O PIB dos bancos e do governo Gilmar Mendes Lourenço* O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu 5,3% entre janeiro e setembro de 2007, conforme estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), superando a marca psicológica de 5,0%, anunciada pelo presidente Lula por ocasião do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no final de janeiro do corrente ano. Porém, se for descontada a variação da carga de impostos (8,3%), a intensidade de incremento do PIB recuaria para 4,8%, impulsionada pelos setores industrial (5,1%) e de serviços (4,7%). Na indústria, o carro-chefe foi representado pelos fabricantes de bens de capital (18,8%) e de consumo duráveis (8,7%), enquanto a dinâmica de serviços foi determinada por intermediários financeiros (10,7%). Como se vê, a despeito do acréscimo expressivo registrado nos níveis das atividades produtivas, os motores da expansão econômica do País, nos primeiros nove meses de 2007, podem ser sintetizados na estreita e perversa relação entre os lucros dos bancos e a arrecadação pública, o que sacrifica a capacidade de investimento do restante do sistema, especialmente na superação das deficiências dos aparatos infra-estrutural e logístico. As cinco maiores instituições financeiras privadas atuantes no País experimentaram ganhos de R$ 18,48 bilhões entre janeiro e setembro de 2007, o que representou acréscimo de 90,0% em face de 2006. Os maiores lucros foram obtidos pelo Itaú (R$ 6,44 bilhões), Bradesco (R$ 5,81 bilhões), Banco do Brasil (R$ 3,84 bilhões), Unibanco (R$ 2,62 bilhões), ABN (R$ 2,25 bilhões) e Santander (R$ 1,36 bilhão). Enquanto isso, o crédito subiu quase 29,0%, passando de R$ 293,6 bilhões nos primeiros nove meses de 2006 para R$ 378,3 bilhões no mesmo período de 2007. Pela ótica da utilização final, as elevações mais relevantes ocorreram em importações (19,6%), formação bruta de capital fixo ou investimento (12,4%) e exportações (6,7%), atestando que o flanco externo estaria contribuindo negativamente para a variação líquida do PIB. A par disso, os desempenhos mais moderados couberam ao consumo das famílias (5,9%) e do governo (3,9%). A concatenação entre as vertentes de demanda e oferta permite inferir que, como as receitas públicas e o faturamento dos bancos experimentaram variações substancialmente mais encorpadas que o consumo (das famílias e notadamente do governo), o Brasil ainda convive com a permanente transferência de renda do setor privado (empresas e consumidores) para o governo. Este, por seu turno, encarrega-se de efetuar a alocação da maior parcela desses recursos para as instituições financeiras detentoras dos papéis da dívida mobiliária do setor público. O PIB brasileiro em 2007 foi influenciado pelo ciclo ascendente da economia internacional, pela valorização cambial e pela recuperação da demanda interna Evidentemente, o comportamento do PIB brasileiro em 2007 foi fortemente influenciado pela combinação entre variáveis externas e internas. Do ângulo externo, emergem a continuidade do encaixe pleno do País no maior ciclo ascendente da economia internacional das últimas quatro décadas, capitaneado pelo funcionamento sincronizado dos aparelhos produtivos e financeiros, chinês e norte-americano, e seu reflexo na ampliação da demanda e dos preços, particularmente das commodities agrícolas e minerais. No front interno, surge a interferência conjugada da valorização cambial (por conta da geração de enormes saldos comerciais e das operações de arbitragem com o hiato de juros internos e internacionais) e da recuperação da demanda, sobretudo de bens duráveis, imputada à recomposição dos patamares de renda e ao aumento da massa de crédito. Em outros termos, a apreciação do real tem sido a grande responsável pela rota positiva das compras externas e da taxa de investimento, por propiciar a subida * Economista, técnico da equipe permanente desta publicação, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UNIFAE – Centro Universitário – FAE Business School. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.11-12, p.13, nov./dez. 2007 de parcela do consumo e, principalmente, a deflagração e/ou consolidação dos projetos de melhoria da eficiência e/ou desobstrução de gargalos pontuais das empresas de diferentes cadeias produtivas, o que sinaliza ampliação do produto potencial e redução de pressões inflacionárias. Já a agregação de queda da inflação, elevação dos salários (emprego e remunerações reais, puxadas pelos reajustes do mínimo), proliferação dos programas oficiais de transferência de renda e barateamento e diversificação do crédito, especificamente com a modalidade em consignação com desconto em folha, justifica a pronunciada recuperação do consumo. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.11-12, p.14, nov./dez. 2007 O prosseguimento da rota crescente da economia do País esbarra na possibilidade de desaceleração do ritmo de expansão do comércio internacional, no caso de multiplicação dos desdobramentos negativos da crise do mercado imobiliário subprime dos Estados Unidos, nos impactos do câmbio baixo sobre a base industrial acoplada às exportações e/ou a iniciativas de substituição de importações, e na exaustão da capacidade de endividamento primária da população brasileira atrelada aos ainda elevados encargos financeiros incidentes sobre as vendas a prazo.