temas de economia aplicada novembro de 2009 Antonio Lanzana (*) Luiz Martins Lopes (**) desempenho recente, segmentos de atividade e perspectivas da economia brasileira: 2010 e próximos anos 1. introdução Depois de um período de aceleração do crescimento do nível de atividade (2007 e 2008), a economia brasileira é atingida pela crise financeira internacional, irrompida a partir de outubro de 2008. Duas questões chamam a atenção nessa mudança de rumo: a forte contração do PIB num primeiro momento, e os impactos completamente diferenciados sobre os vários segmentos da atividade econômica. O objetivo desse texto, além de fazer uma “radiografia” dos impactos da crise sobre o Brasil, é analisar o atual momento econômico e as perspectivas para o final de 2009, para 2010 e os próximos anos. Além da expectativa quanto ao desempenho das principais variáveis macroeconômicas, atenção especial é dedicada ao comportamento setorial, tanto nesse período de transição como na recuperação da economia brasileira. 8 2. a economia brasileira e os impactos iniciais da crise Desde 1999, a política econômica adotada no Brasil (câmbio flutuante, metas de inflação e controle do déficit público) tem conseguido resultados favoráveis ao País. A inflação vai se situando em patamares próximos a 4% e 5%, as reservas internacionais são as mais altas da história (superando os US$ 200 bilhões) e o crescimento do PIB, embora registrando ritmo inferior ao verificado nos países emergentes, teve rápida aceleração até 2008, com crescimento superior a 5%. Essa situação é revertida com o advento da crise financeira internacional. A forte agressividade, em termos de disposição de correr riscos, que vinha caracterizando o mercado financeiro dos Estados Unidos, é interrompida com a crise, que teve seu ápice na “quebra” do Banco Lehman Brothers. A reversão do quadro até então observado trouxe três consequências imediatas: escassez de crédito no mercado financeiro internacional, recessão nos países desenvolvidos e confiança fortemente abalada. Num primeiro momento, após sentir os efeitos da crise, o PIB mostra forte queda (-3,4% no último trimestre de 2008 e -1,0% no primeiro trimestre de 2009), revertendo a tendência dos últimos anos. menor elasticidade-renda desses produtos e da pouca dependência dos mesmos em relação ao crédito. Quando se analisa a situação por gêneros industriais, os impactos também são muito diferenciados, com fortes quedas, como material elétrico e de comunicações (-30,9%) e máquinas e equipamentos (-21,2%). De outro lado, há forte expansão em outros equipamentos de transporte (21,7%) e farmacêutico (10,8%). 3. reflexões sobre os impactos setoriais 4. perspectivas para o final de 2009 e para 2010 Embora o impacto da crise tenha sido muito forte sobre o nível de atividade, os reflexos são muito diferentes entre segmentos, qualquer que seja a desagregação efetuada. Quando se analisa a evolução dos componentes do PIB pela ótica da demanda, verificam-se, nos dois trimestres, quedas expressivas e, simultaneamente, taxas positivas. As exportações caem 18,4% no acumulado de dois trimestres, consequência da retração da economia mundial e da queda do preço das commodities. Da Algumas questões podem ser levantadas para análise das perspectivas nesse período: 1) o Brasil pode crescer mais rapidamente que outros países? e 2) Como ficará o desempenho setorial nessa fase de transição? Podem-se identificar sinais favoráveis para a recuperação. Entre esses sinais, cabe destacar: a) Embora a expansão dos gastos públicos possa gerar problemas fiscais no futuro, neste momento con- No sentido contrário, destacam-se os gastos do governo com crescimento de 1,1%, e o consumo das famílias que volta a crescer no primeiro trimestre de 2009. tribui para aumentar a demanda agregada através do reajuste do funcionalismo, do salário mínimo e do bolsa-família. Estes três itens estão injetando R$ 26,6 bilhões na economia no período maio- A diferenciação nos impactos setoriais é ratificada quando se analisa a evolução por setores. Nesse sentido, verifica-se que, enquanto o comércio cresce 4,7% no período janeiro-agosto, a produção industrial até setembro cai 11,6%, “puxada” pela queda da exportação de manufaturados de 32,0%. Ao se “abrir” a produção industrial, percebe-se o efeito da queda das exportações na produção de bens intermediários (-13,5%), o impacto da contração do crédito na produção de bens de consumo duráveis (-14,5%) e a retração dos investimentos atingindo a produção de bens de capital (-22,6%). Já os bens de consumo não duráveis foram os menos afetados, em função da novembro de 2009 mesma forma, o investimento retrai 21,3% porque com a queda do nível de atividade surge capacidade ociosa, levando a uma retração natural das inversões. Além disso, em momentos de incerteza, é normal que várias decisões de investimento sejam adiadas. Apesar do crescimento do PIB no segundo trimestre (1,9% sobre o trimestre anterior), o primeiro semestre fecha negativo (-1,5% em relação ao mesmo período anterior). Nesse sentido, com a inclusão de dados favoráves esperados no segundo semestre, o PIB já deve apresentar resultado positivo. dezembro/2009 em relação aos mesmos meses do ano passado. b) O crédito está fluindo de forma mais favorável, principalmente com uma ação mais agressiva dos bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal). Os prazos foram alongados e os indicadores de demanda de crédito por parte das pessoas físicas mostram tendência de crescimento nos meses recentes. Particularmente em relação aos juros, vale destacar que, mesmo que o processo de redução da SELIC, 9 situada em 8,75% ao final de 2009, seja interrompido, o que é muito provável, os efeitos da redução gerando uma expectativa de crescimento mais rápido da economia brasileira. recente da taxa básica far-se-ão sentir ao longo dos próximos meses. Análises divulgadas pelo Banco Central mostram que os impactos da redução de juros sobre a demanda se prolongam por um período de cerca de 12 meses. c) A crise havia criado uma acumulação forte de estoques no setor industrial porque a queda da demanda foi muito significativa e os ajustes da produção não ocorreram imediatamente. O processo de desova parece ter se esgotado no primei- O mercado acionário é um reflexo dessa perspectiva. Investidores estrangeiros aplicaram US$ 6,9 bilhões na compra de ações de empresas brasileiras em julho, o maior valor registrado nesse mercado nos últimos anos. Esse resultado é mais que o dobro do registrado no mesmo período do ano passado. No acumulado do ano (até agosto), o Brasil já recebeu US$ 13,3 bilhões em recursos destinados à Bolsa, o que representa uma extraordinária recuperação na comparação com igual período de 2008 (US$ 3 bilhões). ro semestre, o que significa dizer que as vendas caminharam acima da produção nesse período. É de se esperar que, com a desova dos estoques, o novembro de 2009 ritmo de crescimento da produção se acelere. Vale destacar que a produção industrial vem crescendo continuamente desde o início do ano. O Brasil tem condições de superar a crise mais rapidamente do que outros países porque o sistema financeiro nacional permanece sólido. Não houve “quebra” de bancos nem desconfiança quanto à saúde do setor. Com isso, é natural que o crédito volte a fluir mais rapidamente no Brasil que em outros países, Como a rentabilidade das empresas (e, portanto, o preço das ações) está associada diretamente ao comportamento do nível de atividade, fica claro que a aposta dos investidores é que o Brasil voltará a crescer mais rapidamente que outros países. Os sinais de confiabilidade são reforçados com a retomada dos IPO´s no segundo semestre. Considerando o conjunto dos dados, estima-se que o PIB encerre 2009 com variação ligeiramente positiva, mostrando forte desaceleração em relação ao crescimento acima de 5% observado nos dois anos anteriores. Brasil - projeções 2009/2010 Indicadores 2009 2010 PIB (%) 5,10 0,20 4,80 Inflação (%) 5,90 4,20 4,40 Balança Comercial (US$ bi) 24,70 25,00 14,50 Balança Transações Correntes (US$ bi) -28,30 -17,40 -33,10 IDE (US$ bi) 45,10 26,30 33,8 Taxa de Juros (% a.a.) 13,75 8,75 10,5 2,39 1,70 1,75 Taxa de Câmbio (final de período) Em relação aos preços e às expectativas de inflação, observa-se que a tendência da inflação é de se posicionar perto da meta de 4,5%, tanto neste ano como no próximo. Para isto, contribuição importante virá da taxa de câmbio, que deve ficar cerca de 30% abaixo do verificado no final de 2008. Para o próximo ano, o câmbio também não deverá sofrer modificações 10 2008 significativas. Entende-se também que o Banco Central deve elevar as taxas de juros para “compensar” a política fiscal expansionista, principalmente num ano eleitoral. Na área externa, é esperada a manutenção do superávit comercial, com retração de exportações e importações. Apesar disso, não há preocupação com a balança de transações correntes, que apresenta um saldo negativo, mas inferior ao de 2008. Retornando à questão setorial, pode-se verificar que a indústria foi fortemente afetada em 2009 (consequência da queda das exportações e dos investimentos), e o setor serviços é o que deve crescer. Isto ocorre porque é um setor fortemente dependente de demanda interna, que foi estimulada com medidas fiscais e monetárias. Esta situação pode ser observada a partir da pesquisa FOCUS, do Banco Central, que indica uma queda de mais de 7% para o setor em 2009. Para a agricultura, é esperada uma retração de 1,4%, e o setor serviços deve ser o único a registrar resultado positivo em 2009 (2,4%). a produção industrial, já reverteram a tendência de queda no segundo trimestre, novamente “empatando” com a indústria como um todo (3,6% no segundo trimestre). Os bens de consumo não duráveis sentiram menos o efeito da crise, com queda menos expressiva que o setor industrial, mas na recuperação também mostram desempenho mais fraco, embora positivo. Confirma-se, assim, que este é um segmento de baixa elasticidade-renda, em função das características desses produtos. Por fim, o setor de bens de consumo duráveis amplia o ciclo industrial, reforçando suas características de alta elasticidade-renda. Além disso, segue o movimento do crédito, que volta a se recuperar e acentuou o crescimento do setor (11,5% no segundo trimestre e 9,2% no terceiro), favorecido também pelas benesses tributárias. 5. perspectivas para os próximos anos e dinâmica dos segmentos de atividade O investimento privado é normalmente o último a se recuperar. A queda forte no PIB no último trimestre de 2008 criou capacidade ociosa, que não será esgotada com a recuperação em curso, até mesmo porque a previsão do PIB é de crescimento fraco em 2009. Além disso, nesse quadro, é natural que as decisões de investimento sejam reavaliadas e somente materializadas com sinais claros e consistentes de retomada, além do esgotamento da capacidade ociosa. Não quer dizer que os investimentos não ocorrerão (até porque muitos deles já estavam em andamento quando a crise chegou ao País), mas certamente ficarão abaixo do período pré-crise. Os modelos de desenvolvimento econômico mostram que a capacidade de crescimento dos países ao longo do tempo depende do investimento e da produtividade de capital. Em termos simplificados, tem-se: A análise por categoria de uso também registra resultados diferentes na recuperação. Os bens de capital mostram três quedas consecutivas (acumulando -27,1%) mas essa situação já reverteu no terceiro trimestre, com expansão de 6,1% (em relação ao trimestre anterior). Como os investimentos são os últimos a se recuperar, percebe-se o “fôlego” forte da retomada. Os bens intermediários, que, historicamente, seguem Enquanto as expansões da economia brasileira esperadas no segundo semestre de 2009 e no ano de 2010 devem estar, ao que tudo indica, condicionadas ao comportamento do consumo, a partir daí o nível de investimentos é que determinará o ritmo de crescimento do produto. ∆Υ I Y = • Υ Y K novembro de 2009 O mercado interno deverá crescer de maneira mais significativa. Além dos sinais já mostrados de recuperação, os reajustes do salário mínimo, do funcionalismo público e do bolsa-família garantem, como já se viu, um acréscimo de R$ 26,6 bilhões num período de oito meses. (1) onde: ∆Y = taxa de crescimento do produto potencial. Y I = taxa de investimento (investimento/PIB) Y Y = relação produto capital. K Particularmente em relação à produtividade da econoY mia ( ), é importante destacar que se o investimento K 11 (I), que é o acréscimo de capital (ΔΚ) for mais (ou menos) produtivo que o estoque do capital existente (K), contribuirá para acelerar (ou desacelerar) o ritmo de crescimento do produto. Assim, alternativamente, ter-se-ia: ∆Υ I ∆Y = • Υ Y I (2) ∆Y = é a relação incremental produto/capital. I Ie em função da complementaridade. De forma mais detalhada, os impactos da redução dos investimentos públicos podem ser assim destacados: investimento público (Ig) contribui para a queda do investimento total, a menos que houvesse uma compensação do investimento privado nacional (Ip), ou investimento estrangeiro (Ie), o que efetivamente não está ocorrendo. Em linhas gerais, tem-se: novembro de 2009 Ip a) De forma direta, percebe-se que a redução do O investimento (I) pode ser público (Ig), privado (Ip) ou estrangeiro (Ie), e cada um deles tem seus próprios determinantes. I = Ig + Ip + Ie Ig Kg capital ( ). Indiretamente, o investimento público K impacta as decisões dos investimentos privados e dos investimentos multinacionais (Ip e ∆Yp ; Ie e ∆Ye ), onde: depende diretamente de seu nível (Ig), de sua produtividade ( ∆Υg ) e de sua participação no estoque de (3) b) O reduzido valor de (Ig) está contribuindo para diminuir a produtividade no setor público, na Compatibilizando as equações (2) e (3), pode-se mostrar a dinâmica do processo de crescimento do produto: medida em que (Ig) parece insuficiente até mesmo para cobrir a depreciação de (Kg); a situação das rodovias, dos portos e dos aeroportos são bons exemplos nesse sentido. ∆Υ Ig + Ip + Ie ∆Yg Kg ∆Yp Kp ∆Ye Ke = • + • + • Υ Y K Ip K Ie K Ig (4) da economia Y . K onde: ∆Yg = relação incremental produto/capital (sendo Ig “g” no setor público, “p” no setor privado e “e” nas empresas multinacionais). Kg = K c) O baixo padrão de (Ig) reduz a produtividade total Participação no estoque de capital (“g” no setor público, “p” no setor privado e “e” nas empresas multinacionais). d) Além disso, impacta negativamente o investimento privado na medida em que Ip e Ie são complementares a Ig; as incertezas sobre a disponibilidade de infraestrutura, energia elétrica, transporte, portos etc. afetam o níveis de Ip e Ie. e) A reduzida taxa de (Ig) afeta a produtividade do capital do setor privado ( ∆Yp ) e do setor externo Ip Para avaliar as perspectivas da economia brasileira numa visão de prazo mais longo é preciso analisar os fatores que determinam cada componente do investimento e a produtividade desse mesmo investimento. Pretende-se mostrar que a dinâmica do investimento é extremamente dependente das decisões de política econômica. Inicialmente, pode-se verificar que a contribuição do setor público em termos de crescimento do produto 12 ( ∆Ye ) de duas formas: a ausência de infraestrutura Ie aumenta os custos do setor privado (condições das estradas, dos aeroportos, ...), e obriga muitas empresas a criarem sua própria infraestrutura, saindo dos respectivos “core business”. Ao se analisar a contribuição do setor privado nacional, é preciso destacar que o enfoque tem que ser necessariamente diferente daquele efetuado em relação ao setor público, até porque as decisões de investimentos são completamente diferentes. O setor público é quem conduz os instrumentos de política econômica e investe em setores de pouca concorrência (infraestrutura) e na área social. Já o setor privado opera em condições concorrenciais, entendendo-se, portanto, que busca sempre a decisão mais eficiente e é dependente das decisões de política econômica. O que existe em comum nessas decisões entre o setor privado e o público são os investimentos em infraestrutura, embora os interesses que norteiam as decisões sejam diferentes entre os dois setores. Nesse sentido, pode-se analisar a contribuição do setor privado à dinamização da economia através de dois enfoques: ampliação do volume de investimentos como um todo e atuação na área de infraestrutura. Um segundo ponto a ser explorado refere-se à atuação do setor privado na área de infraestrutura. A incapacidade financeira do setor público de realizar os investimentos em infraestrutura obriga o governo a compartilhar essa responsabilidade juntamente com o setor privado. Ocorre, porém, que o setor privado somente pode ser atraído a atuar na área de infraestrutura (onde o retorno privado é menor que o social) se houver clima favorável aos investimentos, o que passa por uma perspectiva de retorno e estabilidade das “regras do jogo”. Para isso, a questão regulatória assume um papel fundamental, e aí encontra-se outra grande limitação ao crescimento. A contribuição do investimento direto estrangeiro é dada diretamente por sua magnitude (Ie), pela relação incremental produtiva de capital no setor ( ∆Ye ) e sua K indireta, afeta a produtividade do setor privado nacional pelo seu efeito de complementaridade, gerando ganhos positivos de escala. Entre os fatores que afetam as decisões das empresas multinacionais não há muita diferença em relação ao investimento privado doméstico. É verdade que nos últimos anos, a atratividade do País se elevou em função de estabilização com liberdade total de preços, eliminação de restrições que existiam ao capital estrangeiro (inclusive possibilidade de discriminação), “quebra” de monopólios estatais, privatização e assim sucessivamente. Mas é importante chamar a atenção para o fato de que ainda há muito espaço para aumentar essa atratividade através de: criação de um clima mais favorável aos investimentos; adoção de regras claras para as concessões no sistema de infraestrutura básica, para exploração por parte do setor privado das áreas de energia, transportes, telecomunicações etc; reformas e redução no grau de informalidade no País, entre outros. Isto posto, verifica-se que o ritmo de crescimento do País dependerá de um conjunto de medidas de política econômica a ser adotada pelo novo presidente da República. O desafio é elevar o atual nível de investimentos (18% a 19% do PIB), o qual garante um crescimento potencial de cerca de 4,5% ao ano. Em outras palavras, mantida a atual forma de condução da política econômica, é esta a taxa média que se pode esperar a partir de 2010. novembro de 2009 Concentrando a atenção no primeiro aspecto, a ampliação do investimento privado nacional passa necessariamente por um conjunto de mudanças que tornem o investimento privado mais atrativo. Além das questões relacionadas à atual situação fiscal (com a elevada carga tributária e a ausência de infraestrutura), a manutenção da estabilidade também é fator importante na medida em que alonga os prazos de financiamentos, estimula o crescimento do mercado acionário e cria condições de captação mais favoráveis no exterior. participação no estoque de capital ( Ke ). De forma O grande desafio, portanto, é acelerar essa taxa de crescimento, sem perder a estabilização conquistada (controle da inflação e equilíbrio externo). Para isso, três questões centrais devem ser atacadas, sendo a mais importante a retomada dos investimentos públicos. Considerando, de um lado, que a formação de poupança pública é pré-requisito para atender esse objetivo e, de outro, que a manutenção da estabilidade econômica é fundamental para os investimentos privados (nacionais e estrangeiros), fica clara a neces- Ie 13 sidade de manutenção (ou até mesmo de ampliação) do superávit primário nos próximos anos. O aumento dos investimentos públicos com ampliação do déficit público colocaria em risco a estabilidade do País, principalmente levando-se em conta a atual trajetória ascendente da dívida pública. novembro de 2009 Uma segunda atenção deve ser dedicada à atuação do setor privado na área de infraestrutura. A autonomia das agências reguladoras permitiria a criação de marcos regulatórios estáveis que dessem a segurança necessária ao setor privado para atuar nessas áreas, ao mesmo tempo em que defendesse os interesses dos consumidores. A experiência mundial mostra que isto é perfeitamente compatível. E, em terceiro, poder-se-ia criar um ambiente mais propício aos investimentos privados. Estudo do Banco Mundial1 mostra que o País registra um dos piores ambientes do mundo para os investimentos. Medidas como simplificação das legislações trabalhista e tributária, e a desburocratização em várias áreas (meio ambiente, uso do solo, desembaraço de mercadorias em portos, abertura e fechamento de empresas) dariam uma contribuição importante para acelerar o nível de investimento e, portanto, o ritmo de crescimento do produto. Para se analisar as perspectivas setoriais, procurou-se, inicialmente, estimar a elasticidade- renda dos três principais setores de atividade: primário (agropecuário), secundário (indústrias extrativa e de transformação e de construção civil) e terciário (comércio e serviços). Os resultados foram obtidos a partir da média móvel de ordem 4 para os indicadores trimestrais desde 1995, utilizando-se o método dos mínimos quadrados, com as variáveis em seus respectivos logaritmos. Na análise dos resultados, chamam a atenção duas tendências naturais para os próximos anos: crescimento da participação do setor serviços (elasticidade-renda de 1,04) e perda de participação do setor industrial (elasticidade-renda de 0,82). Estimativas adicionais podem ser obtidas também com a elasticidade-renda para os setores divididos por categoria de uso. Para isso, foram utilizados dados anuais desde 1981. regressões lineares (Log) por categoria de uso Bens de Capital Bens Intermediários Bens de Consumo Não Duráveis Declividade (b) 0,83 0,84 1,80 0,50 Intercepto (a) 0,22 0,33 -1,62 1,00 0,61 0,94 0,94 0,94 2 R Como se observa, o único segmento que crescerá acima do PIB é o de bens de consumo duráveis, com elasticidade-renda de 1,80. O resultado para os bens intermediários (elasticidade-renda de 0,84) confirma sua tendência de crescer no mesmo ritmo da produção industrial, que registra praticamente a mesma elasticidade (0,82) em relação ao PIB. Os bens de consumo não duráveis também confirmam a reduzida elasticidade-renda (0,50), o que significa dizer que tenderão a perder participação no PIB. Esses resultados mostram confiabilidade pelos elevados valores dos respectivos 14 Bens de Consumo Duráveis Indústria Geral 0,82 1,00 0,99 R 2 (todos em 94%). Por outro lado, as estimativas para a produção de bens de capital ficaram prejudicadas por períodos de forte importação, principalmente quando a taxa de câmbio esteve apreciada (1994/1998 e 2005/2008). O baixo valor do R 2 confirma a pouca aderência dos dados. Do ponto de vista dos vários segmentos de atividade, a tendência é de aumento da participação do setor serviços e queda na participação da indústria no PIB. Dentro do setor industrial, a produção de bens de consumo duráveis deve ocorrer num ritmo de crescimento superior ao do PIB (1,8 vezes), e a produção de bens de consumo não duráveis deve crescer metade do PIB. Em resumo, o ritmo de crescimento do País em 2010 e nos próximos anos depende da forma geral de condução da política econômica. Mantidas as condições atuais, pode-se esperar um crescimento de produto potencial em torno de 4,5%, mas com diferenças significativas entre setores. O crescimento, no entanto, poderá ser maior com a ampliação dos investimentos públicos, definição de novos marcos regulatórios que atraiam o setor privado para a área de infraestrutura e a criação de um ambiente mais favorável aos investimentos. É possível esperar crescimento relativamente maior, dependendo do ambiente mais favorável de andamento das estratégias de saída pós-crise dos vários paises, entre desenvolvidos e emergentes, do G20 e das próprias medidas da economia brasileira. Uma vez que o saneamento das ameaças de depressão esteja bem assegurado na economia mundial, e a crise financeira surgida bem ajustada ao risco normal (no passado, devido aos ajustes omitidos, a grande Depressão dos anos 30 teve um segundo período recorrente), aí sim os vários governos devem desmontar o rol de estímulos atuais, retornando aos gastos permanentes principais com infraestrutura, educação, saúde, segurança, saneamento básico e desenvolvimento ambiental. Finalmente, devido aos esforços concluídos, o País vem tendo uma saída mais rápida da crise e, ao que tudo indica, sem sintomas de que a economia patine por algum tempo. É imprescindível, portanto, que o governo comece o desmonte de alocação de recursos para a crise e vá se concentrando desde 2010 em ampliar os projetos públicos e seus investimentos, caminhando gradativamente na contenção da proporção do custeio (sem dúvida com redução real do custeio restrito) e destinando recursos para o próprio investimento governamental, para acelerar o crescimento nos próximos anos. 1 Doing Business. World Bank, 2007. novembro de 2009 No momento (neste final de 2009), ainda há metade por gastar dos cerca de 5 trilhões de dólares arcados pelos governos para estímulos econômicos (volumosas deduções de impostos no consumo de duráveis, de redesconto menor para crédito bancário maior e de forte suporte ao sistema financeiro internacional), prolongando os atuais ajustes em 2010. O Brasil, de modo mais favorável, está em situação mais adiantada de recuperação, sendo até agora o País que gastou proporção relativamente maior dos seus estímulos previstos, do que os paises desenvolvidos. É o terceiro país em gasto de estímulos, cerca de 5% do PIB. Aos bancos, em injeção de capital, apoio e garantias, o Brasil tem um dos gastos menores, em torno de 1,5% do PIB, denotando o fortalecimento maior dos bancos no Brasil com os progressos obtidos ao longo do Real, desde 1994. (*) Professor aposentado do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). (**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). 15