E BE CIC OO LL OO GG II AA INSETOS HERBÍVOROS E Acreditava-se, até algum tempo atrás, que uma planta atacada por herbívoros seria sempre prejudicada. Entretanto, estudos científicos vêm mudando essa idéia nas últimas décadas. Eles revelam que a herbivoria, em muitos casos, pode trazer benefícios para as supostas 'vítimas', como maiores defesas contra futuros ataques e até crescimento mais rápido. Assim, sabe-se hoje que certos insetos herbívoros e suas plantas hospedeiras, antes considerados inimigos, podem às vezes ser bons parceiros. Tatiana G. Cornelissen e G. Wilson Fernandes Laboratório de Ecologia Evolutiva de Herbívoros Tropicais, Departamento de Biologia Geral (Instituto de Ciências Biológicas), Universidade Federal de Minas Gerais 24 24 •• CCI IÊÊNNCCI IAA HHOOJ JEE •• vvooll.. 3322 •• nnºº 119922 de inimigos a E C O L O G I A PLANTAS parceiros? As estimativas do número de espécies giravam, até 1999, em torno de 1,5 milhão, incluindo apenas as oficialmente reconhecidas e classificadas. Esse total, no entanto, não corresponde ao número real de espécies existentes na biosfera e certamente está sujeito a mudanças, porque, segundo o biólogo norte-americano Edward O. Wilson (1929-), “os organismos pequenos ditam as regras” – seres diminutos, como insetos, fungos e algas, representam a grande maioria da diversidade descrita hoje. Onde quer que existam plantas, há também insetos herbívoros. Esses dois grandes grupos constituem cerca de 80% da diversidade em espécies conhecida hoje pela ciência (figura 1). Essa imensa e coincidente diversidade não é acidental. Os dois grupos estão ligados por inúmeras e complexas relações, que podem ser benéficas ou prejudiciais para algumas das espécies envolvidas. Os insetos herbívoros podem consumir virtualmente todas as partes Figura 1. de uma planta (de botões florais a raízes), enquanNúmero de to grande parte das plantas depende de insetos espécies descritas nos principais polinizadores para sua reprodução. grupos (o item ‘vertebrados’ inclui pássaros, mamíferos, peixes, anfíbios e répteis, e o item ‘outros’ inclui moluscos, crustáceos, O processo de interação entre espécies pode ocorrer nematódeos, de variadas maneiras, mas há basicamente três efeiequinodermas, anelídeos tos nas populações envolvidas: 1) aumento na sobree cnidários), vivência, no crescimento e/ou na fecundidade; 2) somando decréscimo, nos mesmos fenômenos; e 3) nenhum 1,5 milhão efeito. Associando símbolos matemáticos a tais posde organismos sibilidades (‘+’ para interação positiva, ‘-’ para nega- diferentes Interações benéficas e prejudiciais ADAPTADO DE E.O. WILSON, 1999 STOCKPHOTOS abril de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 25 E C O L O G I A Figura 2. Tipos de interações entre populações de espécies diferentes (‘+’ significa efeito positivo, ‘-’ significa efeito negativo e ‘0’ significa sem efeito) ataques menos intensos). A resistência contra a herbivoria A B decorre de várias estratégias Neutralismo 0 0 Sem efeitos que as plantas usam para escaComensalismo + 0 Hospedeiro não afetado par, enfrentar e sobreviver ao Amensalismo 0 População A é inibida, B não é afetada ataque de insetos herbívoros Mutualismo + + É obrigatória (figura 3). Elas podem escapar tornando-se menos ‘aparentes’, Protcooperação + + É facultativa ou seja, dificultando sua locaPredação + B é destruído por A lização pelos insetos (desenvolParasitismo + B é explorado por A vendo-se, por exemplo, antes Competição Inibição mútua que o número de insetos aumente); podem defender-se ativamente tornando-se um alimento inadequativa e '0' para neutra), pode-se classificar a interação do para os herbívoros que a atacam; e podem soentre duas espécies por combinações par a par dos breviver à herbivoria através de mecanismos denoefeitos dessas interações (figura 2). minados ‘tolerância’ e ‘sobrecompensação’. As relações entre insetos e plantas podem passar Apesar da aparente vulnerabilidade das plantas por todas as oito categorias de interações entre espéao ataque de herbívoros, a flora terrestre tem evocies listadas na figura, e as chamadas interações preluído como uma cobertura altamente diversa. Isso judiciais são observadas e estudadas com maior freocorre porque muitas características dos vegetais qüência. Interações positivas envolvendo insetos e podem tornar mais difícil a vida dos herbívoros, plantas também são bastante comuns na natureza, como a presença de pêlos e tricomas (obstáculos mas há menos estudos sobre estas do que sobre as estruturais), a baixa quantidade e/ou qualidade de interações que incluem pelo menos um componente nutrientes nos tecidos (defesa nutricional/bioquínegativo. mica) e o emprego de inúmeros compostos com A herbivoria (quando uma espécie alimenta-se ação tóxica ou repelente para os atacantes (defesas dos tecidos da planta) é definida como uma interaquímicas). ção do tipo benéfica/prejudicial, ou seja, benéfica Existe um acúmulo de evidências de que as planpara o consumidor herbívoro e prejudicial para a tas têm um sistema de resistência eficiente, baseado planta hospedeira. A herbivoria pode ser consiem uma combinação de características físicas e quíderada parasitismo, se o herbívoro ingere partes micas, que evitam sua exploração total pelos herbíde suas plantas hospedeiras, sem destruí-las por voros. Por isso, os cientistas propõem que as numecompleto, mas causando algum impacto negatirosas características químicas e mecânicas das planvo. Outros autores a incluem como predação, no catas que ajudam a reduzir o forrageamento de herbíso de herbívoros que ingerem suas presas (plantas) voros, o seu crescimento e a sua sobrevivência evointeiras, destruindo-as. luem por influência de uma seleção direta imposta As plantas, no entanto, exibem muitos tipos de pela pressão de herbivoria. defesa contra o ataque de insetos, enquanto estes têm Os herbívoros, porém, não ficam inertes ao enmuitos tipos de táticas para superar esses mecanisfrentar problemas como a qualidade nutricional e a mos de proteção. defesa das plantas. Muitos deles localizam suas plantas hospedeiras por meio da chamada 'imagem de procura', ou seja, a capacidade de encontrar seletivamente uma forma particular ou um item com experiência (já que estão acostumados a fazê-lo). Essa estratégia é amplamente conhecida em alguns vertebrados, como pássaros e mamíferos. Adaptações à resistência física das plantas também foram desenvolvidas. Algumas espécies de larvas de borboletas exibem um comportamento (aliPode-se dizer que todas as plantas são, em alguma mentam-se em grandes grupos em apenas uma fofase de seu ciclo, atacadas por herbívoros, que relha) que pode facilitar a exploração do recurso e movem às vezes pequenos fragmentos e às vezes burlar alguns tipos de defesa da planta, como a lipartes inteiras, ou destroem todo o vegetal. beração de látex e de compostos de defesa. Outros Em geral, as plantas podem ser divididas em insetos, como besouros, têm adaptações morfolósuscetíveis (as mais intensamente atacadas por hergicas adequadas para andar em tecidos pilosos de bívoros e/ou patógenos) e resistentes (as que sofrem INTERAÇÃO EFEITOS DESCRIÇÃO DA INTERAÇÃO Defesas de plantas e contra-ataques de insetos 26 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 2 • n º 1 9 2 E C O L O G I A plantas sem tocar as patas em cápsulas que possuem toxinas – por exemplo, três espécies de berytídeos sugadores (percevejos) andam livremente sobre as galhas cobertas com pêlos tóxicos longos e grandulares induzidas por uma mosca da família Cecydomyiidae (Diptera) no jacarandá hospedeiro Machaerium hirtum (Leguminosae) (ver ‘As galhas, tumores de plantas’, em CH nº 19). Já as adaptações dos insetos à ampla gama de compostos químicos das plantas são bastante diversificadas e envolvem processos como a desintoxicação (capacidade de não se intoxicar com compostos químicos alterando-os por processos enzimáticos), alguns aspectos de comportamento e mesmo o seqüestro de compostos de plantas para uso em próprio benefício. Isso é observado em herbívoros que incorporam substâncias tóxicas de suas plantas hospedeiras e assim tornam-se protegidos contra certos inimigos naturais. As toxinas que lagartas de uma espécie de borboleta (monarca) seqüestram de suas plantas hospedeiras são indutoras de vômito em certos pássaros predadores, que passam a evitar borboletas de cores similares por associar a coloração com a sensação desagradável de vômito. Assim, a interação entre insetos e plantas resulta em adaptações (nos dois grupos) que reduzem os efeitos negativos da interação e aumentam os positivos. Cada grupo disputa para tirar ‘vantagem’ do outro, e novas adaptações surgem continuamente para inclinar a balança em favor de um ou de outro. Essa ‘gangorra’ evolutiva tem gerado um conjunto de mecanismos fascinantes que visam ‘comer’ ou ‘evitar ser comido’. plantas, como a presença de certa quantidade de espinhos, de pêlos e/ou de compostos químicos. Na última década, alguns pesquisadores têm descoberto formas alternativas de defesas de plantas que não as defesas constitutivas. Uma das principais explicações para a existência de outros tipos de defesa está ligada ao custo metabólico para a produção das características que conferem defesa às plantas, já que é limitada a quantidade de recursos para o exercício de todas as suas atividades metabólicas, como o crescimento, a reprodução e a substituição de tecidos perdidos. Assim, acredita-se hoje que as plantas podem usar o dano sofrido por herbivoria como pista para induzir respostas que aumentam sua resistência contra futuros ataques, atuando, portanto, como uma forma alternativa de defesa. Tais respostas induzidas contra a herbivoria são mudanças em características físicas, nutricionais e químicas das plantas após herbivoria ou estresse, que podem incluir, entre outras, alterações no conteúdo de água ou nitrogênio, na dureza foliar, na química secundária e na densidade de tricomas. Essas respostas parecem ser comuns em grande número de plantas de diferentes grupos e têm sido demonstradas em mais de 100 pares de planta-herbívoro. Inimigos ou parceiros? As interações negativas entre duas espécies são facilmente reconhecidas, como a herbivoria, a predação e o parasitismo. Entretanto, alguns pesquisadores acreditam que a herbivoria possa ser considerada como uma relação do tipo +/+, ou seja, benéfica para ambas as espécies envolvidas. Isso acontece quando o ataque de um inseto herbívoro desencadeia uma série de reações, como aumento do crescimento e da floração de plantas, que acabam beneficiando a elas. Até recentemente, acreditava-se que as defesas de plantas contra a herbivoria eram em geral defesas constitutivas, ou seja, aquelas sempre expressas em certas espécies de 1. Defender: qualquer característica que aumenta a aptidão de um indivíduo por reduzir a herbivoria. As defesas de plantas envolvem o escape, a resistência e a tolerância. 2. Escapar: esse tipo de defesa, também chamada de ‘escape fenológico’, significa que as plantas estão ausentes (indisponíveis) quando os herbívoros estão abundantes. 3. Resistir: qualquer característica das plantas (pêlos, compostos químicos) que reduz a preferência ou a performance de herbívoros. 4. Tolerar: qualquer característica que reduz o efeito negativo da herbivoria na aptidão dos indivíduos, mesmo após o ataque. Figura 3. As respostas das plantas à herbivoria baseiam-se em diferentes estratégias a b r i l d e 2 0 0 3 • C I Ê N C I A H O J E • 27 E C O L O G I A Quando as respostas induzidas reduzem a preferência ou performance de insetos herbívoros elas são classificadas como ‘resistência induzida’. E são consideradas ‘defesas induzidas’ quando beneficiam de alguma forma as espécies de plantas que expressam tais características. Um estudo com Raphanus sativus (rabanete) da família Brassicaceae, na Califórnia (Estados Unidos) demonstrou que a herbivoria por lagartas e também a simulação desta através da remoção de tecidos foliares levou a mudanças químicas nessa planta, como o aumento da concentração de glucosinolatos (compostos de defesa), alterando os padrões de consumo dos insetos na estação de ataque seguinte. Houve redução tanto no número de insetos mastigaores quanto na colonização por pulgões em plantas já atacadas (por lagartas ou simulações), comparadas a indivíduos-controle, que não sofreram herbivoria. As respostas induzidas também afetaram negativamente gafanhotos, besouros e lagartas de borboletas que atacam R. sativus em condições naturais. A redução de impactos negativos nas plantas onde havia ocorrido herbivoria levou a aumentos de 60% na produção de frutos (em indivíduos femininos) e de 48% no número de flores produzidas (em indivíduos masculinos). Tais resultados demonstraram que a herbivoria provocou mudanças nas plantas (respostas induzidas) que, por sua vez, aumentaram a aptidão dos indivíduos dessa espécie (defesas induzidas). Resultados semelhantes têm sido constatados por pesquisadores em outros sistemas de plantas (como carvalhos, eucaliptos, algodão e tabaco) e herbívoros. No primeiro estudo sobre defesas induzidas feito em sistemas tropicais, envolvendo a leguminosa mororó (Bauhinia brevipes), a simulação mecânica da herbivoria (remoção de tecidos foliares com tesouras e furadores de papel) levou a mudanças químicas nas folhas ‘atacadas’ e à posterior redução do ataque de insetos herbívoros, trazendo benefícios aos indivíduos que tiveram tecidos removidos. Após um mês de experimento, indivíduos de mororó mecanicamente atacados apresentaram maior concentração de compostos de defesa em seus tecidos e menor quantidade de nutrientes e água, o que levou à redução do ataque de besouros e larvas de borboletas. 28 • CIÊNCIA HOJE • vol. 32 • nº 192 Além disso, em indivíduos nos quais a herbivoria foi simulada, observou-se um crescimento de ramos quatro vezes maior que em plantas cujos ramos foram envolvidos por sacos de filó para impedir o ataque dos insetos. Assim, nessa espécie, as respostas induzidas contra a herbivoria funcionaram como defesas induzidas. Entretanto, o ataque por insetos herbívoros só pode ser benéfico para as plantas que expressam respostas induzidas quando estas acontecem de forma rápida e eficiente, reduzindo o número de insetos, ou os danos por eles causados, antes do período de floração e frutificação. A resistência ao ataque de herbívoros toma basicamente duas formas. As plantas podem evitar os danos através de mecanismos de defesa ou escape, ou podem tolerar a herbivoria. Embora o termo ‘sobrecompensação’ seja muitas vezes usado como sinônimo de tolerância à herbivoria, existe uma diferença entre os dois, relacionada à resposta das plantas após o ataque dos herbívoros. Tolerância é a capacidade de uma planta manter a aptidão – em termos de crescimento ou produção de flores e frutos – mesmo após intensa herbivoria. Já sobrecompensação é a capacidade de uma planta atacada de aumentar sua aptidão, em comparação com indivíduos que não sofreram herbivoria. Estudos sobre a tolerância têm recebido proporcionalmente menos atenção que os relacionados à genética e à defesa de plantas. Entretanto, reconheceu-se recentemente que a tolerância e a defesa podem ser respostas alternativas – e não necessariamente exclusivas – contra a herbivoria. As duas respostas podem ser favorecidas ou não, de acordo com as circunstâncias. Em um ambiente dominado por insetos herbívoros generalistas (que se alimentam de diversas espécies de plantas), o ataque pode ser tão intenso que mesmo uma planta de baixa qualidade nutricional (com poucos nutrientes e várias características de defesa, como pêlos, dureza e muitos compostos químicos) não escaparia de danos significativos. Nesse caso, a tolerância à herbivoria pode ser uma estratégia de sobrevivência, enquanto o investimento em defesas não. Ambientes onde os recursos são mais abundantes e onde há menor competição favorecem maior tolerância à herbivoria e mesmo o aumento de aptidão após o ataque (sobrecompensação), já que tecidos destruídos podem ser repostos mais rapidamente e com menor custo energético. Levando em consideração a grande diversidade de herbívoros, insetos ou não, e a improbabilidade (no tempo e no espaço) de que as plantas escapem totalmente a eles, a tolerância à herbivoria desempenha grande papel na ecologia e evolução das interações entre plantas e herbívoros. A evolução desse mecanismo pode promover uma relação aparen- E C O L O G I A temente mutualística entre herbívoros e suas plantas hospedeiras. O debate sobre a possibilidade de a herbivoria afetar positivamente algumas espécies de plantas começou nas décadas de 40 e 50. Nessa época, vários estudos demonstraram que as plantas poderiam se beneficiar da interação com insetos e mamíferos herbívoros, idéia que continua a inspirar grande número de pesquisas. Um dos primeiros detalhados estudos realizados em relação à sobrecompensação de plantas à herbivoria, realizado em 1997 no Arizona (Estados Unidos), demonstrou experimentalmente que as plantas podem se beneficiar por serem comidas. Após a remoção de 95% ou mais da biomassa aérea da planta herbácea pincel-de-índio (Ipomopsis aggregata), a produção de sementes e sobrevivência das plântulas foi quase três vezes maior que em plantas-controle que não sofreram ataque de herbívoros. Indivíduos não atacados produziram apenas uma inflorescência, enquanto nos atacados surgiram muitas. A produção de flores, nesse caso, parece estar diretamente relacionada ao sucesso reprodutivo (indivíduos com mais flores têm maior probabilidade de gerar descendentes que aqueles com menos flores). Estudo semelhante, realizado na Serra do Cipó (MG) pelo Laboratório de Ecologia Evolutiva da Universidade Federal de Minas Gerais, constatou que indivíduos de uma espécie de sempre-viva (Paepalanthus speciosus) atacados por um besouro herbívoro produziram seis vezes mais umbelas (inflorescências em que as flores pedunculadas partem todas de um mesmo ponto e têm a mesma altura, dando a aparência de uma sombrinha) que os não atacados, nos quais surgiu apenas uma em cada planta. Além disso, plantas atacadas produziram 35% inflorescências a mais que as que não sofreram danos. Esse trabalho, no entanto, confirmou parcialmente a idéia da relação benéfica entre plantas e seus insetos associados, já que o desenvolvimento das flores até o estágio de fruto foi menor (85% de frutificação) nos indivíduos de sempre-viva atacados do que nos que não sofreram herbivoria (97% de frutificação). Uma explicação possível para a menor produção de frutos em plantas atacadas pode estar ligada ao tamanho das inflorescências nesses indivíduos: embora apresentassem umbelas e inflorescências em maior número, estas eram menores que as de indivíduos não atacados, o que poderia dificultar a atração ou mesmo a sua localização pelos polinizadores. Outros estudos, do sueco Tommy Lennartsson e colaboradores, demonstraram que os indivíduos da gramínea Gentianella campestris atacados por Figura 4. O estudo das conseqüências das interações insetos-plantas revela que o ataque por herbívoros pode ser benéfico para os vegetais herbívoros tiveram maior aptidão (expressa no aumento do crescimento, produção de flores e frutos) que aqueles protegidos contra o ataque de insetos. Os mecanismos responsáveis por esse aumento de aptidão não são totalmente conhecidos, mas os estudos já realizados permitem indicar alguns candidatos (figura 4). A remoção de tecidos foliares por insetos herbívoros, por exemplo, reduz a quantidade de tecido foliar fotossintético, mas pode também aumentar a quantidade de luz que chega a porções da planta antes sombreadas, aumentando assim a capacidade fotossintética. É possível ainda verificar maior crescimento e ramificação das plantas quando os herbívoros promovem a quebra da chamada dominância apical, ao cortar as pontas dos ramos principais. Assim, o ataque de insetos herbívoros pode aumentar a aptidão e a performance de plantas. Nessa associação mutualista, os herbívoros se beneficiam através da alimentação de plantas ou parte delas, enquanto as plantas também se beneficiam. Entretanto, sabe-se também que diferentes espécies respondem de forma distinta à herbivoria. Para a espécie Piper arieianum (uma pimenteira silvestre) na Costa Rica, uma perda foliar de apenas 10% diminui significativamente sua aptidão, enquanto a espécie Raphanus raphanistrum (raba- abril de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 29 E C O L O G I A Figura 5. A liberação de compostos voláteis, entre outros benefícios, atrai predadores dos herbívoros, transformando em aliados os inimigos de um inimigo Sugestões para leitura MCNAUGHTON, S. J. 'On plants and herbivores', in American Naturalist, 128 (5), p. 765, 1986. FERNANDES, G. W. 'Plant mechanical defenses against insect herbivory', in Revista Brasileira de Entomologia, 38, p. 421, 1994. KARBAN, R. & BALDWIN, I. T. Induced responses to herbivory. Chicago, The University of Chicago Press, 1997. CORNELISSEN, T. G. & FERNANDES, G. W. 'Induced defenses in the neotropical tree Bauhinia brevipes to herbivory: effects of damageinduced changes on leaf quality and insect herbivore attack', in Trees, 15, p. 236, 2001. FRITZ, R. S. & SIMMS, E. L. (eds.). Plant resistance to herbivores and pathogens. Ecology, evolution and genetics, Chicago, The University of Chicago Press, 1992. nete-silvestre) pode suportar até 25% de perda de área foliar sem nenhum prejuízo para a produção de flores e frutos. Durante muito tempo a sobrecompensação não foi aceita pelos cientistas, mas estudos recentes têm confirmado a influência positiva de insetos herbívoros para suas plantas hospedeiras como um fenômeno comum. Inimigos dos inimigos são aliados Quando atacadas, certas plantas podem liberar informação química no ar, na forma de 'compostos orgânicos voláteis'. Considerando a teia alimentar formada por plantas, herbívoros e predadores e/ou parasitas destes, estudos recentes de pesquisadores norte-americanos, publicados na revista Science, demonstraram que tais compostos podem beneficiar as plantas atuando como sinais, de quatro maneiras distintas (figura 5): 1) avisam a outros herbívoros que os sistemas de defesa das plantas já foram ativados; 2) avisam a outros herbívoros que, como as plantas já estão sendo atacadas, podem evitar a competição alimentando-se em outro local; 3) avisam aos predadores dos herbívoros que suas presas estão nas proximidades; e 4) avisam aos herbívoros 'famintos' que já estão atraindo seus predadores e são, portanto, fortalezas bem protegidas. Alguns estudos de campo e de laboratório, nos Estados Unidos, têm comprovado as respostas de insetos herbívoros e dos predadores destes à liberação (induzida pela herbivoria) de compostos voláteis induzida pela herbivoria. Esses compostos podem atuar como defesas de plantas, tanto direta quanto indiretamente. Sua liberação tanto repele 30 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 2 • n º 1 9 2 novos herbívoros quanto atrai insetos predadores, diminuindo assim danos futuros para as plantas que apresentam esse tipo de reação ao ataque. Uma série de experimentos desenvolvidos em um deserto norte-americano, em 2001, demonstrou que plantas de tabaco liberam substâncias voláteis (jasmonatos de metila) quando suas folhas são atacadas pelas lagartas de uma determinada mariposa. Esses compostos atraem inimigos naturais das lagartas, como os barbeiros-de-olhos-grandes (Geocoris pallens). Além disso, os compostos impedem que mariposas adultas depositem seus ovos nas folhas de tabaco: a atração de predadores e a repulsão aos atacantes diminuíram em até 90% o número de ovos depositados. Assim, os compostos liberados após a herbivoria não só detêm ataques futuros, mas também atraem predadores que funcionam como guarda-costas das plantas. Além disso, como os compostos voláteis espalham-se no ar com facilidade, sua liberação por uma espécie, ao atrair predadores de herbívoros, pode beneficiar plantas competidoras próximas, que assim economizam energia para outras finalidades, como o crescimento e a reprodução. Entretanto, apesar da redução da herbivoria futura pela redução do número de 'inimigos', não se sabe ainda se a liberação de compostos voláteis aumenta o sucesso reprodutivo das plantas que os produzem, de forma a tornar a relação inseto-planta benéfica para ambas as partes. À luz dessas e de outras descobertas, a idéia de que herbívoros são parasitas de plantas, que têm apenas um impacto negativo sobre seus hospedeiros, continua a ser revista. Colocar a herbivoria no contexto do mutualismo ajuda a entender porque tal relação existe e, principalmente, porque ela persiste. Tais interações – aparentemente antagônicas, mas que podem ser mutuamente benéficas – parecem ser comuns nas interações entre plantas e seus animais associados.