O papel da agricultura na “economia verde”

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O País
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Quarta - feira, 17 de Setembro de 2014
opinião
O papel da agricultura
na “economia verde”
Hélder Muteia, Responsável do Escritório da
FAO em Portugal
...para além dos pilares da sustentabilidade (integridade
ambiental, robustez
económica, bem-estar
social e boa governança), “esverdear
a economia através
da agricultura” requer um tratamento
equilibrado dos três
elementos da segurança alimentar:
a disponibilidade,
função da produção
e do comportamento;
o acesso, que depende
da renda e dos mercados; e a utilização,
condicionada pelo
conhecimento sobre
o valor nutritivo dos
alimentos
O
mundo chegou a um ponto crítico. O “boom” demográfico expõe factos preocupantes. Hoje somos
sete biliões de habitantes e em 2050 podemos chegar a nove biliões. Cresce a responsabilidade de
garantir alimentos para todos, em quantidade e
qualidade adequados. Simultaneamente, alguns
dos recursos essenciais para sustentar a produção de alimentos e a
vida no planeta estão nos limites. A água, por exemplo, é cada vez
mais escassa e com elevados índices de contaminação. O ar que respiramos contem níveis crescentes de chumbo e gases com efeito estufa,
particularmente o dióxido de carbono. As florestas são sendo decapitadas; os solos aráveis degradados e a fauna dizimada.
Estes factos obrigam-nos a repensar os modelos de desenvolvimento que temos seguido até agora, de modo a garantir uma reconciliação entre a economia e o ambiente. Levantamentos científicos e
projecções indicam que o nível predatório do actual estilo de vida
não é sustentável, do ponto de vista social, económico e ecológico.
A sustentabilidade económica implica um ciclo produtivo com ganhos sistemáticos a longo prazo; a sustentabilidade social baseia-se
em padrões de partilha, dignidade e sociabilidade condizentes com
a condição humana; já a sustentabilidade ambiental garante o direito
à vida como um património partilhado por todos os seres vivos no
presente e no futuro.
A “economia verde” corresponde a esse ideal de desenvolvimento
sustentável em todos os quadrantes (económico, social e ambiental)
e constitui uma perspectiva integrada do desenvolvimento, colocando na mesma equação a necessidade de produzir bens e serviços, a
urgência de preservar a base de recursos naturais, e a importância
de garantir dignidade à pessoa humana. Um tripé que se equilibra
e se responsabiliza mutuamente, para que dele resulte a melhoria do
bem-estar, a promoção da igualdade social e a convivência sã com a
natureza e o ambiente. Todos os processos produtivos (industriais,
comerciais, agrícolas e de serviços) devem corresponder ao ideal de
desenvolvimento sustentável.
Assim, uma “economia verde” deve reduzir ao mínimo o uso de biocombustíveis fósseis como a gasolina, o carvão, o diesel e o gás, incentivando o recurso às fontes mais limpas e renováveis como a energia
solar e eólica; garantir o combate à pobreza e à inclusão social; garantir maior eficácia e eficiência no tratamento de lixo e outras causas de
contaminação e poluição; e, acima de tudo, manter a exploração dos
recursos naturais dentro dos limites da sustentabilidade.
Daí a importância da agricultura como multiplicador de vida vegetal e animal e como utente de cerca de 60% dos recursos naturais do
planeta utilizados na produção de bens e serviços: terra, água, fauna,
flora, minerais, etc.. Por ter esse privilégio, tem também, o compromisso de preservar o ecossistema que os sustenta.
Além da produção alimentar, a agricultura presta serviços ambientais, sociais e económicos, entre os quais a geração de emprego. Na
componente ecológica, por exemplo, a apicultura contribui para a
polinização de várias plantas. Na componente socioeconómica, estima-se que um bilhão de pessoas trabalham no sector agrário, garan-
tindo subsistência para cerca de 2.6 bilhões de pessoas. Muitas delas
organizadas em comunidades agrícolas, associações e cooperativas.
Durante a Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável), realizada na cidade do Rio de Janeiro
em junho de 2012, a “economia verde” foi um dos temas mais abordados. Na ocasião, a FAO (Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura) e seus parceiros internacionais promoveram uma série de debates sobre como materializar esse ideal
de tornar a economia mais verde através da agricultura. Partindo
do princípio que a “economia verde” precisa da agricultura, e que
a agricultura precisa da economia verde, foi criada uma plataforma
de debates chamada de GEA (Greening the Economy with Agriculture) em português EEA (Esverdeando a Economia Através da
Agricultura).
O conceito é novo, dinâmico, apaixonante e, essencialmente, necessário. Longe de ser um modelo acabado e rígido, ele é inclusivo,
maleável, receptivo à criatividade e diversidade. Ele se inspira na ciência, pesquisa e experiências de sucesso. Colocando-as ao serviço
de uma causa maior, equilibrada, partilhada e sustentável. Para cada
sector e contexto as soluções devem ser específicas, mas sintonizadas
com o objectivo mais abrangente que é a sustentabilidade global.
A agricultura pode dar um grande contributo, reduzindo os índices de desflorestação para a introdução de monoculturas, a degradação dos solos por práticas agrícolas inadequadas, a contaminação da
água e do ar com agro-químicos. Mas não se deve esperar que todas
as soluções venham da agricultura. Embora a agricultura possa dar
um contributo importante, não é o sector mais poluente (a indústria
é o sector líder na emissão de dióxido de carbono) e as demais áreas
económicas são igualmente importantes.
Além do que foi referido, a agricultura é fundamental para a materialização da “economia verde” porque a garantia de um bom nível
de segurança alimentar é essencial na manutenção de princípios e
valores. A fome e a miséria encorajam práticas e hábitos desesperados
e predadores do meio ambiente.
Por isso, para além dos pilares da sustentabilidade (integridade
ambiental, robustez económica, bem-estar social e boa governança),
“esverdear a economia através da agricultura” requer um tratamento
equilibrado dos três elementos da segurança alimentar: a disponibilidade, função da produção e do comportamento; o acesso, que
depende da renda e dos mercados; e a utilização, condicionada pelo
conhecimento sobre o valor nutritivo dos alimentos. Uma população
bem nutrida é mais saudável, mais alegre, mais participativa, mais
responsável e consciente das obrigações e responsabilidades civis.
Mas é preciso ter sempre presente que a degradação ambiental é
resultado de uma falha de mercado, e deve ser abordada por todos
os sectores da economia. Uma “economia verde” deve resultar de políticas claras, incentivando as boas práticas e reprimindo as más. A
educação cívica é importante para elevar a consciência social sobre
os desafios. As práticas indesejáveis como a poluição, por exemplo,
podem ser controladas através de mecanismos de tributação. n
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