artigo lastro

Propaganda
E
BE CIC OO LL OO GG II AA
INSETOS HERBÍVOROS E
Acreditava-se, até algum tempo atrás,
que uma planta atacada por herbívoros seria
sempre prejudicada. Entretanto, estudos científicos
vêm mudando essa idéia nas últimas décadas.
Eles revelam que a herbivoria,
em muitos casos, pode trazer benefícios
para as supostas 'vítimas', como maiores
defesas contra futuros ataques e até crescimento
mais rápido. Assim, sabe-se hoje que certos
insetos herbívoros e suas plantas hospedeiras,
antes considerados inimigos, podem às vezes
ser bons parceiros.
Tatiana G. Cornelissen e G. Wilson Fernandes
Laboratório de Ecologia
Evolutiva de Herbívoros Tropicais,
Departamento de Biologia Geral
(Instituto de Ciências Biológicas),
Universidade Federal de Minas Gerais
24
24 •• CCI IÊÊNNCCI IAA HHOOJ JEE •• vvooll.. 3322 •• nnºº 119922
de inimigos a
E C O L O G I A
PLANTAS
parceiros?
As estimativas do número de espécies giravam, até 1999, em torno de 1,5 milhão, incluindo apenas as oficialmente reconhecidas e classificadas. Esse total, no entanto, não corresponde ao número real de espécies
existentes na biosfera e certamente está sujeito a
mudanças, porque, segundo o biólogo norte-americano Edward O. Wilson (1929-), “os organismos
pequenos ditam as regras” – seres diminutos, como
insetos, fungos e algas, representam a grande maioria
da diversidade descrita hoje.
Onde quer que existam plantas, há também insetos herbívoros. Esses dois grandes grupos constituem cerca de 80% da diversidade em espécies
conhecida hoje pela ciência (figura 1). Essa imensa
e coincidente diversidade não é acidental. Os dois
grupos estão ligados por inúmeras e complexas relações, que podem ser benéficas ou prejudiciais para
algumas das espécies envolvidas. Os insetos herbívoros podem consumir virtualmente todas as partes
Figura 1.
de uma planta (de botões florais a raízes), enquanNúmero de
to grande parte das plantas depende de insetos
espécies descritas
nos principais
polinizadores para sua reprodução.
grupos (o item
‘vertebrados’
inclui pássaros,
mamíferos, peixes,
anfíbios e répteis,
e o item
‘outros’ inclui
moluscos,
crustáceos,
O processo de interação entre espécies pode ocorrer
nematódeos,
de variadas maneiras, mas há basicamente três efeiequinodermas,
anelídeos
tos nas populações envolvidas: 1) aumento na sobree cnidários),
vivência, no crescimento e/ou na fecundidade; 2)
somando
decréscimo, nos mesmos fenômenos; e 3) nenhum
1,5 milhão
efeito. Associando símbolos matemáticos a tais posde organismos
sibilidades (‘+’ para interação positiva, ‘-’ para nega- diferentes
Interações benéficas
e prejudiciais
ADAPTADO DE E.O. WILSON, 1999
STOCKPHOTOS
abril de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 25
E C O L O G I A
Figura 2.
Tipos de
interações
entre
populações
de espécies
diferentes
(‘+’ significa
efeito positivo,
‘-’ significa
efeito negativo
e ‘0’ significa
sem efeito)
ataques menos intensos). A resistência contra a herbivoria
A
B
decorre de várias estratégias
Neutralismo
0
0
Sem efeitos
que as plantas usam para escaComensalismo
+
0
Hospedeiro não afetado
par, enfrentar e sobreviver ao
Amensalismo
0
População A é inibida, B não é afetada
ataque de insetos herbívoros
Mutualismo
+
+
É obrigatória
(figura 3). Elas podem escapar
tornando-se menos ‘aparentes’,
Protcooperação
+
+
É facultativa
ou seja, dificultando sua locaPredação
+
B é destruído por A
lização pelos insetos (desenvolParasitismo
+
B é explorado por A
vendo-se, por exemplo, antes
Competição
Inibição mútua
que o número de insetos aumente); podem defender-se
ativamente
tornando-se
um alimento inadequativa e '0' para neutra), pode-se classificar a interação
do
para
os
herbívoros
que
a atacam; e podem soentre duas espécies por combinações par a par dos
breviver
à
herbivoria
através
de mecanismos denoefeitos dessas interações (figura 2).
minados
‘tolerância’
e
‘sobrecompensação’.
As relações entre insetos e plantas podem passar
Apesar da aparente vulnerabilidade das plantas
por todas as oito categorias de interações entre espéao
ataque de herbívoros, a flora terrestre tem evocies listadas na figura, e as chamadas interações preluído
como uma cobertura altamente diversa. Isso
judiciais são observadas e estudadas com maior freocorre
porque muitas características dos vegetais
qüência. Interações positivas envolvendo insetos e
podem
tornar mais difícil a vida dos herbívoros,
plantas também são bastante comuns na natureza,
como
a
presença de pêlos e tricomas (obstáculos
mas há menos estudos sobre estas do que sobre as
estruturais),
a baixa quantidade e/ou qualidade de
interações que incluem pelo menos um componente
nutrientes
nos
tecidos (defesa nutricional/bioquínegativo.
mica)
e
o
emprego
de inúmeros compostos com
A herbivoria (quando uma espécie alimenta-se
ação
tóxica
ou
repelente
para os atacantes (defesas
dos tecidos da planta) é definida como uma interaquímicas).
ção do tipo benéfica/prejudicial, ou seja, benéfica
Existe um acúmulo de evidências de que as planpara o consumidor herbívoro e prejudicial para a
tas
têm um sistema de resistência eficiente, baseado
planta hospedeira. A herbivoria pode ser consiem
uma combinação de características físicas e quíderada parasitismo, se o herbívoro ingere partes
micas,
que evitam sua exploração total pelos herbíde suas plantas hospedeiras, sem destruí-las por
voros.
Por
isso, os cientistas propõem que as numecompleto, mas causando algum impacto negatirosas
características
químicas e mecânicas das planvo. Outros autores a incluem como predação, no catas
que
ajudam
a
reduzir
o forrageamento de herbíso de herbívoros que ingerem suas presas (plantas)
voros,
o
seu
crescimento
e
a sua sobrevivência evointeiras, destruindo-as.
luem
por
influência
de
uma
seleção direta imposta
As plantas, no entanto, exibem muitos tipos de
pela
pressão
de
herbivoria.
defesa contra o ataque de insetos, enquanto estes têm
Os herbívoros, porém, não ficam inertes ao enmuitos tipos de táticas para superar esses mecanisfrentar
problemas como a qualidade nutricional e a
mos de proteção.
defesa das plantas. Muitos deles localizam suas plantas hospedeiras por meio da chamada 'imagem de
procura', ou seja, a capacidade de encontrar seletivamente uma forma particular ou um item com experiência (já que estão acostumados a fazê-lo). Essa
estratégia é amplamente conhecida em alguns vertebrados, como pássaros e mamíferos.
Adaptações à resistência física das plantas também foram desenvolvidas. Algumas espécies de larvas de borboletas exibem um comportamento (aliPode-se dizer que todas as plantas são, em alguma
mentam-se em grandes grupos em apenas uma fofase de seu ciclo, atacadas por herbívoros, que relha) que pode facilitar a exploração do recurso e
movem às vezes pequenos fragmentos e às vezes
burlar alguns tipos de defesa da planta, como a lipartes inteiras, ou destroem todo o vegetal.
beração de látex e de compostos de defesa. Outros
Em geral, as plantas podem ser divididas em
insetos, como besouros, têm adaptações morfolósuscetíveis (as mais intensamente atacadas por hergicas adequadas para andar em tecidos pilosos de
bívoros e/ou patógenos) e resistentes (as que sofrem
INTERAÇÃO
EFEITOS
DESCRIÇÃO DA INTERAÇÃO
Defesas de plantas
e contra-ataques
de insetos
26 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 2 • n º 1 9 2
E C O L O G I A
plantas sem tocar as patas em cápsulas que possuem toxinas – por exemplo, três espécies de berytídeos sugadores (percevejos) andam livremente sobre as galhas cobertas com pêlos tóxicos longos e
grandulares induzidas por uma mosca da família
Cecydomyiidae (Diptera) no jacarandá hospedeiro
Machaerium hirtum (Leguminosae) (ver ‘As galhas,
tumores de plantas’, em CH nº 19).
Já as adaptações dos insetos à ampla gama de
compostos químicos das plantas são bastante diversificadas e envolvem processos como a desintoxicação (capacidade de não se intoxicar com compostos
químicos alterando-os por processos enzimáticos),
alguns aspectos de comportamento e mesmo o seqüestro de compostos de plantas para uso em próprio
benefício. Isso é observado em herbívoros que incorporam substâncias tóxicas de suas plantas hospedeiras e assim tornam-se protegidos contra certos
inimigos naturais. As toxinas que lagartas de uma
espécie de borboleta (monarca) seqüestram de suas
plantas hospedeiras são indutoras de vômito em certos pássaros predadores, que passam a evitar borboletas de cores similares por associar a coloração
com a sensação desagradável de vômito.
Assim, a interação entre insetos e plantas resulta em adaptações (nos dois grupos) que reduzem os
efeitos negativos da interação e aumentam
os positivos. Cada grupo disputa para tirar
‘vantagem’ do outro, e novas adaptações
surgem continuamente para inclinar a balança em favor de um ou de outro. Essa ‘gangorra’ evolutiva tem gerado um conjunto de
mecanismos fascinantes que visam ‘comer’
ou ‘evitar ser comido’.
plantas, como a presença de certa quantidade de
espinhos, de pêlos e/ou de compostos químicos.
Na última década, alguns pesquisadores têm descoberto formas alternativas de defesas de plantas
que não as defesas constitutivas. Uma das principais explicações para a existência de outros tipos de
defesa está ligada ao custo metabólico para a produção das características que conferem defesa às
plantas, já que é limitada a quantidade de recursos
para o exercício de todas as suas atividades metabólicas, como o crescimento, a reprodução e a substituição de tecidos perdidos.
Assim, acredita-se hoje que as plantas podem usar
o dano sofrido por herbivoria como pista para induzir respostas que aumentam sua resistência contra
futuros ataques, atuando, portanto, como uma forma alternativa de defesa. Tais respostas induzidas
contra a herbivoria são mudanças em características físicas, nutricionais e químicas das plantas
após herbivoria ou estresse, que podem incluir, entre outras, alterações no conteúdo de água ou nitrogênio, na dureza foliar, na química secundária e na
densidade de tricomas. Essas respostas parecem
ser comuns em grande número de plantas de diferentes grupos e têm sido demonstradas em mais de
100 pares de planta-herbívoro.
Inimigos
ou parceiros?
As interações negativas entre duas espécies
são facilmente reconhecidas, como a herbivoria, a predação e o parasitismo. Entretanto, alguns pesquisadores acreditam que a
herbivoria possa ser considerada como uma
relação do tipo +/+, ou seja, benéfica para
ambas as espécies envolvidas. Isso acontece
quando o ataque de um inseto herbívoro
desencadeia uma série de reações, como aumento do crescimento e da floração de plantas, que acabam beneficiando a elas.
Até recentemente, acreditava-se que as
defesas de plantas contra a herbivoria eram
em geral defesas constitutivas, ou seja, aquelas sempre expressas em certas espécies de
1. Defender: qualquer característica que aumenta a aptidão de um
indivíduo por reduzir a herbivoria. As defesas de plantas envolvem
o escape, a resistência e a tolerância.
2. Escapar: esse tipo de defesa, também chamada de ‘escape fenológico’, significa que as plantas estão ausentes (indisponíveis)
quando os herbívoros estão abundantes.
3. Resistir: qualquer característica das plantas (pêlos, compostos químicos) que reduz a preferência ou a performance de herbívoros.
4. Tolerar: qualquer característica que reduz o efeito negativo da
herbivoria na aptidão dos indivíduos, mesmo após o ataque.
Figura 3.
As respostas
das plantas
à herbivoria
baseiam-se
em diferentes
estratégias
a b r i l d e 2 0 0 3 • C I Ê N C I A H O J E • 27
E C O L O G I A
Quando as respostas induzidas reduzem a preferência ou performance de insetos herbívoros elas
são classificadas como ‘resistência induzida’. E são
consideradas ‘defesas induzidas’ quando beneficiam de alguma forma as espécies de plantas que
expressam tais características.
Um estudo com Raphanus sativus (rabanete) da
família Brassicaceae, na Califórnia (Estados Unidos)
demonstrou que a herbivoria por lagartas e também
a simulação desta através da remoção de tecidos
foliares levou a mudanças químicas nessa planta,
como o aumento da concentração de glucosinolatos
(compostos de defesa), alterando os padrões de consumo dos insetos na estação de ataque seguinte.
Houve redução tanto no número de insetos mastigaores quanto na colonização por pulgões em plantas
já atacadas (por lagartas ou simulações), comparadas
a indivíduos-controle, que não sofreram herbivoria. As respostas induzidas também afetaram negativamente gafanhotos, besouros e lagartas de borboletas que atacam R. sativus em condições naturais.
A redução de impactos negativos nas plantas onde
havia ocorrido herbivoria levou a aumentos de 60%
na produção de frutos (em indivíduos femininos) e
de 48% no número de flores produzidas (em indivíduos masculinos). Tais resultados demonstraram
que a herbivoria provocou mudanças nas plantas
(respostas induzidas) que, por sua vez, aumentaram
a aptidão dos indivíduos dessa espécie (defesas induzidas). Resultados semelhantes têm sido constatados por pesquisadores em outros sistemas de plantas (como carvalhos, eucaliptos, algodão e tabaco) e
herbívoros.
No primeiro estudo sobre defesas induzidas feito em sistemas tropicais, envolvendo a leguminosa mororó (Bauhinia brevipes), a simulação mecânica da herbivoria (remoção de tecidos foliares com
tesouras e furadores de papel) levou a mudanças
químicas nas folhas ‘atacadas’ e à posterior redução do ataque de insetos herbívoros, trazendo benefícios aos indivíduos que tiveram tecidos removidos. Após um mês de experimento, indivíduos de
mororó mecanicamente atacados apresentaram
maior concentração de compostos de defesa em seus
tecidos e menor quantidade de nutrientes e água, o
que levou à redução do ataque de besouros e larvas
de borboletas.
28 • CIÊNCIA HOJE • vol. 32 • nº 192
Além disso, em indivíduos nos quais a herbivoria foi simulada, observou-se um crescimento de ramos quatro vezes maior que em plantas cujos ramos
foram envolvidos por sacos de filó para impedir o
ataque dos insetos. Assim, nessa espécie, as respostas induzidas contra a herbivoria funcionaram como
defesas induzidas. Entretanto, o ataque por insetos
herbívoros só pode ser benéfico para as plantas que
expressam respostas induzidas quando estas acontecem de forma rápida e eficiente, reduzindo o número de insetos, ou os danos por eles causados, antes do período de floração e frutificação.
A resistência ao ataque de herbívoros toma basicamente duas formas. As plantas podem evitar os
danos através de mecanismos de defesa ou escape,
ou podem tolerar a herbivoria. Embora o termo ‘sobrecompensação’ seja muitas vezes usado como sinônimo de tolerância à herbivoria, existe uma diferença entre os dois, relacionada à resposta das
plantas após o ataque dos herbívoros. Tolerância é
a capacidade de uma planta manter a aptidão – em
termos de crescimento ou produção de flores e frutos – mesmo após intensa herbivoria. Já sobrecompensação é a capacidade de uma planta atacada
de aumentar sua aptidão, em comparação com indivíduos que não sofreram herbivoria.
Estudos sobre a tolerância têm recebido proporcionalmente menos atenção que os relacionados à
genética e à defesa de plantas. Entretanto, reconheceu-se recentemente que a tolerância e a defesa
podem ser respostas alternativas – e não necessariamente exclusivas – contra a herbivoria. As duas
respostas podem ser favorecidas ou não, de acordo
com as circunstâncias.
Em um ambiente dominado por insetos herbívoros generalistas (que se alimentam de diversas espécies de plantas), o ataque pode ser tão intenso que
mesmo uma planta de baixa qualidade nutricional
(com poucos nutrientes e várias características de
defesa, como pêlos, dureza e muitos compostos químicos) não escaparia de danos significativos. Nesse
caso, a tolerância à herbivoria pode ser uma estratégia de sobrevivência, enquanto o investimento em
defesas não. Ambientes onde os recursos são mais
abundantes e onde há menor competição favorecem
maior tolerância à herbivoria e mesmo o aumento de
aptidão após o ataque (sobrecompensação), já que
tecidos destruídos podem ser repostos mais rapidamente e com menor custo energético.
Levando em consideração a grande diversidade
de herbívoros, insetos ou não, e a improbabilidade
(no tempo e no espaço) de que as plantas escapem
totalmente a eles, a tolerância à herbivoria desempenha grande papel na ecologia e evolução das interações entre plantas e herbívoros. A evolução desse mecanismo pode promover uma relação aparen-
E C O L O G I A
temente mutualística entre herbívoros e suas plantas hospedeiras.
O debate sobre a possibilidade de a herbivoria
afetar positivamente algumas espécies de plantas
começou nas décadas de 40 e 50. Nessa época, vários estudos demonstraram que as plantas poderiam
se beneficiar da interação com insetos e mamíferos herbívoros, idéia que continua a inspirar grande número de pesquisas.
Um dos primeiros detalhados estudos realizados
em relação à sobrecompensação de plantas à herbivoria, realizado em 1997 no Arizona (Estados Unidos), demonstrou experimentalmente que as plantas podem se beneficiar por serem comidas. Após
a remoção de 95% ou mais da biomassa aérea da
planta herbácea pincel-de-índio (Ipomopsis aggregata), a produção de sementes e sobrevivência das
plântulas foi quase três vezes maior que em plantas-controle que não sofreram ataque de herbívoros. Indivíduos não atacados produziram apenas
uma inflorescência, enquanto nos atacados surgiram muitas. A produção de flores, nesse caso, parece estar diretamente relacionada ao sucesso reprodutivo (indivíduos com mais flores têm maior probabilidade de gerar descendentes que aqueles com
menos flores).
Estudo semelhante, realizado na Serra do Cipó
(MG) pelo Laboratório de Ecologia Evolutiva da
Universidade Federal de Minas Gerais, constatou
que indivíduos de uma espécie de sempre-viva
(Paepalanthus speciosus) atacados por um besouro herbívoro produziram seis vezes mais umbelas
(inflorescências em que as flores pedunculadas partem todas de um mesmo ponto e têm a mesma altura, dando a aparência de uma sombrinha) que os
não atacados, nos quais surgiu apenas uma em cada planta. Além disso, plantas atacadas produziram 35% inflorescências a mais que as que não sofreram danos.
Esse trabalho, no entanto, confirmou parcialmente a idéia da relação benéfica entre plantas e seus
insetos associados, já que o desenvolvimento das
flores até o estágio de fruto foi menor (85% de frutificação) nos indivíduos de sempre-viva atacados do
que nos que não sofreram herbivoria (97% de frutificação). Uma explicação possível para a menor
produção de frutos em plantas atacadas pode estar
ligada ao tamanho das inflorescências nesses indivíduos: embora apresentassem umbelas e inflorescências em maior número, estas eram menores que
as de indivíduos não atacados, o que poderia dificultar a atração ou mesmo a sua localização pelos polinizadores.
Outros estudos, do sueco Tommy Lennartsson
e colaboradores, demonstraram que os indivíduos
da gramínea Gentianella campestris atacados por
Figura 4.
O estudo das
conseqüências
das interações
insetos-plantas
revela que
o ataque
por herbívoros
pode ser benéfico
para os vegetais
herbívoros tiveram maior aptidão (expressa no aumento do crescimento, produção de flores e frutos)
que aqueles protegidos contra o ataque de insetos.
Os mecanismos responsáveis por esse aumento de
aptidão não são totalmente conhecidos, mas os estudos já realizados permitem indicar alguns candidatos (figura 4).
A remoção de tecidos foliares por insetos herbívoros, por exemplo, reduz a quantidade de tecido
foliar fotossintético, mas pode também aumentar
a quantidade de luz que chega a porções da planta
antes sombreadas, aumentando assim a capacidade
fotossintética. É possível ainda verificar maior crescimento e ramificação das plantas quando os herbívoros promovem a quebra da chamada dominância apical, ao cortar as pontas dos ramos principais.
Assim, o ataque de insetos herbívoros pode aumentar a aptidão e a performance de plantas. Nessa associação mutualista, os herbívoros se beneficiam
através da alimentação de plantas ou parte delas,
enquanto as plantas também se beneficiam.
Entretanto, sabe-se também que diferentes espécies respondem de forma distinta à herbivoria.
Para a espécie Piper arieianum (uma pimenteira
silvestre) na Costa Rica, uma perda foliar de apenas 10% diminui significativamente sua aptidão,
enquanto a espécie Raphanus raphanistrum (raba- abril de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 29
E C O L O G I A
Figura 5.
A liberação
de compostos
voláteis,
entre outros
benefícios, atrai
predadores
dos herbívoros,
transformando
em aliados
os inimigos
de um inimigo
Sugestões
para leitura
MCNAUGHTON, S. J.
'On plants and
herbivores', in
American
Naturalist, 128 (5),
p. 765, 1986.
FERNANDES, G. W.
'Plant mechanical
defenses against
insect herbivory',
in Revista
Brasileira de
Entomologia, 38, p.
421, 1994.
KARBAN, R. &
BALDWIN, I. T.
Induced responses
to herbivory.
Chicago, The
University of
Chicago Press,
1997.
CORNELISSEN, T. G. &
FERNANDES, G. W.
'Induced defenses
in the neotropical
tree Bauhinia
brevipes to
herbivory: effects
of damageinduced changes
on leaf quality and
insect herbivore
attack', in Trees,
15, p. 236, 2001.
FRITZ, R. S. & SIMMS,
E. L. (eds.). Plant
resistance to
herbivores and
pathogens.
Ecology, evolution
and genetics,
Chicago, The
University of
Chicago Press,
1992.
nete-silvestre) pode suportar até 25% de perda de
área foliar sem nenhum prejuízo para a produção de
flores e frutos.
Durante muito tempo a sobrecompensação não
foi aceita pelos cientistas, mas estudos recentes têm
confirmado a influência positiva de insetos herbívoros para suas plantas hospedeiras como um fenômeno comum.
Inimigos dos
inimigos são aliados
Quando atacadas, certas plantas podem liberar informação química no ar, na forma de 'compostos
orgânicos voláteis'. Considerando a teia alimentar
formada por plantas, herbívoros e predadores e/ou
parasitas destes, estudos recentes de pesquisadores
norte-americanos, publicados na revista Science,
demonstraram que tais compostos podem beneficiar as plantas atuando como sinais, de quatro
maneiras distintas (figura 5): 1) avisam a outros
herbívoros que os sistemas de defesa das plantas
já foram ativados; 2) avisam a outros herbívoros
que, como as plantas já estão sendo atacadas, podem evitar a competição alimentando-se em outro
local; 3) avisam aos predadores dos herbívoros que
suas presas estão nas proximidades; e 4) avisam
aos herbívoros 'famintos' que já estão atraindo
seus predadores e são, portanto, fortalezas bem
protegidas.
Alguns estudos de campo e de laboratório, nos
Estados Unidos, têm comprovado as respostas de
insetos herbívoros e dos predadores destes à liberação (induzida pela herbivoria) de compostos voláteis induzida pela herbivoria. Esses compostos
podem atuar como defesas de plantas, tanto direta
quanto indiretamente. Sua liberação tanto repele
30 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 2 • n º 1 9 2
novos herbívoros quanto atrai insetos predadores, diminuindo assim danos futuros para as plantas
que apresentam esse tipo de reação ao ataque.
Uma série de experimentos desenvolvidos em
um deserto norte-americano, em 2001, demonstrou
que plantas de tabaco liberam substâncias voláteis
(jasmonatos de metila) quando suas folhas são atacadas pelas lagartas de uma determinada mariposa. Esses compostos atraem inimigos naturais das
lagartas, como os barbeiros-de-olhos-grandes (Geocoris pallens). Além disso, os compostos impedem
que mariposas adultas depositem seus ovos nas folhas de tabaco: a atração de predadores e a repulsão aos atacantes diminuíram em até 90% o número de ovos depositados. Assim, os compostos liberados após a herbivoria não só detêm ataques futuros, mas também atraem predadores que funcionam como guarda-costas das plantas.
Além disso, como os compostos voláteis espalham-se no ar com facilidade, sua liberação por uma
espécie, ao atrair predadores de herbívoros, pode
beneficiar plantas competidoras próximas, que assim economizam energia para outras finalidades,
como o crescimento e a reprodução. Entretanto,
apesar da redução da herbivoria futura pela redução do número de 'inimigos', não se sabe ainda se
a liberação de compostos voláteis aumenta o sucesso
reprodutivo das plantas que os produzem, de forma
a tornar a relação inseto-planta benéfica para ambas
as partes.
À luz dessas e de outras descobertas, a idéia de
que herbívoros são parasitas de plantas, que têm
apenas um impacto negativo sobre seus hospedeiros, continua a ser revista. Colocar a herbivoria no
contexto do mutualismo ajuda a entender porque
tal relação existe e, principalmente, porque ela persiste. Tais interações – aparentemente antagônicas, mas que podem ser mutuamente benéficas –
parecem ser comuns nas interações entre plantas
e seus animais associados.
Download