Mutações do Vírus Influenza A (H1N1) Laís Fernandes Rocha¹, Letícia Cechinel Lima¹, Talita Dewes¹; Adriana Helena Lau 1 2 Curso de Ciências Biológicas da Universidade Luterana do Brasil; 2 Departamento de Biologia, CNEC/Osório RESUMO: No ano de 2009 surgiu a gripe com características pandêmicas causada pelo vírus Influenza A (H1N1). Este vírus, capaz de infectar humanos de maneira muito efetiva, se originou através de mutações e recombinação gênica de cepas virais originárias de suínos, aves e humanos. A técnica de RT-PCR foi utilizada para detecção desta nova linhagem viral que tem evoluído através de mutações ao acaso que foram selecionadas positivamente. Não sabemos quais serão as pressões de seleção geradas em novos episódios mutacionais. Palavras-chave: vírus influenza A (H1N1), gripe suína, RT-PCR, mutações. O VÍRUS INFLUENZA A (H1N1) No ano de 2009, o surgimento de vários casos semelhantes de uma nova gripe em diversos países desencadeou uma grande preocupação, alertando as autoridades sanitárias do mundo inteiro para o risco de uma pandemia. A partir da avaliação destes casos foi identificado um novo subtipo viral, denominado Influenza A (H1N1). O vírus Influenza A (H1N1) pertence à família Orthomyxoviridae e possui RNA de cadeia simples segmentado como material genético. Pode ser classificado como do tipo A, B ou C, baseado no antígeno interno nucleoprotéico. Externamente, o vírus apresenta um envoltório de natureza lipídica, no qual se insere antígenos de superfície de natureza glicoprotéica (PINHATI, 2009). _______________________________ Rua 24 de Maio, 141- Centro. CEP: 95520-000. Osório – RS – Brasil [email protected] +55 51 82192929 +55 51 37373829 O retrovírus Influenza tipo A pode adquirir maior agressividade devido às mutações derivadas da mistura de genes de vírus de animais, em especial aves e suínos (PINHATI, 2009). Mutações são erros que ocorrem durante a replicação do material genético (DNA ou RNA), ou na sua reparação e se tornam permanentes (NETTO E MENCK, 2001). As mutações classificadas como espontâneas são eventos naturais que ocorrem ao acaso na replicação do material genético das células; já as induzidas ocorrem pela ação de fatores externos, ambientais que podem produzir danos no material genético (SADAVA e col. 2005). As mutações podem gerar efeitos benéficos, deletérios, como também ser neutras para os organismos, dependendo da ação seletiva do ambiente (BURNS E BOTTINO, 1991). Novos genes podem ser introduzidos em linhagens de vírus através do contato com outras, mas sempre são originados em uma espécie através de mutações. As mutações, portanto, podem ser consideradas como fonte 22 única de variabilidade genética (NETTO E MENCK, 2001; RIDLEY, 2006). Mutações em vírus de RNA, ou retrovírus, ocorrem mais frequentemente, pois a transcriptase reversa, que copia uma fita de DNA complementar a partir do molde de RNA, não possui atividade revisora de erros e por isso não há mecanismos capazes de promover reparação de erros (OLIVEIRA E MENCK, 2001; NETTO E MENCK, 2001; RIDLEY, 2006). Através de suas mutações comumente geradas, o vírus Influenza A tornou-se um patógeno de inúmeras epidemias e pandemias, afetando suínos ao causar doenças respiratórias e sendo capaz de infectar o homem por contato próximo (GRECO e col. 2009). De acordo com sua denominação, o vírus Influenza A (H1N1) é composto por oito genes, dos quais dois são responsáveis pela codificação de proteínas virais de superfície (hemaglutinina - HA e neuraminidase NA) que possibilitam a sua entrada na célula e sua posterior disseminação para outras, respectivamente. As características antigênicas da HA e da NA constituem a base para a divisão do vírus da Influenza do tipo A em subtipos e variantes. Existem 16 subtipos de hemaglutinina e nove de neuraminidase, que resultam em 144 combinações possíveis das proteínas. Dessas combinações apenas três, H1N1, H2N2 e H3N2, são capazes de infectar humanos (GRECO e col. 2009). A definição do novo vírus foi feita pouco tempo depois do surgimento da doença. Com o desenvolvimento rápido da técnica de RT-PCR (Reverse Transcription PCR - Reação em Cadeia da Polimerase com Transcrição Reversa) para identificação da nova cepa, foi possível confirmar a infecção em pessoas com manifestações clínicas como tosse, febre, irritação na orofaringe, náusea e diarréia (GRECO e col. 2009). Este trabalho tem como objetivo explicar como os artigos científicos recentemente publicados descrevem a ocorrência das mutações que permitiram a disseminação deste agente patogênico em humanos e descrição da técnica de PCR com transcriptase reversa (RT-PCR) que possibilita um diagnóstico preciso da doença. MUTAÇÕES DO VÍRUS INFLUENZA A Em geral, doenças virais são endêmicas, ocorrendo com frequência em locais que são propícios e atacando um número variável de indivíduos. Possuem variações periódicas de intensidade em resposta a eventos ecológicos e à dinâmica das populações. Por exemplo, o vírus Influenza A atua preferencialmente sob baixas temperaturas, tornando-se um risco à população humana no inverno (DESSEN, 2006). Atualmente, o vírus influenza é classificado em três categorias: A, B e C – e todos causam doenças respiratórias. O vírus Influenza A é aquele que causa a doença do modo mais severo, do ponto de vista clínico. Ele pode causar epidemias e incluive pandemias (surtos que se espalham mundialmente) e tem capacidade de infectar o mesmo hospedeiro mais de uma vez. Considera-se também que as mutações acumuladas nos genes virais, ao longo do tempo, podem tornar este vírus ainda mais infeccioso (DESSEN, 2006). 23 Para haver a formação de novos subtipos virais de Influenza A ocorre recombinação, que corresponde à mistura de, por exemplo, genes de um vírus que infecta seres humanos com genes de vírus que infectam outros animais, como aves. Para ocorrer a mistura, os vírus têm que infectar ao mesmo tempo um mesmo animal, sendo comumente o porco, pois é um hospedeiro com células cujas moléculas receptoras de superfície permitem a entrada de ambos os tipos virais (tantos os provenientes do homem quanto os de aves). Por exemplo, um porco pode ser infectado pelo vírus Influenza A humano de um homem gripado e, ao mesmo tempo, pelo vírus de uma ave com gripe. As moléculas de RNA dos dois tipos de vírus podem então ser reestruturadas criando um híbrido novo que, se tiver a capacidade de infectar humanos, não será reconhecido pelo sistema imune do hospedeiro, visto que é a primeira vez que o organismo tomará contato com este tipo viral. Desta forma, o híbrido tem a possibilidade de ser mais virulento dependendo das condições do hospedeiro (DESSEN, 2006). A recombinação gênica aberrante e a recombinação ilegítima são estratégias comuns em vírus de RNA, onde a colisão aleatória de fitas simples de RNA pode ocorrer (PASSAGLIA, 2003; MICHEREFF, 2008), aumentando a probabilidade de gerar, ao acaso, novas mutações, benéficas para o organismo que as sofreu e deletérias para o hospedeiro. Mecanismos estratégicos de recombinação que permitem a evolução dos vírus (PASSAGLIA, 2003), portanto, explicam a atual pandemia de origem suína. Um novo subtipo de vírus surgiu por combinação dos genes de vírus humanos, que vinham causando gripes leves em anos anteriores, com genes de aves e dos próprios suínos. Posteriormente o vírus foi transmitido de modo direto e indireto do suíno para o ser humano, através da inalação das secreções respiratórias ou pelo contato com a mão e objeto contaminados pelo vírus, o que possibilitou os surtos no ano de 2009 (SENNA e col., 2009). A variação antigênica nas glicoproteínas de superfície resultante de recombinação do segmento do gene que codifica a HA ou quando ambos os genes que codificam a HA e a NA estão envolvidos nos mecanismos de recombinação, leva a formação de um novo vírus. As características antigênicas diferentes das linhagens até então circulantes, como foi o caso do vírus Influenza A (H1N1) determinam a sua grande transmissibilidade entre seres humanos (GRECO e col. 2009). A formação de novas linhagens pandêmicas continuará desde que haja uma fonte de genes virais (como os de aves e suínos) que não tenha tido o contato prévio com o hospedeiro humano (SENNA e col., 2009). PROCEDIMENTOS DE RT-PCR UTILIZADA PARA A IDENTIFICAÇÃO DO VÍRUS INFLUENZA A (H1N1) O teste laboratorial de RT-PCR é recomendado pela Organização Nacional de Saúde (OMS) para detecção do vírus em pacientes com suspeita de gripe A (H1N1). O mesmo utiliza a técnica de coleta das secreções respiratórias (nasofaríngeas e orofaríngeas) para obter as amostras a serem analisadas. As amostras clínicas são retiradas com „swabs‟ através das secreções nasais e orais. 24 Pacientes intubados são submetidos à coleta de aspirado nasotraqueal (CARVALHO et al., 2009). Primeiramente é feita a extração do RNA das amostras e posteriormente, os fragmentos específicos do vírus Influenza A (a - proteína da matriz universal), e de regiões dos genes de Influenza A suína (b - nucleocapsídeo e c - hemaglutinina H1) transformados Figura 1 – RT-PCR. (Retirada de Kendal e Riley, 2000, com modificações). O RNA molde deve ser isolado das amostras a serem testadas. Portanto, os RNAs mensageiros (mRNA) derivados das amostras coletadas dos pacientes são colocados juntamente com os „primers 1 e 2‟, os dexoxirribonucleotídeos, tampão, transcriptase reversa, e DNA Taq polimerase no termociclador. O „primer‟ vai se anelar ou hibridizar com os mRNAs. Assim, a enzima transcriptase reversa pode continuar a polimerização, adicionando em DNAs complementares ou cópias (cDNAs) pela ação da transcriptase reversa, são amplificados através da PCR num equipamento termociclador (PROTOCOL ONLINE, 2009). A figura 1, abaixo, ilustra as etapas da RT-PCR (KENDALL E RILEY, 2000). desoxirribonucleotídeos um a um, por complementaridade de bases, copiando as novas moléculas de cDNA a partir das sequências molde de mRNAs das amostras, produzindo moléculas híbridas DNA/RNA. A enzima RNAase H, degrada os mRNAs molde da molécula híbrida, restando somente os cDNAs. Estes cDNAs se anelam com as moléculas do „primer 2‟ permitindo a ligação da Taq DNA polimerase, que inicia os ciclos de polimerização das moléculas de cDNA, amplificando as amostras através da técnica normal de PCR (KENDALL E RILEY, 2000). Os resultados são interpretados através dos dados de fluorescência 25 emitidos pelas sondas (marcada com fluoróforos), possíveis alvos, com sinais coletados ao longo dos 45 ciclos da reação de PCR, indicando a detecção dos genes em questão. A interpretação ocorre da seguinte forma: se somente o alvo do gene da proteína da matriz universal do vírus Influenza A “a” brilhar e for detectado pela radiação do fluoróforo, significa a presença do vírus da Influenza A sazonal (gripe comum); se ambos os alvos “a” e “b” forem detectados, indica a presença de um vírus da Influenza A, de origem suína, porém não pertencente ao tipo H1N1, e finalmente se três alvos “a”, “b” e “c” emitirem sinais e forem portanto detectados, indica a presença do vírus da Influenza A (H1N1), pandêmico (CARVALHO et al., 2009). EVOLUÇÃO DA LINHAGEM H1N1 Um dos maiores mistérios da evolução é prever o efeito de uma mutação. De qualquer forma, sabese que quando atingem o nível de indivíduo, podem atingir o nível de população e influenciarão na vida de todos os organismos relacionados no meio (DARWIN, 2007). Sobre os efeitos da seleção natural, presume-se que o vírus Influenza A (H1N1), tendo um período cíclico de mutações e de manifestação da doença em humanos, dificilmente pode ser previsível quanto aos efeitos que poderá causar na população humana cada vez que houver uma nova mutação e esta se disseminar (DUARTE, 2009). As mutações que ocorreram no vírus Influenza A, modificando seus antígenos de superfície formando a linhagem H1N1 geraram uma pressão de seleção positiva. Tais mutações foram benéficas para os vírus ao possibilitar sua rápida disseminação entre a população humana que não apresentava mecanismos de reconhecimento pelo sistema imunológico ou resistência a esta nova linhagem. Para a população humana a infecção pelo vírus Influenza A (H1N1) atuou como agente de seleção natural, atuando negativamente, pois os indivíduos infectados mais debilitados não resistiram e foram a óbito, sendo eliminados. Àqueles que foram infectados e sobreviveram apresentam agora resistência a este subtipo viral. Isso mostra que algumas características individuais dos organismos humanos influenciaram nesta seleção (DARWIN, 2007; DESSEN, 2006; DUARTE, 2009). Porém, no momento em que os humanos conseguiram identificar o vírus e encontrar medicamentos para combatê-lo, estes deixaram de ter sucesso reprodutivo, não conseguindo atingir os grupos de risco nem os humanos mais „fracos‟ ou debilitados. Por outro lado, se os humanos não obtivessem uma forma de resistir à doença, todos poderiam ser extintos, inclusive os mais „fortes‟ (DUARTE, 2009), muitos dos quais compunham os grupos de risco que incluem jovens saudáveis entre 18 e 39 anos. Isso mostra a gama de possibilidades que as mutações ao gerar pressão seletiva trazem aos organismos. Se os organismos conseguem de alguma forma adaptarse à situação a qual foram submetidos, sobreviverão e possivelmente obterão sucesso seletivo. Se ao contrário, essa adaptação não for 26 possível, só restam duas opções, ou os organismos sofrem mutações ao acaso e se adaptam a outros ambientes, ou serão eliminados (DARWIN, 2007; DESSEN, 2006; DUARTE, 2009). Os vírus mais resistentes são aqueles que manifestam quadros clínicos menos intensos no organismo humano, pois assim não são eliminados e continuam a persistir e voltar a infectar os mesmos organismos (DESSEN, 2006). Não foi o caso do vírus Influenza A (H1N1), pois devido a sua alta virulência acabou sendo restringido através da morte de muitas vítimas e depois através de medidas como a vacinação. A cepa responsável pela pandemia de Influenza A (H1N1) originária da combinação de genes que incluem suínos, aves e um gene de vírus H3N2 humano, vem sofrendo diversas modificações em suas linhagens epidêmicas a cada um ou dois anos devido à sua alta taxa de mutação basal (DUARTE, 2009) e recombinação aberrante e inespecífica (PASSAGLIA, 2003; MICHEREFF, 2008). Como possuem reservatório natural em outros animais, como os já mencionados exemplos de suínos e aves, acabam por sofrer mutações que podem transformá-los em patógenos altamente virulentos, capazes de contaminar o homem com o qual mantêm contato (DESSEN, 2006). importância a compreensão de que as mutações que ocorrem nos vírus assim como nos demais organismos, podem influenciar a vida humana. Sendo a gripe suína uma doença nova, originária da evolução da linhagem viral Influenza A, os médicos e cientistas desconheciam os sintomas, o que impossibilitava o correto diagnóstico e tratamento. Uma vez identificado o vírus, através de resultados obtidos pela técnica de RT-PCR, pôde-se fazer o monitoramento das possíveis alterações do perfil viral em circulação e posteriormente, a aplicação da medicação correta para evitar o agravamento do quadro clínico dos casos de Influenza A (H1N1). Não se pode prever o grau de severidade da gripe toda vez que houver uma nova pandemia, pois não poderá se presumir o quão negativas à raça humana as mutações do vírus Influenza A podem se tornar. A sociedade deve ter consciência da necessidade de continuar a tomar medidas como: a prevenção diária contra a contaminação viral através da higienização; a atualização constante da vacina através do monitoramento da variação antigênica, principalmente na HA; e por fim, fazer uso adequado de medicamentos somente depois de um diagnóstico seguro. BIBLIOGRAFIA CONSIDERAÇÕES FINAIS No ano de 2009 o mundo parou, apreensivo, para assistir a uma nova pandemia, que causou muitas mortes por todo o globo. Portanto conclui-se que é de suma BURNS, G.W. E BOTTINO, P.J., Genética. 6ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1991; 381p. CARVALHO, W.B. de, CARNEIROSAMPAIO, M. E ZUGAIB, M., 27 Recomendações para o manejo de paciente com Infecção pelo vírus influenza A (H1N1). HCFMUSP [serial on the Internet] 2009 [cited 12 Jun 2010]; 1-32. Available from http://www.tele.medicina.ufg.br/files/ PROTOCOLO_H1N1__HCFMUSP_-_AGOSTO_2009.pdf DARWIN, C., A origem das espécies. Texto integral. Coleção A obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2007; 636p. DESSEN, E.M.B., Gripe aviária: seguindo as pegadas de um novo vírus. Genética na Escola [serial on the Internet] 2006 [cited 10 Jun 2010]; (1):1-7. Available from http://www.geneticanaescola.com.br /ano1vol1/02.pdf DUARTE, P.A.D., VENAZZI, A., YOUSSEF, N.C.M, e col. Pacientes com infecção por vírus A (H1N1) admitidos em unidades de terapia intensiva do Estado do Paraná, Brasil. 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