Observações sobre as avaliações de risco Gilmar Mendes Lourenço* As avaliações de risco das nações e de empresas, realizadas por agências internacionais especializadas, aferem, de forma qualitativa, a capacidade de atores econômicos, isoladamente, ou de países em conjunto, honrarem seus passivos contratados junto às instituições financeiras. As organizações encarregadas da preparação do rating atribuem conceitos (expressos em letras e/ou sinais), obtidos a partir do exame das variáveis de conjuntura, do ambiente político e econômico, e da opinião de experts dos meios empresarial, acadêmico e governamental da nação em foco. Essencialmente, os resultados dos trabalhos sinalizam a maior ou menor possibilidade de ocorrência de moratória das dívidas dos países e das corporações. Para tanto, ocorrem revisões e atualizações periódicas nesses esforços, na perspectiva de indicações de manutenção, consolidação ou até reversão de tendências, ou, em outros termos, da verificação de downgrades ou upgrades. Considerando que o objetivo básico consiste em referenciar a tarefa de garimpagem de recursos, por empresas e governos, junto a potenciais aplicadores e/ou emprestadores, as entidades de classificação constroem uma espécie de farol de mercado representado por nota atribuída aos papéis da dívida do emissor, especificamente debêntures, títulos de médio prazo e bônus conversíveis, exceto ações. A classificação é realizada a pedido do emissor ou por ação da organização classificadora, preservada a autonomia operacional desta. Nessas circunstâncias, o conceito da intensidade de risco do País é determinado com base na capacidade de pagamento dos títulos de longo prazo, negociados no mercado internacional, com encaixe em algumas categorias que podem oscilar entre excelente pagador, grau de investimento (investimento prudente), especulativo, diminuta qualidade e inadimplente (default). Lembre-se de que o grau especulativo abarca nações que registraram episódios de decretação de moratória de suas dívidas nas décadas de 1980 e 1990. As empresas de rating que desfrutam de maior credibilidade junto aos mercados são Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch. Os critérios de aferição dos graus de risco podem resultar no conceito AAA (topo), que representa risco nulo de calote da dívida, e chegar nos conceitos C e D (pisos), correspondentes aos títulos que carregam elevadas chances de não resgate no tempo aprazado e à condição de falido, respectivamente. O Brasil transita nas faixas BB e BBB, aproximando-se da classe não-especulativa. Recentemente, a Moody’s elevou os papéis da dívida externa brasileira para apenas um nível abaixo do “grau de investimento”, em razão do revigoramento das contas externas e da ampliação exponencial do estoque de reservas em moeda forte do País. Mas antecipou a provável não ocorrência de melhoria nessa pontuação em curto prazo em razão das repercussões da crise do subprime nos Estados Unidos (EUA). Na mesma linha, é relevante atentar para a existência de uma apreciação de risco singular, empreendida desde 1992 pelo banco americano JP Morgan, ocasião da renegociação da dívida externa dos países em desenvolvimento, de acordo com os critérios do Plano Brady, que incluíam a criação de títulos financeiros de ampla circulação no front externo. O risco-país é representativo das chances de perdas das instituições financeiras internacionais em aplicações em papéis dos países emergentes Desde então, o JP procura aferir o Emerging Markets Bonds Index Plus (EMBI+), ou o Índice dos Bônus dos Mercados Emergentes, conhecido como risco-país. O EMBI é representativo das chances de perdas das instituições financeiras internacionais em aplicações em papéis dos países emergentes, que abarcam as antigas nações tidas como em desenvolvimento da América Latina, da Europa excomunista, da Ásia e da África. O índice serve para subsidiar o processo de tomada de decisão dos gestores de fundos de ativos de curto termo, em escala global, por refletir as flutuações médias dos prêmios pagos por títulos lançados pelos emergentes no mercado internacional, de acordo com o sentimento dos credores em relação à confiança e/ou capacidade de pagamento de débitos e/ou resgate dos papéis pelo país emissor no prazo acordado. O cálculo * Economista, técnico da equipe permanente desta publicação, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UNIFAE – Centro Universitário – FAE Business School. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.11-12, p.9, nov./dez. 2007 incorpora os preços de um grupo de papéis transacionados no mercado, referenciados à remuneração assegurada por títulos da dívida do governo dos EUA, sugeridos como isentos de perigo de não pagamento. O grau de solvência de cada país é determinado em pontos básicos sobre a rentabilidade dos bônus emitidos pelo tesouro norte-americano, conformando sobretaxa (ágio) de 1,0 ponto percentual a cada 100 de risco. Em sua mensuração, são contemplados parâmetros políticos (eleições, estabilidade das regras institucionais, abertura e funcionamento de comissões parlamentares de inquérito, denúncias e apurações de caso de corrupção etc.) e econômicos (déficit fiscal, crescimento do PIB, balança de pagamentos, montante e fluxo das dívidas externa e interna, dentre outros). Atualmente, o risco-Brasil situa-se pouco acima de 200 pontos. Mas, chegou a 1.689 pontos em março de 1995, no ápice da crise mexicana, e ao nível recorde de 2.443 pontos, em 27 de setembro de 2002, em pleno ciclo eleitoral, a partir das suspeitas dos investidores de ocorrência de intervenção no mercado financeiro em 2003, em caso de vitória nas urnas do candidato Lula. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.11-12, p.10, nov./dez. 2007 Neste último caso, a cotação corresponderia à necessidade de pagamento de 24,43 pontos percentuais acima dos juros americanos para a rolagem de papéis brasileiros no exterior. Por fim, é prudente lembrar que, por sintetizarem leituras financeiras, centradas em preocupações com o comportamento dos mercados de risco em curto prazo, tais indicadores têm revelado reduzida capacidade de interferir, de maneira substancial, no comportamento da economia real dos países, sobretudo na alocação de recursos em carteiras de investimentos em ampliação e modernização da capacidade produtiva dos setores público e privado. Não bastasse essa restrição, os mecanismos de identificação de riscos macroeconômicos ainda revelam reduzido grau de precisão. Não por acidente, os episódios de desequilíbrios mexicano (1994), asiático (1997), russo (1998) e argentino (2001) passaram quase que despercebidos pelo farol das agências internacionais. Ao contrário, a Rússia recebia notáveis elogios do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Argentina superava o rating brasileiro.