CONSIDERAÇÕES SOBRE HANSENÍASE E REAÇÕES HANSÊNICAS Marilda Andrade1 Felippe de Souza Bomfim2 A Hanseníase é uma doença infecto-contagiosa, de evolução lenta, que se manifesta, principalmente, através de sinais e sintomas dermatoneurológicos: lesões na pele e nos nervos periféricos, principalmente nos olhos, mãos e pés (BRASIL, 2002, p.12). A doença também conhecida como lepra (termo não muito utilizado) ou mal-deHansen, que, segundo Schechter e Marangoni (1998, p.248), é causada pelo Mycobacterium Leprae, organismo de alta infecciosidade e baixa patogenicidade, ou seja, tem alta capacidade de provocar resposta imunológica, mas o número de pessoas que efetivamente desenvolvem a doença é extremamente baixo. Isso explica o fato de não acontecer uma epidemia da doença, apesar do Brasil estar entre os três países mais endêmicos no mundo. Segundo Araújo (2003, p.373), o Brasil é o segundo país em número de casos no mundo, e que aproximadamente, 94% dos casos conhecidos nas Américas e 94% dos casos novos diagnosticados são notificados pelo Brasil. Apesar desses números, a hanseníase tem apresentado uma redução significativa de sua prevalência, de 16,4 por 10.000 habitantes em 1985 para 4,7 em 2000, aproximando-se da meta proposta pela Organização Mundial de Saúde - OMS de eliminar essa doença como problema de saúde pública, com a redução de sua prevalência para 1,0 por 10.000 habitantes no ano de 2005 (BRASIL, 2002, p.17). Segundo Schechter e Marangoni (1998, p.248), a doença incide mais em homem do que em mulheres, na proporção de 2:1. Entretanto, com as mudanças de hábitos e costumes registradas neste século e a maior participação da mulher no mercado de trabalho, essa diferença tende a desaparecer. O Ministério da Saúde (MS) define um caso de hanseníase quando uma pessoa apresenta uma ou mais das seguintes características e que requer quimioterapia: (1) lesão (ões) de pele com alteração de sensibilidade, (2) acometimento de nervo(s) com espessamento neural e (3) baciloscopia positiva (BRASIL, 2002, p.11). Alguns portadores da hanseníase apresentam episódios inflamatórios que podem ocorrer no período crônico da doença que são conhecidos como estados reacionais ou reações hansênicas. Segundo Tavares e Marinho (2005, p.491), as reações hansênicas representam episódios inflamatórios agudos ou subagudos que se intercalam no curso crônico da doença, tanto nos paucibacilares (casos com até 5 lesões cutâneas) como nos multibacilares (mais de 5 lesões cutâneas). As reações ocorrem, principalmente, durante os primeiros meses do tratamento quimioterápico da hanseníase, mas também podem ocorrer antes ou depois do mesmo, nesse caso após a cura do paciente. Quando ocorre antes do tratamento, geralmente, é quando o paciente descobre que tem a doença. Os estados reacionais são a principal causa de lesões dos nervos e de incapacidades provocadas pela doença. Portanto, é importante que o diagnóstico dos mesmos seja feito precocemente, para se dar início imediato ao tratamento, visando preveni-las (BRASIL, 2002, p.53). As reações hansênicas podem ser de dois tipos: reação reversa ou tipo 1 e a reação tipo 2 ou eritema nodoso hansênico (ENH). A reação tipo 1 ou reversa se caracteriza por apresentar novas lesões dermatoneurológicas (manchas ou placas), infiltração, alterações de cor e edema nas lesões antigas, bem como dor ou espessamento dos nervos (neurites) e a reação tipo e 2 ou Eritema Nodoso Hansênico se caracteriza por apresentar nódulos vermelhos e dolorosos, febre, dores articulares, dor e espessamento dos nervos e mal-estar generalizado (ibid, p.54). O diagnóstico precoce da doença e o reconhecimento imediato dos quadros reacionais garantem a interrupção da cadeia de transmissão e é uma das prioridades para prevenção de incapacidades físicas. Segundo o MS estas incapacidades e deformidades podem acarretar alguns problemas, tais como diminuição da capacidade de trabalho, limitação da vida social e problemas psicológicos. São responsáveis, também, pelo estigma e preconceito contra a doença (BRASIL, 2002, p.12). Pinto (1994, p.248) reforça a idéia de que é importante considerar o enorme potencial incapacitante que a hanseníase trás consigo, contribuindo como co-fator para a manutenção dos estigmas associados. O tratamento dos episódios reacionais constitui uma das principais prioridades no manejo do paciente com a doença para Informe-se em promoção da saúde, v.4, n.1.p.13-15, 2008. 13 prevenção de incapacidades. Os principais fatores potencialmente desencadeantes dos episódios reacionais são a gestação, infecções concorrentes, estresse físico ou psicológico (BRASIL, 2002, p.55). Para o diagnóstico são utilizados critérios clínicos e laboratoriais. Os critérios clínicos são observados em manifestações cutâneas e neuropatias como expõe a SBH e SBD (2003, p.5-7). ÆManifestações cutâneas: na reação reversa, o processo inflamatório atinge a pele e nervos periféricos. As lesões cutâneas preexistentes tornam-se eritematosas, intumescidas, edematosas e infiltradas. As máculas tornam-se placas elevadas e os limites das lesões tornam-se mais evidentes e definidos. Evoluem com descamação e, por vezes, sobrevém a ulceração. Novas lesões assemelhando-se às demais surgem em áreas adjacentes. Concomitantemente a estas alterações, pode ocorrer hiperestesia ou acentuação da parestesia sobre as lesões cutâneas. Æ Neuropatias: A perda da função sensitivo-motora decorrente das neuropatias é uma das mais freqüentes e graves conseqüências da reação reversa. Com maior freqüência, há o envolvimento dos nervos ulnar e tibial posterior. A instalação súbita da mão em garra, pé caído e logoftalmo devem receber intervenção rápida e precoce, para evitar que se tornem alterações permanentes. Segundo a Sociedade Brasileira de Hansenologia e Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBH; SBD, 2007), em relação aos critérios laboratoriais, nas reações reversas, não são observadas alterações hematológicas e da bioquímica sanguínea. Com maior freqüência os episódios de ENH incidem no primeiro e segundo ano de PQT e podem persistir por anos, mas deve ser lembrado que a reação ENH pode ocorrer previamente ao tratamento específico e ser uma manifestação presente no momento do diagnóstico de hanseníase (SBH e SBD, 2003, p.11). Para critério diagnóstico do ENH também são utilizados critérios clínicos e laboratoriais. Os critérios clínicos são observados em manifestações cutâneas e outras manifestações como mostra a SBH e SBD (ibid, p.11). ÆManifestações cutâneas: a pele, aparentemente normal, é acometida pelo aparecimento súbito de pápulas, nódulos e placas dolorosas. As lesões são dolorosas e tensas ao toque, de coloração rósea a eritemato-violácea, evoluem com descamação central e podem se tornar hemorrágicas, vesicobolhosas, pustulares e ulcerativas, caracterizando o quadro de eritema nodoso necrotizante. Diferente da RR, as lesões preexistentes permanecem inalteradas. O surgimento de lesões obedece a uma distribuição simétrica, bilateral e difusa que atinge a face, tronco e membros, preferencialmente a superfície extensora das extremidades. Æ Outras manifestações: podem estar presente manifestações extracutânea e sistêmica, incluindo febre, mal-estar, hiporexia, perda de peso, neuropatia, orquiepididimite, glomerulonefrite (por imunocomplexos), miosite, artralgia, artrite de grandes articulações, sinovite, dactilite, dores ósseas, iridociclite e uveíte, comprometimento da faringe, laringe e traquéia. Alterações clínicas como hepatoesplenomegalia, infartamento ganglionar generalizado, edema acrofacial ou generalizado, rinite, epistaxe, insônia e depressão podem ser observadas. Segundo a SBH e SBD (2007), em relação aos critérios laboratoriais, no ENH, podem ser observadas alterações hematológicas e da bioquímica sanguínea com leucocitose, neutrofilia e plaquetose; aumento das proteínas da reação inflamatória aguda, especialmente proteínaC-reativa e alfa1-ácido glicoproteína, aumento das imunoglobulinas IgG e IgM e proteinúria. Durante o tratamento do cliente portador de hanseníase, deve-se atentar para as alterações características indicadoras do estado de reação. Dessa forma, pode-se garantir um tratamento seguro e uma melhor qualidade de vida do cliente, evitando-se maiores seqüelas. Ressalta-se aqui a atuação da equipe muldisciplinar, e a interdisciplinaridade requerida para o tratamento integral da clientela específica. Informe-se em promoção da saúde, v.4, n.1.p.13-15, 2008. 14 ____________________ Considerações sobre hanseníase e reações hansênicas REFERÊNCIAS: PINTO, Jackson Machado. Doenças infecciosas com manifestações dermatológicas. Rio de Janeiro: Medsi, 1994. SCHECHTER, Mauro; MARANGONI, Denise Vantil. Doenças infecciosas: condutas diagnósticas e terapêutica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. BRASIL, Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Situação da prevenção e controle das doenças transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. BRASIL, Ministério da Saúde. Área técnica de dermatologia sanitária. Normas técnicas para eliminação da hanseníase no Brasil. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2001 BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de atenção básica. Guia para controle da hanseníase. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. HARRISON et al. Medicina interna. 15.ed. Rio de Janeiro: Mc Graw Hill, 2002. ARAÚJO, Marcelo Grossi. Hanseníase no Brasil. Revista da sociedade brasileira de medicina tropical, 2003-Maijun; v. 36 n.3, p. 373-382. REFERÊNCIA DO TEXTO: ANDRADE, M.; BOMFIM, F. S. Considerações sobre hanseníase e reações hansênicas. Informe-se em promoção da saúde, v.4, n.1.p.13-15, 2008. 1 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Coordenadora do Curso de Especialização em Promoção da Saúde com ênfase em PSF da Escola de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense. 2 Enfermeiro. Graduado em Enfermagem e Licenciatura pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense. Enfermeiro residente do programa de especialização da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Informe-se em promoção da saúde, v.4, n.1.p.13-15, 2008. 15