UN PSI UNIDADE DE ENSINO E PESQUISA EM PSICOLOGIA E PSICANÁLISE ARTE E SIMBOLIZAÇÃO: A POÉTICA DA DOR MILENA PAULA DONATO DA OLIVEIRA Psicóloga Clínica (CRP 13/6142), Especialização em Psicologia Clínica -Psicanálise (em andamento), Formação em Clínica Psicanalítica - Casal e Família (EPSI), e Arteterapia (em andamento) pela Traços – PE. E-mail: [email protected] Meu encontro com a arte Os atores dessa história Pintar, colar, rabiscar, escrever, poetiza, moldar, dizer... Muitas são as maneiras de se fazer arte e se expressar. Cresci acreditando que o caminho da expressão artística era uma escolha possível e importante para se dizer o que se sente. Pela psicologia me debrucei sobre o estudo da saúde mental e psiquiatria e nesse percurso, encontrei com a Arteterapia no meu estágio final do curso num Centro de Atenção Psicossocial – CAPS na cidade de Recife – PE. Esta instituição propõe atividades com oficinas terapêuticas, que segundo Valladares et al (2003, p. 6), “são atividades de encontro de vidas entre pessoas em sofrimento psíquico, promovendo o exercício da cidadania, a expressão de liberdade e convivência dos diferentes através preferencialmente da inclusão pela arte”. A partir dessa experiência minha linha de trabalho seguiu na área da arteterapia, da saúde mental e da psicologia, influenciada por teóricos da Arteterapia como Angela Philippini e Guttimanm, da Psicologia Analítica Junguiana sob o olhar de Nise da Silveira e da Psicanálise com as contribuições de Winnicott, Manoel T. Berlink. São encaminhados para psicoterapia no CENDOR, pacientes diagnosticados com dor crônica, na sua maioria, com fibromialgia que, de acordo com Berlink “é literalmente a dor nos músculos e nos tecidos fibrosos (ligamentos e tendões) e que é implacável, espalhando-se por todo o corpo e possui uma grande proximidade com a depressão e a angústia” (1999, p.8). Neste sentido os pacientes se apresentam tomados pela dor, poliqueixosos, sem esperança e na sua maioria com sintomas depressivos e ansiosos. Um trabalho Arteterapêutico Desenvolvi um trabalho com arteterapia com pacientes portadores de dor crônica no Centro de Tratamento para Dor Crônica – CENDOR, no Município de João Pessoa-PB. A princípio, me deparei com pacientes bastante fragilizados, poliqueixosos e doloridos. A observação dos médicos e fisioterapeutas do serviço eram que a maioria de seus pacientes não obtinham melhora do quadro álgico porque traziam uma história de vida sofrida e só conseguiam olhar para a dor, potencializando-a. Deste modo, iniciei os atendimentos individuais e, aos poucos, fui inserindo os grupos terapêuticos, nos quais a arte passou a ser o recurso terapêutico principal para a expressão da dor. Entendendo Arte “como Processo Expressivo, de forma mais ampla que se puder concebê-lo. Não abordando questões particulares de ordem estética, técnica ou acadêmica” (PHILIPPINI, 2008, p. 13, grifo do autor). A partir disso a Arteterapia se define como um processo terapêutico que ocorre através de modalidades expressivas diversas, entendendo o sujeito como um ser de possibilidades criativas e singulares. Foram criados dois grupos com cinco integrantes cada um, em sua maioria, mulheres com faixa etária entre 40 e 70 anos, com fibromialgia e outras comorbidades reumáticas. Era uma vez uma mulher muito alegre, que gostava muito de passear, de ir as festas, de ir à igreja, gostava muito de se comunicar com as pessoas. Era feliz. Até que um dia aconteceu um fato muito dolorido que até hoje lhe tirou sua alegria: as dores do seu corpo, a perda dos movimentos. Hoje só lhe resta angústia muito grande, diante de tantos problemas de saúde. Eu tenho saudade de quem eu era, eu tenho saudade de mim. Esta mulher sou eu! (Texto elaborado por uma paciente do grupo terapêutico após contação de história do livro Chapeuzinho Amarelo de Chico Buarque). Sigmund Freud refletindo o quanto a dor, a depressão e a angústia se relacionam entre si diz: Ao formar um juízo sobre as dores, que se costuma considerar como fenômenos físicos, em geral cabe levar em conta sua claríssima dependência das condições anímicas. Os leigos, que de bom grado reúnem tais influências anímicas sob o nome de imaginação, costumam ter pouco respeito pelas dores decorrentes da imaginação, em contraste com as que são causadas por lesões, doenças ou inflamações. Mas isso é evidentemente injusto: qualquer que seja sua causa, inclusive a imaginação, as dores em si nem por isso são menos reais ou menos violentas (FREUD, Sigmund, 1905, p.276 Grifo nosso). Percebo que enquanto o sujeito não sentir e entender o sentido de sua dor mais difícil será a diminuição da intensidade da mesma. Diante disso, é ferramenta fundamental para a efetividade do tratamento proposto, compreender como cada paciente interpreta o impacto do quadro da dor crônica na sua vida. Para que isso ocorra se faz necessário utilizar recursos que lhe permitam expressar seu sofrimento de forma mais livre e criativa (LODUCA, 2014). Estes pacientes trazem em seu discurso que a dor foi a forma encontrada pelo corpo de dizer que não suporta mais. E isso faz todo sentido, considerando que a sensação dolorosa vem sendo construída ao longo de nossa existência, conforme Berlink a dor anuncia um perigo, ou melhor dizendo a dor é uma “defesa contra ameaças lesivas ou lesões vinda da realidade externa ao organismo” (1999, p.10). Trabalhei desde meus 7 anos pegando em enxada e lata d’água na cabeça. Hoje meu corpo gritou dizendo que não aguenta mais. (Um homem membro do grupo descrevendo o porquê de tanta dor). Concluindo sem um Fim necessário A contação de histórias, naquele momento funcionava como acolhimento e maternagem. A cada história contada observava a conexão que faziam com suas próprias histórias e assim foi se tecendo um vinculo importante para desdobramentos futuros. Embora a contação de história estivesse presente na maior parte dos encontros, usávamos prioritariamente outros recursos, como a argila, a tinta e a escrita. Para José Tolentino Rosa, estudioso da dor, “pacientes cujas queixas estão registradas no nível da concretude do corpo trazem para o psicoterapeuta um corpo que conta uma história” (ROSA, et al. 2013, p.11). Cada paciente tinha uma história para contar através da concreta dor no corpo; e essas histórias começavam a ser contadas de formas diversas através dos inúmeros recursos arteterapêuticos disponibilizados em cada encontro. Ao iniciar o uso da argila sugeri o mote: “Que imagem tem a minha Dor?” E eles foram dando expressão a massa fria e sem forma. E enquanto criavam livremente suas peças, sentiam o que a imagem lhes anunciava, surgindo novas associações. Numa das produções com argila, qual a paciente chamou de “Pedra Seixo” ela escreveu: “A minha dor é tão grande que chega a me sufocar. É um fardo muito pesado... Jesus, Rola essa pedra de cima de mim, que me machuca tanto.” Na manipulação da argila não há regras, trazendo como vantagens a livre exploração e a criação. Este material visa auxiliar os indivíduos em suas problemáticas, facilitando a expressão simbólica nas modelagens em argila dos sentimentos, das percepções e angústias. Como nos diz Stephen Nachmanovitch: “A criação espontânea nasce do nosso ser mais profundo e é imaculadamente e originariamente nós. O que temos que expressar já existe em nós, é nós, de forma que trabalhar a criatividade não é uma questão de surgir o material, mas de desbloquear os obstáculos que impedem seu fluxo natural” (1993, p.21). Possibilitando ao paciente construir imagens, esculturas, representativas de seu íntimo e que, dentro do setting terapêutico, terão um sentido. O objetivo do trabalho psicoterapêutico não é, absolutamente, a remissão total da dor, pois se assim o fizéssemos deixaríamos de ser humano. Nossa meta então seria ajuda-los a reconhecer e suportar essa dor, sem deixa-la como centro de suas vidas. Levá-los a entender que a dor são manifestações da vida da espécie humana, sendo fundamental suportá-la com mais leveza e criatividade. Após a criação de uma perna de argila e depois pintada de modo bem colorido e vibrante a paciente escreve: Era uma vez uma perna, pois ela dói tanto que quando estou dormindo ela incomoda muito que fico procurando a melhor posição para que eu possa dormir mais confortável. Ela também tem a ver com o meu emocional; porque quando me estresso muito ela dói mais ainda, não só ela, mas todas as dores que sinto. Mas eu procuro esquecer que tenho essas dores para viver melhoro meu dia a dia. Pois já que tenho que conviver com ela para o resto da minha vida, quero procurar o melhor para mim e cuidar de mim, esquecer o que não me faz bem e procurar ser feliz e aceitar e cuidar das minhas dores tanto físicas como emocional. (Grifo nosso). Deste modo, observo que os efeitos alcançados por estes grupos terapêuticos são sentidos e tecidos por mim, por cada paciente singularmente e pelo grupo, a cada encontro. E, por isso, o presente estudo tem sua importância científica por contribuir no alargamento das discussões sobre os diferentes recursos utilizados no tratamento da dor, demonstrando, com isso, sua aplicabilidade eficaz, obtendo efeitos terapêuticos que colaboram com a construção de um novo olhar da sociedade e da comunidade científica sobre a dor crônica. Referências Bibliográficas BERLINK, Manoel Tosta. A dor. In: BERLINK, Manoel Tosta (Org). Dor. São Paulo: Escuta, 1999, p. 7-22. FREUD, Sigmund. Tratamento Psíquico (ou mental) (1905). ESB, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 276. LODUCA, Adriana. et al. Retrato de dores crônicas: percepção da dor através do olhar dos sofredores. Dor. São Paulo. v. 15, n. 1, p. 30-35, jan./mar. 2014. NACHMANOVITCH, Stephen. Ser Criativo. 3. ed. São Paulo: Summus, 1993, p. 21. PHILIPPINI, Angela. Para entender arteterapia: Cartografias da coragem. 4. ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2008. ROSA, José Tolentino (org.). et al. Fantasias inconscientes na clínica psicanalítica de pacientes com dor crônica. São Paulo: Associação de Psicoterapia Psicanalítica, 2013. E-Book. ISBN: 97885-66238-02-0. Disponível em: http://appsi.com.br/fotos/%7B8891621D-7C05-4963-874645F4339D1156%7D_E-book%20APP.pdf. Acesso em: 18/07/2016.