais constante de um mediador em sala de aula, além do professor regente. Na escola há um estudante com surdez, que está atualmente no 6º ano, não usa LIBRAS, é oralizado, já foi acompanhado pelo projeto, o que favoreceu o estabelecimento de estratégias para o estudo, hoje tem autonomia e acompanha com desempenho satisfatório seu ano de escolaridade. Outros alunos envolvidos com este acompanhamento apresentavam déficit de atenção, distúrbios de comportamento, dificuldades significativas na área da aprendizagem da escrita e da leitura e da matemática, vários passando por avaliações fora da escola, e com acompanhamento de outras áreas (Psicologia, Fonoaudiologia, Neurologia, Psiquiatria...). Há ainda alunos em observação para o possível acompanhamento no projeto, por solicitação de alguns professores. Por essa caracterização, em 2010, especificamente, dois alunos (um do 1º ano e outro do 2ª ano) foram acompanhados pelo projeto. 5 Um deles, no 1º ano, com dificuldades na adaptação social e na comunicação, emocionalmente frágil, com momentos de agressividade e sem envolvimento com a rotina escolar e com os processos de ensino, resultando em não aprendizagem. Além de toda orientação familiar para, entre outras ações, buscar avaliação multidisciplinar fora da escola. A bolsista passou a intermediar os processos escolares, garantindo, em primeiro lugar a permanência do aluno em sala de aula, e promovendo a sua interação com os objetos do conhecimento, por meio de intervenção oral, variação de linguagem, adaptação de estratégias e recursos. O outro aluno, que cursa atualmente o 2º ano, apresenta dificuldades significativas nos processos de aprendizagem em todas as áreas; há limites para a sua compreensão; a expressão oral também não traduz claramente o que quer dizer; as interações sociais com os pares não são qualitativamente favoráveis, há um certo distanciamento e isolamento; o desempenho escolar está aquém, em relação às crianças da mesma idade, mas avança na aprendizagem dentro de um ritmo próprio; fora da escola está em avaliação multidisciplinar e com acompanhamento por profissionais de Psicopedagogia e Fonoaudiologia. O trabalho da bolsista consiste em permanecer na sala de aula, acompanhando as atividades da turma, promovendo a compreensão do que é proposto, intermediando os processos escolares junto aos objetos do conhecimento, promovendo a busca das possibilidades do aluno e o desenvolvimento de habilidades. Faz uso de outros recursos, flexibiliza o tempo, adéqua a linguagem, sempre no intento de garantir a aprendizagem escolar. A atenção e as propostas desenvolvidas têm sido direcionadas a esses alunos, garantindo uma sistemática nos trabalhos, apontando para resultados claros em relação ao melhor desempenho acadêmico destes sujeitos, além de sua melhor interação social. Professores regentes e alunos bolsistas também garantem um melhor entrosamento entre si, com esta continuidade, o que promove a formação docente de ambos, na troca e na construção de saberes. Em algumas circunstâncias, o bolsista atua de modo específico e emergencial no acompanhamento de outros alunos, geralmente em situações de avaliação, assumindo a função de ledores, escribas, mediadores do conhecimento, sendo mais um elemento a compor a análise dos processos de aprendizagem dos alunos, o que tem sido 6 muito valorizado no cotidiano escolar, rompendo com padrões de avaliação centrados em um único olhar. A atenção individualizada dispensada a estes alunos é fundamental para assegurar o respeito ao seu tempo diferenciado na realização das atividades, por exemplo. O fato de ter um olhar a mais durante as atividades organizadas em sala de aula, além do olhar da professora da turma, facilita a troca entre docente e bolsista o que favorece o processo de aprendizagem de ambas diante das questões provocadas pela própria prática pedagógica. O bolsista tem em sua carga prevista o acesso à sala de aula duas vezes por semana. Nesse ambiente, o graduando é orientado a acompanhar o aluno nas atividades cotidianas, de modo que seu apoio seja uma ferramenta para o aluno desenvolver sua autonomia diante da resolução das tarefas e participação em aula. Entendido dessa forma, o papel do docente em formação é o de ser o mediador do conhecimento nas turmas onde os alunos estão alocados, promovendo o entendimento e o envolvimento com o que é ensinado, por meio de interlocução, variação de linguagem, momentos de ensino individualizado, refletindo junto com os docentes das turmas sobre as possíveis adaptações nos instrumentos e meios de avaliação. O aluno bolsista, normalmente oriundo do Curso de Pedagogia, é um elemento que possibilita um “outro olhar” sobre as práticas pedagógicas cotidianas em relação à necessidade específica do estudante, buscando melhor desempenho acadêmico e social na escola, é mais uma voz na busca de remoção de barreiras à aprendizagem. Algumas estratégias, ao longo do processo de cada aluno, têm sido desenvolvidas pelo aluno bolsista e professores das turmas com alunos incluídos. Um exemplo é a adaptação de recursos visuais para a aluna com surdez, de modo a favorecer seu entendimento sobre os temas, contextos e significados abordados em rodas literárias e de ciências, por exemplo. A cada roda literária ou roda de ciências 4, o bolsista se informa, junto ao professor da turma, sobre os temas escolhidos pelos alunos para a próxima roda. E, a 4 As rodas literárias e de ciências são práticas pedagógicas adotadas pelos professores em todos os anos de escolaridade do primeiro segmento do ensino fundamental, nesse estabelecimento de ensino. Tais atividades têm a proposta de incentivar o aluno como leitor, imprimindo nele uma postura crítica e capacidade de análise e síntese ao relatar para seus colegas os fatos e curiosidades lidos. 7 partir dos temas, elabora esquemas com imagens que possam ilustrar conceitos e enredos trazidos nas histórias ou matérias científicas. O que se constata com essas estratégias, assim como com outras direcionadas a alunos com algum tipo de necessidade de adaptação, é que a proposta adaptada acaba por favorecer não só ao aluno que apresenta tal demanda, mas também aos demais. Outros estudantes que apresentavam dificuldades para retirar de um texto a informação ou a ideia central ou de fazer uma síntese, ao se depararem com os esquemas visuais, começaram a expressar com mais autonomia suas análises, com coerência e sentido mais elaborados. Passaram a participar da atividade com mais interesse o que, por consequência, acaba por deixar o momento da proposta mais organizado, mais dinâmico e colaborativo, favorecendo a todos. Ou seja, quando um recurso é pensado para um aluno o grupo todo pode se favorecer dele, e sendo assim, a adaptação ou recurso não tem a finalidade de ser exclusivamente para aquele que “precisa”. Como constatado por Ainscow (1998), a educação inclusiva ultrapassa situações específicas como atender aos alunos com necessidades educacionais especiais, uma vez que supõe a melhoria das práticas educativas para todos os alunos e para o conjunto da escola. Assim, a instituição escolar e seus agentes, principalmente os professores, depararam-se com a necessidade de reconsiderar a organização educacional e, especialmente, sua proposta curricular, vista a partir de uma perspectiva homogênea até então, para passar a ter como perspectiva atender alunos com e sem necessidades educacionais especiais em tempo e espaços comuns. Uma escola pode ser um espaço inclusivo na medida em que minimizamos aspectos como o da desvalorização do aluno baseada na sua capacidade de aprendizagem e no seu rendimento escolar. A intencionalidade educativa a que se propõe a escola atual, precisa ser pensada a partir da prática pedagógica, do trabalho na diversidade, das habilidades atitudinais, bem com das “crenças” daqueles que nela transitam, de modo que favoreça a organização de um projeto curricular que privilegie percepções sociais e a construção de identidades e conhecimentos, tanto de educandos quanto de professores (CARVALHO, 2008). O desafio está justamente em alocar as reflexões sobre a escola para todos, nesse contexto educacional que preza pela excelência, que se organiza por seriação e 8 por meritocracia, que exclui, que na multirrepetência não permite a matrícula (jubilação – com dois anos de reprovação no mesmo ano de escolaridade ocorre o desligamento da escola). Como orientadoras do projeto, Necessidades Especiais em Processos de Inclusão, somos professoras e pesquisadoras, com formação específica na área de educação especial, e temos a tarefa de buscar conhecimentos e socializá-los, em forma de orientação e planejamento de ações. Refletir sobre a prática dos professores tem sido uma tarefa instigante, pois a todo instante suscitam indagações como: por que pedagogias tão centradas no aluno, que favorecem a interlocução, a reflexão, a participação, não dão conta, por si, de demandas como a de um aluno surdo, por exemplo? Por que trabalhos que vão de encontro aos interesses do aluno e que são significativos, ligados à realidade e ao cotidiano, não favorecem a aprendizagem de um estudante com distúrbio de comportamento ou com um desenvolvimento intelectual diferente dos colegas da mesma idade? A proposta pedagógica apresentada pela referida escola é considerada de vanguarda, pois procura ter uma orientação sócio-construtivista, com uma metodologia centrada na pedagogia de projetos, estimula a formação de leitores, promove a autonomia, cria uma consciência ecológica. Ou seja, parece ter tudo para favorecer a todos. Mas que todos? Diante do “todos”, alguns alunos correm risco de fracassar e os professores se veem em situação de que “é preciso fazer alguma coisa”. Daí fica evidente o caráter coletivo da profissão docente, da rede de relações e interações que pode (e deve) se formar, ou se desvelar, já que existe. Construir novas práticas, buscar saídas pedagógicas que favoreçam e atendam a todas as demandas de sala de aula, tanto de professores quanto de alunos, é um caminho a ser construído na reflexão sobre a ação e em suas interlocuções. O currículo – este é compreendido como espaço dinâmico de favorecimento de aprendizagens efetivas para todos e caminho de elaboração de respostas educativas adequadas para cada um. Nessa abordagem, esperamos que identidades sejam formadas: de alunos que têm possibilidades e habilidades a serem descobertas e desenvolvidas e que, em outras circunstâncias, estariam fadados ao fracasso e à exclusão escolares; de 9 professores em atuação, que na formação continuada estabelecem de novas estratégias para demandas específicas; de futuros profissionais, que, nesse momento, atuam como bolsistas e estão em processos de construção de saberes profissionais docentes; e de crianças que podem aprender na convivência com as diferenças a tolerância e a colaboração. Já é sabido por todos que a construção de um currículo para a educação inclusiva requer, quando necessário, eliminar, introduzir ou modificar algum objetivo, conteúdo ou atividade. Requer, também, priorizar certos conteúdos, de acordo com o processo de aprendizagem do aluno, bem como modificar o tempo previsto para atingir os objetivos propostos, além de planejar e executar adaptações nos instrumentos de avaliação. Essas regulamentações estão delineadas nos documentos oficiais da Secretaria de Educação Especial (BRASIL, 2000). Entretanto, as modificações e adaptações previstas para a adequação do ensino às necessidades do aluno não significam empobrecer o currículo, mas considerar as diversidades existentes nas turmas, promovendo uma diferenciação positiva que propicie o desenvolvimento pleno de todos os alunos. O conceito de diferenciação no ensino fica bem explicitado nas idéias de Perrenoud, exploradas por André (1999): Diferenciar é dispor-se a encontrar estratégias para trabalhar com os alunos mais difíceis. Se o arranjo habitual do espaço de sala não funciona com esses alunos, se os livros e materiais didáticos não são adequados para eles, se, enfim, as atividades planejadas não os motivam, é preciso modificá-las, inventar novas formas, experimentar, assumir o risco de errar e dispor-se a corrigir. Diferenciar é, sobretudo, aceitar o desafio de que não existem respostas prontas, nem soluções únicas; é aceitar as incertezas, a flexibilidade, a abertura das pedagogias ativas que em grande parte são construídas na ação cotidiana, em um processo que envolve negociação, revisão constante e iniciativa de seus atores (p.22). Com base nessa premissa temos construído a orientação junto aos alunos bolsistas, a partir de suas observações, falas, registros e interações com alunos e professores. A interlocução com professores regentes tem revelado que abordagens diferenciadas precisam ser incorporadas ao dia a dia. Não se trata de favorecer uns em detrimento de outros, os próprios estudantes podem ter a oportunidade de compreender 10 que a diversidade humana é algo inerente, que todos têm limites e possibilidades, que dá para aprender com o outro e que existem caminhos e linguagens variados para a aprendizagem e para o ensino. Nesse sentido, além de nos depararmos com questões sobre a dinâmica curricular, há que considerarmos, ainda, a forma como a escola se apresenta enquanto possibilidades de espaços e tempos diferentes para alunos com demandas também diferenciadas. Final (?) de conversa... Diante das experiências relatadas e vividas, podemos dizer que o projeto tem favorecido a incorporação de reflexões e de “novas falas” entre professores regentes, que revelam a importância de abordagens diferenciadas de ensino, tanto para o aluno que requer adaptações, quanto para os demais alunos, os quais a partir dessas diferenciações acabam, também, sendo privilegiados com novas, diferentes e diversas possibilidades de aprender e demonstrar o aprendizado. Além disso, há uma compreensão mais contextualizada sobre diversidade/diferenças em sala de aula, sendo as mesmas vislumbradas sob a perspectiva da possibilidade, com a busca de novos caminhos; tirando o foco dos limites ou das dificuldades como balizadores do fazer pedagógico do aluno. Todavia, como qualquer processo que passa por revisões, temos que considerar os entraves que têm sido percebidos, nesse percurso. Entre eles, a organização de um tempo comum entre bolsistas, coordenadoras do projeto e regentes das turmas, ainda é uma das tarefas mais difíceis no cotidiano escolar. As interlocuções e reflexões ocorrem nas reuniões de planejamento do projeto, as quais nem sempre permitem uma discussão mais aprofundada e com a participação de todos, devido aos desdobramentos de tarefas escolares entre os envolvidos. Percebemos, ainda, a necessidade de mais um bolsista, pois esse outro mediador poderia garantir os acompanhamentos e o estabelecimento de estratégias adequadas junto a outros alunos e outros professores. Muito há para fazer ainda, vemos a necessidade de maior integração com as famílias na busca de alternativas conjuntas. Assim como, viabilizar uma via 11 comunicação efetiva entre professores das graduações e os da escola básica, para efetivar trocas significativas e ver-se cumprir a tarefa social das instituições públicas de ensino. Nesse contexto, o projeto aponta para a necessária inserção de novos profissionais do ensino em salas de aula, em salas de recursos, em aulas de apoio específico, para que se efetivem reais processos de inclusão. Referências AINSCOW, M. Developing links between special needs and school improvement. In: Support for Learning, nº13, v. 2, 1998, p. 70-75. ANDRÉ, Marli. (org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: SEESP, 1994. BRASIL. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais – Adaptações curriculares de pequeno porte. Brasília: Ministério de Educação, Secretaria de Educação Especial, 2000. BUENO, J. G. A inclusão de alunos diferentes nas classes comuns do ensino regular. In: Temas sobre Desenvolvimento. São Paulo, v.9 nº 54, 2001, p. 21-27. 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