UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE MESTRADO EM BIOCIÊNCIAS E SAÚDE Flávia Hoffmann Palú GESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO CONTROLE DA HANSENÍASE EM MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SAÚDE DE SÃO MIGUEL DO OESTE NO ESTADO DE SANTA CATARINA Dissertação de Mestrado Joaçaba 2016 Flávia Hoffmann Palú GESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO CONTROLE DA HANSENÍASE EM MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SAÚDE DE SÃO MIGUEL DO OESTE NO ESTADO DE SANTA CATARINA “Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Biociências e Saúde, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Biociências e Saúde da Universidade do Oeste de Santa Catarina” Orientadora: Profª. Drª. Sirlei Favero Cetolin Joaçaba 2016 FLÁVIA HOFFMANN PALÚ GESTÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO CONTROLE DA HANSENÍASE EM MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SAÚDE DE SÃO MIGUEL DO OESTE NO ESTADO DE SANTA CATARINA Esta dissertação foi julgada e aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Biociências e Saúde no Programa de Mestrado em Biociências e Saúde da Universidade do Oeste de Santa Catarina Joaçaba, 15 de abril de 2016. _______________________________ Prof. Dr. Jovani Antônio Steffani Coordenador do Programa BANCA EXAMINADORA ______________________________ Profª. Drª. Sirlei Favero Cetolin Orientadora ___________________________ _____________________________ Profª. Drª. Adelyne Maria Mendes Pereira Prof. Drª. Vilma Beltrame Examinadora Externa - Escola Politécnica Examinadora - Universidade do Oeste de Saúde Joaquim Venâncio - de Santa Catarina Fundação Oswaldo Cruz ______________________________ Prof. Dr. Jovani Antônio Steffani Examinador – Universidade do Oeste de Santa Catarina Dedico esta dissertação a duas pessoas essenciais na minha vida: Leonardo Palú, esposo amado, que com muito esforço contribuiu de todas as maneiras para que este trabalho se concretizasse; Maria Nalia, mãe inspiradora, que me ensina e apoia todos os dias a enfrentar a vida com garra e coragem, assim como ela. Amo vocês eternamente! AGRADECIMENTOS A Deus, por estar sempre presente e permitir que pela fé se concretizasse mais esse sonho. À minha mãe, Maria Nalia, minha heroína, pelo amor e incentivo depositados em mim por todo esse tempo. “Estaremos sempre juntas onde quer que eu esteja, meu piolho de gabina”. Obrigada meu amor, Leonardo Palú, pelo seu amor e compreensão infinita, serei eternamente grata por tudo que você fez e continua fazendo por mim. Te amo! À professora e orientadora Sirlei Favero Cetolin, que, com dedicação e carinho, compartilhou seus conhecimentos e suas experiências, possibilitando chegar ao final desta etapa com êxito. Aos profissionais da saúde de todos os municípios participantes, pela disposição em me receber em suas Unidades Básicas de Saúde. Serei eternamente grata! Aos pacientes com hanseníase, que com tanto amor e carinho me receberam em suas casas e permitiram que eu conhecesse a realidade dessa doença em suas vidas. Espero que um pouco da dor que vocês sentem tenha sido amenizada com nossas conversas. Muito obrigada! Às amigas e colegas de trabalho, Quelli e Jéssica, por compreender as ausências e por apoiar em todas as decisões que a vida me impôs a enfrentar. Aos membros da banca, por ler o trabalho e contribuir através de sugestões para a melhoria do mesmo. A coordenação e professores do Mestrado de Biociências e Saúde da Unoesc pela oportunidade de concretizar o sonho de tornar-me mestre. 5 RESUMO Apesar da hanseníase ser uma das doenças mais antigas da humanidade, ainda está presente no século XXI. Este trabalho teve por objetivo analisar a Gestão da Saúde Pública no controle da Hanseníase nos municípios pertencentes à Vigilância Epidemiológica da Região de Saúde de São Miguel do Oeste no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014. A metodologia foi dividida em duas etapas: uma pesquisa quantitativa através de levantamento de dados realizado no Datasus/Sinan, com 129 notificações registradas, e outra pesquisa qualitativa, através do estudo de campo, na qual foram entrevistadas 51 pessoas; destas, 31 profissionais da Atenção Básica e 20 pacientes com reação hansênica póstratamento. Os resultados quantitativos demonstraram predomínio da Hanseníase no sexo masculino com idade superior à 51 anos, de cor branca e baixa escolaridade. A classificação Multibacilar e suas formas clínicas Virchowiana e Dimorfa com até 10 lesões dermatológicas e poucos nervos acometidos predominaram no estudo. Na pesquisa qualitativa voltada aos profissionais, observaram-se pontos positivos como capacitações de profissionais, diagnóstico realizado pelos médicos, estratégias e disponibilidade dos medicamentos. Os pontos negativos envolveram problemas relacionados ao controle da doença, acompanhamento dos pacientes com reação hansênica no período pós-tratamento e dificuldades para a realização de busca ativa devido à sobrecarga de funções ou demanda, bem como a falta de comprometimento profissional. Observou-se que os pacientes no período pós-tratamento apresentaram episódios reacionais que causam muitas dificuldades, principalmente relacionadas ao desconforto que podem ocasionar lesões irreversíveis associadas a perda neural dos membros periféricos. É necessário que o Estado, juntamente com seus municípios pertencentes, promova e intensifique ações de controle da doença, através da educação permanente, além de estimular a busca ativa e encontrar ações de acompanhamento após o tratamento, evitando incapacidades físicas. É necessário preparar mais profissionais para o diagnóstico clínico, não se baseando apenas na baciloscopia. Sugere-se estratégias interdisciplinares voltadas à sensibilização dos profissionais frente ao diagnóstico da doença, permitindo a inter-relação dos envolvidos, com posteriores discussões sobre o caso para fortalecer as evidências que irão permitir encontrar o diagnóstico correto. Palavras-chave: Hanseníase. Saúde Pública. Gestão. Epidemiologia. ABSTRACT Although leprosy is one of the oldest diseases of humanity, it is still present in the twenty-first century. This study aimed to analyze the management of Public Health in controlling leprosy in the cities belonging to the Epidemiologic Surveillance of São Miguel do Oeste Health Region, in the state of Santa Catarina, from January 2004 to December 2014. The methodology was divided into two steps: a quantitative survey by fetching data held in Datasus/Sinan with 129 registered notifications and a qualitative survey, through field research, where 51 people were interviewed, and of this amount, 31 were professionals in Primary Care and 20 were leprosy patients that showed post-treatment reaction. The quantitative results have demonstrated leprosy predominance in males, aged over 51, white and with a low education level. The Multibacillary classification and its clinical forms, Virchowiana and Dimorfa, with up to 10 dermatologic wounds and few damaged nerves have predominated. They predominated in the study. In qualitative survey geared to professionals, it was observed strengths such as professional training, diagnostic methods used by doctors, strategies and availability of medicines. And the negative points involved problems related to disease control, monitoring of patients with leprosy reaction in the posttreatment period and difficulties in conducting an active survey due to functions or demand overloading, as well as the lack of professional commitment. It was observed by patients presented post-treatment reactional episodes that caused many difficulties, mainly related to discomfort that may cause irreversible damage associated with neural loss of the peripheral members. It’s necessary that the state, together with their municipalities belonging, promote and intensify disease control actions, through continuing education, and encourage the active search and find follow-up actions after treatment, avoiding physical disabilities. You need to prepare more professionals for the clinical diagnosis, not based only on the smear. It’s suggested interdisciplinary strategies for awareness front professionals to diagnose the disease, allowing the interrelationship of those involved, with subsequent discussions on the case to strengthen the evidence that will allow finding the right diagnosis. Keywords: Leprosy. Public health. Management. Epidemiology. 7 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Detecção de Hanseníase no Brasil – Municípios ............................. 21 Gráfico 2 Detecção de Hanseníase no Brasil – Geral e por Região ................ 32 Gráfico 3 Município de notificação dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 ............................................................... 47 Gráfico 4 Número de lesões cutâneas dos casos com hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 ............................................................... 48 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Esquemas de tratamento recomendada pelo Programa Nacional de Hanseníase ...................................................................................... 27 Quadro 2 Características das Reações Hansênicas ........................................ 29 Quadro 3 Roteiro da Pesquisa Quantitativa ..................................................... 37 Quadro 4 Roteiro da Pesquisa Qualitativa ....................................................... 38 Quadro 5 Categorias e subcategorias de análise da pesquisa em profissionais da Atenção Básica ........................................................................... 40 Quadro 6 Categorias e subcategorias de análise da pesquisa em pacientes com Reação Hansênica pós-tratamento .................................................. 41 Quadro 7 Profissionais da Atenção Básica – Diagnóstico e Acompanhamento Médico.............................................................................................. 54 Quadro 8 Profissionais da Atenção Básica – Estratégias ............................... 56 Quadro 9 Profissionais da Atenção Básica – Medicamentos ........................... 59 Quadro 10 Profissionais da Atenção Básica – Controle..................................... 60 Quadro 11 Profissionais da Atenção Básica – Acompanhamento ..................... 63 Quadro 12 Profissionais da Atenção Básica – Capacitações profissionais e Recursos financeiros ....................................................................... 65 Quadro 13 Profissionais da Atenção Básica – Medicamentos nas Reações Hansênicas ..................................................................................... 67 Quadro 14 Profissionais da Atenção Básica – Dificuldades ............................... 69 Quadro 15 Pacientes com Reação Hansênica – Número de lesões e nervos ... 77 Quadro 16 Pacientes com Reação Hansênica – Forma de Diagnóstico............ 79 Quadro 17 Pacientes com Reação Hansênica – Tratamento ............................ 82 Quadro 18 Pacientes com Reação Hansênica – Reações Hansênicas ............. 84 Quadro 19 Pacientes com Reação Hansênica – Dificuldades ........................... 86 Quadro 20 Pacientes com Reação Hansênica – Acompanhamento.................. 89 Quadro 21 Pacientes com Reação Hansênica – Relações Sociais ................... 90 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Taxa de prevalência (10 mil habitantes) e número de casos novos por ano da hanseníase no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 .......................................................... 42 Tabela 2 Comparação entre sexo e idade dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 ............................. 44 Tabela 3 Escolaridade dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 ........................................................................... 46 Tabela 4 Comparação entre a classificação operacional e o esquema terapêutico inicial dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 ........................................................................... 49 Tabela 5 Comparação entre classificação operacional e baciloscopia dos casos com hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 ............................................................................................ 50 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS Abreviaturas cp comprimido/ cápsula kg quilograma mg miligrama n número da amostra nº número Siglas ACS Agente Comunitária de Saúde BSM Brasil sem Miséria CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CGHDE Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DIVE Diretoria de Vigilância Epidemiológica ENH Eritema Nodoso Hansênico ESF(s) Estratégia(s) da Saúde Familiar HD Hanseníase Dimorfa HI Hanseníase Indeterminada HT Hanseníase Tuberculoide HV Hanseníase Virchowiana MB Multibacilar M. leprae Mycobacterium leprae MS Ministério da Saúde OMS Organização Mundial da Saúde PB Paucibacilar PCH Plano Nacional de Controle da Hanseníase 11 PIAE Plano Integrado de Ações Estratégicas PQT Poliquimioterapia SC Santa Catarina SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação SNDC Sistema Nacional de Doenças Compulsórias SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UBS Unidade Básica de Saúde Símbolos < inferior ≤ inferior ou igual > superior % porcentagem SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 14 2 OBJETIVOS ....................................................................................... 18 2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................ 18 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................. 18 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .............................................................. 19 3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA HANSENÍASE NO MUNDO E NO BRASIL .............................................................................................. 19 3.2 ETIOLOGIA DA HANSENÍASE .......................................................... 22 3.2.1 Classificação e Formas Clínicas ..................................................... 24 3.2.2 Tratamento ........................................................................................ 26 3.2.2.1 Reações Hansênicas ......................................................................... 28 3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ERRADICAÇÃO DA HANSENÍASE ....... 29 4 METODOLOGIA ................................................................................ 34 4.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA .......................................................... 34 4.2 ABORDAGEM DA PESQUISA ........................................................... 35 4.3 TIPO DE PESQUISA .......................................................................... 36 4.4 TÉCNICA E INSTRUMENTOS DE COLETA DOS DADOS ............... 37 4.5 ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................... 39 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ....................................................... 42 5.1 BANCO DE DADOS............................................................................42 5.2 PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA ......................................... 53 5.2.1 Perfil dos Pesquisados .................................................................... 53 5.2.1.1 Diagnóstico e Acompanhamento pelos médicos ................................ 54 5.2.1.2 Estratégias ......................................................................................... 55 5.2.1.3 Medicamentos .................................................................................... 58 5.2.1.4 Controle .............................................................................................. 60 5.2.1.5 Acompanhamento .............................................................................. 62 5.2.1.6 Capacitações profissionais e recursos financeiros ............................. 64 5.2.1.7 Medicamentos nas Reações Hansênicas .......................................... 67 5.2.1.8 Dificuldades ........................................................................................ 69 13 5.3 PACIENTES COM REAÇÃO HANSÊNICA ........................................ 74 5.3.1 Perfil dos Pesquisados .................................................................... 74 5.3.1.1 Número de lesões e nervos................................................................ 76 5.3.1.2 Forma de Diagnóstico ........................................................................ 79 5.3.1.3 Tratamento ......................................................................................... 82 5.3.1.4 Reações Hansênicas ......................................................................... 83 5.3.1.5 Dificuldades ........................................................................................ 85 5.3.1.6 Acompanhamento .............................................................................. 88 5.3.1.7 Relações Sociais ................................................................................ 90 5.4 INTERDISCIPLINARIDEDADE NO ENFRENTAMENTO À HANSENÍASE .................................................................................... 92 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 94 REFERÊNCIAS .................................................................................. 97 APÊNDICES .................................................................................... 106 ANEXOS .......................................................................................... 110 14 1 INTRODUÇÃO Esta Dissertação é um requisito para obtenção do Título de Mestre em Biociências e Saúde do curso de Mestrado em Biociências e Saúde da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Joaçaba, e discorre sobre a análise da Gestão de Saúde Pública no controle da hanseníase em municípios da Região de Saúde de São Miguel do Oeste do Estado de Santa Catarina, vinculando-se ao Grupo e Linha de Pesquisa Promoção e Gestão em Saúde. A hanseníase é uma doença infecciosa crônica, de evolução lenta, causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, transmitida pelas vias áreas superiores, de pessoa a pessoa. Ela apresenta baixa patogenecidade e alta infectividade, através de sequelas nos membros periféricos1. Após a entrada no organismo, o bacilo se instala na pele e nas células de Schwann (células de sustentação que pertencem ao Sistema Nervoso Periférico), que, por divisão binária, é encontrado em forma de bastonete reto ou ligeiramente encurvado. Nas células de Schwann, esses bacilos causam necrose caseosa (degradação progressiva e irreversível das células), que ocasionam as deformidades características da doença1. Desde a antiguidade, a hanseníase se fez presente em todos os continentes, gravando uma história de mutilação, rejeição e exclusão social, na memória e na pele da humanidade, tornando conhecida por ser uma doença estreitamente relacionada às baixas condições de vida e de pobreza da população, típica dos países subdesenvolvidos2. Nesse contexto histórico e até nos dias de hoje, alguns pesquisadores e profissionais de saúde lutam para mostrar à população que a hanseníase é uma doença que tem cura e que não causa sequelas e incapacidades físicas quando diagnosticada precocemente. Essa luta torna-se difícil, pois a hanseníase pertence ao grupo de doenças negligenciadas, isto é, doenças que, além de prevalecerem em condições de pobreza, também contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, ocasionando forte entrave no desenvolvimento dos países3. A literatura considera a hanseníase uma endemia oculta por meio dos aspectos 15 precários do controle da doença, como busca ativa pouco efetiva em áreas de grande concentração da doença, diagnósticos tardios, deficiências nos programas públicoassistenciais, abandono no tratamento e baixo nível de esclarecimento da população4. Infelizmente, a hanseníase, quando tratada tardiamente, causa impactos negativos na vida cotidiana de seus portadores; além das deficiências residuais que culminam em incapacidade física, o preconceito psicossocial impede, em sua maioria, a realização do tratamento de forma eficaz. A Unidade Básica de Saúde (UBS) deveria ser o meio mais fácil, rápido e confiável para a detecção dos novos casos de hanseníase, tanto que o Sistema Único de Saúde (SUS) preconiza aos municípios a organização dos serviços da atenção básica e, ao Estado, a normatização, avaliação, assessoria técnica e reorganização do sistema de referência e contrarreferência, mostrando que a efetividade da hanseníase depende da melhoria dos seus indicadores mediante uma boa gestão5. A transmissão da hanseníase gera casos novos, isto é, a UBS está curando os doentes, sem interromper a cadeia de transmissão, causando sérios impactos na sociedade, principalmente aqueles voltados ao preconceito social2,3. Os dados sobre a endemia no mundo revelam que mais de 80% dos casos estão concentrados em seis países: Índia, Brasil, Myanmar, Indonésia, Madagascar e Nepal. No Brasil, 80% dos casos estão concentrados em 600 municípios brasileiros, onde vivem mais de 50% da população do país6. No Brasil, a hanseníase é considerada um sério problema de saúde pública devido ao sofrimento representado pelos portadores e seus familiares, bem como por apresentar um coeficiente de prevalência superior a 1 caso para cada 10.000 habitantes (1,54/10.000), proposta esta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2013, a hanseníase, mesmo com uma importante redução da prevalência após a utilização de poliquimioterapia (PQT) recomendada pela OMS, apresentou 31.044 casos novos no país, considerada com alto nível de endemicidade7,8. Em Santa Catarina, a hanseníase não é considerada um problema de saúde pública, pois o Estado apresenta ≤ 1 caso para cada 10.000 habitantes, tanto que é o penúltimo na lista de detecção geral de casos novos no país (0,23/10.000 habitantes), perdendo somente para o Estado do Rio Grande do Sul (0,14/10.000 habitantes)8. Apesar dos índices favoráveis obtidos pelo Estado no combate à hanseníase, não existem estudos a respeito da incidência dos tipos de hanseníase diagnosticados 16 em 10 anos, tornando este estudo de grande relevância, pois tais informações serão importantes para melhorar as estratégias de programas na saúde. Entretanto, Santa Catarina foi o segundo Estado do país com maior percentual (11,5%) de casos novos de hanseníase com grau de incapacidade 2 no diagnóstico dessa doença no ano de 20138. Este dado é muito preocupante para o Estado, pois o grau de incapacidade está diretamente relacionado com a qualidade de vida destes portadores. A escolha do tema deve-se ao fato de a região Extremo-Oeste catarinense apresentar casos confirmados de hanseníase no período estudado. De acordo com a Secretaria do Estado de Santa Catarina, em 2012, os municípios de Anchieta, Dionísio Cerqueira, Guaraciaba, Guarujá do Sul, Mondaí, Santa Helena, São José do Cedro e São Miguel do Oeste apresentaram casos diagnosticados de hanseníase, sendo a Regional de Saúde de São Miguel do Oeste a primeira Regional que mais detectou casos de hanseníase no Estado de Santa Catarina, com um coeficiente de 9,7 em 20138,10. Esses números dificultam a nossa região em contribuir na meta estabelecida pelo país (1 caso para cada 10.000 habitantes). Alguns fatores, como a permanência de casos não diagnosticados e a prevalência oculta, responsáveis pela manutenção de fontes de contágio na população, podem contribuir para a permanência da hanseníase na região9. A permanência de casos da hanseníase pode estar relacionado a discriminação e o preconceito, devido à falta de informação sobre a doença, incapacidade física e deformidades causadas pelo comprometimento dos nervos periféricos, dificultando, dessa forma, a inserção em seu meio social11. A permanência de casos justifica a questão da pesquisa: como está ocorrendo a gestão no controle da hanseníase na Região de Saúde de São Miguel do Oeste, SC? Este trabalho está estruturado em quatro partes, sendo que na primeira é realizada uma abordagem teórica sobre o tema; em seguida, apresenta-se o processo metodológico; na terceira parte, os resultados e discussões obtidos a partir da pesquisa quantitativa por meio do levantamento de dados no Datasus/Sinan e a partir da pesquisa qualitativa constituída por entrevistas em três categorias: profissionais de referência, profissionais da Atenção Básica e pacientes com reações hansênicas no 17 período pós-tratamento. A última parte aborda as considerações relevantes do estudo e sugestões mediante a análise realizada. 18 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Analisar a Gestão da Saúde Pública no controle da hanseníase nos municípios pertencentes à Vigilância Epidemiológica da Região de Saúde de São Miguel do Oeste no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Identificar a taxa de prevalência e número de caso por ano da hanseníase no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014; Caracterizar o perfil epidemiológico dos pacientes com hanseníase nos municípios de abrangência da Região de Saúde de São Miguel do Oeste no Estado de Santa Catarina no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014; Compreender as estratégias para a assistência e o cuidado ao paciente hansênico sob a perspectiva dos profissionais da Atenção Básica; Analisar a ocorrência de reações hansênicas pós-tratamento, destacando os desafios desse acompanhamento; 19 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Severino12 explica que a grande dificuldade para realizar a revisão bibliográfica está na leitura e compreensão dos artigos e textos teóricos, pois exigem muita disciplina intelectual. Por isso, a fundamentação teórica é o que dá suporte à leitura crítica dos dados, à organização e distribuição em categorias, às explicações possíveis e necessárias, além de boa interpretação. 3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA HANSENÍASE NO MUNDO E NO BRASIL “A hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade”13. Foi o médico norueguês Gerhard Armauer Hansen, notável pesquisador sobre o tema, que identificou, em 1873, o bacilo como causador da Lepra, a qual teve seu nome trocado para hanseníase em homenagem ao seu descobridor14. A doença é conhecida há mais de três ou quatro mil anos na Índia, China e Japão. No Egito, há evidências objetivas da doença, datando do segundo século antes de Cristo. A Bíblia contém passagens sobre a doença, mas sem comprovação se era realmente lepra, pois esse termo foi utilizado para designar diversos agravos dermatológicos de origem e gravidade variáveis, além de serem desconhecidas nesta época14,15. Em outra ocasião, enquanto ele estava numa das cidades, eis um homem cheio de lepra! Quando avistou Jesus, prostrou-se com o rosto [em terra] e rogou-lhe, dizendo: “Senhor, se apenas quiseres, podes tornar-me limpo”. E assim estendendo a sua mão tocou nele, dizendo: “Eu quero. Torna-te limpo”. E a lepra desapareceu dele imediatamente16. Opromolla17 explica ser difícil afirmar a época exata do aparecimento de uma doença baseada em textos antigos, a não ser que haja uma descrição específica das características da doença que confirmem esse aspecto. 20 Para Eidt14, “há referências de que a hanseníase existia em muitos outros lugares da Terra nesses tempos antigos, mas na verdade o que houve foram traduções errôneas de termos designando diferentes moléstias” (p. 78). Acredita-se que na época de Cristo, a falta de cumprimento aos mandamentos de Deus levava ao pecado, trazendo consigo doenças sem cura, como é o caso da Lepra. Esses indivíduos eram impedidos de serem banhados em lugares públicos, sofriam castigos severos se adentrassem em locais de vendas de alimentos, além de não poderem trabalhar nesses locais, onde se manuseavam alimentos ou roupas em que as pessoas “sadias” iriam usar18. Em relação ao casamento e aos filhos de indivíduos hansenianos, Soares18 explica que: Por um longo período, o casamento de hanseniano só poderia acontecer com outro hanseniano e, quando vinham a falecer, tanto a casa quanto os pertences eram queimados, e os seus filhos com a doença, não podiam ser batizados com outras crianças, assim como na hora da morte não eram enterrados no cemitério da comunidade. (p. 101). No Brasil, os primeiros casos notificados ocorreram em 1.600, na cidade do Rio de Janeiro; em seguida, foram identificados também na Bahia e no Pará e as medidas iniciais de controle aconteceram por ordem de D. João VI, por meio de locais apropriados para os doentes, na época, chamados de leprosários, sendo precária e incipiente a assistência aos pacientes. Por muito tempo, as leis determinavam a internação compulsória, segregação como nos Hospitais Pirapitingui (São Paulo), Curupaiti (RJ), Santa Teresa (Santa Catarina) e outros em todo o país. Em 1962, a lei da internação compulsória foi revogada e o tratamento foi transformado em ambulatorial15. A hanseníase disseminou-se no Brasil tanto pelas correntes migratórias internas quanto pelas fronteiras de países limítrofes. O contato constante com habitantes atingidos pela doença de países limítrofes dos Estados do sul do país, como Argentina, Paraguai e Uruguai, foi um dos fatores de propagação da doença no Estado de Santa Catarina14. Em 1991, a OMS definiu que a hanseníase deixaria de ser um problema de saúde pública nos países quando o coeficiente de prevalência fosse menor ou igual a 1 caso para cada 10 mil habitantes. Essa medida foi necessária, pois, antes de 1991, 122 países no mundo apresentavam mais de 1 caso/10.000 habitantes e, após essa 21 medida estabelecida pela OMS, esse número caiu para 24 países em 2000, 15 em 2001 e 12 até 200219,20. Até o ano de 2005, a maioria dos casos de hanseníase estava concentrada em 7 países: Brasil, Índia, Madagascar, Moçambique, Mianmar, Nepal e República Unida da Tanzânia. Já em 2007, o Brasil apresentou um coeficiente de prevalência de 2,1/10.000 habitantes, tonando-se ainda um problema de saúde pública e que exige um programa de aceleração e de intensificação das ações de eliminação e vigilância resolutiva e contínua20. Apesar da redução no número de casos no Brasil, em 2010 foram diagnosticados aproximadamente 35 mil novos casos, sendo o segundo país com maior número de casos, perdendo apenas para a Índia. Além disso, dentro desses 35 mil novos casos, 8% são menores de 15 anos, chegando a uma média de 46 casos por 100 mil habitantes nas regiões Norte e Centro-Oeste19,1. Ainda é importante lembrar que a hanseníase não está distribuída de forma homogênea em todo o território nacional, pois dos 5.570 municípios brasileiros, em 2012, mais de 3 mil municípios apresentam pelo menos um caso da doença 21,22 (Gráfico 1). Gráfico 1 – Detecção de Hanseníase no Brasil – Municípios Fonte: Una-Sus22. 22 Estudos sobre a hanseníase tiveram avanços significativos, a doença tornouse curável e a transmissão é interrompida com o início do tratamento com quimioterápicos. Todavia, o diagnóstico precoce é o fator mais importante para se evitar a disseminação do bacilo e a instalação de deformidades e incapacidades nos indivíduos acometidos com a doença23. Para Lobo20, é necessária uma vacina efetiva para a hanseníase, além de programas de vigilância epidemiológica que possam assumir importância central no controle e prevenção da doença. 3.2 ETIOLOGIA DA HANSENÍASE A hanseníase é uma doença infectocontagiosa considerada endêmica no Brasil, transmitida pelo microrganismo Mycobacterium leprae (M. leprae) ou bacilo de Hansen, manifestando-se através de lesões cutâneas, nervosas e viscerais, principalmente nos membros superiores e inferiores, face e olhos24. A micobactéria, com forma de bastonete reto ou levemente encurvado, pode apresentar-se em um exame baciloscópico uniformemente corado (sólidos), irregularmente corado (fragmentos) ou granuloso (aglomerações). Os dois últimos tipos demonstram o sofrimento bacilar observado nos pacientes em tratamento por ação medicamentosa, permitindo observar, através do exame, a efetivação do tratamento25. Esse agente etiológico é um parasita intracelular obrigatório, predominante em macrófagos, aeróbio, gram-positivo e álcool-ácido resistente quando corado pelo método de Ziehl-Neelsen. Além disso, pode-se manter viável por até 10 dias sob temperatura de 4ºC fora do organismo humano, em fragmentos de biópsia ou suspensão ou por até 7 dias a 21ºC nas secreções nasais1. Melão13 afirma que “a hanseníase pode perpetuar impactos negativos na vida cotidiana de seus portadores, uma vez que com a doença advêm deficiências residuais após o tratamento tardio, que culminam em incapacidade física e preconceito psicossocial” (p. 79). Portanto, essa doença apresenta grande potencial 23 incapacitante e deformante, o que a torna um sério problema de saúde pública devido ao sofrimento representado pelos pacientes atingidos e suas famílias26. De acordo com o Ministério da Saúde (MS)27, a hanseníase atinge todas as faixas etárias, em ambos os sexos e raramente crianças. No entanto, há uma incidência maior da doença nos homens do que nas mulheres, na maioria das regiões do mundo. Sabe-se, hoje, que o M. leprae acomete a pele e os nervos periféricos, apresentando sinais e sintomas dermatoneurológicos característicos, que acometem células cutâneas e nervosas (terminações nervosas livres e troncos nervosos), gerando, principalmente, lesões cutâneas com a diminuição de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil, podendo provocar incapacidades físicas permanentes, muitas vezes com deformidades, caso não tratadas adequadamente1. As lesões de pele que se apresentam com diminuição ou ausência de sensibilidade podem ser através de manchas pigmentares, placa, infiltração, tubérculo ou nódulo, localizadas em qualquer região do corpo, podendo acometer a mucosa nasal e a cavidade oral. Já os sinais e sintomas neurológicos são manifestados através de lesões decorrentes de processos inflamatórios dos nervos periféricos (neurites) e podem ser causados tanto pela ação do bacilo nos nervos quanto pela reação do organismo ao bacilo. As neurites são acompanhadas por dor intensa e edema com posterior perda da capacidade de suar, causando ressecamento na pele27. A transmissão ocorre de forma direta, por via respiratória, com o indivíduo infectado que apresenta as formas contagiantes da doença (Dimorfa e Virchowiana), uma vez que somente elas são capazes de eliminar bacilos para o meio exterior, através das vias áreas superiores, pois possuem carga bacilar em quantidade considerável nas mucosas e na derme para a transmissão. As pessoas que residem ou residiam com o doente, Multibacilar não tratado, que têm ou tiveram hanseníase nos últimos 5 anos apresentam maior risco de adoecimento. Por isso, essa doença é considerada de alta infectividade e baixa patogenicidade, pois somente 10% das pessoas que vivem em situação de alta prevalência adoecem20,22. Além das condições individuais, as condições socioeconômicas desfavoráveis, assim como as condições precárias de vida e de saúde e o elevado número de pessoas convivendo em um mesmo ambiente, contribuem para a transmissão do bacilo de Hansen27. 24 As vias aéreas superiores são consideradas a principal porta de entrada do bacilo de Hansen, mas a inoculação também pode ocorrer por via cutânea quando existem lesões ulceradas (hansenomas) ou traumáticas na pele. Além disso, na literatura, já foram descritos o leite materno, a urina e as fezes como forma de transmissão, mas nada efetivamente comprovado25. O período de incubação do M. leprae é longo; estima-se que o tempo decorrido entre o contato e o desenvolvimento dos sintomas seja algo entre dois e sete anos, com média entre três e cinco anos. Por isso, o diagnóstico da hanseníase baseia-se nos sinais clínicos e nos achados laboratoriais, porém nenhum exame laboratorial atualmente utilizado pode ser considerado completo, isto é, capaz de diagnosticar e classificar a forma clínica da doença25. O MS27 explica que, para a pessoa ser diagnosticada com hanseníase, “deve apresentar uma ou mais características a seguir: lesão (ões) de pele com alteração de sensibilidade; acometimento de nervo (s) com espessamento neural e baciloscopia positiva” (p. 17) A baciloscopia é o principal diagnóstico laboratorial utilizado por meio de exame microscópico no qual se observa o M. leprae, diretamente nos esfregaços de raspados intradérmicos das lesões hansênicas ou em outros sítios de coleta. Todavia, a baciloscopia negativa não afasta o diagnóstico da hanseníase, mostrando que o diagnóstico clínico é o melhor meio de identificar a doença25. Para o MS23, “o diagnóstico precoce da doença é um fator importante no tratamento e na interrupção do contágio” (p. 9). Por isso, deve-se realizar uma anamnese condizente, colhendo informações pertinentes sobre a história clínica através dos sinais e sintomas dermatoneurológicos característicos da doença. 3.2.1 Classificação e Formas Clínicas O MS adota a classificação de Madri, diferenciando os pacientes acometidos pela hanseníase e indicando um tratamento diferenciado para os dois tipos existentes: Paucibacilares (PB) e Multibacilares (MB). Indivíduos com o tipo PB apresentam de 25 uma a cinco lesões cutâneas e/ou apenas um tronco nervoso comprometido, podendo, em alguns casos, curar-se espontaneamente. Além disso, a avaliação dermatológica envolve o teste de sensibilidade nas lesões de pele e, dentre as pessoas que adoecem, algumas apresentam resistência ao bacilo, abrigando um pequeno número no organismo, que é insuficiente para infectar outras pessoas28,1. Os casos MB atingem um pequeno número de pessoas, mas não apresentam resistência ao bacilo, no qual se multiplicam e passam a ser eliminados para o meio exterior, infectando outras pessoas. Na maioria das vezes, esses indivíduos apresentam seis ou mais lesões de pele e/ou mais de um tronco nervoso acometido e com baciloscopia positiva, tendo um tratamento mais rigoroso e prolongado 28. Dentro da classificação PB e MB, existem quatro formas clínicas da doença: Hanseníase Indeterminada (HI), Hanseníase Tuberculoide (HT), Hanseníase Virchowiana (HV) e Hanseníase Dimorfa (HD). Os casos HI e HT são considerados como PB para tratamento, já a HV e HD são consideradas MB1. De modo geral, as lesões cutâneas são polimorfas, ou seja, variadas, podendo aparecer manchas hipocrômicas ou eritematosas, lesões elevadas do tipo pápulas, nódulos ou tubérculos, infiltração difusa da pele, lesões foveolares (lembrando formato de queijo suíço)25. A HI é considerada a primeira manifestação clínica da hanseníase, não contagiante, em poucos meses ou até anos, ela pode evoluir para a cura espontânea ou para outra forma clínica. Além disso, apresentam manchas hipocrômicas com distúrbios de sensibilidade, não havendo comprometimento de troncos nervosos, nem ocorrência de incapacidades e deformidades1. Na HT, o grau de resistência ao bacilo é grande e parte dos casos evolui para cura espontânea. Suas lesões geralmente são acastanhadas com borda mais ou menos elevada e o centro plano e hipocrômico, sendo pouco numerosas e bem delimitadas, pois o sistema imunológico celular competente não permite a disseminação da doença. Ocorrem distúrbios acentuados de sensibilidade nas lesões e observa-se acometimento de troncos nervosos superficiais ou profundos, bem como comprometimentos neurológicos que são específicos para essa forma clínica25,1. A HV caracteriza-se pela infiltração progressiva e difusa da pele, mucosas das vias aéreas superiores, face, caracterizando a face leonina, podendo afetar, ainda, outros órgãos. Os membros também são atingidos onde há comprometimento das superfícies extensoras, articulações, dorso das mãos e extremidades29. 26 Entre a HT e a HV, existe a HD, também conhecida como Borderline, que é caracterizada por sua instabilidade imunológica, apresentando aspectos da HV e HT, o que faz com que haja grande variação em suas manifestações clínicas, tais como numerosas lesões na pele e nervos, com comprometimento sistêmico1. Nas formas clínicas HI e HT, a baciloscopia é negativa, ou seja, não se observam bacilos de Hansen e não há risco dessas formas contagiarem. As formas HV e HD são positivas e, por isso, são as responsáveis pela transmissão da doença25. O Estado de Santa Catarina, em 2012, apresentou maior número de casos MB, principalmente na forma clínica HD. De modo geral, as formas clínicas MB são as que mais acometem os doentes, tornando-se um sério problema, uma vez que a HV e HD são as responsáveis pela disseminação do bacilo10. 3.2.2 Tratamento O tratamento medicamentoso da hanseníase interrompe a cadeia de transmissão da doença, sendo considerado a única forma de controle da endemia e para eliminação quanto ao problema de saúde pública27. Na década de 1940, a dapsona era o medicamento utilizado para o tratamento da hanseníase, pois esta apresentava atividade antituberculose. Todavia, essa monoterapia precisou ser substituída devido aos seus inúmeros efeitos colaterais. Na década de 60, o antibiótico rifampicina começou a ser utilizado, apresentando poucos efeitos colaterais1. Ao contrário da monoterapia, que é prolongada e sem perspectivas de término, o tratamento através da PQT tem prazo determinado, o que aumenta a adesão, diminui os efeitos colaterais e previne a resistência. O esquema PQT foi proposto pela OMS, em 1981, para evitar a seleção de cepas resistentes, que ocorre quando administrado isoladamente um medicamento. Nesse sentido, foram recomendadas as combinações de três fármacos que consiste no uso de dapsona, rifampicina e clofazimina24. A dapsona é um antibacteriano que age através da competição com o ácido paraaminobenzóico (PABA) diminuindo ou bloqueando a síntese de ácido fólico; a rifampicina 27 é um inibidor da síntese proteica bacteriana por combinar-se com a RNA polimerase; a clofazimina é um antibacteriano com seu mecanismo de ação ignorado1. O tratamento de PQT, estabelecido pelo MS, é utilizado conforme o número de lesões acometidas no corpo, ou seja, o indivíduo que apresentar de uma a cinco lesões cutâneas realizará um tratamento de seis cartelas de PB com duração de até nove meses, contendo combinação de rifampicina e dapsona. Já indivíduos que apresentarem seis ou mais lesões cutâneas utilizam o tratamento de 12 cartelas de MB com duração de até 18 meses, contendo a combinação tríplice de rifampicina, dapsona e clofazimina28. Dentro de cada classificação existe o tratamento para crianças com menos de 30 kg e adultos, sendo, em ambos, necessária a administração de doses supervisionadas mensais na UBS, bem como doses autoadministradas diárias. O Quadro 1 descreve o esquema terapêutico recomendado pelo Programa Nacional de Hanseníase. Multibacilar (MB) Paucibacilar (PB) 12 cartelas em até 18 meses 6 cartelas em até 9 meses Infantil menos de 30kg Infantil Adulto menos de Adulto 30kg Doses Rifampicina 2 cp 150mg 2 cp 300mg 2 cp 300mg 2 cp 300mg Supervisionadas Dapsona 1 cp 50mg 1 cp 100mg 1 cp 50mg 1 cp 100mg Mensais Clofazimina 3 cp 50mg 3 cp 100mg _ _ Dapsona 1 cp 50mg 1 cp 100mg 1 cp 50mg 1 cp 100mg 1 cp 50mg _ _ Doses 1 cp 50mg Autoadministradas Diárias Clofazimina (dias alternados) Quadro 1 – Esquemas de tratamento recomendada pelo Programa Nacional de Hanseníase Legenda: cp – comprimido/cápsula mg – miligramas kg - quilogramas Fonte: adaptado do Una-SUS22. Apesar de existir alguns ensaios clínicos para a criação de uma vacina contra o M. leprae, nenhum estudo demonstrou eficácia na resposta imunológica do paciente. Todavia, mesmo não existindo nenhuma vacina para combater a hanseníase, a vacina 28 BCG, utilizada contra a tuberculose, oferece certa proteção contra o M. leprae. No Brasil, recomenda-se a administração de BCG em indivíduos que estão em contatos domiciliares com pacientes hansênicos, independentemente da idade, exceto para HIV positivos1. Nesse contexto, é importante lembrar que a hanseníase pertence ao grupo das 17 doenças tropicais negligenciadas, que não despertam interesse das grandes indústrias farmacêuticas multinacionais, devido ao fato da doença ter cura cuja quimioterapia não apresenta um retorno econômico atrativo30. 3.2.2.1 Reações Hansênicas As reações hansênicas são alterações que o sistema imunológico do paciente realiza contra o M. leprae, através de exteriorizações por meio de manifestações inflamatórias agudas e subagudas, podendo acometer tanto casos PB como MB, porém mais frequentes nos MB1. Essas reações podem ocorrer durante os primeiros meses do tratamento quimioterápico, principalmente com PQT, durante ou após o tratamento. Os dois tipos de reações hansênicas são: reação tipo 1 e tipo 227. No primeiro tipo, também chamado de reação reversa, ocorrem em pacientes com predomínio da preservação da imunidade celular específica contra o M. leprae, além de ocorrer o aparecimento de novas lesões dermatológicas, bem como dor ou espessamento dos nervos. No segundo tipo, as manifestações ocorrem a partir de um Eritema Nodoso Hansênico (ENH), que se caracteriza por apresentar nódulos vermelhos e dolorosos, febre, dores articulares, espessamento nos nervos e mal-estar generalizado. Geralmente acomete pacientes com imunidade celular pouco preservada ou ausente, sem tratamento específico e eficaz para todos os casos, ocasionando a piora das lesões neurológicas e, consequentemente, aumento das incapacidades27. O Quadro 2 apresenta as principais diferenças entre as reações hansênicas tipo 1 e 231. 29 Episódios reacionais Reação tipo 1 (reversa) Reação tipo 2 Formas Paucibacilar e Multibacilar Multibacilar Início Primeiros 6 meses Após 6 meses Causa Resposta imune celular Resposta imune humoral (anticorpos) Clínica Na pele: - Lesões antigas: agudizadas - Lesões novas: ulceradas e infiltrativas Na pele: - Lesões antigas: inalteradas - Lesões novas: nódulos eritematosos e doloridos Comprometimento sistêmico Raramente: Mal-estar Frequentes: Febre, articular e mialgias Evolução Lenta Rápida náuseas, dor Quadro 2 – Características das Reações Hansênicas Fonte: adaptado do Una-Sus 22. Geralmente, a reação hansênica ocorre quando o paciente está fazendo o tratamento com evolução clínica satisfatória e, abruptamente, ocorre uma crise, aparecendo a reação hansênica. Aproximadamente, 30% dos pacientes apresentam essas manifestações, sendo que alguns evidenciam tais manifestações até cinco anos após a cura24. 3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ERRADICAÇÃO DA HANSENÍASE A história social da hanseníase no Brasil é marcada por diversos aspectos, como a implementação de rigorosas políticas públicas de saúde pelos governos vigentes e pelos médicos especializados na área, segregação e isolamento dos pacientes da sociedade dita sadia, tratamentos ineficazes e dolorosos, além de todo preconceito e estigma que envolve a doença até hoje32. Após as primeiras notificações de hanseníase no Brasil, em 1600, no Rio de Janeiro, foi criado o primeiro leprosário chamado Hospital dos Lázaros. Essa iniciativa serviu para isolar socialmente os pacientes portadores da moléstia e como modelo de higiene, modernidade e conforto para todos que o visitavam33. 30 A primeira grande Reforma Sanitária no país ocorreu em 1904, pelo cientista Oswaldo Cruz, que passou a considerar a hanseníase como notificação compulsória, além de controlar de forma mais rígida o contágio da doença. Esse grande marco evoluiu para a criação da Comissão de Profilaxia da Lepra, em 191634. No ano de 1920, após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, foi instituída a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas com ações de controle que priorizavam a construção de leprosários nos Estados endêmicos, bem como o tratamento com óleo de chaulmoogra (medicamento fitoterápico). Esse Departamento foi o primeiro órgão federal destinado à campanha contra a hanseníase, sensibilizando todo o país quanto ao problema do Mal de Hansen. Nesse mesmo período, elaborou-se também a primeira legislação brasileira da hanseníase e das doenças venéreas, por Eduardo Rabello35. Em 1930, após a Revolução, a criação do Ministério da Educação e Saúde foi fundamental para o controle da doença. Videres32 explica: O Ministério da Educação e Saúde possibilitou a adoção de um modelo de controle da doença a nível nacional, o chamado modelo tripé. Esta significou uma prática amparada na existência de três itens fundamentais e que se complementam: o leprosário, o dispensário e o preventório. Cada um destes tinha seu papel e agia diretamente sobre o que se acreditava estar amparada a cadeia epidemiológica da doença: o infectado (no leprosário), o comunicante (no dispensário) e os filhos dos infectados (no preventório). Assim, acreditava-se na possibilidade de eliminação da doença aos poucos. (p. 31). Os índices de cura não foram os esperados e o número de casos somente aumentava, devido à busca ativa dos contatos. A política do Estado e o serviço público sabiam que, para a eliminação da doença, demandaria a criação de melhoria das estruturas sociais, como saneamento público, educação, saúde coletiva e alimentação36. Em razão desse fato, o isolamento passou a ser oficializado, mesmo muitos Estados já realizando essa medida, em 1949 para todas as Unidades da Federação, a partir da Campanha Contra Lepra organizada desde 1941 pelo Serviço Nacional de Lepra. Somente na década de 1950, os leprosários passam a não ser mais recomendados como fundamental no tratamento da hanseníase, devido à utilização de medicamentos químicos nos pacientes37. 31 No Brasil, o isolamento foi considerado extinto em 1962 com a aprovação do Decreto nº 968, de 7 de maio, apesar de estados como São Paulo não cumprirem a Lei, já que até 1967 se manteve essa prática. Houve um amplo debate e após 1967, principalmente com a ascensão do Dr. Abrahão Rotberg ao cargo de diretor do Departamento de Profilaxia da Lepra de São Paulo, que, em sua administração, motivou o estado a aderir à política do não isolamento (p. 33)32. As políticas de descentralização no programa de controle da hanseníase ganharam força depois de 1970, através das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e, após uma década, a OMS recomendou o emprego da PQT no Brasil, assim como um movimento para minimizar o preconceito e o estigma contidos no termo “Lepra”, abolido e substituído por “Hanseníase”33. No ano de 2007, a Lei Federal n. 6.168 regulamentou a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas ao isolamento e à internação compulsória38. O MS, em 2011, incluiu a hanseníase, por apresentar mais de 1/10.000 habitantes no país, como uma endemia que necessitava de ações estratégicas para sua eliminação. A Secretaria de Vigilância em Saúde criou a Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação (CGHDE) (Decreto n. 7.530, de 21 de julho de 2011), com o objetivo de fortalecer a resposta para um grupo de doenças em que os resultados dos programas nacionais foram considerados insuficientes e incompatíveis com a capacidade do SUS de resolução dos problemas de saúde da população. Nesse grupo de doenças, descrito no Plano Integrado de Ações Estratégicas (PIAE), estão incluídas a hanseníase, esquistossomose, filariose linfática, geohelmintíases, oncocercose e tracoma21. Após a criação da CGHDE, o governo brasileiro assumiu o compromisso público de eliminar os agravos ou reduzir drasticamente a carga dessas doenças criando o programa Brasil Sem Miséria (BSM), que garante à população mais pobre o acesso aos serviços de saúde21. Todavia, o MS teve o compromisso de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública até 2015. Porém, o Brasil, em 2012, apresentou 1,71/10.000 habitantes, sendo diagnosticados mais de 30 mil novos casos por ano da hanseníase22. O Gráfico 2 apresenta os casos de detecção da hanseníase geral e por região dos anos 2003 até 2012. 32 Gráfico 2 – Detecção de Hanseníase no Brasil – Geral e por Região Fonte: Una-Sus22. Apesar do país ainda não ter atingido a meta estabelecida, verificou-se uma redução do coeficiente de detecção da hanseníase de 35,1% no país, entre 2001 a 2010, prevalecendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste39. A estratégia para redução da carga em hanseníase para alcance da meta de eliminação da doença enquanto problema de saúde pública em nível nacional baseiase essencialmente no aumento da detecção precoce e na cura dos casos diagnosticados21. Uma das principais consequências da hanseníase nos municípios do país é o alto poder incapacitante. Em 2012, 14% dos casos novos (4 mil pessoas) apresentaram algum tipo de lesão ou incapacidade física visível, que nem sempre pode ser recuperada39. Assim, para que os números sejam analisados e publicados para toda a população, foi fundamental a criação do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)21 e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) criado em 1990, que teve por intuito facilitar a formulação e avaliação das políticas, planos e programas de saúde, subsidiando o processo de tomada de decisões, com vistas a contribuir para a melhoria da situação de saúde da população40. 33 O Datasus/Sinan é um sistema nacional e amplo que atende à notificação/investigação de todas as doenças compulsórias, tanto que esse sistema, quando criado, veio tentar sanar as dificuldades do Sistema Nacional de Doenças Compulsórias (SNDC) procurando racionalizar o processo de coleta e transferência de dados relacionados às doenças e agravos de notificação compulsória41. Nesse sentido, o PIAE21 enfatiza a necessidade de alimentar os sistemas voltados à vigilância epidemiológica: Para a intensificação e fortalecimento da vigilância em hanseníase, é fundamental que os registros dos casos diagnosticados e em tratamento sejam atualizados rotineiramente. A vigilância epidemiológica em hanseníase envolve a coleta, processamento, análise e interpretação dos dados referentes aos casos e seus contatos. Ela subsidia recomendações, a promoção e a análise da efetividade das intervenções. É fundamental a divulgação das informações obtidas como fonte de planejamento das intervenções a serem desencadeadas21 (p. 16). Por isso, a vigilância epidemiológica precisa ser organizada em todos os níveis de atenção, da UBS à alta complexidade. O acompanhamento rotineiro propicia estratégias para o controle da hanseníase, melhora na capacidade técnica em identificar as áreas de maior endemicidade e garante informações acerca da distribuição da doença nas diversas áreas geográficas21. 34 4 METODOLOGIA 4.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA O presente estudo foi realizado nos 22 municípios pertencentes à área de abrangência de atuação da Vigilância Epidemiológica da Região de Saúde de São Miguel do Oeste no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014; na parte quantitativa, foram extraídos os dados de todos os municípios e, na parte qualitativa, por meio da pesquisa de campo, um dos municípios não aceitou participar da pesquisa. Fizeram parte do estudo quantitativo 129 notificações registradas no banco de dados Datasus/Sinan; na pesquisa qualitativa, foram entrevistadas 51 pessoas, destas, 31 profissionais da Atenção Básica e 20 pacientes com reação hansênica póstratamento. A opção pelos sujeitos da pesquisa é justificada a partir do objetivo, voltado para a gestão da saúde pública no controle da hanseníase. Além disso, também é pelo fato de que as diretrizes estabelecidas no Programa Nacional de Controle da Hanseníase (PCH), propostas pelo MS, devem ser assumidas pelos municípios através da Atenção Básica, por meio da ESFs. As diretrizes orientam os profissionais quanto à gestão clínica e fluxo de atendimento aos usuários, contribuindo na melhoria das condições de saúde da população como um todo. A identificação dos pacientes aconteceu por meio dos profissionais da Atenção Básica do mesmo município, por meio da investigação na ficha de notificação. Em seguida, o profissional entrava em contato com o paciente (contato telefônico) e explicava as orientações previamente disponibilizadas pelo pesquisador. Somente após esse contato e autorização, dirigia-se à residência para a realização da entrevista. 35 O projeto deste estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), em dezembro de 2014, conforme número do CAAE 39701914.2.0000.5367 (Anexo B). 4.2 ABORDAGEM DA PESQUISA A abordagem adotada para a realização desta pesquisa foi de caráter quantitativo e qualitativo, permitindo relacionar dados epidemiológicos armazenados em banco de dados específicos com a pesquisa de campo, que possibilita conhecer a percepção dos profissionais e pacientes envolvidos com a hanseníase. Para a realização da pesquisa, inicialmente realizou-se um levantamento do referencial teórico sobre o assunto, envolvendo publicações gerais relacionadas à área de interesse: livros, artigos publicados em revistas e periódicos nacionais e internacionais, dissertações e teses e sites específicos. As bases de dados utilizadas foram SCIELO, EBSCO, Capes, UNA-SUS, entre outras. A pesquisa quantitativa apresenta como base dados estatísticos, que permitem visualizar os resultados de maneira numérica. A pesquisa do tipo qualitativa, por ter caráter descritivo, valoriza o processo como um todo, avaliando mais amplamente, sem destinar apenas para os dados obtidos42, 53. As pesquisas quanti-qualitativa não se opõem; ao contrário, completam-se na compreensão da realidade social, uma vez que a realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia18. A utilização das duas naturezas (quanti/quali) permite que ambas se completem por meio da confirmação de resultados encontrados no estudo. Uma característica importante da pesquisa qualitativa é o ambiente natural de estudo, fundamental para o pesquisador compreender a realidade que o indivíduo se encontra, bem como o contato direto com os participantes, sendo geralmente os dados coletados por meio de gravações e/ou anotações43. 36 Além disso, a pesquisa qualitativa caracteriza-se por ser descritiva através de características que estabelecem relações de variáveis, envolvendo métodos de coleta de dados mais sucintos44. Nesse sentido, esta pesquisa apresenta dados na forma de gráficos e tabelas, bem como por meio de transcrições das entrevistas realizadas, para, assim, compreender de forma mais abrangente o fenômeno em questão, dentro de sua complexidade, neste caso, a gestão da saúde pública no controle da hanseníase. 4.3 TIPO DE PESQUISA Para atingir os resultados propostos, a pesquisa quantitativa foi realizada a partir de um levantamento de dados e a qualitativa por meio de um estudo descritivo e exploratório, representando uma contribuição para se conhecer a situação desejada e como ocorre a gestão da saúde pública no controle da hanseníase. O levantamento de dados também chamado de pesquisa documental trabalha com informações registradas que não receberam tratamento analítico para posterior publicação. A pesquisa exploratória proporciona maior familiaridade com o problema através de levantamento bibliográfico e a pesquisa descritiva tem por intuito descrever características de determinada população envolvendo o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados, como é o caso das entrevistas45. Pereira46 (2008, p. 719) explica que “a investigação epidemiológica é um método científico que possibilita uma aproximação com o objeto e o problema de estudo com a finalidade de obter dados que evidenciam a realidade concreta dos mesmos.” Em relação ao aspecto qualitativo, utilizou-se da técnica da entrevista, que seguiu um roteiro com perguntas abertas e fechadas. Segundo Gil47, esse tipo de pesquisa proporciona ao pesquisador certa flexibilidade, permitindo-lhe a consideração dos mais variados aspectos inerentes ao fato estudado. As entrevistas realizadas têm por finalidade interrogar de forma direta pessoas envolvidas no problema, cuja opinião se quer conhecer. Essas perguntas são 37 realizadas mediante estudo de campo, apresentando profundo e exaustivo estudo dos objetos, prevendo uma descrição minuciosa das informações45. Nesse caso, a exploração e descrição das informações, juntamente com o levantamento de dados armazenados, permitiram maior familiaridade da pesquisadora com o tema pesquisado, já que este é considerado pouco explorado e inédito na região de interesse. 4.4 TÉCNICA E INSTRUMENTOS DE COLETA DOS DADOS A técnica inicialmente utilizada baseia-se na investigação em fontes secundárias (Levantamento de dados no Datasus/Sinan) e, posteriormente, na utilização de fontes primárias (entrevistas semiestruturadas em dois segmentos), ambas através de um roteiro previamente preparado, baseando-se nos objetivos específicos da pesquisa (Quadros 3 e 4). Objetivos Específicos Identificar a taxa de prevalência e número de casos de hanseníase nos municípios de abrangência da Região de Saúde de São Miguel do Oeste. Caracterizar o perfil epidemiológico dos pacientes com hanseníase nos municípios de abrangência da Região de Saúde de São Miguel do Oeste. Instrumentos da Pesquisa Levantamento de Dados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) disponibilizado pelo site: www2.datasus.gov.br Variáveis Taxa de prevalência e número de casos de hanseníase entre 2004 a 2014. Levantamento de Dados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) disponibilizado no site: www.saude.gov.br/sinanweb - Dados individuais: sexo, idade, raça, escolaridade e município de notificação. - Dados relacionados ao caso: número de lesões cutâneas, forma clínica, classificação operacional, número de nervos afetados, baciloscopia, esquema terapêutico e modo de detecção (Anexo A). Quadro 3 – Roteiro da Pesquisa Quantitativa Fonte: a autora. Para Gil48, a entrevista é uma forma de interação social, através do diálogo em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. 38 Objetivos Específicos Compreender as estratégias para a assistência e o cuidado ao paciente hansênico, sob a perspectiva dos profissionais da Atenção Básica. Analisar a ocorrência de reações hansênicas póstratamento, destacando os desafios desse acompanhamento. Instrumentos da Pesquisa Entrevista com Profissionais da Atenção Básica pertencentes à Secretaria Municipal de Saúde (Apêndice B). Entrevista com Pacientes Hansênicos que apresentaram reação hansênica no período póstratamento (Apêndice C). Indicadores - Dados Individuais: sexo, idade, município que trabalhava, profissão e setor onde atuava. - Dados Gerais: diagnóstico e acompanhamento pelos médicos, estratégias, medicamentos, controle da hanseníase, acompanhamento dos contatos (familiares e pessoas próximas), capacitações profissionais, medicamentos nas reações hansênicas e dificuldades. - Dados Individuais: sexo, faixa etária, escolaridade, ocupação e município de residência. - Dados Gerais: número de lesões e membros periféricos afetados, classificação e forma clínica da doença, método de diagnóstico, tratamento, reações hansênicas, dificuldades no diagnóstico, acompanhamento, relações sociais e considerações em geral. Quadro 4 – Roteiro da Pesquisa Qualitativa Fonte: a autora. No segmento de profissionais da Saúde na Atenção Básica, foram entrevistados aqueles que apresentam um envolvimento direto com diagnóstico e notificação da hanseníase: técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos das Unidades Básicas de Saúde dos municípios que apresentaram suspeitas de hanseníase no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014. No segmento pacientes com reação hansênica no período pós-tratamento, foram entrevistados todos os que aceitaram participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas foram elaboradas conforme o tipo de população estudada, sendo esta constituída por 10 perguntas abertas e fechadas, para os profissionais da Atenção Básica (Apêndice A) e 12 perguntas para os pacientes hansênicos (Apêndice B). Todas as entrevistas apresentavam como propósito responder aos objetivos desta pesquisa. Todas as entrevistas foram realizadas no decorrer do ano de 2015 e individualmente após o convite para a participação do estudo e a assinatura do TCLE, que autorizou o uso das informações prestadas durante a entrevista. Além disso, para a realização das entrevistas, foi utilizado um gravador para manter a fidedignidade da fala dos entrevistados. 39 4.5 ANÁLISE DOS DADOS Para a análise de dados quantitativos, os resultados foram tabulados no programa Excel com posterior análise das variáveis no programa estatístico BioEstat 5.0 com intervalo de confiança de 95% e erro amostral de 0,5% (p<0,05). Esses resultados foram apresentados mediante números absolutos e percentuais de cada variável analisada, com a finalidade de possibilitar uma análise estatística útil à comunidade científica. Segundo Yin49, a apresentação de ilustração gráfica nos estudos torna as pesquisas mais compreensíveis e didáticas. Na análise qualitativa, incluiu-se a apresentação, leitura e releitura de todas as entrevistas transcritas, com a finalidade de alcançar os objetivos propostos neste estudo. Para a interpretação dos resultados obtidos através dos dados de campo, foi utilizada a análise de conteúdo para questionários, conforme metodologia proposta por Bardin50, o qual explica que a “análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo” (p. 143). Freitas51 defende que a análise de conteúdo consiste em “analisar em profundidade cada expressão específica de uma pessoa ou grupo envolvido”, visando identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema. Desse modo, a análise de conteúdo pode ser organizada levando em consideração três eixos: préanálise, exploração do material e tratamento dos resultados52 (Figura 1). Figura 1 - Três eixos da Análise de Conteúdo Fonte: adaptado de Bardin52. 40 Na pré-análise, realizou-se a organização do material a ser examinado, por meio de uma leitura geral das entrevistas que, aos poucos, tornou-se mais consistente, objetiva e precisa, tornando-se o segundo eixo, exploração do material. Nesta etapa, realizou-se uma releitura mais atenta, destacando trechos que despertaram interesse pela relação que as falas dos entrevistados apresentavam com os objetivos da pesquisa. Por último, tentou-se consolidar o tratamento dos resultados implicados na inferência e interpretação dos significados comuns nos discursos. Para isso, foram agrupadas as respostas semelhantes para posterior categorização. Nesse caso, as entrevistas foram agrupadas pela semelhança das respostas em cada uma das questões, nas quais se buscaram, primeiramente, os temas, depois as palavras que apareceram com mais frequência. Após as três etapas, as informações foram categorizadas. Segundo Bardin50, “a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por agrupamento segundo gênero, com critérios previamente definidos” (p. 153). Os Quadros 5 e 6 demonstram as categorias extraídas das entrevistas com os profissionais da Atenção Básica e pacientes com reações hansênicas. Categorias de análise Subcategorias 1.Diagnóstico e Acompanhamento pelos 1.Contatos (Familiares e pessoas próximas) médicos 2.Como é feito e como deveria ser feito 2.Estratégias 1.Diagnóstico da doença 3.Medicamentos 1.Disponibilidade 2.Tratamento 1.Atenção Básica 1.Reações Hansênicas pós-tratamento 4.Controle 5.Acompanhamento 6.Capacitações profissionais e Recursos 1.Treinamento e capacitações financeiros profissionais 2. Financiamento investido 7.Medicamentos nas reações hansênicas 1.Tipos de medicamentos 8.Dificuldades 1.Dificuldades em geral 2.Dificuldades no diagnóstico dos Quadro 5 – Categorias e subcategorias de análise da pesquisa em profissionais da Atenção Básica Fonte: a autora. 41 Categorias de análise 1. Número de lesões e nervos 2. Forma de Diagnóstico 3. Tratamento 4. Reações Hansênicas 5. Dificuldades 6. Acompanhamento 7. Relações Sociais Subcategorias 1. Lesões de pele 2. Nervos afetados 1. Sinais e sintomas 2. Baciloscopia 3. Biópsia 1. Tempo 2. Tipo de medicação 1. Tipos de reações 2. Incapacidade motora 3. Locais no corpo 1. Dificuldades no tratamento 2. Dificuldades no diagnóstico 1. Atenção Básica 1. Convívio Familiar 2. Convívio na Sociedade Quadro 6 – Categorias e subcategorias de análise da pesquisa em pacientes com Reação Hansênica pós-tratamento Fonte: a autora. Por fim, os resultados da pesquisa foram descritos por meio de narração e apresentados a partir de gráficos e tabelas para as variáveis pertencentes aos dados individuais (Quadro 4) e na forma de síntese das informações para as demais perguntas realizadas na entrevista. 42 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1 BANCO DE DADOS Em relação à taxa de prevalência e número de caso por ano da hanseníase no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 proposto nos objetivos deste estudo, analisou-se a fonte secundária Datasus, na qual se observou que os anos de 2007 e 2011 foram os períodos com maior taxa de prevalência, 0,30 para cada 10 mil habitantes. Já o ano de 2005 apresentou menor taxa, com 0,20 por 10 mil habitantes. Os anos de 2013 e 2014 não estavam disponibilizados no site (Tabela 1). Tabela 1 – Taxa de prevalência (10 mil habitantes) e número de casos novos por ano da hanseníase no Estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 Ano Taxa de Prevalência nº caso 2004 0,27 155 2005 0,20 120 2006 0,25 147 2007 0,30 184 2008 0,29 173 2009 0,26 159 2010 0,25 159 2011 0,30 188 2012 0,29 185 2013 - - 2014 - - Legenda: nº - número Fonte: com base em Datasus54. Quando se fala em prevalência e número de casos novos, lembra-se do motivo que forçou o Ministério da Saúde a estabelecer para o país estratégias para diminuir o número de casos novos e, consequentemente, alcançar o coeficiente proposto pela 43 OMS que é de ≤ 1 caso para cada 10 mil habitantes, o elevado número apresentado em 2005 no país, 2,09 casos novos para cada 10 mil habitantes 46,19. A redução desses números pode estar relacionada à substituição da busca ativa por detecção passiva ou devido à sensibilidade do serviço de saúde em detectar os casos novos no Estado. O Estado de Santa Catarina, no ano de 2013, apresentou um coeficiente de 0,23 caso para cada 10 mil habitantes8; isso pode ser explicado devido à região sul do país apresentar uma extensão territorial um pouco menor quando comparado a outros Estados, como centro-oeste e norte do país, além da desigualdade social; muitos Estados, assim como São Paulo, apresentam grande desigualdade social entre suas áreas55. Esses dois fatores contribuem para os números apresentados pelo Estado, tanto que apenas 5% dos casos de hanseníase estão na região sul do país, com coeficiente de prevalência de 15 vezes menos em comparação às outras regiões11. Em relação aos dados epidemiológicos dos pacientes com hanseníase nos municípios de abrangência da Região de Saúde de São Miguel do Oeste no Estado de Santa Catarina no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014, a população estudada foi composta por 193 casos notificados no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014, que, após o cálculo estatístico com intervalo de confiança de 95% e erro amostral de 0,5% (p<0,05), tornou-se uma amostra de 129 pacientes analisados. Dos 129 casos de hanseníase diagnosticados no período precitado, 80 (62%) casos são do sexo masculino e 49 (38%) do sexo feminino. Além disso, dentre o sexo masculino, as faixas etárias entre 51 a 60 anos e acima de 71 anos foram as predominantes, com 21 (16,27%) casos cada. No sexo feminino, a faixa etária que mais predominou também foi de 51 a 60 anos, 15 (11,63%) casos. Na Tabela 2 estão descritos os resultados encontrados para as variáveis sexo e idade. 44 Tabela 2 – Comparação entre sexo e idade dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014. Idade Sexo Masculino Casos 10 a 19 anos % Feminino Casos % 1 0,78 3 2,34 20 a 30 anos 2 1,55 5 3,88 31 a 40 anos 11 8,52 5 3,88 41 a 50 anos 6 4,65 2 1,56 51 a 60 anos 21 16,27 15 11,63 61 a 70 anos 17 13,18 10 7,73 > 71 anos 21 16,27 9 6,98 Ignorado TOTAL 1 80 0,78 62 0 49 0,0 38 Legenda: % - porcentagem Fonte: a autora. Em relação ao sexo dos pacientes estudados, achados semelhantes foram referidos pelo estudo de Longo e Cunha56 (n = 192) e Júnior, Vieira e Caldeira4 (n = 652), demonstrando que a maioria dos pacientes pertencia ao sexo masculino. O predomínio desse sexo poderia traduzir maior oportunidade de contato social entre os homens7. Um levantamento de dados realizado pela Secretaria do Estado de Santa Catarina10 demonstrou que o sexo masculino é o mais atingido por essa doença desde 2003 até 2012, com uma média percentual de 57,62% para os homens contra 42,38% nas mulheres. Todavia, alguns estudos, como de Lana et al.57 (n = 2337) e Melão et al.58 (n = 54), demonstram uma taxa de detecção maior entre as mulheres. Isso pode ser explicado devido à facilidade de acesso das mulheres às unidades de saúde em razão da presença de programas voltados à Saúde da Mulher, como o pré-natal e a prevenção do colo uterino e de mama, que proporcionam um contato mais periódico com o cuidado à saúde. Nesse caso, a predominância dos homens demonstra que os sinais e sintomas estão aparecendo, tornando-se inevitável a procura a uma Unidade de Saúde, já que esses sintomas geralmente são dolorosos e agressivos aos nervos e pele. A UBS, 45 quando relacionada a oportunidade do diagnóstico, pode ser considerada um diferencial entre os sexos, pois as mulheres buscam com mais frequência o atendimento nas mesma. As faixas etárias acometidas neste estudo, para ambos os sexos, foram superiores a 51 anos, o que vai de encontro aos estudos publicados por Batista et al.59 e Lima et al.60, que demonstram idades bem inferiores, geralmente entre os 30 e 43 anos. Essa idade mais elevada é condizente com a literatura existente61,4; entretanto, o mais importante é considerar que a hanseníase é uma doença de adultos, devido ao seu logo período de incubação, que atinge populações economicamente ativas, principalmente aquelas com baixa renda socioeconômica60. O MS27 explica que a hanseníase atinge todas as faixas etárias, em ambos os sexos e raramente crianças, o que condiz com este estudo. Em relação à raça/cor dos pacientes, houve predominância da cor branca (122/94,57%). A cor parda foi observada em 4,65% (6 casos) e afrodescendente em 0,78% (1 caso). Nesse particular, pode-se dizer que a colonização, movimentos migratórios, dinâmica de ocupação territorial e organização espacial contribuíram para o elevado número de brancos na nossa região4. Esse dado foi semelhante nos estudos de Mello, Popoaski, Nunes7; Melão et al.13 e Batista et al.59. A literatura apresenta resultados divergentes em relação à raça; dentre eles, estão os estudos de Lima et al.62, Aquino et al.63, Miranzi, Pereira e Nunes9 e Júnior, Vieira e Caldeira4, nos quais a cor parda e/ou negra prevaleceu. Entre a população estudada, observou-se que a maioria apresentava baixa escolaridade, sendo que o ensino primário incompleto foi o mais citado, 38 (29,45%) casos, seguido do ensino fundamental incompleto e ensino primário completo, com 29 (22,48%) e 16 (12,4%) casos, respectivamente (Tabela 3). 46 Tabela 3 – Escolaridade dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 Escolaridade Casos % Analfabeto 3 2,34 Ensino Primário incompleto 38 29,45 Ensino Primário completo 16 12,4 Ensino Fundamental incompleto 29 22,48 Ensino Fundamental completo 9 6,98 Ensino Médio incompleto 11 8,52 Ensino Médio completo 6 4,65 Ensino Superior incompleto 2 1,55 Ensino Superior completo 2 1,55 Ignorado 7 5,43 Não se aplica TOTAL 6 129 4,65 100 Legenda: % - porcentagem Fonte: a autora. A maioria dos pacientes com hanseníase (73,64%) possuía de 0 a 7 anos de estudo completo, condizendo com outros estudos7,63,9. O elevado número de pacientes com até o ensino fundamental incompleto encontrado neste estudo demonstra que a escolaridade é um dos fatores que auxiliam os determinantes sociais em saúde, contribuindo, neste caso, para as condições socioeconômicas desfavoráveis e a transmissão do bacilo de Hansen64. O grau de conhecimento, o acesso ao serviço de saúde, a compreensão das orientações quanto ao tratamento e medidas de prevenção estão relacionados à capacidade de autocuidado e ao número de anos de estudos 4. Além disso, a escolaridade é um fator determinante na incidência de incapacidades, uma vez que, quanto maior o grau de escolaridade, maior a probabilidade de melhora 65. Em relação ao município de notificação, 28 (21,71%) casos foram notificados no município de Dionísio Cerqueira (14.811 habitantes), 27 (20,93%) em Mondaí (10.231 habitantes) e 20 (15,5%) em São Miguel do Oeste (36.306 habitantes). A porcentagem dos demais municípios pode ser observada no Gráfico 3, sendo estes com porcentagens mais inferiores quando comparados aos três municípios citados anteriormente. Gráfico 3 – Município de notificação dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 47 Fonte: a autora. Esses dados confirmam que a hanseníase é heterogênea tanto entre cidades do mesmo Estado quanto entre Estados no Brasil. As áreas geográficas possuem diferentes níveis de transmissibilidade da hanseníase, que, devido à morbidade, dificulta a busca dos pacientes, escondendo a realidade do município19. Por isso, deve-se conhecer a situação epidemiológica de cada município e definir estratégias para cada situação. No Gráfico 4, pode-se observar que 72,87% apresentavam até dez lesões cutâneas, independentemente de tamanho, cor ou formato. Também, pode-se observar que as porcentagens diminuem conforme a presença de maior número de lesões na pele desses pacientes. Isso pode estar relacionado ao diagnóstico precoce, pois, quanto antes descoberta a doença, menor o número de lesões presentes na pele. Porém, o maior número de lesões está associado à classificação MB, sendo o inverso na classificação PB62 e, quando analisadas nesta pesquisa, nota-se que a classificação MB é a que predomina, causando controvérsias quanto ao número de lesões de pele. Um estudo realizado por Mello, Popoaski e Nunes7 demonstrou que 47,4% dos 48 pacientes estudados apresentavam sete ou mais lesões cutâneas e 17,5%, uma lesão de pele. Os dados encontrados também estão associados à classificação operacional, com predomínio MB. No estudo publicado por Júnior, Vieira e Caldeira4, mais da metade dos pacientes apresentou cinco ou mais lesões (64,4%), o que se torna um dado preocupante, assim como nesta pesquisa, além de ser um motivo de alerta aos serviços de saúde. Gráfico 4 – Número de lesões cutâneas dos casos com hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 Fonte: a autora. Sobre a forma clínica, a HV foi a mais notificada, apresentando-se em 60 (46,51%) pacientes; em seguida, a forma clínica HD, 28 (21,71%), HT, 17 (13,18%) casos e HI, 14 (10,85%). Além disso, 10 (7,75%) casos não foram identificados nas fichas de notificações no Datasus/Sinan. As formas clínicas HV e HD são as mais frequentes pelos pacientes, sendo também consideradas as mais graves, devido aos seus sinais e sintomas, aparecimento de reações hansênicas e instalação de incapacidades físicas e motoras. Outros estudos, como Longo e Cunha56, Mello, Popoaski e Nunes7, Júnior, Vieira e 49 Caldeira4, Lima et al.60,62, Miranzi, Pereira, Nunes9 e Lana et al.57, também encontraram resultados semelhantes, com maior predomínio da HD seguida da HV. O baixo percentual da forma clínica HI (10,85%) demostra atraso no diagnóstico, permitindo analisar que as unidades básicas de saúde não estão realizando busca ativa, bem como a não detecção dos casos nas formas iniciais da doença, como já descrito em estudos similares60,66. Por isso, os casos PB geralmente estão relacionados às mulheres, indicando diagnóstico precoce, diferentemente dos casos MB, que geralmente ocorrem em homens e tardiamente60,13. A classificação operacional MB foi encontrada em 102 casos analisados (79,05%), enquanto que a PB em 27, representando 20,95% dos casos (Tabela 4). Tabela 4 – Comparação entre a classificação operacional e o esquema terapêutico inicial dos casos de hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 Esquema terapêutico inicial Classificação Operacional Paucibacilar Multibacilar Casos % Casos % PQT/PB/6 doses 27 20,95 0 0,0 PQT/MB/12 doses 0 0,0 98 75,93 Outros esquemas substitutos 0 0,0 3 2,34 Ignorado TOTAL 0 27 0,0 20,95 1 102 0,78 79,05 Legenda: % - porcentagem Fonte: a autora. A classificação e as formas clínicas da hanseníase que prevaleceram neste estudo são as mesmas encontradas em várias pesquisas67,60,56,63,62, tornando a classificação MB e as formas clínicas HV e HD como as que mais acometem a população em geral. Por isso, esses dados devem ser levados em consideração e discutidos entre os profissionais de saúde, encontrando estratégias interdisciplinares de sensibilização para o diagnóstico, além de cuidados psicológicos e fisioterapêuticos para os casos mais avançados. Nesse sentido, deve-se enfatizar que as HD e HV adquirem importância por serem as formas clínicas mais infectantes da doença, devido à alta carga bacilar na derme e mucosas, dificultando a quebra da transmissão, principalmente quando o 50 bacilo é resistente ao organismo humano, sendo geralmente eliminando para o meio exterior através de lesões cutâneas, além de apresentar maior risco de instalação de incapacidades físicas e motoras60,28. Sobre o esquema terapêutico inicial, todos os pacientes seguiram o tratamento padrão pré-estabelecido pelo MS; os pacientes com classificação MB realizaram tratamento de 12 cartelas em até 18 meses (PQT/MB/12 doses), enquanto que na classificação PB 6 cartelas em até 9 meses (PQT/PB/6 doses). Mello, Popoaski e Nunes7 também encontraram em seu estudo o esquema terapêutico inicial PQT/MB/12 doses como sendo o mais predominante (42,1%). O esquema terapêutico feito através da PQT, implantada há mais de 30 anos no mundo, por meio da combinação de três fármacos: dapsona, rifampicina e clofazimina, tem contribuído muito para a cura dos pacientes, sendo que a forma clínica do paciente determina o tipo e o prazo do tratamento, aumentando a adesão, diminuindo os efeitos colaterais e prevenindo resistências24. Em relação à baciloscopia, quando realizada na classificação MB, 45 (34,86%) casos apresentaram-se positivos, 16 (12,4%) casos negativos, em 11 (8,53%) casos não foram realizados o exame e 30 (23,26%) casos não foram preenchidos na ficha de notificação no Datasus/Sinan. Já na classificação PB, 17 (13,18%) casos apresentaram-se negativos, 2 (1,55%) casos positivos e em 4 (3,11%) casos não foram realizados o exame ou não foram preenchidos na ficha de notificação (Tabela 5). Tabela 5 – Comparação entre classificação operacional e baciloscopia dos casos com hanseníase pertencentes à região de saúde de São Miguel do Oeste, SC, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2014 Baciloscopia Classificação Operacional Paucibacilar Multibacilar Casos % Casos % Positiva 2 1,55 45 34,86 Negativa 17 13,18 16 12,4 Não realizada 4 3,11 11 8,53 Ignorado TOTAL 4 27 3,11 20,95 30 102 23,26 79,05 Legenda: % - porcentagem Fonte: a autora. 51 Os dados da baciloscopia obtidos neste estudo foram bem interessantes, pois na região estudada o exame baciloscópio é utilizado pela maioria dos municípios, como padrão ouro para diagnóstico da doença. Todavia, sabe-se, por meio da literatura25, que a baciloscopia negativa não afasta o diagnóstico da hanseníase, mostrando que o diagnóstico clínico é o melhor meio de identificar a doença 25. Em um estudo realizado por Miranzi, Pereira e Nunes9, a maioria dos pacientes hansênicos apresentou baciloscopia negativa ao longo de 6 anos (52,1%). Ainda no mesmo estudo, 20,7% dos casos não realizaram o exame de baciloscopia, números estes muito diferentes encontrados neste estudo. Ainda sobre esse assunto, cabe salientar que pacientes com baciloscopia negativa também podem transmitir a doença, porém em menor escala que aqueles com baciloscopia positiva, uma vez que esses últimos são capazes de eliminar bacilos no meio ambiente57. Além disso, ainda em relação a baciloscopia, não pode-se deixar de destacar que 34 (26,37%) casos foram ignorados no Datasus/Sinan, ou seja, estes dados não foram preenchidos na ficha de notificação. Resultados muito mais expressivos foram encontrados no estudo de Melão et al.13, em que 98,1% dos casos apresentaram-se ignorados. Assim, questionou-se se os médicos estão sabendo usar essa ferramenta para o diagnóstico ou se os profissionais responsáveis em preencher as fichas de notificação estão deixando esse campo em branco devido à falta de tempo, falta de conhecimento frente à evolução do paciente e/ou falta de interesse. Na maioria dos casos, 53 (41,09%), não houve notificação em relação ao número de nervos afetados nos pacientes com hanseníase; 43 (33,33%) pacientes não apresentavam nenhum nervo comprometido, 13 (10,08%) casos estavam com dois nervos afetados, 7 (5,43%) casos cada com um e quatro nervo(s) afetado(s), 5 (3,88%) com três nervos comprometidos e 1 (0,78%) caso com 5 ou mais nervos afetados. Esses dados são muito semelhantes aos encontrados por Mello, Popoaski e Nunes7: 61,4% da população estudada foram ignorados e 28,1% não apresentavam nenhum nervo afetado. A demanda espontânea foi o modo de detecção mais presente no ExtremoOeste Catarinense, com 64 (49,61%) casos seguidos do encaminhamento, 32 (24,81%), exame de contatos, 14 (10,85%), outros modos, 5 (3,88%) e exame de coletividade, 3 (2,33%) casos. Também, 11 (8,53%) casos não estavam preenchidos na ficha de notificação no Datasus/Sinan. 52 Como demanda espontânea entende-se que os casos chegam sem a realização de busca ativa, ou seja, o paciente procura o serviço de saúde após o aparecimento de uma lesão de pele ou outros sintomas característicos, como perda de chinelo e perda de sensibilidade, e não por meio da divulgação da doença na comunidade. A demanda espontânea também foi predominante em outros estudos9,68. Esses resultados sugerem que a busca ativa e o exame dos contatos são pouco implementados nos serviços de saúde dos municípios. Esse número baixo de contatos investigados também foi encontrado em outro estudo66, no qual se observou que o número de busca ativa nos contatos não está relacionado com o grau de endemicidade e a distância entre os Estados do país. Uma explicação que possa ter contribuído para esse resultado nos contatos investigados pode ter sido pela falta de acompanhamento no banco de dados, já que o atendimento na demanda espontânea torna-se prioridade nas UBS. Nesse caso, a falta de tempo e/ou excesso de atribuições dos profissionais podem estar relacionados a esse resultado. Entretanto, ao relacionar a demanda espontânea com a forma clínica, percebese que os pacientes só estão procurando o serviço de saúde após a polarização para as formas mais graves e contagiosas da doença (HD e HV), o que pode contribuir para a manutenção do ciclo de transmissão da doença, além da realização de um tratamento mais demorado e invasivo. Nesse caso, o atraso na detecção de pacientes classificados como Dimorfos e Virchowianos é um fator preocupante, pois, além de serem as formas contagiantes da doença, quando não tratados, podem levar ao acometimento neurológico, ocorrência das lesões incapacitantes e transmissibilidade da doença68. Esse baixo percentual de contatos investigados aponta a necessidade de intensificação das ações de vigilância epidemiológica, contribuindo ao diagnóstico precoce e evitando o acúmulo de casos não detectados57. 53 5.2 PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA 5.2.1 Perfil dos Pesquisados Os profissionais dos 21 municípios que aceitaram participar do estudo tiveram por finalidade responder ao objetivo proposto nesta pesquisa: Compreender as estratégias para a assistência e o cuidado ao paciente hansênico, sob a perspectiva dos profissionais da Atenção Básica. Realizaram-se entrevistas com, pelo menos, um profissional responsável do setor de Epidemiologia do município, além de outros profissionais da equipe que desejassem participar do estudo. Nesse caso, os profissionais participantes foram técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos, finalizando 31 entrevistas. Nos indicadores individuais desses profissionais, foi analisado sexo, idade, município onde trabalhava, profissão e setor onde atuava. A maioria era do sexo feminino (27/87,10%), com idade entre 25 e 35 anos (14/45,16%) e profissão de enfermeiro e técnico de enfermagem. Um estudo realizado por Helene et al.69 também apresentou resultados semelhantes a esse, sendo a maioria enfermeiros e técnicos de enfermagem e com menor número de médicos entrevistados. Em relação ao setor de atuação, todos atuavam na Atenção Básica; contudo, alguns acumulavam responsabilidades entre o setor de Epidemiologia e a Estratégia da Saúde da Família (ESF), ocasionando, em certas situações, sobrecarga de funções, em que a demanda espontânea é prioridade nas Unidades de Saúde e a parte burocrática da Epidemiologia fica para um segundo momento. 54 5.2.1.1 Diagnóstico e Acompanhamento Médico A primeira pergunta da entrevista foi feita especificamente ao atendimento médico, com o intuito de saber como realizaram o diagnóstico e acompanhamento dos contatos (familiares e pessoas próximas). O Quadro 7 sintetiza essa abordagem. Categorias de análise 1. Diagnóstico e Acompanhamento pelos médicos Subcategorias Evidências Identificadas 1.Contatos (Familiares e - Investigação pessoas próximas) - Encaminhamento 2.Como é feito e como - Exames laboratoriais deveria ser feito Quadro 7 – Profissionais da Atenção Básica – Diagnóstico e Acompanhamento pelos médicos Fonte: a autora. Os resultados obtidos evidenciaram que o diagnóstico e acompanhamento dos contatos realizados pelos médicos entrevistados é através do exame clínico por meio dos sinais e sintomas e realização de baciloscopia ou biópsia da lesão quando há uma suspeita. Alguns médicos encaminham todas as suspeitas para um médico de referência na área: Primeiro de tudo a gente investiga, pela consulta médica normal, avalia manchas na pele, paresias, parestesias, e aí a gente faz a baciloscopia e depois é encaminhado para a Dermatologista de referência de Herval do Oeste. De lá, de acordo com a avaliação dela, mesmo com baciloscopia negativa, algumas vezes ela solicita uma biópsia que a gente acaba realizando aqui mesmo, e a gente vai acompanhando o tratamento do paciente. (1) O diagnóstico é feito pelo exame físico. (29) A investigação nos contatos deve ser feita em toda e qualquer pessoa que resida ou que tenha residido com o doente nos últimos cinco anos31, por meio da presença de manchas suspeitas, bem como orientações. A Portaria do Ministério da Saúde n. 3.125, de 7 de outubro de 2010, define que na investigação deve-se realizar o exame dermatoneurológico de todos os 55 contatos intradomiciliares dos casos novos detectados, independentemente da classificação operacional e repassar orientações sobre o período de incubação, transmissão e sinais e sintomas precoces da hanseníase31. Os casos de encaminhamento para os serviços de referência devem ser realizados em situações com intercorrências clínicas, reações adversas ao tratamento, reações hansênicas e necessidade de reabilitação cirúrgica, além de dúvidas no diagnóstico e na conduta31. O diagnóstico de hanseníase é totalmente clínico, 100%, logicamente tem testes que é feito como a biopsia, só que é mais para esclarecer e determinar qual o tratamento, classificar as duas linhagens de tratamento, então tem que ter olho clínico mesmo para esse diagnóstico. (12) A baciloscopia de pele realizada por esfregaço intradérmico deve ser feita como exame complementar para a classificação dos casos PB ou MB, sendo esta geralmente positiva nos casos MB, independentemente do número de lesões. O resultado negativo não exclui o diagnóstico de hanseníase31. A biópsia somente deve ser realizada em última situação, quando a baciloscopia for negativa e o médico não se convenceu desse resultado, pois é um exame bastante invasivo e requer instrumentos elaborados para sua realização. 5.2.1.2 Estratégias Uma das perguntas realizadas para os profissionais foi em relação ao tipo de estratégias que eles acham importante adotar para melhorar o diagnóstico da doença. O Quadro 8 resume as respostas obtidas. 56 Categorias de análise 2. Estratégias Subcategorias Evidências Identificadas - Busca ativa 1.Diagnóstico da doença - Capacitação de pessoas / Educação permanente - Difusão da informação - Diagnóstico precoce Quadro 8 – Profissionais da Atenção Básica – Estratégias Fonte: a autora (2016). Para realizar o diagnóstico da doença, os profissionais destacaram que a busca ativa é uma das estratégias mais eficazes para combater, controlar e diminuir os casos de hanseníase. Vejamos algumas manifestações que demonstram a realidade encontrada: Eu acredito que fazer mais a realização de busca ativa. Já é feito no momento que o agente faz a visita. No momento que ele percebe uma alteração na pele, uma mancha, ele já encaminha para a unidade. Mas em muitas vezes o médico trata como uma alergia, uma micose. Então como eu moro entre dois municípios que têm casos, alguma coisa está faltando para a gente chegar nesses diagnósticos. (27) Eu creio que a estratégia de busca ativa, fazer semanas de intensificação do ano e às vezes no dia a dia são várias doenças que a gente trabalha, e a gente acaba esquecendo um pouquinho da hanseníase. (25) A busca ativa faz parte do programa da OMS para eliminação da hanseníase, por meio da identificação dos sintomáticos dermatológicos nos serviços de saúde. Além disso, a busca ativa é uma forma de profilaxia em áreas de alta prevalência e também para o controle de abandonos e de comunicantes70. Sem dúvida, a busca ativa é uma estratégia muito importante no combate à doença, pois ela é capaz de identificar precocemente os casos na comunidade, detectar a doença na fase inicial (HI), identificar os casos de abandono ao tratamento e evitar o aumento de número de casos. A realização da busca ativa pode propiciar a diminuição de prevalência oculta, evitando a transmissão do bacilo, além de diminuir as chances de incapacidades físicas e deformações principalmente nos membros superiores e inferiores 70. Entretanto, somente a busca ativa não resolve o problema da hanseníase, mas ajuda a identificar os novos casos de forma mais completa; são necessárias ações, por meio da educação em saúde na população com abordagem clara, simples e 57 objetiva do tema e a expansão da cobertura no atendimento acarretando na capacitação dos profissionais atuantes na área. Alguns profissionais falaram da importância da realização de mais capacitações, realizadas nas UBS com toda a equipe, além da difusão da informação à comunidade: Acredito que, havendo maior número de capacitação de pessoas, importante em virtude da pequena quantidade de casos que têm justamente para a gente ficar mais a alerta a possíveis casos que possam escapar ao diagnóstico. (23) Mais trabalho de divulgação para a população e os profissionais estar empenhado para desenvolver essas atividades, porque as pessoas, a grande maioria, não têm conhecimento […]. Vejo que melhorou essa parte de divulgação de esclarecimento sobre o que é a hanseníase, mas ainda falta empenho da parte profissional e divulgação na verdade. (5) Acho que primeiro tem que existir uma difusão da informação relacionada à hanseníase, o que é sinais e sintomas que as pessoas possam apresentar, como a diminuição da sensibilidade, alterações de manchas na pele, perde de sensibilidade em dedos ou partes do corpo. No serviço de saúde, que a gente possa fazer uma importante anamnese, se fazer uma busca ativa. Se há lesões presentes fazer um teste de sensibilidade para ver se é somente uma lesão de pele ou não. (16) A educação permanente em saúde, é uma estratégia essencial à atenção integral humanizada e de qualidade, ao fortalecimento do SUS e à garantia de direitos e da cidadania. Dessa forma, as práticas de educação em saúde devem estar baseadas na política de educação permanente e na política nacional de promoção da saúde31. O processo de eliminação da doença envolve campanhas de prevenção e tratamento da hanseníase em UBS, com ações descentralizadas e por meio de ações político-administrativas do Estado71. Devem ser estimuladas campanhas para que os portadores percam o preconceito, permitindo a ampliação do acesso ao tratamento e aperfeiçoamento no diagnóstico da doença60. Essas estratégias permitem que o diagnóstico precoce ocorra, pois, quando a hanseníase é diagnosticada tardiamente, as sequelas podem se tornar mais evidente, dificultando a aceitação da doença, até mesmo dos próprios portadores, e abandonando ou se recusando em realizar o tratamento 9. 58 A primeira coisa seria o diagnóstico precoce, geralmente o diagnóstico é tardio, então às vezes o paciente está com uma mancha e vai direto para o dermatologista ou então o clínico não se toca e manda para o dermatologista, não faz biópsia, aí trata, melhoram as reações, mas a doença fica. E, às vezes, quando o paciente chega, está dominado, está cheio de bacilos então geralmente é isso que acontece. O diagnóstico seria o correto, o diagnóstico precoce porque os últimos que a gente teve foi tudo diagnóstico tardio. (30) É fundamental a realização de busca ativa através da educação no intuito de informar, esclarecer e educar a população. Também, é necessário investimento em treinamentos e atualização dos profissionais da área de saúde e educação, com o objetivo de melhor e mais cedo se diagnosticar a hanseníase. Ações em saúde são importantes instrumentos de controle da hanseníase para eliminar falsos conceitos relativos à contagiosidade da doença, à incurabilidade e à necessidade de regime de isolamento ao seu tratamento. Também é importante orientar quanto à importância do exame periódico dos contatos, bem como incentivar a apresentação voluntária de doentes e contatos, proporcionando atenção individualizada46. 5.2.1.3 Medicamentos É de responsabilidade da UBS disponibilizar o tratamento completo PQT para cada caso conforme faixa etária e classificação operacional, sendo o MS responsável pela programação, aquisição e distribuição nacional dos medicamentos, com participação das Secretarias Estaduais de Saúde31. Sobre a disponibilidade dos medicamentos (PQT) utilizados para o tratamento da hanseníase, os profissionais explicaram que os medicamentos nunca faltaram, mas, por ser um medicamento considerado complexo, deve ser solicitado ao Estado, por intermédio da Regional de Saúde de São Miguel do Oeste, via protocolos de solicitações que, após aprovação, são encaminhados ao município. O Quadro 9 sintetiza os resultados encontrados nesta categoria. 59 Categorias de análise 3. Medicamentos Subcategorias 1.Disponibilidade 2.Tratamento Evidências Identificadas - Papel do Ministério da Saúde - Papel do Regional de Saúde - Não sabiam Quadro 9 – Profissionais da Atenção Básica - Medicamentos Fonte: a autora. Vejamos algumas respostas dos profissionais sobre a disponibilidade dos medicamentos utilizados para hanseníase: Quando a gente teve paciente, sempre houve medicamento disponível. Sempre teve uma acessibilidade com o pessoal do regional, e sempre que a gente solicitou foi enviado para nós. (25) Sim, desde que eu trabalho aqui a gente nunca teve dificuldade para conseguir a medicação, épocas anteriores quando se tinha muitos pacientes nós tínhamos certa quantia em estoque de medicamento no município e hoje os últimos casos que a gente teve, você faz uma solicitação prévia junto à Regional de Saúde e, graças a Deus, nunca faltou medicamento. (18) Contudo, houveram manifestações contrárias também o fato de não saberem se há disponíveis os medicamentos para o tratamento remete-nos a pensar nas mudanças políticas locais e a constante inversão de prioridades de cada novo governo, o qual desestrutura alguns serviços e programas de saúde nos municípios. Esse fato também pode estar relacionado à falta de profissionais qualificados que não atuam com interdisciplinaridade em seu local de trabalho. As UBS precisam estar preparadas para atender os pacientes, oferecendo o necessário para que eles tenham boa qualidade de vida. As necessidades, muitas vezes, estão voltadas apenas ao interesse e cuidado com o paciente, através de um diálogo informal, que possibilite ao doente bem-estar. 60 5.2.1.4 Controle Devido à hanseníase ser uma das 35 doenças de notificação compulsória em todo o território nacional, deve-se examinar todo caso suspeito e, uma vez confirmado o diagnóstico, proceder à investigação epidemiológica e à adoção das medidas de controle de acordo com a normatização do MS e/ou da Secretaria de Estado da Saúde72. Conforme a Portaria n. 1.073/GM, de 26 de setembro de 2000, estabelecida pelo MS, a implantação das ações de controle da hanseníase em todas as UBSs é a principal diretriz para o alcance da meta de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, sendo que as atividades de controle da hanseníase devem ser implantadas em toda a Rede de Serviços de Saúde, para que a população tenha acesso à atenção integral, de acordo com suas necessidades73. Os profissionais das UBSs têm por responsabilidade executar as ações de controle da hanseníase, que estão relacionadas à busca ativa, acolhimento/suspeita diagnóstica, diagnóstico, tratamento, exame dermatoneurológico, investigação de reações hansênicas e recidivas, encaminhamentos, vacinação dos contatos e notificação dos casos, orientações sobre a doença, autocuidados, divulgação dos sinais e sintomas e reabilitação física e psicossocial31,73,74. No quesito controle da hanseníase na área da Atenção Básica dos municípios, observou-se basicamente que o controle está sendo realizado a partir das estratégias já evidenciadas na categoria Estratégias (Quadro 10). Categorias de análise 4. Controle Subcategorias 1. Atenção Básica Evidências Identificadas - Orientações - Busca ativa - Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) - Não realizam controle Quadro 10 – Profissionais da Atenção Básica - Controle Fonte: a autora. O controle que a maioria dos municípios realiza está de acordo com o PCH, o qual subsidia recomendações que vão desde a promoção até a análise da efetividade das intervenções, que é fundamental para as manobras de efetivação da doença. 61 Algumas respostas encontradas estão voltadas para a busca ativa, orientações e atuação dos ACS. O trabalho que a gente mais utiliza para o controle da hanseníase são os Agentes Comunitários da Saúde [...]. (7) A gente faz a busca ativa através das Agentes de Saúde, na unidade de saúde e sempre temos um bom diálogo onde repassamos o que está acontecendo para as equipes. (25) O estudo realizado por Moreno, Enders e Simpson75 também demonstrou que as equipes da ESF trabalham em conjunto com os ACS, fortalecendo as ações de controle da hanseníase. Os ACS são considerados a ponte entre a Unidade de Saúde e o paciente, permitindo conhecer os indicadores de saúde. Através das orientações, busca ativa, caso há algum caso suspeito, a gente solicita a baciloscopia. (4) A gente faz controle intradomiciliar quando descobrimos que o paciente tem a doença, é feita uma busca ativa e é feita uma avaliação nos contatos, com as pessoas que moram com ele e nos vizinhos. (30) As ações de busca ativa, principalmente dos contatos intradomiciliares, constituem uma ferramenta útil no controle da doença, pois, através deles, possibilita diagnosticar e tratar precocemente os casos novos, reduzindo o risco de transmissão da doença68. Para o controle e eliminação da hanseníase, a vigilância dos contatos constitui uma das medidas para detecção precoce dos casos; para fins operacionais, deve-se considerar como contato intradomiciliar toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido nos últimos cinco anos com o doente, o qual deve ser submetido a exame dermatoneurológico e receber orientações sobre a doença, bem como receber uma dose da vacina BCG intradérmica em contatos sem ou com uma cicatriz vacinal. Em contatos com duas cicatrizes de BCG não deve-se realizar nenhuma dose da vacina76. O que chama atenção nessa categoria é o fato de que alguns municípios não realizam nenhum tipo de controle na Atenção Básica para combater a hanseníase, o que é muito preocupante, já que o controle é a base para a erradicação da doença em determinada área de atuação: A gente não faz, não tem nenhuma atividade específica para isso. (21) 62 A gente não faz nenhuma busca ativa no momento, ano passado começou a Campanha Nacional de Hanseníase, Verminose, Tracoma e Esquistossomose, estamos trabalhando nisto. (26) Segundo Mencaroni6, “a ausência de busca ativa de casos novos pode traduzir o silêncio epidemiológico e retratar uma nova realidade epidemiológica preocupante”. Para Helene et al.69, a não realização de busca ativa no município de atuação dos profissionais causa preocupação e questionamento sobre a situação dos casos ativos de hanseníase naquela localidade, ainda mais quando esses profissionais apresentam capacitações, como é o caso que será tratado mais adiante. Nessas situações, pode-se dizer que a não realização de controle no município evidencia o não cumprimento do PCH preconizado pelo MS 75, contribuindo para a manutenção da cadeia de transmissão. Por isso, devem-se implantar políticas públicas eficientes por meio da educação permanente; dessa forma, diminuindo a prevalência da doença, reduzindo a taxa de abandono, ampliando o acesso ao tratamento e melhorando a qualidade de atendimento11. 5.2.1.5 Acompanhamento Devido à hanseníase ser considerada uma doença de notificação compulsória em todo o território nacional e de investigação obrigatória, ela deve ser notificada utilizando-se de ficha de notificação e investigação presente no Datasus/Sinan. Após a confirmação do diagnóstico da doença, os pacientes devem ser acompanhados a cada 28 dias com duração variável, dependendo do tipo de tratamento 31. A demonstração e a prática de autocuidado devem fazer parte das orientações de rotina feita pelos profissionais da Atenção Básica, sendo recomendada a organização de grupos de pacientes e familiares ou de pessoas de convivência do paciente que possam apoiá-lo na execução dos procedimentos recomendados31. Nesse caso, foi perguntado aos profissionais sobre o acompanhamento feito pelo município aos casos de ocorrência de reações hansênicas nos pacientes, no 63 período pós-tratamento, e a maioria dos profissionais respondeu que acompanhava os pacientes quando eles compareciam à UBS (Quadro 11). Categorias de análise 5. Acompanhamento Subcategorias Evidências Identificadas 1.Reações Hansênicas - Vínculo com o paciente pós-tratamento - Visita domiciliar - Não tem acompanhamento Quadro 11 – Profissionais da Atenção Básica – Acompanhamento Fonte: a autora. Uma explicação para esse fato é que grande parte dos municípios é considerado de pequeno porte, com menos de 15 mil habitantes, facilitando a criação de vínculos. Como é um município pequeno, geralmente acaba criando vínculos. Esses pacientes vêm tomar medicação supervisionada na unidade e, durante todo esse período, a gente já vai fazendo esse trabalho de conversar com eles. (25) É mantido o acompanhamento pelo setor epidemiológico, os pacientes fazem um vínculo com esse setor. Qualquer alteração que eles têm, eles vêm ao encontro e eles sabem que podem aparecer qualquer alteração. Não é feita nenhuma busca ativa quanto à reação hansênica. (29) As UBSs precisam criar estratégias para monitorar a ocorrência das reações hansênicas pós-tratamento, pois, nesses casos, o paciente não tem mais um acompanhamento mensal, como é feito durante o tratamento da PQT, e muitas vezes o paciente fica sem saber o que fazer. Por isso, é necessário realizar orientações após o término do tratamento, explicando eventuais situações que ainda podem ocorrer. O PCH recomenda o monitoramento de pessoas que apresentam episódios reacionais, visto que estas podem evoluir com piora das funções neurais e complicações. Nesse caso, a avaliação sistemática dos pacientes em pós-alta deveria fazer parte da rotina da UBS, já que o adequado manejo dessas pessoas é o que determinará a prevenção de complicações, redução de custos com reabilitação e melhora da qualidade de vida77. A gente pede que eles venham a cada tempo, que não pode passar de 6 meses, para nós estarmos fazendo uma nova avaliação com eles. E este paciente vem seguido até aqui na unidade, então não perdemos esse contato. (27) 64 Temos aqueles pacientes que a gente sabe que tiveram a doença, pois está registrado no prontuário, então, sempre que consultam, nós questionamos, mas não temos aquele acompanhamento de visita domiciliar. (19) Uma avaliação realizada em Minas Gerais demonstrou que, após 18 anos do início do tratamento com PQT, 10,2% das pessoas curadas apresentavam episódios reacionais caracterizando o longo período de evolução dessa doença, que deve ser acompanhada por toda vida pelos profissionais de saúde78. Corrêa; Ivo e Honer65 explicam que todos os pacientes hansênicos após o tratamento e alta devem passar por uma avaliação neurológica, pelo menos, três vezes ao ano, com a finalidade de diagnosticar episódios reacionais e recidivos da doença. O monitoramento pós-alta deve fazer parte da rotina dos serviços de saúde, pois o comprometimento da função neural e o aparecimento de reações hansênicas comumente ocorrem após a PQT, sendo fatores determinantes para levar a incapacidade e/ou deformidades nesses pacientes77. 5.2.1.6 Capacitações profissionais e recursos financeiros As capacitações realizadas aos profissionais de saúde servem para que eles possam assumir as ações de controle da hanseníase em nível municipal. Dessa forma, os treinamentos deveriam aumentar o conhecimento dos profissionais sobre a patologia, tornando-se capazes de diagnosticar e tratar a doença, prevenir as incapacidades físicas e motoras e evitar o surgimento das formas mais graves da doença75. Sobre esse assunto, o Quadro 12 sintetiza as respostas encontradas dentre os profissionais entrevistados. 65 Categorias de análise Subcategorias Evidências Identificadas 6. Capacitações profissionais e Recursos financeiros 1.Treinamento e capacitações dos profissionais 2. Financiamento investido - Aprende no dia a dia - Repassam para os ACS - Capacitações promovidas pela Regional de Saúde - Não sabem o financiamento investido Quadro 12 – Profissionais da Atenção Básica – Capacitações profissionais e Recursos financeiros Fonte: a autora. Em 2000, o MS criou as Diretrizes Nacionais para a Elaboração de Programas de Capacitação para a Equipe de Saúde da Rede Básica, com o objetivo de implementar ações de controle da hanseníase, já que havia necessidade urgente de cobertura dessas ações em todas as UBSs dos Estados e municípios endêmicos27. De acordo com a OMS79, a qualidade dos serviços prestados é baseada na capacitação adequada dos profissionais, isto é, a busca pela qualidade pressupõe a disposição da equipe para efetuar mudanças, melhorando as habilidades e o funcionamento dos serviços de saúde em que atuam. Acredita-se que os profissionais em saúde, após a realização de capacitações, estejam preparados para o enfrentamento das doenças, especialmente daquelas que apresentam agravos significativos, como é o caso da hanseníase. Neste estudo, grande parte dos profissionais entrevistados participam das capacitações promovidas pela Regional de Saúde, sendo esta realizada aproximadamente a cada dois anos. De acordo com as falas abaixo, geralmente um ou dois profissionais participam das capacitações e depois repassam aos demais profissionais da equipe nas reuniões semanais ou quinzenais. Todas as capacitações que a Regional faz a gente sempre vai, a não ser que teve uma que era uma orientação que a gente não foi porque a gente não sabia. (20) Teve uma capacitação no ano passado, então como eu sou da parte da epidemiologia, eu, um médico e um bioquímico que participou. Já participei de várias capacitações antes também, sempre que tem eu vou. (27) As últimas capacitações que a gente teve aqui, que nós profissionais participamos, foi do Ministério da Saúde, na Gerência de Saúde em São Miguel do Oeste, a gente não teve participação de médico, infelizmente, foi só a participação de enfermeiro. (18) 66 A interdisciplinaridade parece estar presente neste caso, com vários profissionais trabalhando juntos e complementando as ideias para um bem comum, o diagnóstico da hanseníase: Tivemos em São Miguel uma capacitação que a gente e o médico foi junto; a gente acaba trabalhando junto com eles, tanto que o exame dermatoneurológico a gente sempre faz junto, não faz só o médico; a gente trabalha os contatos e os pacientes, se o médico está atento e ficou com dúvidas ele nos chama, a gente faz junto a avaliação; a gente vê faz o exame dermatológico, depois diante disso a gente faz a baciloscopia, se nada disso ser suficiente e ainda tivermos com dúvidas nós fizemos biópsia, vai do menos invasor para o mais invasor. (20) Para Loch-Neckel et al.80, os serviços de saúde, na sua maioria, atuam de forma multidisciplinar, em que os profissionais permanecem com suas práticas individuais, distanciando-se do trabalho interdisciplinar. Um dos principais fatores que dificultam essa prática interdisciplinar no trabalho das equipes é a formação dos profissionais de saúde, que privilegia o trabalho individual em relação ao coletivo, prejudicando a interação da equipe e aplicação de práticas necessárias. De modo geral, os treinamentos e capacitações geralmente são avaliados de forma positiva pelos profissionais participantes75. Por isso, a capacitação de pessoal é fundamental para preparar os profissionais na identificação de manchas suspeitas, bem como a realização de exames dermatoneurológicos e complementares, como a baciloscopia, que podem contribuir para o fechamento do diagnóstico. Na unidade foram feitos trabalhos com as agentes de saúde, onde foi explicado sobre a doença e cursos para os profissionais pela regional de saúde. (25) […] você aprende o que tem que fazer, quando já se tem uma noção pela capacitação, mas aprender mesmo é quando o paciente está aqui, a realidade. (17) Pereira et al.46 explicam que a melhoria na assistência às necessidades da população é influenciada pelo número de capacitações que os trabalhadores de saúde participam. Isso porque os processos educativos são fundamentais nos serviços de saúde por meio de processos que não criticam os problemas encontrados na prática profissional, mas que contribuem para chegar à essência das questões, melhorando na compreensão dos fenômenos que ocasionam tal situação. 67 Apesar da maioria não saber sobre os recursos financeiros investidos na hanseníase, por não ser um assunto diretamente relacionado ao cotidiano dos profissionais, é de fundamental importância que eles saibam de onde vem e quanto é esses recursos, pois através deles é possível implementar estratégias educativas diferentes para conscientizar a população dos seus sintomas e riscos. Nesse caso, os administradores de saúde precisam conhecer o quadro epidemiológico da sua cidade e elencar ações de acordo com as prioridades de sua população, levando em consideração os recursos financeiros disponibilizados. Os investimentos financeiros devem ocorrer para melhorar a qualidade de vida dos hansenianos durante e após a alta medicamentosa por meio de medidas que favoreçam a prevenção de deficiências e de técnicas de reabilitação baseadas na comunidade81. 5.2.1.7 Medicamentos nas Reações Hansênicas Outra categoria investigada aos profissionais da Atenção Básica voltou-se aos medicamentos utilizados para tratar as reações hansênicas. Nesse caso, foi questionado aos profissionais se os medicamentos para tratar as reações hansênicas são os mesmos medicamentos utilizados para tratar a doença. O Quadro 13 resume os resultados encontrados. Categorias de análise Subcategorias 7. Medicamentos nas 1. Tipos de medicamentos reações hansênicas Evidências Identificadas - Não lembram / Não sabem - Corticoides e anti-inflamatório Quadro 13 – Profissionais da Atenção Básica – Medicamentos nas Reações Hansênicas Fonte: a autora. Vejamos a resposta de um(a) enfermeiro(a): Não, totalmente diferente. Para as reações, o doutor usa muito a prednisona que é um corticoide e a talidomida que é uma medicação anti-inflamatória. A talidomida ela é uma medicação muito eficaz, mas 68 complicada […], não é pra toda mulher que você pode fornecer, tem mulheres que não podem tomar talidomida a não ser que apresente um teste de gravidez todo mês. Para o homem é mais tranquilo então trata com talidomida, a mulher acima dos 50 ou que esteja na menopausa também não tem problema, agora a que está em período fértil é que tem que ter um controle maior então as vezes têm médico que tenta outra medicação, um outro corticoide, outro antialérgico sem ser a talidomida, um outro anti-inflamatório pra ver se dar certo, se não tem condições e não melhora então entra com a talidomida, mas o paciente tem que estar muito bem orientado. (30) Os medicamentos utilizados para tratar as reações hansênicas não são os mesmos utilizados para tratar a doença. Nesse caso, o tratamento da reação hansênica tipo 1 é a base de corticoide, principalmente prednisona. Já para a reação hansênica tipo 2, utilizam-se talidomida e corticoide, pois necessitam combater efeitos mais agressivos ao corpo. A talidomida é um medicamento com ação anti-inflamatória no eritema nodoso na hanseníase e atividade moduladora da resposta imunológica, ou seja, controla os efeitos causados pelo sistema imunológico no combate ao bacilo de Hansen82. A prednisona proporciona potente efeito anti-inflamatório, antirreumático e antialérgico no tratamento de doenças que respondem a corticosteroides. Ela é muito utilizada para tratar doenças dermatológicas, como é o caso da hanseníase 83. Alguns profissionais não sabiam informar sobre os medicamentos: Não tenho ideia. (21) Não lembro, mas acho que não. (14) Não sei te dizer. (15) Uma explicação para esses casos pode estar relacionada à falta de sensibilização da equipe e/ou o escasso conhecimento dos profissionais de saúde sobre o assunto68. Esses aspectos dificultam a relação profissional/paciente, o que pode acarretar sérios problemas no acompanhamento do tratamento, como abandono do tratamento ou uso inadequado dos medicamentos. É importante que os profissionais de saúde tenham conhecimento das medidas de profilaxia, avaliação e tratamento, a fim de evitar o número crescente de pessoas infectadas. Isso leva à reflexão sobre a diversidade de fatores envolvidos na detecção 69 de novos casos, como a capacitação de recursos humanos e o nível de acesso às informações sobre a doença pelos meios de comunicação60. 5.2.1.8 Dificuldades A última pergunta feita aos profissionais voltou-se às considerações gerais sobre a hanseníase, enfatizando aspectos importantes na informação e/ou aprofundamento sobre algum assunto previamente respondido. Ao analisar essas respostas, percebeu-se que todas estavam voltadas às dificuldades que os profissionais apresentam nas UBSs. Nesse caso, essa categoria realizada voltou para as dificuldades de modo geral e também ao diagnóstico da hanseníase. O Quadro 14 demonstra essas evidências. Categorias de análise 8. Dificuldades Subcategorias Evidências Identificadas 1.Dificuldades em geral 2.Dificuldades no diagnóstico - Sobrecarga - Acompanhamento de casos encerrados - Interesse na investigação - Falta de comprometimento - Falta de profissionais - Pouco conhecimento - Mais tempo para fazer busca ativa - Falta de instrumentos específicos para os testes - Capacitação de toda a equipe - Falta de referência - Patologia que não se vivencia diariamente - Adesão do paciente Quadro 14 – Profissionais da Atenção Básica - Dificuldades Fonte: a autora (2016). De acordo com Helene et al.69, o processo de constituição e funcionamento das equipes de saúde não possibilita, eficientemente, maior abrangência com controle da hanseníase. Isso porque, nos serviços de saúde, existem vários profissionais, de 70 diferentes categorias, que realizam ações isoladas, muitas vezes, sem articulação e sem comunicação. As falas seguintes demonstram claramente a colocação feita por Helene et al.69: A gente sabe que a hanseníase é diagnóstico clínico, mas a gente sente dificuldade dos médicos em reconhecer isso. Eles têm necessidade de ter um exame que diga isso, por isso, às vezes, eles fazem biópsia sem necessidade. (28) Sim, na verdade eu exerço duas funções, sou técnica, e estou no setor de epidemiologia, então muitas vezes a epidemiologia fica um pouco de lado, porque tem as outras coisas para fazer, que é prioridade, que você não pode deixar de lado, é algo complicado, e se formos analisar os médicos não estão nem aí para a epidemiologia. (3) O trabalho desenvolvido pelos profissionais, em alguns municípios, está relacionado à estrutura e à forma de organização dos serviços de saúde. Os serviços de saúde de menor complexidade não estão organizados para realizar as ações contidas no PCH. Geralmente, os profissionais acolhem ou fazem a identificação dos casos suspeitos de hanseníase em sua rotina de trabalho e realizam o encaminhamento dos casos suspeitos aos serviços de saúde de maior complexidade; neste caso, para médicos de referência69. De acordo com Moreno, Enders e Simpson75, os enfermeiros atuam muito bem ante a hanseníase, mas os médicos têm preconceito e precisam se qualificar mais. Nestes casos, as principais dificuldades nas equipes de ESF estão voltadas para a falta de compromisso; deficiências na realização de campanhas educativas; grande rotatividade de profissionais e dependência de profissionais referências. A grande rotatividade dos profissionais das ESFs é um fator que contribui para a não realização de busca ativa, pois alguns apresentam dificuldades de fazer essa atividade devido à falta de tempo desencadeada pela sobrecarga de funções que ocorre em razão da rotatividade profissional75. Ainda sobre esse assunto, a rotatividade desses profissionais geralmente está associada à dependência de decisões políticas na designação e permanência nos locais de trabalho e à busca de condições de trabalho e salários melhores. Esses dois aspectos também contribuem para a falta de capacitação da equipe profissional. Nesse caso, os profissionais citaram a falta de tempo como uma das principais dificuldades encontradas nas ESFs: 71 Eu acho que a gente devia ter mais tempo para fazer busca ativa porque a gente teve dois casos em 2013 e 2014 provavelmente em 2015 a gente tenha também, a gente só não sabe onde está, [...], mas a gente tem uma demanda muito alta de pessoas para consulta aqui e a doutora não tem tempo para atender todos e as enfermeiras precisam ajudar e a gente não tem esse tempo para fazer essa busca ativa para se dedicar quanto a isso. (9) Talvez até tenha mais casos no nosso município, mas talvez o paciente não chegou até a gente ou nós não chegamos até eles. (24) [...] a maior dificuldade seria para eu sair e fazer a busca ativa, pois minha unidade é grande, tenho a sala de vacinas, tem consulta todo dia. E a médica tem um conhecimento sobre a doença. Então o que falta é essa disponibilidade para se dedicar. (8) A influência organizacional e estrutural do SUS, aspectos como a falta de profissionais em determinadas áreas ou avaliações muito demoradas com o especialista podem contribuir para manter o ciclo de contágio. Outras dificuldades importantes também foram evidenciadas pelos profissionais; dentre elas estão: falta de estrutura física e de kits para realização dos testes e de capacitações voltadas a todos os profissionais da equipe: A gente precisaria é um lugar maior para receber nosso paciente, para medicar eles e também para fazer os exames, as buscas, os testes, a gente tem uma sala pequena. Eles estão construindo um novo posto, uma nova Unidade e lá teremos uma nova sala, para os familiares também, para estar orientando e conversando. (2) Acho que daria para melhorar na questão de, talvez elaborar um treinamento específico para médicos ou enfermeiros que seja, por exemplo, em diagnóstico relâmpago; aparece algum caso de uma mancha alguma coisa, a gente não tem nada específico, por exemplo, um kit para que eu possa fazer um teste de sensibilidade, a gente tem que improvisar, a gente pega tubo de laboratório bota água quente, pega uma agulha, um pedaço de algodão. Isso ajudaria e estimularia a procura dentro da unidade de fazer, porque a gente vê a mancha, o paciente procura, acaba as vezes nem fazendo o teste por não ter essa disponibilidade. (10) Muitas vezes as capacitações são focadas, só para médicos, enfermeiro e bioquímico […], mas o que acho interessante, talvez, um dia, se a gerência, alguém viesse e passasse para toda a equipe, nesse sentido, daí acaba sendo um compromisso maior, porque acaba ficando com o compromisso quem foi fazer o curso, então a responsabilidade acaba ficando só comigo, mas é uma doença de saúde pública, qualquer funcionário da atenção básica poderia identificar, então trazer para a unidade de saúde, para os profissionais, onde todos tenham este comprometimento. (4) 72 No estudo realizado por Moreno, Enders e Simpson 75, a maioria dos profissionais entrevistados relatou estar preparada após as capacitações, para desenvolver as ações de controle da hanseníase, porém esses profissionais acham que os treinamentos são pouco frequentes e com poucas vagas. Os treinamentos, de modo geral, auxiliam o aprendizado dos profissionais, bem como a reciclagem de informações sobre a doença, sendo o meio mais eficaz de interação com a doença. A educação permanente é uma necessidade na prática cotidiana do profissional de saúde, já que a hanseníase é uma doença compulsória e precisa ser investigada. Sobre as dificuldades que os médicos apresentam no diagnóstico, perceberam-se três fatores principais: adesão do paciente, patologia não vivenciada e referência de fácil acesso: A dificuldade é o paciente mesmo […], a adesão é bem complicada, porque eles acham que tomando a medicação pode beber, como é um tratamento longo às vezes eles deixam de tomar os comprimidos porque vai tomar cerveja no final de semana, e isso prejudica muito o tratamento […], aí precisa chamar o paciente e explicar e, a gente precisa ficar sabendo de outra forma porque eles escondem isso da gente [...]. (12) A procura do próprio paciente, por ele ter muitas vezes receio de procurar. Tivemos vários casos que tínhamos os familiares orientados a procurar consulta e não vieram. Outros que fizeram exames e não queriam tomar remédios. A maior dificuldade foi a aceitação do paciente. O que falta um pouco, é que o médico da estratégia perde o contato com o paciente. (1) Quando a hanseníase é clássica e clara não é difícil diagnosticar, mas tem alguns casos de difícil diagnóstico e uma dificuldade que nós temos é a falta de uma referência especializada sabe, essa dificuldade a gente tem apesar de eu estar à frente desse programa há 8 ou 9 anos, tem participado de treinamentos e sempre que possível vou as reuniões, mas o estado não tem uma referência, mas o estado não tem uma referência de fácil acesso. (29) Segundo Monteiro et al.77, quase 95% das UBSs do país possuem alguma ação de hanseníase implantada; entretanto, a maioria dessas Unidades não oferece cuidados de prevenção e reabilitação adequados. Nesse caso, acredita-se que a ESF não garante efetivamente o acesso às ações interdisciplinares no que se refere ao cuidado com os doentes e ex-doentes de hanseníase68. Segundo Corrêa; Ivo e Honer65, as dificuldades relacionadas ao despreparo dos profissionais da área da saúde podem estar envolvidas a aspectos decorrentes da própria história da doença: isolada, segregada e afastada. 73 Olha, eu acho que a dificuldade maior é justamente ser uma patologia que a gente não vivência no dia a dia, então muitas vezes em função disso a gente pode deixar escapar o diagnóstico. (23) Percebe-se que, devido ao fato de a hanseníase não ser uma patologia vivenciada no dia a dia, ela acaba não sendo considerada uma questão prioritária, uma vez que os indicadores epidemiológicos do Estado de Santa Catarina evidenciam o alcance da meta de eliminação. Porém, deve-se voltar à região Extremo-Oeste, que apresenta o maior coeficiente de detecção do Estado. Há evidências de que muitos profissionais atuam de forma isolada, sem comunicação e fragmentada, sendo as ações de tratamento de incapacidades e educação em saúde pouco utilizadas pelos profissionais de saúde 69. É preciso quebrar a cadeia de transmissão da doença por meio do diagnóstico precoce. No entanto, os fatores que dificultam o diagnóstico da hanseníase estão nas fragilidades das UBSs em termos de resolubilidade dos problemas relacionados ao modelo assistencial, sobretudo no que se refere ao fluxo hierárquico para o atendimento e à falta de mecanismos de regulação de responsabilidades dos municípios, o que poderia explicar a deficiência na qualidade de assistência11,5. Muitos problemas ocorrem nas UBSs, tanto relacionadas à falta de profissionais e tempo hábil, descomprometimento da equipe, quanto à deficiência relacionada aos fatores operacionais na base de dados dos serviços de saúde. Todavia, esses aspectos não são desculpas para a não realização de busca ativa e a realização de educação continuada no município de atuação. Só depende de cada um assumir o compromisso com a prática diária, pois a hanseníase tem cura. 74 5.3 PACIENTES COM REAÇÃO HANSÊNICA 5.3.1 Perfil dos Pesquisados Dentre os 22 pacientes com reação hansênica no período pós-tratamento, 20 aceitaram participar da pesquisa, sendo a maioria (13/65%) do sexo masculino, condizendo com o resultado apresentado anteriormente, na pesquisa quantitativa, realizada neste estudo. A literatura65,57,9,62 demonstra variações entre as taxas de detecção entre os sexos, geralmente com predomínio no sexo masculino. Segundo dados da OMS, os homens são afetados com mais frequência do que as mulheres, na proporção 2:1 mundialmente59. Muitos estudos demonstram que o sexo masculino apresenta maior predisposição para o desenvolvimento da forma HV 62,57, o que também vai de encontro com esta pesquisa, na qual 15 (75%) casos foram diagnosticados com essa forma clínica e 100% dos casos com a classificação operacional MB, o que também já foi registrado em outro estudo62, mas não universalmente. Esse dado incrementa a proporção de pacientes com longos períodos de incubação, ocasionando um aumento no risco dessa categoria em desenvolver formas polares da doença por meio de mutilações desenvolvidas pelo tipo de trabalho realizado pelos homens57. O maior contato social entre homens e sua frequente exposição a ambientes de risco contribui para elevar o número de casos, ao considerar que a população economicamente ativa é a mais afetada4. Em relação à faixa etária, a maioria (12/60%) apresentava-se entre 56 a 75 anos. Esse resultado obtido na pesquisa qualitativa foi muito semelhante ao encontrado na pesquisa quantitativa deste estudo, o qual demonstrou predomínio acima de 51 anos. Outro estudo também obteve dados muito semelhantes ao nosso84. São Miguel do Oeste foi o município que apresentou maior número de pacientes com reação hansênica (10/50%), seguido dos municípios de Anchieta e Dionísio Cerqueira (25% e 15%, respectivamente). Os municípios de Mondaí e 75 Riqueza apresentaram 1 caso cada (5%). Entre os pacientes entrevistados, todos apresentavam baixa escolaridade, sendo a maioria (45%) com ensino primário incompleto. Essa variável é um indicador indireto de condições sociais e os resultados refletem a relevância desse aspecto para o controle da doença4. Outro estudo também foi evidenciado na literatura63. Para Lima e seus colaboradores62, a distribuição geográfica da hanseníase é maior nas áreas endêmicas e onde o padrão de vida é mais baixo. Resultados muito semelhantes foram encontrados por Miranzi, Pereira e Nunes9: 34% dos analisados (n = 455) apresentaram no máximo até a sexta série do ensino fundamental, o que pode dificultar as orientações sobre o tratamento e cuidados em geral. O autocuidado associado à escolaridade é um componente fundamental para o manejo da hanseníase; a pessoa afetada consegue assumir o controle de sua condição, muitas vezes com auxílio de familiares e dos profissionais da saúde 59. Infelizmente, a distribuição da hanseníase no Brasil é heterogênea e reproduz as desigualdades socioeconômicas entre várias diferentes regiões do país, inclusive a nossa, onde se confirma que a distribuição da doença está relacionada a fatores econômicos, sociais e culturais, auxiliando na propagação principalmente quando associados às más condições sanitárias e baixo grau de escolaridade, como se confirmou neste estudo4. Semelhante à pesquisa quantitativa realizada nesta pesquisa, um percentual de analfabetos (10%) também foi encontrado por Lima et al. 62, porém numa porcentagem muito mais elevada (32,10%), tornando-se um aspecto importante para a inserção no mercado de trabalho com consequente melhoria nas condições econômicas dessa população. A baixa escolaridade e a complexidade das orientações fornecidas aos hansenianos são fatores que devem ser considerados pelos profissionais antes de utilizar essas ações de orientação sobre a doença. Pereira et al.46 explicam que a falta ao acesso à educação facilita a exclusão no meio social, além de dificultar a adesão ao tratamento, muitas vezes relacionada ao próprio entendimento sobre a doença e suas complicações. Neste caso, pode-se dizer que a profissão está relacionada ao grau de estudo, pois, quando analisada a profissão dos pacientes, a maioria (5/25%) era agricultor (a) ou aposentado (a), assim como encontrado no estudo de Lima et al.62. Outras 76 profissões, como serviços gerais, pedreiro, do lar, papeleiro, motorista, comerciante e madeireiro, somaram 50% dos casos. Esses dados divergem com outros estudos59,84, que apresentaram maior número de pacientes com ocupação autônoma e em serviços gerais. Segundo Pereira et al.46, a baixa condição socioeconômica, refletida em condições de moradia precárias, falta de higiene e famílias numerosas que dividem pequenos espaços, facilita a relação do contato íntimo e prolongado entre os familiares. 5.3.1.1 Número de lesões e nervos Devido ao M. leprae, agente etiológico da hanseníase, ter afinidade pela bainha de mielina do nervo, suas manifestações clínicas iniciais baseiam-se essencialmente no exame neurológico da pele e feixes neurais periféricos22. Nesse contexto, a necessidade de interrogar o paciente nesta pesquisa sobre o número de lesões de pele e nervos afetados contribuiu para a investigação do tipo de classificação operacional em que o paciente apresentava, bem como a presença de incapacidades que dificultam na qualidade de vida dessa população. O Quadro 15 sintetiza as evidências observadas: Categorias de análise 1. Número de lesões e nervos Subcategorias 1. Lesões de pele 2. Nervos afetados Evidências Identificadas - Várias lesões espalhadas pelo corpo - Mais de 5 lesões - Nervos do braço, pernas, pés, dedos, mãos - Problemas de visão 77 Quadro 15 – Pacientes com Reação Hansênica – Número de lesões e nervos Fonte: a autora. A maioria dos pacientes (19/95%) relatou apresentar mais de cinco lesões de pele, o que representa a classificação operacional contagiante, isto é, a MB. Já sobre o número de nervos acometidos, 7 (35%) pacientes apresentavam três nervos comprometidos e o restante, 13 (65%), apresentavam menos de três nervos. Dentre os nervos mais afetados, os pacientes relataram que foram o mediano, fibular comum, tibial posterior e o trigêmeo. Não lembro, mas tinha muitas, mais de 5, era cheio de manchas nas costas e pernas. (P1) Umas trinta lesões. (P3) Há não lembro, não sei o corpo estava cheio de manchas. (P9) Um monte, nas costas, pernas braços, todo o corpo. Bem mais de seis lesões (P6) Tinha no corpo todo, mais de 6 lesões, bem mais. (P18) Tinha treze lesões. (P19) A classificação da hanseníase sempre é feita de acordo com o número de lesões na pele, proporcional à quantidade de bacilos que a pessoa desenvolve quando atingida pela doença. Nesse caso, as pessoas que desenvolvem poucos bacilos, isto é, com até 5 lesões de pele, são classificadas como Paucibacilares (PB). Outras pessoas que desenvolvem formas mais graves da doença devido à grande quantidade do bacilo, apresentando mais de 5 lesões de pele, são classificadas como Multibacilares (MB)85. Outros estudos na literatura também encontraram um elevado número de pacientes com cinco lesões ou mais, sendo classificados como MB46,84,68. A literatura aponta uma relação entre a incapacidade física acometida principalmente na classificação multibacilar com o atraso do diagnóstico de hanseníase, geralmente em mais de um ano68. Dos pés e das mãos, dedos. Agora com fisioterapia já posso fazer crochê, e os pés ainda hoje, perco o chinelo. Melhor é o tênis. (P4) 78 Desta vista aqui estou praticamente cega e essa outra enxergo bem pouco. A hanseníase também atingiu os nervos do joelho, porque para subir ali eu tenho que levar a perna de lado, mais que isso ela não dobra. (P15) Sim, os dois nervos do punho e do tornozelo. Eu sinto, mas estão formigados e quando gela dói mais. (P8) No estudo realizado por Monteiro et al.77, o grau de incapacidade por seguimento acometido evidenciou os nervos dos pés como as estruturas mais afetadas; em seguida, os nervos das mãos e olhos. Isso demonstra a necessidade de ações voltadas à longitudinalidade do cuidado, incluindo intervenções reabilitadoras e reparadoras pelos serviços de saúde. Para gestão esses resultados preocupam a região Extremo-Oeste, pois quase todos os pacientes entrevistados que apresentavam reação hansênica apresentavam também as formas mais agravantes da doença, além de ser a classificação que transmite a doença quando não tratada ou tratada tardiamente, permitindo sua disseminação. De acordo com o PCH, da Secretaria de Vigilância em Saúde do MS, recomenda-se aos profissionais de saúde que, para diagnosticar a hanseníase, é preciso examinar todo o corpo da pessoa, apalpar os membros (braços e pernas), fazer um bom teste de sensibilidade superficial da pele e avaliar se há perda da força muscular das mãos e pés69. A classificação MB, por ser mais agressiva, contribui para o acometimento dos nervos periféricos e, consequentemente, o aparecimento de incapacidades e/ou deformidades físicas, que diretamente influencia a vida social do doente, seja pela inserção no mercado de trabalho, seja pelo convívio familiar e social. Além disso, as deficiências e a limitação nas atividades tornam-se mais graves com o avançar da idade, independentemente do tipo de hanseníase. Por isso, os profissionais precisam estar preparados para esses cuidados futuros. 5.3.1.2 Forma de Diagnóstico 79 A categoria de análise seguinte demonstra as formas de diagnóstico dos pacientes envolvidos na pesquisa, através dos sinais e sintomas, baciloscopia e biópsia (Quadro 16). Nesse caso, os sinais e sintomas foram a principal forma de diagnóstico na população estudada (11/55%), seguida da baciloscopia (5/25%) e biópsia (4/20%). Categorias de análise 2. Forma de Diagnóstico Subcategorias 1. Sinais e sintomas 2. Baciloscopia 3. Biópsia Evidências Identificadas - Manchas na pele - Fizeram exame nas orelhas, cotovelos e joelhos - Enviado para biópsia Quadro 16 – Pacientes com Reação Hansênica – Forma de Diagnóstico Fonte: a autora. Os sinais e sintomas é a forma mais eficaz para a investigação da hanseníase, sendo as mais comuns manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou acastanhadas em qualquer parte do corpo, que podem ser lisas ou elevadas, bem como áreas da pele, mesmo sem manchas que não coçam, mas formigam ou pinicam e vão ficando dormentes, com diminuição ou ausência de dor, de sensibilidade ao calor, frio e toque85. No ano de 2001/2002, eu estava bem e começou a aparece. Morava na colônia e cortando pasto para as vacas, de repente eu vi sangue por toda a mão e notei que não estava mais sentindo as mãos. (P11) As manchas, por serem de fácil visualização, tornam-se uma forma simples para a investigação da doença, já que estas manchas podem aparecer em qualquer parte do corpo, sendo mais frequentes na face, orelhas, costas, braços, nádegas e pernas85. Na verdade foi assim, eu trabalhava aqui no posto e começou a sair umas manchinhas no rosto e tinha um médico aqui que todo dia pegava no meu pé e eu tinha vergonha porque achei que era mordida de mosquito, só que em trinta dias essas manchas não sumiu, e eu fui e deu que era a doença. (P10) Eu estava tomando uns comprimidos do posto e elas viram as manchas e me fizeram um exame nas orelhas, cotovelos e joelhos, deu positivo. (P1) 80 Outros sintomas também podem ser evidenciados, como engrossamento de certos nervos dos braços, pernas e pescoço, acompanhado ou não de dor; aparecimento de caroços ou inchaços no rosto, orelhas e mãos; perda dos pelos nas manchas e perda de cílios e sobrancelhas85. Comecei a perder o chinelo, e não sentir os pés, então fiz um exame que e deu positivo. (P13) Os dedos das mãos estavam amortecidos, depois inflamou, furou essa mão aqui, e daí esses dois dedos encolheram, depois saiu nessa, saiu uma úlcera, e esse dedo não faz um ano que está desse jeito, também estava encolhido, daí endireitou, fez um ano agora que eu fiz uma cirurgia em São Miguel, do nervo no braço. O exame das orelhas e dos cotovelos, comecei a fazer isso desde 2000, 3 ou 4 vezes em Beltrão, fiz aqui também para ver da hanseníase, fiz em São Miguel, em Florianópolis, mas sempre deu negativo as coisas, o que eles queriam não aparecia. (P8) Para Opromolla74, às atribuições do serviço básico de saúde que presta assistência a uma comunidade, para o controle da hanseníase, deve ser incluída a coleta de material de lesão cutânea e envio da lâmina para uma unidade de apoio para realização de exames baciloscópicos. A baciloscopia é um procedimento de fácil execução e de baixo custo, permitindo que qualquer laboratório da UBS possa executá-la, não devendo, porém, ser considerada como critério de diagnóstico da hanseníase86. Então era exames pra cá exames para lá e não sabiam o que era, então eu fui no postão de baixo e tinha uma guria lá que tiraram liquido das duas orelhas e dos dois cotovelo e deu positivo para a doença. (P16) Foi quando começou a inchar meus pés e começou a encher de bolha de água e saia o coro. Então eu achei estranho e fui consultar e a médica me disse que podia ser mas tinha que fazer um exame, eles tiraram o sangue das duas pontinha das orelhas e dos dois cotovelo. (P15) O período de tempo para a liberação do diagnóstico é de fundamental relevância ao monitoramento e controle da doença. Nesse caso, é evidente que muitos profissionais não se sentem preparados tanto para a realização dos procedimentos voltados a baciloscopia quanto para o diagnóstico clínico, fazendo-se 81 necessária, muitas vezes, a realização de técnicas extremamente invasivas, como é o caso da biópsia. A biópsia somente deve ser realizada em casos suspeitos, principalmente quando o exame de baciloscopia for negativo, sendo os serviços de referência responsáveis em disponibilizar os exames complementares na elucidação de casos de difícil diagnóstico31. Eu estava trabalhando e saiu uma bolinha em meu braço, tenho a cicatriz onde o médico tirou, e estava cada vez mais grande e eu achei que não era isso aí, então eu fui lá, ele cortou e levou 15 dias eles me falaram que era essa doença. Foi feito biópsia, tirado um pedacinho para fazer. (P7) Me deu uma mancha nas costas e primeiro eu sempre comprava uma pomada, até minha esposa foi em Caxias para resolver um problema de joelho e ele me deu uma pomadinha que iria resolver, nem pomada não adiantava, mandei benzer, mas dizem que se mandar benzer e não acreditar não funciona. Aí eu fui no médico [...], ele tirou uma parte da pele e fez biopsia, foi a Curitiba, aí ele me chamou lá e me disse que eu estava com hanseníase, pensei que negócio é esse, eu não sabia o que era a antiga lepra. (P17) É preciso lembrar que a UBS é a porta de entrada para todo e qualquer paciente, com suspeita ou não de hanseníase. Cabe aos profissionais da Unidade acolher, identificar e coletar as amostras dos casos suspeitos, para que não se perca a oportunidade da detecção e do rastreamento de novos casos 86. Apesar de o diagnóstico da maioria dos pacientes ter ocorrido através dos sinais e sintomas, no subtítulo Dificuldades, muitos pacientes relatam as dificuldades para serem diagnosticados e alguns tiveram esse atraso devido à baciloscopia ter sido negativa. Nota-se que muitos profissionais não estão preparados nesse sentido e esperam a positividade de algum exame complementar para poder confirmar o diagnóstico. Esse fato é preocupante, pois os profissionais precisam estar preparados para diagnosticar através do teste clínico por meio dos sinais e sintomas, e não se baseando somente na baciloscopia. 82 5.3.1.3 Tratamento O esquema poliquimioterápico, proposto pela OMS, em 1981, surgiu como método de tratamento para a hanseníase, através da combinação de três fármacos: dapsona, rifampicina e clofazimina1. O uso associado desses medicamentos evita a seleção de cepas resistentes do M. leprae, além de ocasionar a morte do bacilo. Neste caso, o bacilo morto é incapaz de infectar outras pessoas, rompendo a cadeia de transmissão. Por isso, logo após o início do tratamento, a transmissão do bacilo é interrompida, e, quando realizado de forma completa e correta, garante a cura da doença 87. Uma das perguntas realizadas aos pacientes voltou-se ao tratamento da doença: se eles realizaram algum tipo de tratamento, levando em consideração o tempo e o tipo de medicamento utilizado para tratar sua forma clínica da doença (Quadro 17). Categorias de análise 3. Tratamento Subcategorias 1. Tempo 2. Tipo de tratamento Evidências Identificadas - 1 ano - Comprimidos marrom/vermelho e branco - Cartela marrom/vinho Quadro 17 – Pacientes com Reação Hansênica – Tratamento Fonte: a autora. Os resultados obtidos evidenciaram que todos os pacientes fizeram o tratamento contra a hanseníase, por um período de 1 ano e com uma combinação de comprimidos que estavam em uma cartela de cor marrom/vinho. Eis algumas evidências encontradas: Sim, era trinta comprimidos, eu tomava cinco ou seis na primeira vez lá e depois tomava um por dia e depois voltava a cada mês pegar mais. (P16) Sim, no começo era um branco e vermelho tomei por um ano, depois passei para esse faixa preta (Talidomida). (P15) Sim, fiz por um ano, os comprimidos eram vermelho e a cartela era marrom, um vinho. (P19) 83 Sim, eram roxo e branco e tinha que tomar seis comprimidos junto com a enfermeira todo o mês. (P6) Figueiredo e Asakura88 explicam que orientações e distribuição gratuita da medicação não são suficientes para garantir a adesão ao tratamento. Nesse caso, é necessária a conscientização do paciente ante a necessidade de realizar autocuidados diários sobre a hanseníase, além de entender e conhecer o tratamento e favorecer um comportamento participativo. As evidências deste estudo deixam claro que os pacientes não sabem informar o nome do medicamento que faziam uso, mas lembravam da coloração do medicamento e como os comprimidos deveriam ser tomados. As estratégias de adesão ao tratamento devem ser simples e de fácil compreensão pelo paciente, evitando termos técnicos e nomenclaturas de difícil entendimento. A orientação profissional pode ser usada como um importante recurso na adesão e monitoramento do tratamento em pacientes com hanseníase, que causam grandes impactos na vida do indivíduo, pincipalmente naqueles que desenvolvem incapacidades/deformidades89. 5.3.1.4 Reações Hansênicas As reações hansênicas, também conhecidas como episódios reacionais, podem ocorrer antes, durante ou após o tratamento com PQT, sendo mais comum após a alta do tratamento. Essas intercorrências da doença são ocasionadas pelo sistema imunológico que reage para combater o bacilo de Hansen, evidenciando sinais e sintomas na pele e nos nervos acometidos do paciente. Para o MS, todo o paciente curado deve ser retirado das estatísticas oficiais, após a conclusão do tratamento adequando com PQT. Todavia, no Brasil, aproximadamente 23% dos pacientes hansenianos apresentam algum tipo de incapacidade, sequelas ou reação hansênica após a alta, devendo ser monitorados pela UBS90. 84 As pessoas que apresentam episódios reacionais após o término do tratamento são mais propensas a terem deformidades físicas, pelo fato de já estarem fora do registro e não serem mais acompanhadas77. Sobre as reações hansênicas, questionou-se ao paciente sobre os tipos de reações, se ocasionaram alguma incapacidade motora e em qual local do corpo. Dentre as respostas, observou-se que as reações hansênicas condizem com a literatura, sendo o inchaço, com consequente eritema e formação de nódulos em todo o corpo os sintomas mais comuns (Quadro 18). Categorias de análise 4. Reações Hansênicas Subcategorias 1. Tipos de reações 2. Incapacidade motora 3. Locais no corpo Evidências Identificadas - Inchaço, coceira, queimação - Perda da visão - Manchas vermelhas, nódulos - Pés, mãos, rosto Quadro 18 – Pacientes com Reação Hansênica – Reações Hansênicas Fonte: a autora. Conforme o PCH, é fundamental o acompanhamento aos pacientes hansênicos, pois visa identificar as reações hansênicas, efeitos colaterais aos medicamentos e dano neural. Em caso de reações ou outras intercorrências, os pacientes devem ser examinados em intervalos menores de 28 dias, contribuindo para a melhora dos sintomas31. Bastante, olha me deu inchaço muito inchaço nos olhos, no rosto, nos pés, inchaço incrível, nódulos, mas esse inchaço foi desaparecendo depois de 6 meses, cheguei a ficar hospitalizado por um tempo. (P5) Sim eu tive, até eu tenho aqui uma mancha, mas estou de olho para que não seja recidiva, a reação que eu tive eram todas manchas vermelhas, manchas novas diferentes das que eu tinha, tudo pequena e lisa. (P10). As pessoas acometidas pela hanseníase podem sofrer prejuízo na sua capacidade de trabalho por ocasião das incapacidades e, consequentemente, no autossustento da família, gerando repercussões de ordem psicológica, social e física77. Esse aqui é o mais problemático (dedos dos pés e mãos em forma de garra), saiu a junta, mas fui a Porto Alegre, Florianópolis, não tem jeito, eles querem corta fora. (P8) 85 Infelizmente, em nossa cultura, os padrões físicos de beleza são geralmente associados aos padrões morais; assim, o belo é relacionado ao bom e o feio induz à ideia do mau. A pigmentação diferenciada na pele devido às ações medicamentosas e as deformidades que os doentes podem apresentar são representadas como características definidoras da pessoa que tem hanseníase, gerando sentimentos de piedade e tristeza pela população em geral46. As incapacidades físicas são responsáveis por lesões neurais graves e tornam os indivíduos acometidos pela hanseníase mais suscetíveis a acidentes, queimaduras e feridas, podendo até mesmo levar a amputações que comprometerão a qualidade de vida do doente. Além disso, fator de igual relevância são os danos psíquicos, morais e sociais aos quais são expostos aos doentes e familiares68. No estudo de Monteiro et al.77, a maioria das reações hansênicas ocorreu no primeiro ano após o diagnóstico, sendo mais frequente logo após o período pós-alta. Este dado demonstra a importância da realização de medidas voltadas ao acompanhamento dos pacientes com pós-alta. Ramos e Souto90, em seu estudo, após analisarem pacientes hansenianos durante o período de alta e pós-alta, observaram que 50% destes apresentaram piora na sensibilidade das lesões e nervos. Isso reforça a importância da avaliação precoce, mesmo após a alta, focando nas orientações de autocuidado, que contribuem nas atividades de vida diária desses pacientes. As reações hansênicas e as incapacidades ocasionadas pela hanseníase geram potencial prejuízo no funcionamento corporal com consequente perda na qualidade de vida, acarretando vários estigmas, bem como custos individuais e para o setor público77. 5.3.1.5 Dificuldades Os pacientes com hanseníase geralmente apresentam muitas dificuldades em relação à doença, quase sempre associadas ao tratamento e ao tempo do diagnóstico. Por isso, aproveitou-se essa oportunidade para questionar os pacientes sobre o 86 assunto. O Quadro 19 demonstra as dificuldades que os pacientes apresentaram sobre o tratamento e diagnóstico da hanseníase. Categorias de análise 5. Dificuldades Subcategorias Evidências Identificadas 1. Dificuldades no tratamento - Internação hospitalar 2. Dificuldades no diagnóstico - Medicamento antidepressivo - Mais de 1 ano - Benzedeira - Alergias, Granuloma anular Quadro 19 – Pacientes com Reação Hansênica – Dificuldades Fonte: a autora. A pesquisa evidenciou algumas questões importantes sobre as dificuldades no tratamento da hanseníase nos pacientes pesquisados: Até os 7 meses eu fui bem, depois dos 7 meses, cada mês eu tinha que internar para terminar o tratamento, eu não ia conseguir. (P4) Eu fiquei bem abalada com a situação, cheguei a tomar um remédio para depressão. (P10) Não desisti nunca, sempre em tratamento até hoje, fui logo por conta própria, vi as manchas e fui perguntar para o médico logo. Comecei a tratar em 2010 e estou até agora, cinco anos. (P5) As dificuldades voltadas ao tratamento geralmente estão focadas nas reações que os medicamentos causam no corpo para matar o bacilo de Hansen. Nesse caso, o sistema imunológico realiza uma série de ações no combate ao agente infeccioso, independentemente do dano que isso causará ao organismo. Outras dificuldades também podem ocorrer, tanto relacionadas à resistência do bacilo no organismo quanto episódios voltados ao psicológico do indivíduo, como a depressão. Sobre as dificuldades relacionadas ao diagnóstico, percebeu-se que muitos pacientes apresentaram um diagnóstico tardio, que estava relacionado a doenças de pele do cotidiano, como alergias, dermatites e/ou psoríase. Meu sintoma foi que eu tratava de alergia, eu estava lá no Mato Grosso e lá eu só tratava de alergia, o corpo todo vermelho daí eu sempre estava tomando remédio de alergia por 5 a 8 anos, mas não era, não deu resultado aí eu vim embora pra cá em 2006 daí me tratei com uma médica, ela fez uma biópsia e daí constatou em 15 dias a hanseníase no corpo todo. (P18) 87 Fiquei um ano tratando com pomadas e benzedeiras, engraçado que ela também não cresceu muito ficava ali daquele jeito, uns diziam que era cobreiro outros que era outra coisa. (P17) O diagnóstico tardio contribui para a manutenção da cadeia de transmissão, com o surgimento de novos casos da doença87. Isso faz com que a hanseníase ainda seja um problema de saúde pública, em que os profissionais de saúde precisam estar capacitados e preparados para receber esses pacientes na UBS. Esses profissionais precisam estar sensibilizados em relação à doença, pois é a partir deles que muitos casos podem ser diagnosticados precocemente, impedindo a disseminação em determinada população. Eu ficava adiando, mandava benzer e coisa e tal, e as manchas não sumia, cada vez mais, daí começou a estourar [...]. Fizeram o teste e dava negativo, mas colocava quente ou frio e eu não sentia nada, ai eles tiraram umas fotos e mandaram pra fora quando as fotos voltaram eles me ligaram e me disseram que era hanseníase, vai fazer o tratamento. (P2) Demorou um ano e pouco, fiz tratamento antes disso para granuloma anular, ai fomos a Chapecó, São Miguel do Oeste e ninguém achou nada, fomos a São Carlos e nada, vim para casa me curar com o doutor de casa, e eu estava quase morrendo, não conseguia caminhar de muita dor e sentia muito calor até hoje eu tenho muito calor de noite para dormir [...]. Se bate um pouco fica roxo a pele ficou fina. (P9) Após 4 anos, onde comecei tomar os medicamentos. Foi feito exames daqui e dali, testes da orelha, joelho e cotovelo 3 vezes e não acusava nada. Dias depois, tive que repetir o exame pois havia dado errado, onde acusou ter esta doença, a hanseníase. (P11) A demora no diagnóstico, com consequente evolução da doença, está relacionada ao grau de incapacidade física, o que reforça a necessidade de estruturação de seguimento qualificado, através da ampliação da assistência na Atenção Primária em saúde, refletindo melhora dos serviços de controle da hanseníase77. As sequelas físicas ocasionadas pelo diagnóstico inesperado da doença acarretam grandes problemas, como a segregação social, preconceito, prejuízos econômicos e desordens psicológicas ao doente e seus familiares68. Algumas falas estão voltadas ao diagnóstico precoce, o que contribui para a erradicação da doença. 88 Quando eu descobri eu já tinha ela. Primeiro o meu irmão e o pai daí eu fiz o exame também deu o meu, foi feito por causa dos contatos e também deu positivo. (P20) Não, foi bem rápido, ela marcou lá com o médico, eu fiz o exame e já sabíamos o que era, e daí já comecei o tratamento. (P15) Não, comecei a perder o chinelo e não sentir os pés. Sentia dor e formigamento nas mãos, então o exame de baciloscopia foi feita e deu positiva. (P13) Apesar de algumas descobertas terem sido feitas pelo diagnóstico precoce, a grande maioria das falas é voltada ao diagnóstico tardio. Nesse caso, a precariedade no diagnóstico da doença impede consequentemente a detecção de casos de hanseníase; quando ocorre, acaba sendo tardia, resultando em demandas espontâneas a partir de buscas passivas. Por isso, alguns desafios surgem em decorrência da autonomia dos municípios em organizar os serviços de saúde, sendo que muitos apresentam dificuldades político-administrativas, refletindo na desestruturação desses serviços. A questão a ser evidenciada aqui é que a hanseníase não deve ser tratada como uma doença rara, isto é, que não é vivenciada na rotina dos profissionais nas UBSs. Independentemente do tempo que se leva para encontrar um caso de hanseníase, os profissionais de saúde precisam sempre lembrar a hanseníase, nunca descartando essa possibilidade de diagnóstico. 5.3.1.6 Acompanhamento O acompanhamento da UBS é um fator condicionante durante e após o tratamento, pois a falta de um adequado monitoramento dos quadros reacionais pela rede de serviços de saúde no período pós-alta contribui para a evolução das incapacidades e deformidades (Quadro 20). 89 Categorias de análise 6. Acompanhamento Subcategorias 1. Atenção Básica Evidências Identificadas - Sem queixas - Sempre teve medicamentos Quadro 20 – Pacientes com Reação Hansênica – Acompanhamento Fonte: a autora. Percebeu-se que as UBSs realizaram um acompanhamento frente ao paciente durante o tratamento: Sempre, eles sempre estavam pronto para ajudar, eu não posso me queixar de nada. (P15) Sim, olham o remédio, a cada 15 dias, porque as vezes eu me perco. Eu já perdi meio a memória. (P4) Eu que vou até lá, eu sempre fui bem atendida lá, sempre tive o remédio. (P19) Nota-se que as respostas ficam voltadas ao acompanhamento durante o tratamento ou quando o paciente vai até a UBS. A situação geralmente fica delicada quando o acompanhamento precisa ser feito após a alta medicamentosa, sendo inclusive pouco conhecida pelos gestores de saúde. A continuidade do acompanhamento deve ser realizada mesmo após o término do tratamento, porque é nesse período que mais se evidencia o desenvolvimento das deficiências que podem ocorrer até 8 anos após a alta81. Encontrou-se, ainda, uma evidência em que o acompanhamento não ocorre como está pré-estabelecido no PCH. Eu vou até lá, é a primeira vez que vocês vem aqui. (P2) Os pacientes e profissionais associam a alta medicamentosa com a alta no serviço de Prevenção e Reabilitação das Incapacidades em hanseníase, o que é um equívoco, pois 62% dos ex-pacientes desenvolvem novos riscos de danos neurais após o tratamento81. A UBS deve realizar uma abordagem inicial dos casos suspeitos e dos contatos, através de questionamento sobre antecedentes pessoais e familiares e doenças concomitantes. Além disso, medidas de promoção à saúde das pessoas diagnosticadas com hanseníase devem ser as mesmas aplicadas à população geral, 90 como melhoria nas condições de vida e trabalho, habitação, lazer, alimentação saudável, saneamento básico, entre outras87. 5.3.1.7 Relações Sociais Segundo Pereira et al.46, a hanseníase está fortemente associada à intensificação das desigualdades sociais, pertencendo ao estrato marginal da sociedade, o qual é refletido em situações precárias de trabalho e vida sob a exclusão social. Para Goffman91, existem diferentes tipos de estigma e, no caso da hanseníase, o conceito de abominações do corpo com várias deformidades físicas é a que melhor se enquadra no contexto. Com base nisso, por mais que exista uma percepção de mudanças neste aspecto, devido à evolução do tratamento e diminuição das incapacidades e deformidades, o estigma ainda é a principal característica responsável pelo preconceito e pelo isolamento social enfrentado pelos doentes de hanseníase46. O convívio e o apoio familiar, após o diagnóstico da hanseníase, são fundamentais para a manutenção da doença. O entendimento sobre o assunto e a realização de autocuidados também auxiliam nessa manutenção. Ante o convívio familiar e social, questionou-se aos pacientes sobre essa interação paciente/família e paciente/sociedade. O Quadro 21 evidencia respostas bastante relevantes, que devem ser consideradas pelos profissionais de saúde, através de apoio psicológico. Categorias de análise 7. Relações Sociais Subcategorias 1. Convívio Familiar 2. Convívio na Sociedade Evidências Identificadas - Isolamento Familiar - Evitam falar que tem a doença - Dificuldade no relacionamento com vizinhos Quadro 21 – Pacientes com Reação Hansênica – Relações Sociais Fonte: a autora. Algumas narrativas dos pacientes sobre esse assunto: 91 Eu resolvi ficar por conta sozinho por que eu tinha medo porque poderia ser transmissível, por isso comprei esse pedacinho de terra aqui, eu pago para a vizinha fazer as coisas para mim, não faço nada as vezes frito alguma coisinha aqui, então eu resolvi me afastar dos parentes […], eu sofri bastante e tô sofrendo, eu tinha medo de passar para eles e resolvi me retirar. (P5) No início eles não queriam chegar muito perto, mas foram acostumando, só que acontece que, eu não sei como isso se espalhou. Mais ninguém quer tomar chimarrão comigo, nenhuma filha. Esses dias eu fui lá e quando cheguei a primeira coisa que ela disse foi, a mãe não trouxe a cuia? Sabe, aquilo me doeu, a própria filha dizer isso. Meu velho nem quer dormir junto para evitar, não de pegar, só que esses dias ele também me disse umas coisas que eu também fiquei triste. (P15) Infelizmente, a hanseníase impede as pessoas de viverem situações comuns, devido às marcas produzidas ou reforçadas pela sociedade46. E isso não foi diferente neste estudo, sendo o preconceito muito bem evidenciado, favorecendo o isolamento social e o surgimento de distúrbios psicológicos, como é o caso da depressão. Os meus amigos não sabem, por causa do preconceito que existe. (P6) Se eu te contar começo a chorar, por isso não vou mais na igreja, eu me sentava no banco da igreja quando entravam, me olhavam e óh de volta, eu ficava sozinha, eu e Deus, no posto também a mesma coisa, podia ter uma fila de mulher, eu sentava de um lado todo mundo levantava. Parecia que aquilo lá era uma coisa que eu passava. (P4) O pessoal não queria tomar chimarrão com a gente sabe, e isso nos deixava mais pra baixo ainda sabe, meu Deus do céu que eu evitava de contar para as pessoas. (P2) O preconceito que permeia a vida do portador de hanseníase e, consequentemente, apresenta dificuldades para inserção no meio social, está diretamente relacionado à adoção de práticas inclusivas pelos serviços de saúde e de ações diretas visando ao diagnóstico precoce e à prevenção de incapacidades ao portador11. A maioria das pessoas ignora a fonte de infecção, que pode estar ligada a problemas operacionais (baixo número de exames de contatos realizados), ao longo período de incubação da doença, à falta de conhecimento sobre os sinais e sintomas e ao estigma da doença, que faz com que o indivíduo não revele seu diagnóstico no ambiente familiar57. Essa discriminação está associada, principalmente, à falta de 92 informação, incapacidades físicas e deformidades causadas pelo comprometimento dos nervos periféricos11. 5.4 INTERDISCIPLINARIDADE NO ENFRENTAMENTO A HANSENIASE Por estarmos vinculados a um curso de caráter interdisciplinar é importante ao finalizarmos este interdisciplinaridade trabalho, no tecer algumas enfrentamento da considerações hanseníase, a respeito lembrando que da a interdisciplinaridade surge visando transcender e atravessar o conhecimento fragmentado das diversas áreas de atuação, respondendo à diversidade, à complexidade e à dinâmica do mundo atual92. O tema interdisciplinaridade está cada vez mais presente nas discussões atuais, porém ainda pouco explorado no campo da saúde. A interdisciplinaridade é essencialmente um processo e uma filosofia de trabalho que se revela em forma de ação no momento de enfrentar problemas que ocorrem no cotidiano das profissões. Este conceito permite que ocorra o diálogo, possibilitando o enriquecimento das disciplinas em nível de método e perspectiva de atuação93. Na área da saúde, a interdisciplinaridade aparece como forma de resposta social aos problemas, através de estratégias voltadas a promoção, prevenção e atenção curativa92. Contudo, muitos são os obstáculos para a construção interdisciplinar na área da saúde. Destaca-se entre eles: os processos de competição, de posição defensiva e de segurança econômica frente ao profissional; os espaços de poder que a disciplinaridade significa, onde as instituições de ensino e pesquisa, na maioria das vezes, não se comunicam entre si; as dificuldades inerentes à experiência interdisciplinar, como a operacionalização de conceitos, métodos e práticas entre as disciplinas92. De modo geral, a interdisciplinaridade necessita ser melhor apropriada nos locais de atuação dos profissionais que fizeram parte do estudo. Pois, percebeu-se que o pouco envolvimento entre as diferentes áreas do saber que compõem as 93 equipes nas UBSs em situações em que envolvem casos de hanseníase, desde a investigação até o controle da doença. Essa afirmação foi constatada principalmente quando os profissionais relataram dificuldades de relacionamento na equipe e/ou descomprometimento da equipe em assumir estratégias para controlar a hanseníase. Pode-se dizer então que as UBSs pesquisadas se defrontam com vários desafios relacionados ao pensamento fragmentado, fruto da proliferação do conhecimento que se transforma rapidamente e que ainda se encontrada dividido em áreas isoladas, necessitando ser superada com a inserção da interdisciplinaridade nos ambientes de trabalho da área da saúde. Todavia, entre os achados da pesquisa, houve um município onde os profissionais atuam de forma integrada, em que a investigação através dos sinais e sintomas, tanto na pele quanto dos nervos periféricos, ocorre com a interrelação de duas áreas específicas: enfermagem e medicina, que dialogam para o fechamento do diagnóstico da hanseníase. Após a confirmação do diagnóstico, outras áreas são inseridas nesse processo: psicologia e fisioterapia, complementando o cuidado interdisciplinar. Apesar de apenas um município informar que possui ações de caráter interdisciplinar, pode-se dizer que é o início de um processo que demanda tempo e comprometimento dos membros envolvidos. Sabe-se que essa prática não será fácil de ser empregada, pois a disciplinaridade está enraizada nos profissionais da saúde. Isso porque a formação inicial ainda está sendo feita dessa forma, dificultando esta mudança tão importante nos dias de hoje. Neste sentido, o Mestrado em Biociências e Saúde apresenta uma inovação considerável por iniciar pesquisadores com propostas que voltam para uma construção interdisciplinar. São possibilidades concretas de melhorar “aquilo que está posto”. É importante que a educação dos profissionais de saúde seja direcionada aos conhecimentos vividos, permitindo formar profissionais com capacidade de solucionar problemas. Neste caso, sugerem-se capacitações práticas com envolvimento de diferentes profissionais, uma vez que o objeto de trabalho – saúde e doença no âmbito social – envolve concomitantemente as relações sociais, as expressões emocionais e afetivas e a patologia dos indivíduos, contribuindo para melhorar a situação de saúde da população. 94 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o objetivo de avaliar a Gestão da Saúde Pública no controle da Hanseníase nos municípios pertencentes à Vigilância Epidemiológica da Região de Saúde de São Miguel do Oeste, SC, o presente estudo permitiu identificar o perfil epidemiológico e o comportamento dos elementos envolvidos. Os resultados analisados na pesquisa quantitativa conseguiram responder aos objetivos propostos pelo estudo, concluindo que a taxa de prevalência e número de casos nestes 10 anos analisados vem se mantendo inferior a 1/10 mil habitantes na região estudada, porém esse número não necessariamente representa a diminuição do número de infectados, devendo ser considerados os casos ocultos da doença. Os dados epidemiológicos completaram a etapa quantitativa, demonstrando que o perfil epidemiológico dos portadores hansênicos está relacionado ao sexo masculino com idade superior aos 51 anos, da cor branca e com baixo nível de escolaridade. Além disso, esse perfil demonstrou que a maioria dos pacientes apresenta a classificação Multibacilar nas formas clínicas Virchowiana e Dimorfa com até 10 lesões dermatológicas e poucos nervos acometidos, contribuindo para um maior grau de transmissibilidade e tornando o tratamento mais rigoroso e sofrido. O exame de baciloscopia está sendo um exame muito requisitado pelos médicos da região estudada, porém a negatividade presente em muitos casos Multibacilar e Paucibacilares deste trabalho denota que o diagnóstico da hanseníase é clínico, não devendo considerar como requisito indispensável para a confirmação do diagnóstico dessa doença. Na pesquisa qualitativa voltada aos profissionais, o diagnóstico da hanseníase geralmente dependente de exames complementares, como a baciloscopia e a biópsia, para confirmação. Todavia, esses exames não descartam a doença, pois, muitas vezes, o indivíduo afetado apresenta poucos bacilos de Hansen, negativando no exame. Além disso, o acompanhamento dos contatos não é realizado, somente é feito o exame físico e orientações para futuras suspeitas durante a investigação dos mesmos, não ocorrendo uma continuidade desses aspectos por determinado período. 95 A confirmação da cicatriz da vacina BCG com posterior realização, caso não apresente, também é realizada pelos profissionais. Ainda sobre os profissionais entrevistados, observaram-se pontos positivos e negativos. Dentre os pontos positivos estão: as capacitações de profissionais, diagnóstico realizado pelos médicos, estratégias e disponibilidade dos medicamentos. Os pontos negativos envolveram problemas relacionados ao controle da doença, acompanhamento dos pacientes com reação hansênica no período pós-tratamento e dificuldades para a realização de busca ativa devido à sobrecarga de funções ou demanda, bem como a falta de comprometimento profissional. Já sobre a pesquisa qualitativa realizada com os pacientes com reação hansênica no período pós-tratamento, o objetivo focou justamente na ocorrência das reações hansênicas, demonstrando que esses episódios reacionais causam muitas dificuldades, principalmente relacionadas ao desconforto. Essas reações, se não tratadas corretamente, podem ocasionar lesões irreversíveis associadas à perda neural dos membros periféricos. Também se evidenciou, neste estudo, que a hanseníase não é tratada como uma das prioridades na Atenção Básica, devido ao fato de não ser considerada uma doença do cotidiano nas UBSs. Essa dificuldade contribui para o diagnóstico tardio, que foi evidenciado em muitos casos deste estudo. O delineamento do estudo não permitiu avaliar a classificação operacional e a forma clínica dos pacientes entrevistados, pois, quando questionado ao paciente sobre esse assunto, nenhum indivíduo tinha conhecimento. Outra limitação encontrada neste estudo foi em relação às considerações gerais que os pacientes podiam fazer na última pergunta da entrevista, porém poucos pacientes responderam, dificultando a interpretação e análise. Esses dados contribuem para a construção de conhecimentos relacionados à Gestão em Saúde, principalmente no controle da hanseníase, pois é o enfrentamento efetivo realizado pelos profissionais de saúde que permite alcançar a erradicação desta doença em Santa Catarina. Diante desses resultados, é necessário que o Estado, juntamente com seus municípios pertencentes, promova e intensifique ações de controle da doença, através da educação permanente. Além disso, é importante estimular a busca ativa, bem como encontrar ações de acompanhamento após o tratamento, evitando incapacidades físicas. Há também a necessidade de preparar mais profissionais para 96 o diagnóstico clínico, não se baseando apenas na baciloscopia, já que não é parâmetro de diagnóstico da doença. Os serviços de saúde devem colocar a hanseníase em primeiro plano e adotar medidas adequadas ao seguimento dos pacientes após a alta medicamentosa, como o agendamento de retornos a cada 4 meses até o prazo de 5 anos após a alta e a manutenção dos endereços atualizados dos ex-pacientes. Sugerem-se, também, estratégias interdisciplinares voltadas à sensibilização dos profissionais frente ao diagnóstico da doença, permitindo a inter-relação dos envolvidos, com posteriores discussões sobre o caso para fortalecer as evidências que irão permitir encontrar o diagnóstico correto. Essas estratégias podem ser realizadas durante a consulta do paciente ou em reuniões focadas somente aos profissionais da ESF, isto é, com o enfermeiro, técnico de enfermagem e médico de uma ESF. Acredita-se que, devido à complexidade que caracteriza o mundo atual, as UBSs necessitam do desenvolvimento de programas interdisciplinares de ensino com vistas a alcançar um novo tipo de pensamento e a formação do profissional de saúde comprometido com a reconstrução social. Os resultados da pesquisa realizada serão repassados para os setores específicos da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina para a Regional de Saúde de São Miguel do Oeste e para os municípios envolvidos na pesquisa. Portanto, espera-se que este estudo possa suscitar discussões sobre as doenças negligenciadas no Mestrado de Biociências e Saúde, fomentando estratégias interdisciplinares que desencadeiem em novas pesquisas com metas mais audaciosas. Espera-se também poder contribuir com o conhecimento produzido para a melhoria dos serviços oferecidos na Gestão da Saúde Pública no controle da hanseníase em âmbito Regional e Estadual. 97 REFERÊNCIAS 1. Boechat N, Pinheiro L. 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Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104... 106 APÊNDICE A – Entrevista para os Profissionais da Atenção Básica Objetivo: Avaliar como é feito o diagnóstico da doença e o acompanhamento dos contatos (familiares e pessoas próximas) Profissional nº: Município que trabalha: Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Setor onde atua: Idade: ____ anos Profissão: 1. Como você faz o diagnóstico da doença e o acompanhamento dos contatos (familiares e pessoas próximas)? Como deveria ser feito este diagnóstico e o acompanhamento dos contatos (familiares e pessoas próximas)? Pergunta realizada para os médicos. 2. Que tipo de estratégias você acha importante serem adotadas para melhorar o diagnóstico da doença? 3. Sobre os medicamentos utilizados, sempre têm disponível os medicamentos para o tratamento destes pacientes? Caso Não. Quais são as principais dificuldades para adquirir os medicamentos? 4. Como ocorre o controle da hanseníase na área da Atenção Básica do município? 5. Qual é o acompanhamento feito pelo município aos casos de ocorrência de reações hansênicas nos pacientes, no período pós-tratamento? 6. Quais são as capacitações realizadas com os profissionais de saúde para a melhoria da atenção à hanseníase? 7. Quais são os recursos financeiros investidos na atenção à hanseníase? 107 8. Para as reações hansênicas, vocês medicam os pacientes com os mesmos medicamentos utilizados para tratar a doença? Caso não, quais medicamentos são oferecidos? 9. Você gostaria de expor algo, ou aprofundar algo, sobre a hanseníase na Atenção Básica que não foi enfatizado nas perguntas anteriores? 10. Quais são as principais dificuldades que você apresenta para realizar o diagnóstico desta doença? Pergunta realizada para os médicos. 108 APÊNCIDE B – Entrevista para os Pacientes Hansênicos Objetivo: Investigar a ocorrência das reações hansênicas nos pacientes, no período pós-tratamento Paciente nº: Município que reside: Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Escolaridade: Idade: ____ anos Profissão: 1. Quantas lesões dermatológicas você apresenta? ( ) 1 lesão ( ) 2 a 3 lesões ( ) 4 a 5 lesões ( ) mais de 6 lesões 2. Você apresenta algum acometimento de nervo (s) periférico (s)? ( ) NÃO ( ) SIM. Quais? _________________ Quantos? _________ 3. Sua hanseníase é classificada em: ( ) Paucibacilar ( ) Multibacilar 4. Qual a forma clínica da sua hanseníase? ( ) Hanseníase Indeterminada ( ) Hanseníase Tuberculoide ( ) Hanseníase Virchowiana ( ) Hanseníase Dimorfa 5. Quais foram os métodos de diagnóstico desta doença? ( ) Sinais e sintomas Quais? _______________________________________ ( ) Exames Laboratoriais (Baciloscopia) ( ) Outros Qual? ________________________________________ 6. Você fez algum tipo de tratamento para sua forma clínica da hanseníase? Caso sim, por quanto tempo utilizou? Quais medicamentos? 7. Após o tratamento, você apresentou algum tipo de reação hansênica? Quais? Esta reação levou a alguma incapacidade motora? Em qual local? 109 8. Sobre a doença de modo geral, fale quais são as maiores dificuldades no tratamento que você acha importante revelar? 9. Você teve alguma dificuldade para ser diagnosticado com está doença? 10. Como está sendo realizado o acompanhamento na Unidade Básica de Saúde? 11.Em relação ao convívio familiar, como ocorre? E na sociedade? 12. Você gostaria de expor algo, ou aprofundar algo, sobre sua doença que não foi enfatizado nas perguntas anteriores? 110 ANEXO A – Ficha de Notificação/Investigação Fonte: BRASIL (SINAN NET), 201440. 111 ANEXO B – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA 112 113 114 115 116 117