2. MODELO DE RICARDO E VANTAGEM COMPARATIVA 2.1. Hipóteses 1. Modelo 2 × 2 × 1 . 2 países (H e ¾); 2 bens (X e Y); 1 factor de produção (L), perfeitamente móvel entre sectores, mas imóvel entre países. 2. Dotações. Cada país dispõe de um número fixo de horas de trabalho que afecta à produção de ambos os bens: L = LX + LY L∗ = L∗X + L∗Y 3. Produção. Com apenas 1 factor de produção, a tecnologia de cada país é inteiramente descrita pelos coeficientes técnicos de produção (aLi); o coeficiente técnico de produção é o número de horas de trabalho necessárias para a produção de uma unidade do bem. Assim, a produção em cada sector e em cada país vem dada por: Bem X Bem Y País H L QX = X a LX QY = LY a LY País ¾ L∗ Q ∗X = ∗X a LX Q ∗Y = L∗Y ∗ a LY 4. Consumo. Os consumidores comportam-se como agentes maximizadores da sua utilidade. 5. Estrutura de mercado. Todos os mercados funcionam em concorrência perfeita, o que implica: A) Em cada sector, há muitas empresas a produzirem o bem. Cada empresa é demasiado pequena para que as suas acções afectem o preço de mercado, pelo que este é tomado como exógeno. B) O bem produzido em cada um dos sectores é homogéneo. C) Livre entrada e saída do mercado em resposta ao lucro. Se o lucro for positivo, então novas empresas entrarão no mercado; se for negativo, haverá saída de empresas. Isto implica que, no longo prazo, o lucro económico do sector é zero. D) Informação perfeita, ou seja, todas em empresas sabem o mesmo e sabem tudo o que precisam de saber para maximizarem o lucro. E) As empresas maximizam o lucro, o que em concorrência perfeita significa que o preço iguala o custo marginal. Página 1 de 9 6. Equilíbrio geral. Neste modelo, procede-se a uma análise de equilíbrio geral, ou seja, não olhamos para os mercados de X e Y isoladamente, mas antes tendo em consideração a interacção entre os dois. 2.2. Equilíbrio em Autarcia 1. Uma vez que a economia tem recursos escassos, há limites ao que se pode produzir. Ou seja, para produzir mais de um bem, a economia deve sacrificar a produção do outro bem – existem trade-offs. Estes trade-offs são ilustrados graficamente pela fronteira de possibilidades de produção, que mostra a quantidade máxima que se pode produzir de Y escolhida a quantidade de X (e vice-versa). Quando existe apenas um factor de produção, a fronteira de possibilidades de produção é simplesmente uma linha recta: Fig. 2.1 - Fronteira de possibilidades de produç ão Y X Sejam Q X e Q Y as quantidades produzidas de X e Y, respectivamente. Então, L X = a LX Q X (2.1) L Y = a LY Q Y (2.2) A fronteira de possibilidades de produção é determinada pelos limites de recursos na economia – trabalho, neste caso. Como a oferta total de trabalho é dada por L, vem L = LX + LY ⇔ L = a LX Q X + a LY Q Y (2.3) que se pode reescrever na forma: QY = a L − LX Q X a LY a LY (2.4) A expressão (2.4) representa a fronteira de possibilidades de produção. Quando esta é linear, o custo de oportunidade de X em termos de Y é constante. Neste caso, produzir uma unidade adicional de X requer a LX horas de trabalho; cada uma destas horas poderia ter sido utilizada na produção de 1 a LY unidades de Y. Logo o custo de oportunidade de X Página 2 de 9 em termos de Y é a LX a LY , que é igual ao declive da fronteira de possibilidades de produção. 2. Nesta economia simplificada, o trabalho é o único factor de produção, logo a oferta de X e de Y será determinada pelos movimentos de trabalhadores para o sector que paga o salário mais elevado. Sejam PX e PY os preços dos bens X e Y, respectivamente. A produção de 1 unidade de X leva a LX horas de trabalho; como não existe lucro (hipótese 5E), o salário por hora no sector X tem de ser igual ao valor da produção de um trabalhador numa hora, ou seja, PX a LX . O mesmo raciocínio se aplica ao sector Y, onde o salário será PY a LY . Se PX PY > a LX a LY , o salário no sector X será mais elevado que no sector Y, pelo que toda a gente quererá trabalhar no sector X, ou seja, o país produzirá exclusivamente X. Inversamente, se PX PY < a LX a LY , a economia especializar-se-á completamente em Y. Portanto, só quando PX PY for igual a a LX a LY , ambos os bens serão produzidos. Recorde-se que a LX a LY é o custo de oportunidade de X em termos de Y. Logo, podemos afirmar que: a economia especializar-se-á na produção de X(Y) se o preço relativo de X exceder(for menor que) o custo de oportunidade. Não havendo comércio internacional, o país terá de produzir ambos os bens, mas isso sucede apenas quando o preço relativo de X iguala o seu custo de oportunidade. Então, em autarcia o preço relativo dos bens é igual ao seu coeficiente técnico de produção relativo: PX PY = a LX a LY 3. A fronteira de possibilidades de produção ilustra as diferentes combinações de quantidades de X e Y que o país pode produzir. O ponto de produção exacto, que é também o de consumo, decorre da maximização da função utilidade sujeita à fronteira de possibilidades de produção: ⎧max U ⎨ ⎩s.a. Q X a LX + Q Y a LY = L ⇔ TMS X,Y = a LX a LY Graficamente, Fig. 2.2 - Equilíbrio de autarc ia Y FPP Uaut A X Página 3 de 9 2.3. Equilíbrio em Comércio Livre 1. Vamos admitir, arbitrariamente, que ∗ ∗ a LX a LY < a LX a LY (2.4) ou, equivalentemente, que ∗ ∗ a LX a LX < a LY a LY (2.5) Ou seja, estamos a admitir que o rácio entre os coeficientes técnicos de produção de X e Y é menor em H que em ¾. Mas esse rácio é, precisamente, o custo de oportunidade de X em termos de Y, logo estamos a admitir que o custo de oportunidade de X é mais baixo em H. Mas dizer que o país H tem um menor custo de oportunidade de X que ¾ é sinónimo de afirmar que H tem uma vantagem comparativa na produção de X. Um país tem uma vantagem comparativa na produção de um bem se o custo de oportunidade de produzir esse bem relativamente a outros é mais baixo nesse país que nos outros. Note-se que as condições (2.4) e (2.5) envolvem os 4 coeficientes técnicos de produção, ∗ não apenas 2. Se a LX < a LX , então o país H é mais eficiente que ¾ na produção de X, mas isto define uma vantagem absoluta, não comparativa. Quando um país consegue produzir uma unidade de um bem com menos horas de trabalho que outro, diz-se que o primeiro país tem uma vantagem absoluta na produção desse bem. Muita atenção que o mesmo país não pode, por definição, ter vantagem comparativa na produção de ambos os bens. Pode, contudo, ter vantagem absoluta. 2. Dadas as dotações do factor trabalho e os coeficientes técnicos de produção em cada um dos países, podemos construir as fronteiras de possibilidades de produção de cada país. Não havendo comércio, os preços relativos de X e Y em cada país serão determinados ∗ ∗ a LY . pelos coeficientes técnicos de produção relativos: PX PY = a LX a LY e PX∗ PY∗ = a LX Uma vez aberto o comércio, o preço relativo deixa de ser determinado domesticamente. Se ∗ ∗ a LX a LY < a LX a LY , então o preço relativo de X é menor em H e será rentável este país exportar X. Por razões análogas, ¾ exportará Y. Mas este processo não continua indefinidamente: a dada altura, os preços relativos nos 2 países igualam-se. À semelhança do que sucede com outros preços, também o dos bens transaccionados internacionalmente é determinado pela interacção entre oferta e procura. Como H exporta X apenas em troca da importação de Y e ¾ exporta Y apenas em troca da importação de X, os dois mercados, de X e Y, tem de ser analisados em conjunto (equilíbrio geral). Uma forma de estudar simultaneamente os 2 mercados é recorrendo à procura(oferta) relativa, isto é, à quantidade procurada(oferecida) de X dividida pela quantidade procurada (oferecida) de Y. Página 4 de 9 2.1. Oferta relativa mundial Se PXM PYM < a LX a LY , então o preço relativo de X será menor que o custo de oportunidade de X, tanto em H como em ¾; neste caso, H e ¾ especializar-se-ão ambos na produção de Y, pelo que não há produção mundial de X, ou seja, a oferta mundial relativa é zero. Se PXM PYM = a LX a LY , então H pode estar num qualquer ponto da sua fronteira de possibilidades de produção; já ¾ permanecerá ∗ ∗ a LY completamente especializado em Y. Se a LX a LY < PXM PYM < a LX , então H ∗ ∗ a LY , H produz especializar-se-á completamente em X e ¾ em Y. Se PXM PYM = a LX apenas X, enquanto ¾ pode estar num qualquer ponto da sua fronteira de ∗ ∗ possibilidades de produção. Se PXM PYM > a LX a LY , nenhum dos países produz Y pelo que a oferta relativa mundial é infinita. 2.2. Procura relativa mundial A construção da procura relativa mundial não exige um estudo tão exaustivo. Assumese apenas que tem declive negativo, por força do efeito substituição: à medida que o preço relativo de X aumenta, os consumidores tendem a consumir menos X e mais Y, logo a procura relativa de X diminui. 2.3. Preço de equilíbrio O preço de equilíbrio é determinado pela intersecção da procura relativa com a oferta relativa. Px Py Fig. 2.3. - Equilíbrio de c omérc io livre RS ∗ aLX ∗ aLy aLx aLy 2 1 RD RD’ Q x + Q ∗x Q y + Q ∗y Na figura 2.3 estão representados duas situações de equilíbrio possíveis, 1 e 2. No ponto 1, o preço relativo de X situa-se entre os dois preços relativos de autarcia: neste caso, cada país especializa-se na produção do bem na qual tem vantagem comparativa: H produz apenas X e ¾ produz apenas Y. Mas se a curva da procura for, por exemplo, RD’, o equilíbrio será dado pelo ponto 2, onde o preço relativo de X iguala o custo de oportunidade de X em H; nesta situação, H continua a produzir ambos os bens, isto é, não há especialização completa em H, somente em ¾, que produz Página 5 de 9 apenas Y. Portanto, continua a ser verdade que se um país se especializa, fá-lo no bem em que possui vantagem comparativa. 2.4. Ganhos de Comércio 1. Existem duas formas de avaliar os efeitos sobre o bem-estar decorrentes da abertura ao comércio. O primeiro método avalia as alterações em termos de salários quando os países passam de uma situação de autarcia para comércio livre. O segundo, mais tradicional, usa uma função agregada de bem-estar para calcular tais efeitos; este método é possível demonstrar que os ganhos de comércio decorrem de uma maior eficiência na produção e no consumo. 2. A análise dos efeitos da abertura do comércio segundo a perspectiva dos salários é feita pela análise das variações dos salários reais. Os salários reais representam o poder de compra do salário, isto é, a quantidade de bens que o salário pode comprar. Os salários nominais não são suficientes para avaliar se os trabalhadores ganham, porque ainda que aumentem, o preço de um dos bens pode aumentar de tal forma que não compense. 2.1. Determinação dos salários reais 2.1.1. Salário real dos trabalhadores do sector X em termos de X É a quantidade de X que o trabalhador pode comprar com uma hora de trabalho. Calcula-se dividindo o salário pelo preço de X: w X PX . Como não há lucro económico, w X = PX a LX , pelo que podemos escrever: wX 1 = PX a LX Ou seja, o salário real dos trabalhadores do sector X em termos de X é igual à produtividade do trabalho na produção de X. 2.1.2. Salário real dos trabalhadores do sector X em termos de Y É a quantidade de Y que o trabalhador pode comprar com uma hora de trabalho. Calcula-se dividindo o salário pelo preço de Y: w X PY . Como não há lucro económico, w X = PX a LX , pelo que podemos escrever: wX 1 PX = PY a LX PY Ou seja, o salário real dos trabalhadores do sector X em termos de Y é igual ao produto da produtividade do trabalho na produção de X pelo preço relativo de X. 2.1.3. Salário real dos trabalhadores do sector Y em termos de Y Página 6 de 9 É a quantidade de Y que o trabalhador pode comprar com uma hora de trabalho. Calcula-se dividindo o salário pelo preço de Y: w Y PY . Como não há lucro económico, w Y = PY a LY , pelo que podemos escrever: wY 1 = PY a LY Ou seja, o salário real dos trabalhadores do sector Y em termos de Y é igual à produtividade do trabalho na produção de Y. 2.1.4. Salário real dos trabalhadores do sector Y em termos de X É a quantidade de X que o trabalhador pode comprar com uma hora de trabalho. Calcula-se dividindo o salário pelo preço de X: w Y PX . Como não há lucro económico, w Y = PY a LY , pelo que podemos escrever: wY 1 PY = PX a LY PX Ou seja, o salário real dos trabalhadores do sector Y em termos de X é igual ao produto da produtividade do trabalho na produção de Y pelo preço relativo de Y. 2.2. Salários reais em autarcia Para calcular os salários reais em autarcia basta substituir (PX PY ) por (PX PY ) aut Como (PX PY ) aut . = a LX a LY vem: em termos de Salários reais dos X trabalhadores do sector X wX 1 = PX a LX Y wX 1 a LX 1 = = PY a LX a LY a LY trabalhadores do sector Y wY 1 a LY 1 = = PX a LY a LX a LX wY 1 = PY a LY 2.3. Salários reais com comércio livre Vamos assumir, sem perda de generalidade, que o equilíbrio alcançado envolve especialização (PX PY ) aut completa em ( ) < (PX PY ) cl e PX∗ PY∗ ambos aut ( > PX∗ PY∗ os ) cl países. Isto significa que . Por outro lado, não há trabalhadores de H no sector Y, nem de ¾ no sector X. Deste modo, vem: em termos de Salários reais dos X Trabalhadores de H do sector X Trabalhadores de ¾ do sector Y Y wX 1 = PX a LX wY 1 = PX a LY ⎛ PY∗ ⎜ ⎜ P∗ ⎝ X ⎞ ⎟ ⎟ ⎠ aut ∗ 1 ⎛⎜ PY > a LY ⎜⎝ PX∗ Portanto, toda a gente beneficia nos dois países. Página 7 de 9 wX 1 = PY a LX ⎞ ⎟ ⎟ ⎠ cl ⎛ PX ⎜⎜ ⎝ PY ⎞ ⎟⎟ ⎠ cl > 1 ⎛ PX ⎜ a LX ⎜⎝ PY wY 1 = PY a LY ⎞ ⎟⎟ ⎠ aut 3. A figura seguinte compara as situações de equilíbrio em autarcia e com comércio livre para ambos os países. Fig. 2.4 - Equilíbrio em autarc ia e c om c omérc io livre nos países H e * Qy P* I∗aut Px Py I∗cl A* C* C Icl Iaut Px Py A P QX A fronteira de possibilidades de produção para o país H está representada a cheio; a do país ¾ está representada a tracejado. Assume-se que os dois países têm preferências idênticas e homotéticas, representadas, na figura, por curvas de indiferença (mais uma vez, a cheio para H, tracejado para ¾). Em autarcia, o ponto de produção/consumo no país H é A, onde a curva de indiferença é tangente à fronteira de possibilidades de produção; neste ponto, H atinge o nível de utilidade correspondente à curva Iaut. Com a liberalização do comércio, os pontos de consumo e produção em H passam a ser, respectivamente, C e P. Esse ponto de consumo proporciona um nível de utilidade Icl > Iaut . Em autarcia, o ponto de produção/consumo no país ¾ é A ∗ , onde a curva de indiferença é tangente à fronteira de possibilidades de produção; neste ponto, ¾ atinge o nível de utilidade correspondente à curva I∗aut . Com a liberalização do comércio, os pontos de consumo e produção em ¾ passam a ser, respectivamente, C ∗ e P ∗ . Esse ponto de consumo proporciona um nível de utilidade I∗cl > I∗aut . Isto significa que a abertura do comércio irá aumentar o bem estar agregado em ambos os países. Estes ganhos de comércio podem ser decompostos em dois efeitos separados: ganhos de eficiência na produção e ganhos de eficiência no consumo. Na figura seguinte, estão representadas as situações de equilíbrio em autarcia e com comércio livre para o país ¾. Página 8 de 9 Fig. 2.5 - Dec omposiç ão dos ganhos de c omérc io P* I∗aut I∗cl C* A* I∗c QX Os ganhos de comércio agregados são dados pela diferença entre os níveis de utilidade de I∗cl e I∗aut . Para decompor este efeito agregado, traçamos a recta do preço relativo mundial de forma a que ela passe pelo ponto A ∗ . Esta recta é tangente à curva de indiferença I∗c . O nível de utilidade correspondente a esta é o que ocorreria se ao preço relativo mundial, não houvesse alteração na produção doméstica. Portanto, a diferença de utilidade de I∗aut para I∗c deve-se exclusivamente a uma alteração dos preços. Ou seja, é o ganho de eficiência no consumo. O ganho remanescente – a diferença entre I∗c e I∗cl – deriva da alteração no ponto de produção, de A ∗ para P ∗ . Representa, pois, o ganho de eficiência na produção. Página 9 de 9