Desempenho recente, segmentos de atividade e

Propaganda
temas de
economia aplicada
novembro de 2009
Antonio Lanzana (*)
Luiz Martins Lopes (**)
desempenho recente, segmentos de
atividade e perspectivas da economia
brasileira: 2010 e próximos anos
1. introdução
Depois de um período de aceleração do crescimento
do nível de atividade (2007 e 2008), a economia brasileira é atingida pela crise financeira internacional,
irrompida a partir de outubro de 2008. Duas questões
chamam a atenção nessa mudança de rumo: a forte
contração do PIB num primeiro momento, e os impactos completamente diferenciados sobre os vários
segmentos da atividade econômica.
O objetivo desse texto, além de fazer uma “radiografia” dos impactos da crise sobre o Brasil, é analisar
o atual momento econômico e as perspectivas para
o final de 2009, para 2010 e os próximos anos. Além
da expectativa quanto ao desempenho das principais variáveis macroeconômicas, atenção especial
é dedicada ao comportamento setorial, tanto nesse
período de transição como na recuperação da economia brasileira.
8
2. a economia brasileira e os impactos iniciais da
crise
Desde 1999, a política econômica adotada no Brasil
(câmbio flutuante, metas de inflação e controle do
déficit público) tem conseguido resultados favoráveis
ao País. A inflação vai se situando em patamares próximos a 4% e 5%, as reservas internacionais são as mais
altas da história (superando os US$ 200 bilhões) e o
crescimento do PIB, embora registrando ritmo inferior
ao verificado nos países emergentes, teve rápida aceleração até 2008, com crescimento superior a 5%.
Essa situação é revertida com o advento da crise
financeira internacional. A forte agressividade, em
termos de disposição de correr riscos, que vinha
caracterizando o mercado financeiro dos Estados
Unidos, é interrompida com a crise, que teve seu ápice
na “quebra” do Banco Lehman Brothers. A reversão do
quadro até então observado trouxe três consequências
imediatas: escassez de crédito no mercado financeiro
internacional, recessão nos países desenvolvidos e
confiança fortemente abalada.
Num primeiro momento, após sentir os efeitos da
crise, o PIB mostra forte queda (-3,4% no último trimestre de 2008 e -1,0% no primeiro trimestre de 2009),
revertendo a tendência dos últimos anos.
menor elasticidade-renda desses produtos e da pouca
dependência dos mesmos em relação ao crédito.
Quando se analisa a situação por gêneros industriais,
os impactos também são muito diferenciados, com
fortes quedas, como material elétrico e de comunicações (-30,9%) e máquinas e equipamentos (-21,2%). De
outro lado, há forte expansão em outros equipamentos
de transporte (21,7%) e farmacêutico (10,8%).
3. reflexões sobre os impactos setoriais
4. perspectivas para o final de 2009 e para 2010
Embora o impacto da crise tenha sido muito forte
sobre o nível de atividade, os reflexos são muito
diferentes entre segmentos, qualquer que seja a desagregação efetuada. Quando se analisa a evolução
dos componentes do PIB pela ótica da demanda,
verificam-se, nos dois trimestres, quedas expressivas
e, simultaneamente, taxas positivas.
As exportações caem 18,4% no acumulado de dois
trimestres, consequência da retração da economia
mundial e da queda do preço das commodities. Da
Algumas questões podem ser levantadas para análise
das perspectivas nesse período: 1) o Brasil pode crescer mais rapidamente que outros países? e 2) Como
ficará o desempenho setorial nessa fase de transição?
Podem-se identificar sinais favoráveis para a recuperação. Entre esses sinais, cabe destacar:
a) Embora a expansão dos gastos públicos possa gerar
problemas fiscais no futuro, neste momento con-
No sentido contrário, destacam-se os gastos do governo com crescimento de 1,1%, e o consumo das famílias
que volta a crescer no primeiro trimestre de 2009.
tribui para aumentar a demanda agregada através
do reajuste do funcionalismo, do salário mínimo
e do bolsa-família. Estes três itens estão injetando
R$ 26,6 bilhões na economia no período maio-
A diferenciação nos impactos setoriais é ratificada
quando se analisa a evolução por setores. Nesse
sentido, verifica-se que, enquanto o comércio cresce
4,7% no período janeiro-agosto, a produção industrial
até setembro cai 11,6%, “puxada” pela queda da exportação de manufaturados de 32,0%. Ao se “abrir”
a produção industrial, percebe-se o efeito da queda
das exportações na produção de bens intermediários (-13,5%), o impacto da contração do crédito na
produção de bens de consumo duráveis (-14,5%) e a
retração dos investimentos atingindo a produção de
bens de capital (-22,6%). Já os bens de consumo não
duráveis foram os menos afetados, em função da
novembro de 2009
mesma forma, o investimento retrai 21,3% porque
com a queda do nível de atividade surge capacidade
ociosa, levando a uma retração natural das inversões.
Além disso, em momentos de incerteza, é normal que
várias decisões de investimento sejam adiadas.
Apesar do crescimento do PIB no segundo trimestre
(1,9% sobre o trimestre anterior), o primeiro semestre
fecha negativo (-1,5% em relação ao mesmo período
anterior). Nesse sentido, com a inclusão de dados
favoráves esperados no segundo semestre, o PIB já
deve apresentar resultado positivo.
dezembro/2009 em relação aos mesmos meses do
ano passado.
b) O crédito está fluindo de forma mais favorável,
principalmente com uma ação mais agressiva dos
bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal). Os prazos foram alongados e os
indicadores de demanda de crédito por parte das
pessoas físicas mostram tendência de crescimento
nos meses recentes.
Particularmente em relação aos juros, vale destacar
que, mesmo que o processo de redução da SELIC,
9
situada em 8,75% ao final de 2009, seja interrompido, o que é muito provável, os efeitos da redução
gerando uma expectativa de crescimento mais rápido
da economia brasileira.
recente da taxa básica far-se-ão sentir ao longo dos
próximos meses. Análises divulgadas pelo Banco
Central mostram que os impactos da redução de
juros sobre a demanda se prolongam por um período de cerca de 12 meses.
c) A crise havia criado uma acumulação forte de
estoques no setor industrial porque a queda da
demanda foi muito significativa e os ajustes da
produção não ocorreram imediatamente. O processo de desova parece ter se esgotado no primei-
O mercado acionário é um reflexo dessa perspectiva.
Investidores estrangeiros aplicaram US$ 6,9 bilhões
na compra de ações de empresas brasileiras em julho,
o maior valor registrado nesse mercado nos últimos
anos. Esse resultado é mais que o dobro do registrado
no mesmo período do ano passado. No acumulado do
ano (até agosto), o Brasil já recebeu US$ 13,3 bilhões
em recursos destinados à Bolsa, o que representa uma
extraordinária recuperação na comparação com igual
período de 2008 (US$ 3 bilhões).
ro semestre, o que significa dizer que as vendas
caminharam acima da produção nesse período. É
de se esperar que, com a desova dos estoques, o
novembro de 2009
ritmo de crescimento da produção se acelere. Vale
destacar que a produção industrial vem crescendo
continuamente desde o início do ano.
O Brasil tem condições de superar a crise mais rapidamente do que outros países porque o sistema
financeiro nacional permanece sólido. Não houve
“quebra” de bancos nem desconfiança quanto à saúde
do setor. Com isso, é natural que o crédito volte a fluir
mais rapidamente no Brasil que em outros países,
Como a rentabilidade das empresas (e, portanto, o
preço das ações) está associada diretamente ao comportamento do nível de atividade, fica claro que a
aposta dos investidores é que o Brasil voltará a crescer
mais rapidamente que outros países. Os sinais de
confiabilidade são reforçados com a retomada dos
IPO´s no segundo semestre.
Considerando o conjunto dos dados, estima-se que o PIB
encerre 2009 com variação ligeiramente positiva, mostrando forte desaceleração em relação ao crescimento
acima de 5% observado nos dois anos anteriores.
Brasil - projeções 2009/2010
Indicadores
2009
2010
PIB (%)
5,10
0,20
4,80
Inflação (%)
5,90
4,20
4,40
Balança Comercial (US$ bi)
24,70
25,00
14,50
Balança Transações Correntes (US$ bi)
-28,30
-17,40
-33,10
IDE (US$ bi)
45,10
26,30
33,8
Taxa de Juros (% a.a.)
13,75
8,75
10,5
2,39
1,70
1,75
Taxa de Câmbio (final de período)
Em relação aos preços e às expectativas de inflação,
observa-se que a tendência da inflação é de se posicionar perto da meta de 4,5%, tanto neste ano como
no próximo. Para isto, contribuição importante virá
da taxa de câmbio, que deve ficar cerca de 30% abaixo
do verificado no final de 2008. Para o próximo ano,
o câmbio também não deverá sofrer modificações
10
2008
significativas. Entende-se também que o Banco Central deve elevar as taxas de juros para “compensar”
a política fiscal expansionista, principalmente num
ano eleitoral.
Na área externa, é esperada a manutenção do superávit comercial, com retração de exportações e
importações. Apesar disso, não há preocupação com
a balança de transações correntes, que apresenta um
saldo negativo, mas inferior ao de 2008.
Retornando à questão setorial, pode-se verificar que a
indústria foi fortemente afetada em 2009 (consequência da queda das exportações e dos investimentos), e o
setor serviços é o que deve crescer. Isto ocorre porque é
um setor fortemente dependente de demanda interna,
que foi estimulada com medidas fiscais e monetárias.
Esta situação pode ser observada a partir da pesquisa
FOCUS, do Banco Central, que indica uma queda de
mais de 7% para o setor em 2009. Para a agricultura,
é esperada uma retração de 1,4%, e o setor serviços
deve ser o único a registrar resultado positivo em
2009 (2,4%).
a produção industrial, já reverteram a tendência de
queda no segundo trimestre, novamente “empatando” com a indústria como um todo (3,6% no segundo
trimestre).
Os bens de consumo não duráveis sentiram menos
o efeito da crise, com queda menos expressiva que
o setor industrial, mas na recuperação também
mostram desempenho mais fraco, embora positivo.
Confirma-se, assim, que este é um segmento de baixa elasticidade-renda, em função das características
desses produtos. Por fim, o setor de bens de consumo duráveis amplia o ciclo industrial, reforçando
suas características de alta elasticidade-renda. Além
disso, segue o movimento do crédito, que volta a se
recuperar e acentuou o crescimento do setor (11,5%
no segundo trimestre e 9,2% no terceiro), favorecido
também pelas benesses tributárias.
5. perspectivas para os próximos anos e dinâmica
dos segmentos de atividade
O investimento privado é normalmente o último a se
recuperar. A queda forte no PIB no último trimestre
de 2008 criou capacidade ociosa, que não será esgotada com a recuperação em curso, até mesmo porque
a previsão do PIB é de crescimento fraco em 2009.
Além disso, nesse quadro, é natural que as decisões
de investimento sejam reavaliadas e somente materializadas com sinais claros e consistentes de retomada,
além do esgotamento da capacidade ociosa. Não quer
dizer que os investimentos não ocorrerão (até porque
muitos deles já estavam em andamento quando a
crise chegou ao País), mas certamente ficarão abaixo
do período pré-crise.
Os modelos de desenvolvimento econômico mostram
que a capacidade de crescimento dos países ao longo
do tempo depende do investimento e da produtividade de capital. Em termos simplificados, tem-se:
A análise por categoria de uso também registra resultados diferentes na recuperação. Os bens de capital
mostram três quedas consecutivas (acumulando
-27,1%) mas essa situação já reverteu no terceiro trimestre, com expansão de 6,1% (em relação ao trimestre
anterior). Como os investimentos são os últimos a se
recuperar, percebe-se o “fôlego” forte da retomada.
Os bens intermediários, que, historicamente, seguem
Enquanto as expansões da economia brasileira esperadas no segundo semestre de 2009 e no ano de 2010
devem estar, ao que tudo indica, condicionadas ao
comportamento do consumo, a partir daí o nível de
investimentos é que determinará o ritmo de crescimento do produto.
∆Υ I Y
= • Υ Y K
novembro de 2009
O mercado interno deverá crescer de maneira mais
significativa. Além dos sinais já mostrados de recuperação, os reajustes do salário mínimo, do funcionalismo público e do bolsa-família garantem, como já
se viu, um acréscimo de R$ 26,6 bilhões num período
de oito meses.
(1)
onde:
∆Y
= taxa de crescimento do produto potencial.
Y
I
= taxa de investimento (investimento/PIB)
Y
Y
= relação produto capital.
K
Particularmente em relação à produtividade da econoY
mia ( ), é importante destacar que se o investimento
K
11
(I), que é o acréscimo de capital (ΔΚ) for mais (ou
menos) produtivo que o estoque do capital existente
(K), contribuirá para acelerar (ou desacelerar) o ritmo
de crescimento do produto. Assim, alternativamente,
ter-se-ia:
∆Υ I ∆Y
= •
Υ Y
I
(2)
∆Y
= é a relação incremental produto/capital.
I
Ie
em função da complementaridade. De forma mais
detalhada, os impactos da redução dos investimentos
públicos podem ser assim destacados:
investimento público (Ig) contribui para a queda
do investimento total, a menos que houvesse uma
compensação do investimento privado nacional
(Ip), ou investimento estrangeiro (Ie), o que efetivamente não está ocorrendo.
Em linhas gerais, tem-se:
novembro de 2009
Ip
a) De forma direta, percebe-se que a redução do
O investimento (I) pode ser público (Ig), privado (Ip)
ou estrangeiro (Ie), e cada um deles tem seus próprios
determinantes.
I = Ig + Ip + Ie Ig
Kg
capital ( ). Indiretamente, o investimento público
K
impacta as decisões dos investimentos privados e dos
investimentos multinacionais (Ip e ∆Yp ; Ie e ∆Ye ),
onde:
depende diretamente de seu nível (Ig), de sua produtividade ( ∆Υg ) e de sua participação no estoque de
(3)
b) O reduzido valor de (Ig) está contribuindo para
diminuir a produtividade no setor público, na
Compatibilizando as equações (2) e (3), pode-se
mostrar a dinâmica do processo de crescimento do
produto:
medida em que (Ig) parece insuficiente até mesmo
para cobrir a depreciação de (Kg); a situação das
rodovias, dos portos e dos aeroportos são bons
exemplos nesse sentido.
∆Υ  Ig + Ip + Ie   ∆Yg Kg ∆Yp Kp ∆Ye Ke  =
•
+
•
+
•


Υ
Y
K
Ip
K
Ie
K 
 Ig
(4)
da economia  Y  .
 
K 
onde:
∆Yg
= relação incremental produto/capital (sendo
Ig
“g” no setor público, “p” no setor privado e
“e” nas empresas multinacionais).
Kg
=
K
c) O baixo padrão de (Ig) reduz a produtividade total
Participação no estoque de capital (“g” no
setor público, “p” no setor privado e “e” nas
empresas multinacionais).
d) Além disso, impacta negativamente o investimento
privado na medida em que Ip e Ie são complementares a Ig; as incertezas sobre a disponibilidade de
infraestrutura, energia elétrica, transporte, portos
etc. afetam o níveis de Ip e Ie.
e) A reduzida taxa de (Ig) afeta a produtividade do
capital do setor privado ( ∆Yp ) e do setor externo
Ip
Para avaliar as perspectivas da economia brasileira
numa visão de prazo mais longo é preciso analisar os
fatores que determinam cada componente do investimento e a produtividade desse mesmo investimento.
Pretende-se mostrar que a dinâmica do investimento
é extremamente dependente das decisões de política
econômica.
Inicialmente, pode-se verificar que a contribuição do
setor público em termos de crescimento do produto
12
( ∆Ye ) de duas formas: a ausência de infraestrutura
Ie
aumenta os custos do setor privado (condições das
estradas, dos aeroportos, ...), e obriga muitas empresas a criarem sua própria infraestrutura, saindo
dos respectivos “core business”.
Ao se analisar a contribuição do setor privado nacional, é preciso destacar que o enfoque tem que
ser necessariamente diferente daquele efetuado em
relação ao setor público, até porque as decisões de
investimentos são completamente diferentes. O setor
público é quem conduz os instrumentos de política
econômica e investe em setores de pouca concorrência
(infraestrutura) e na área social. Já o setor privado
opera em condições concorrenciais, entendendo-se,
portanto, que busca sempre a decisão mais eficiente e é
dependente das decisões de política econômica. O que
existe em comum nessas decisões entre o setor privado
e o público são os investimentos em infraestrutura,
embora os interesses que norteiam as decisões sejam
diferentes entre os dois setores.
Nesse sentido, pode-se analisar a contribuição do
setor privado à dinamização da economia através de
dois enfoques: ampliação do volume de investimentos
como um todo e atuação na área de infraestrutura.
Um segundo ponto a ser explorado refere-se à atuação do setor privado na área de infraestrutura. A
incapacidade financeira do setor público de realizar
os investimentos em infraestrutura obriga o governo
a compartilhar essa responsabilidade juntamente com
o setor privado. Ocorre, porém, que o setor privado
somente pode ser atraído a atuar na área de infraestrutura (onde o retorno privado é menor que o social)
se houver clima favorável aos investimentos, o que
passa por uma perspectiva de retorno e estabilidade
das “regras do jogo”. Para isso, a questão regulatória
assume um papel fundamental, e aí encontra-se outra
grande limitação ao crescimento.
A contribuição do investimento direto estrangeiro é
dada diretamente por sua magnitude (Ie), pela relação
incremental produtiva de capital no setor ( ∆Ye ) e sua
K
indireta, afeta a produtividade do setor privado nacional pelo seu efeito de complementaridade, gerando
ganhos positivos de escala.
Entre os fatores que afetam as decisões das empresas
multinacionais não há muita diferença em relação
ao investimento privado doméstico. É verdade que
nos últimos anos, a atratividade do País se elevou em
função de estabilização com liberdade total de preços, eliminação de restrições que existiam ao capital
estrangeiro (inclusive possibilidade de discriminação),
“quebra” de monopólios estatais, privatização e assim
sucessivamente.
Mas é importante chamar a atenção para o fato de que
ainda há muito espaço para aumentar essa atratividade através de: criação de um clima mais favorável
aos investimentos; adoção de regras claras para as
concessões no sistema de infraestrutura básica, para
exploração por parte do setor privado das áreas de
energia, transportes, telecomunicações etc; reformas
e redução no grau de informalidade no País, entre
outros.
Isto posto, verifica-se que o ritmo de crescimento do
País dependerá de um conjunto de medidas de política econômica a ser adotada pelo novo presidente
da República. O desafio é elevar o atual nível de investimentos (18% a 19% do PIB), o qual garante um
crescimento potencial de cerca de 4,5% ao ano. Em
outras palavras, mantida a atual forma de condução
da política econômica, é esta a taxa média que se pode
esperar a partir de 2010.
novembro de 2009
Concentrando a atenção no primeiro aspecto, a
ampliação do investimento privado nacional passa
necessariamente por um conjunto de mudanças que
tornem o investimento privado mais atrativo. Além
das questões relacionadas à atual situação fiscal (com
a elevada carga tributária e a ausência de infraestrutura), a manutenção da estabilidade também é fator
importante na medida em que alonga os prazos de
financiamentos, estimula o crescimento do mercado
acionário e cria condições de captação mais favoráveis
no exterior.
participação no estoque de capital ( Ke ). De forma
O grande desafio, portanto, é acelerar essa taxa de
crescimento, sem perder a estabilização conquistada
(controle da inflação e equilíbrio externo). Para isso,
três questões centrais devem ser atacadas, sendo a
mais importante a retomada dos investimentos públicos. Considerando, de um lado, que a formação de
poupança pública é pré-requisito para atender esse
objetivo e, de outro, que a manutenção da estabilidade econômica é fundamental para os investimentos
privados (nacionais e estrangeiros), fica clara a neces-
Ie
13
sidade de manutenção (ou até mesmo de ampliação)
do superávit primário nos próximos anos. O aumento
dos investimentos públicos com ampliação do déficit
público colocaria em risco a estabilidade do País,
principalmente levando-se em conta a atual trajetória
ascendente da dívida pública.
novembro de 2009
Uma segunda atenção deve ser dedicada à atuação
do setor privado na área de infraestrutura. A autonomia das agências reguladoras permitiria a criação de
marcos regulatórios estáveis que dessem a segurança
necessária ao setor privado para atuar nessas áreas,
ao mesmo tempo em que defendesse os interesses dos
consumidores. A experiência mundial mostra que isto
é perfeitamente compatível.
E, em terceiro, poder-se-ia criar um ambiente mais
propício aos investimentos privados. Estudo do
Banco Mundial1 mostra que o País registra um dos
piores ambientes do mundo para os investimentos.
Medidas como simplificação das legislações trabalhista e tributária, e a desburocratização em várias
áreas (meio ambiente, uso do solo, desembaraço de
mercadorias em portos, abertura e fechamento de
empresas) dariam uma contribuição importante para
acelerar o nível de investimento e, portanto, o ritmo
de crescimento do produto.
Para se analisar as perspectivas setoriais, procurou-se,
inicialmente, estimar a elasticidade- renda dos três
principais setores de atividade: primário (agropecuário), secundário (indústrias extrativa e de transformação e de construção civil) e terciário (comércio
e serviços). Os resultados foram obtidos a partir da
média móvel de ordem 4 para os indicadores trimestrais desde 1995, utilizando-se o método dos mínimos
quadrados, com as variáveis em seus respectivos
logaritmos.
Na análise dos resultados, chamam a atenção duas
tendências naturais para os próximos anos: crescimento da participação do setor serviços (elasticidade-renda de 1,04) e perda de participação do setor
industrial (elasticidade-renda de 0,82).
Estimativas adicionais podem ser obtidas também
com a elasticidade-renda para os setores divididos
por categoria de uso. Para isso, foram utilizados dados
anuais desde 1981.
regressões lineares (Log) por categoria de uso
Bens de
Capital
Bens
Intermediários
Bens de Consumo
Não Duráveis
Declividade (b)
0,83
0,84
1,80
0,50
Intercepto (a)
0,22
0,33
-1,62
1,00
0,61
0,94
0,94
0,94
2
R
Como se observa, o único segmento que crescerá
acima do PIB é o de bens de consumo duráveis, com
elasticidade-renda de 1,80. O resultado para os bens
intermediários (elasticidade-renda de 0,84) confirma
sua tendência de crescer no mesmo ritmo da produção
industrial, que registra praticamente a mesma elasticidade (0,82) em relação ao PIB. Os bens de consumo
não duráveis também confirmam a reduzida elasticidade-renda (0,50), o que significa dizer que tenderão a
perder participação no PIB. Esses resultados mostram
confiabilidade pelos elevados valores dos respectivos
14
Bens de Consumo
Duráveis
Indústria Geral
0,82
1,00
0,99
R 2 (todos em 94%). Por outro lado, as estimativas para
a produção de bens de capital ficaram prejudicadas
por períodos de forte importação, principalmente
quando a taxa de câmbio esteve apreciada (1994/1998
e 2005/2008). O baixo valor do R 2 confirma a pouca
aderência dos dados.
Do ponto de vista dos vários segmentos de atividade,
a tendência é de aumento da participação do setor
serviços e queda na participação da indústria no PIB.
Dentro do setor industrial, a produção de bens de
consumo duráveis deve ocorrer num ritmo de crescimento superior ao do PIB (1,8 vezes), e a produção de
bens de consumo não duráveis deve crescer metade
do PIB.
Em resumo, o ritmo de crescimento do País em 2010
e nos próximos anos depende da forma geral de condução da política econômica. Mantidas as condições
atuais, pode-se esperar um crescimento de produto
potencial em torno de 4,5%, mas com diferenças significativas entre setores.
O crescimento, no entanto, poderá ser maior com a
ampliação dos investimentos públicos, definição de
novos marcos regulatórios que atraiam o setor privado para a área de infraestrutura e a criação de um
ambiente mais favorável aos investimentos.
É possível esperar crescimento relativamente maior,
dependendo do ambiente mais favorável de andamento das estratégias de saída pós-crise dos vários
paises, entre desenvolvidos e emergentes, do G20 e
das próprias medidas da economia brasileira.
Uma vez que o saneamento das ameaças de depressão esteja bem assegurado na economia mundial,
e a crise financeira surgida bem ajustada ao risco
normal (no passado, devido aos ajustes omitidos,
a grande Depressão dos anos 30 teve um segundo
período recorrente), aí sim os vários governos devem
desmontar o rol de estímulos atuais, retornando aos
gastos permanentes principais com infraestrutura,
educação, saúde, segurança, saneamento básico e
desenvolvimento ambiental.
Finalmente, devido aos esforços concluídos, o País
vem tendo uma saída mais rápida da crise e, ao que
tudo indica, sem sintomas de que a economia patine
por algum tempo. É imprescindível, portanto, que o
governo comece o desmonte de alocação de recursos
para a crise e vá se concentrando desde 2010 em ampliar os projetos públicos e seus investimentos, caminhando gradativamente na contenção da proporção
do custeio (sem dúvida com redução real do custeio
restrito) e destinando recursos para o próprio investimento governamental, para acelerar o crescimento
nos próximos anos.
1
Doing Business. World Bank, 2007.
novembro de 2009
No momento (neste final de 2009), ainda há metade
por gastar dos cerca de 5 trilhões de dólares arcados
pelos governos para estímulos econômicos (volumosas deduções de impostos no consumo de duráveis,
de redesconto menor para crédito bancário maior e
de forte suporte ao sistema financeiro internacional),
prolongando os atuais ajustes em 2010.
O Brasil, de modo mais favorável, está em situação
mais adiantada de recuperação, sendo até agora o País
que gastou proporção relativamente maior dos seus
estímulos previstos, do que os paises desenvolvidos.
É o terceiro país em gasto de estímulos, cerca de 5%
do PIB. Aos bancos, em injeção de capital, apoio e
garantias, o Brasil tem um dos gastos menores, em
torno de 1,5% do PIB, denotando o fortalecimento
maior dos bancos no Brasil com os progressos obtidos
ao longo do Real, desde 1994.
(*) Professor aposentado do Departamento de Economia da
FEA-USP. (E-mail: [email protected]).
(**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
15
Download