Quando suspeitar de imunodeficiência primária no recém-nascido e lactente Marcia Cristina Mondaini Salazar, Fabíola Scancetti Tavares (Capítulo do Livro Assistência ao Recém-Nascido de Risco, ESCS, Brasília, 3a Edição, 2013) Aspectos Gerais As interações intercelulares que estabelecem e mantêm a resposta imune (RI) são intimamente organizadas e altamente complexas. E as bases para a imunidade no desenvolvimento do organismo estão bem estabelecidas antes mesmo do nascimento. Embora os componentes do sistema imune (SI) se diferenciem precocemente na vida fetal, a maturidade funcional levará alguns anos para ser completada. A despeito da imaturidade relativa do SI ao nascimento, o recémnascido (RN) é capaz de apresentar uma grande variedade da resposta imunológica efetiva para o seu novo ambiente e os fatores maternos supridos pela transferência através da placenta, pelo colostro e pela amamentação ao seio contribuem para complementar e aumentar as defesas provendo proteção adicional até que a maturação seja completada. O SI atua promovendo a sua defesa contra vírus, bactérias, fungos, protozoários e outros agentes que tenham o potencial para produzir infecção e doença. De forma geral, esses sistemas consistem de imunidade mediada por célula (célula T), imunidade mediada por anticorpo (célula B), fagocítico (polimorfonuclear e mononuclear) e complemento. As imunodeficiências (ID) formam um grupo diverso de doenças que, como resultado de uma ou mais anormalidades do SI, aumenta a susceptibilidade para a infecção. Como a maioria das ID primárias é transmitida por herança recessiva ligada ao X ou autossômica recessiva, as crianças tornam-se o grupo alvo destas patologias e o neonatologista tem um importante papel em reconhecer precocemente os sinais e sintomas dessas doenças para prover a melhor abordagem terapêutica, antes que as infecções graves ou dano tecidual permanente possam ocorrer. Estima-se que a incidência das ID primárias ocorre na proporção de 1:2000 nascidos vivos, embora possa ser mais elevada devido a muitas crianças morrerem de infecção antes da suspeição diagnóstica. A primeira doença de ID descrita foi reportada por Bruton há mais de 50 anos e, desde então, mais de 150 ID primárias têm sido descritas. História Clínica e Exame Físico A história clínica de uma criança com suspeita de ID deve abranger dados como doença materna, duração da gestação, peso e condições do nascimento, relato da queda do coto umbilical (> 21 dias), a natureza e a gravidade de doenças infecciosas pregressas. A presença de alguns sinais e sintomas durante o exame físico podem ser observados e chamar a atenção para possível diagnóstico de ID, como: anomalia facial, dermatite, rash maculopapular, fígado e baço aumentados, massa muscular diminuída, hiperemia perianal devido à diarréia, abscessos, febre de origem indeterminada e infecções graves ou de curso prolongado que dependam da utilização de antibióticos. A história familiar deve constar dados a respeito de consangüinidade dos pais, morte precoce, infecções graves ou repetidas e ocorrência de doenças autoimunes ou neoplasias em parentes próximos ou distantes. Algumas ID primárias que podem ocorrer em RN ou lactentes Síndrome de DiGeorge Síndrome de Griscelli Síndrome de Omenn Síndrome de desrregulação imune, poliendocrinopatia, enteropatia, ligada ao X (IPEX) Neutropenia congênita grave (Síndrome de Kostmann) Síndrome da imunodeficiência combinada grave (IDCG) Deficiência de adesão leucocitária (LAD) Síndrome de hiper IgM ligada ao X Síndrome de DiGeorge Etiologia A Síndrome de DiGeorge (SDG) foi descrita inicialmente em 1965 como uma doença caracterizada por hipoplasia tímica, hipoparatireoidismo com conseqüente hipocalcemia, doença cardíaca congênita e dismorfismo facial. Esta desordem cromossômica é uma das mais comuns e com uma prevalência estimada de 1 em cada 4000 a 6000 na população. Estes defeitos podem ser variáveis e associados dentro de um espectro de manifestações que também é denominado como síndrome CATCH22 (defeitos cardíacos, hipoplasia tímica, palato fendido, hipocalcemia e anormalidades do cromossomo 22). A maioria dos pacientes portadores da SDG, entre 90 a 95% dos casos, apresenta deleção do cromossomo 22q11, aproximadamente 5 a 10% são isentos desta deleção e somente em poucos casos as deleções do cromossomo 10p têm sido identificadas. As duplicações deste cromossomo também podem ocorrer, levando ao fenótipo similar ao do cromossomo 22q11 SD. A anomalia completa da SDG ocorre em menos de 1% desses pacientes, que são atímicos e apresentam deficiência grave das células T circulantes (< 50 células/mcL). Os pacientes com SDG parcial têm hipoplasia tímica como evidenciada pela presença de células T circulantes com resposta proliferativa a mitógenos. Diagnóstico Os casos típicos de SDG devem ser suspeitados precocemente ao nascimento devido à associação de anomalia cardíaca com hipocalcemia. A tetania secundária à hipocalcemia pode ocorrer dentro das primeiras 24 a 48 horas de vida devido à hipoplasia das glândulas paratieróides. A maioria desses pacientes é reconhecida por apresentar características externas como: micrognatia, orelhas chanfradas e de implantação baixa, hipertelorismo, inclinação antimongolóide dos olhos e nariz em sela. Outros achados clínicos também podem ser encontrados como: tetralogia de Fallot, defeito no arco aórtico, alterações no palato, anomalias renais e esqueléticas, além de atraso no desenvolvimento durante a infância. Atualmente, o diagnóstico é feito com o método de fluorescência em hibridização in situ (FISH), o qual é extremamente acurado, mas demorado e caro. Esforços para desenvolver um método mais rápido, baseado na reação de cadeia polimerase (PCR), poderá estar disponível em breve para uso comercial. A maioria dos pacientes com a síndrome da deleção 22q11.2 e com alterações imunológicas apresenta diminuição leve a moderada na contagem de células T, o que pode levar a uma incidência elevada de infecções e doenças autoimune. A imunodeficiência nesses pacientes não resulta da ausência do timo e, sim, da sua migração anormal. A contagem de células B é freqüentemente normal, embora possam ocorrer anormalidades nas células B de memória CD27+. Estudos têm demonstrado que os níveis de imunoglobulinas e resposta específica a anticorpos são relativamente normais, embora Finocchi tenha observado que 43% dos pacientes com evidência de deficiência de anticorpos (IgA, IgM, subclasses de IgG ou anticorpos específicos) apresentavam correlação significativa entre a presença de infecções recorrentes e as anormalidades humorais. Manejo e Tratamento As anormalidades cardíacas têm sido vistas em aproximadamente 75% de todos os pacientes com a síndrome da deleção do cromossomo 22q11.2 e são a principal causa de morte. Uma avaliação inicial precoce ecocardiográfica é importante para essas crianças, logo após o nascimento, pois nem todas as anomalias cardíacas são óbvias. O número baixo de células T ocorre em 75 a 80% dessas crianças e ainda não se sabe se as infecções pós-operatórias estão aumentadas nesta população. Clinicamente, 40% dos pacientes apresentam-se bem e 60% têm episódios recorrentes de sinusite, otite média e pneumonia. A realização do RX de tórax poderá revelar ausência da sombra tímica. Em adição à disfunção imunológica, as anormalidades anatômicas, incluindo broncomalácia com conseqüente aspiração, podem contribuir para a freqüência aumentada das infecções do trato respiratório. Estudos clínicos demonstram que a maioria dos pacientes não apresenta susceptibilidade para infecções oportunistas. Preconiza-se irradiar os derivados do sangue para prevenir a doença enxerto-versus-hospedeiro e também é necessário requerer proteção contra infecção para os pacientes que necessitam de cirurgia cardíaca antes da obtenção dos resultados da avaliação do SI. A hipocalcemia está freqüentemente presente no período neonatal e pode ser exacerbada pela cirurgia cardíaca, sendo requerida a suplementação de Cálcio no período pós-operatório imediato. A hipocalcemia persistente requer um acompanhamento mais cuidadoso para promover um equilíbrio entre vitamina D, Cálcio e Fósforo. A falta de coordenação da língua e dos músculos faríngeos e esofageanos parecem aumentar os distúrbios com a amamentação. A maioria dos pacientes com a síndrome da deleção do cromossomo 22q11.2 apresenta diminuição do número de células T (< 1200/mcL) em conseqüência da hipoplasia tímica, aproximadamente 20% não apresentam evidências de diminuição das células T e somente menos de 1%, com aplasia tímica verdadeira, necessitará de transplante. O transplante de timo fetal, o transplante de medula óssea (MO) ou o transplante de células T são requeridos para os pacientes que apresentam aplasia tímica verdadeira. A terapia com imunoglobulina intravenosa (IGIV) deve ser utilizada para os pacientes que apresentam deficiência de anticorpos e para o controle de infecções recorrentes. As reações enxerto-versus-hospedeiro, após transfusão sanguínea, têm sido observadas em pacientes com SDG cuja suspeição diagnóstica não foi realizada antecipadamente. Síndrome de Griscelli Etiologia Em 1978, Griscelli descreveu uma síndrome que apresentava - se com albinismo parcial associada à imunodeficiência e infecções piogênicas freqüentes, sendo clinicamente semelhante à síndrome de Chediak-Higashi, porém com ausência de grânulos gigantes (azurófilos) em granulócitos. A Síndrome de Griscelli (SG) é uma doença rara, autossômica recessiva, que se manifesta com hipopigmentação variável do cabelo (cinza prateado) e da pele, podendo ser acompanhada de algumas alterações, como: anormalidades neurológicas (SG tipo 1), imunodeficiência e síndrome hematofagocítica (SG tipo 2) e somente anormalidades dermatológicas (SG tipo 3). Diagnóstico A SG é classificada em três tipos distintos baseados em características moleculares e genéticas: SG tipo 1, SG tipo 2 e SG tipo 3. A SG tipo 1 é causada pela mutação no gene miosina Va (MYO5A), localizado no cromossomo 15q21, o qual regula o transporte de organelas tanto nas células neuronais quanto nos melanócitos. Esses pacientes, além de apresentarem as alterações de pigmentação do cabelo (grânulos pigmentares distribuídos irregularmente ao longo do cabelo) e da pele (melanócitos basais hiperpigmentados com esparsamento de queratinócitos pigmentados adjacentes) também tinham retardo neuropsicomotor severo, mas com SI sem alterações. A SG tipo 2 é causada pela mutação no gene RAB27A, localizado no cromossomo 15q21, que promove hiperativação descontrolada de macrófagos e linfócitos T, resultando em síndrome hematofagocítica. Esta é caracterizada por infiltração celular em linfonodos e em outros órgãos como cérebro, fígado, baço e medula óssea, além de ocorrer a ativação policlonal de células T (principalmente CD8) e ativação dos macrófagos que fagocitam as células sanguíneas, resultando em alterações multissistêmicas. Os pacientes apresentam alteração da pigmentação do cabelo e da pele, assim como infecções piogênicas freqüentes e precoce, além de febre, anemia, neutropenia, trombocitopenia, linfocitose, linfohistiocitose hematofagocítica com fase acelerada e defeitos neurológicos na ausência de doença neurológica primária. Hepatoesplenomegalia e infiltração pulmonar são comuns. A SG tipo 3 é causada pela mutação no gene MLPH, localizado no cromossomo 2q37.3 que codifica a melanofilina. Manejo e Tratamento O tratamento e o prognóstico são dependentes do tipo da síndrome. A SG tipo 1 não apresenta cura definitiva e a abordagem depende da severidade das manifestações neurológicas. A SG tipo 2 tem prognóstico grave e o transplante de medula óssea deve ser o mais precoce possível. Doses elevadas de corticosteróides e outros imunossupressores podem retardar a hiperativação dos linfócitos e macrófagos, reduzindo os sintomas atribuídos a infiltração dos órgãos, até que o transplante de medula óssea seja realizada. A SG tipo 3 não necessita de intervenção ativa. O aconselhamento genético deve ser oferecido a essas famílias e o diagnóstico pré-natal poderá ser feito através do exame do cabelo do feto. Síndrome de Omenn Etiologia A combinação de características clínicas e laboratoriais em crianças que apresentam eritrodermia exudativa generalizada, linfoadenopatia, eosinofilia e imunodeficiência foi inicialmente descrita por Gilbert Omenn em 1965. A Síndrome de Omenn (SO) é uma herança autossômica recessiva e deve ser considerada como um processo inflamatório distinto que pode estar associada a múltiplas anormalidades genéticas que significativamente reduz, mas não elimina, o desenvolvimento das células T. Diagnóstico A maioria dos casos de SO foi encontrada em mutações hipomórficas nos gene RAG1 ou RAG2, os quais prejudicam, mas não interrompe a combinação V(D)J, que é o processo requerido para o rearranjo e expressão dos receptores das células T e B. Outros genótipos também podem estar associados a essa síndrome. O diagnóstico laboratorial pode ser realizado através da biologia molecular. A SO pode ser observada precocemente na infância, nos primeiros 3 meses de vida, com quadro de eritrodermia severa generalizada, que pode causar alopecia, perda das sobrancelhas e cílios, diarréia crônica, infecções respiratórias severas, hipoproteinemia com edema, níveis elevados de IgE, eosinofilia, linfonodos aumentados, hepatoesplenomegalia e retardo do crescimento e desenvolvimento. Pacientes podem apresentar alguns, mas não todos os sinais e sintomas da síndrome e estes podem não aparecer de forma simultânea. O fenótipo clínico pode mimetizar a doença enxêrto-versushospedeiro ou histiocitose e ocasionalmente pode ser vista como imunodeficiência combinada grave (IDCG) com passagem transplacentária de células T maternas alorreativas. Apesar da proporção e do número de linfócitos T CD3 + circulantes estarem freqüentemente normais, a resposta proliferativa a antígenos in vitro está severamente diminuída. As células Natural Killer (NK) apresentam-se tipicamente normais. O número baixo ou ausente das células B CD19 + é característica da SO associada com mutações no gene RAG1 e RAG2, o que leva ao comprometimento da imunidade humoral. A expansão anormal de um ou mais clones de células T, nos tecidos e no sangue periférico, podem levar ao quadro inflamatório grave nesses pacientes, que na ausência da regulação dos componentes do próprio sistema imunológico, há o desenvolvimento de desordens tanto autoimune quanto alérgica. Manejo e Tratamento O tratamento com drogas imunossupressoras, como a prednisona e a ciclosporina, promove tanto a supressão da expansão quanto a infiltração nos tecidos dos clones de células T, levando a melhora clínica e facilitando o procedimento de transplante da medula óssea. O acompanhamento compreende terapia de suporte para evitar infecções fúngicas e bacterianas, além de aumentar a sobrevida desses pacientes. Síndrome da Desregulação Imune, Poliendocrinopatia e Enteropatia ligada ao X Etiologia A Síndrome da Desregulação Imune, Poliendocrinopatia e Enteropatia ligada ao X (IPEX) foi descrita por Powell em 1982, sendo caracterizada por enteropatia, endocrinopatia e infecções em crianças do sexo masculino. É uma herança recessiva rara ligada ao X, que ocorre devido a mutações encontradas no gene FOXP3, que em última análise, vai promover um importante papel na produção de citocinas e proliferação de células T, com conseqüente supressão do desenvolvimento e da função das células T reguladoras naturais CD4+ CD25+ (Treg CD4+ CD25+). Estas células são importantes para o desenvolvimento e a manutenção da tolerância imunológica periférica a antígenos próprios e supressão da resposta autoimune. Diagnóstico Atualmente é reconhecido que a maioria dos pacientes apresenta um quadro clínico básico com enteropatia autoimune, endocrinopatia (diabetes ou doença da tireóide) e dermatite. Esta tríade está freqüentemente associada a doenças autoimunes e pode ser considerada letal nos primeiros meses de vida. O quadro gastrointestinal, que pode iniciar nas primeiras seis semanas de vida, é caracterizado por atrofia severa das vilosidades e extenso infiltrado linfocítico na mucosa intestinal, levando a diarréia aquosa crônica, que às vezes pode ser mucóide ou sanguinolenta. A diarréia pode piorar no momento em que é introduzido fórmulas lácteas e alguns pacientes podem desenvolver alergia alimentar severa, resultando em má nutrição e prejuízo no crescimento e desenvolvimento. As endocrinopatias autoimunes, de início precoce na IPEX, podem envolver o pâncreas e a tireóide. A diabetes insulino-dependente tipo 1 é a causa endócrina mais freqüente e pode iniciar dentro do primeiro ano de vida, sendo que em alguns casos, já se pode observar a intolerância à glicose ao nascimento. Esses pacientes apresentam anticorpos anti-células das ilhotas pancreáticas e infiltrado linfocítico com destruição do arcabouço pancreático. A tireoidite pode levar ao estado de hiper ou hipotireoidismo. O hipotireoidismo ocorre mais freqüentemente e está associado com níveis elevados de TSH e/ou anticorpos microssomais antitireoidianos. O envolvimento de outros órgãos endócrinos como as paratireóides e as adrenais é raro. A dermatite é reportada como um quadro eczematoso leve a moderado, porém algumas crianças podem apresentar rash eritematoso envolvendo todo o corpo. A alopecia universal pode estar presente nos casos mais severos. Tem sido descrito que em crianças mais velhas com IPEX podem apresentar dermatite psoriasiforme e pênfigo nodular. A susceptibilidade aumentada a infecções pode ser devido à função protetora da barreira da pele e do intestino estar diminuída e também pelo uso prolongado da terapia imunossupressora. Em adição à tríade clínica desta doença, a maioria dos pacientes que incluem doença autoimune, também podem apresentar anemia hemolítica, trombocitopenia e neutropenia. O gene FOXP3 está localizado no cromossomo X e é expressado no timo, baço, linfonodos e, principalmente, nas células Treg. Este gene é requerido pelas células Treg para suprimir a ativação e a proliferação de células T autorreativas. A maioria das células T CD4+ também expressa CD25. As células Treg perfazem 5 a 10% da população total de células T CD4+ em pessoas normais. A anormalidade laboratorial mais consistente entre estes pacientes é a IgE sérica extremamente elevada presente na maioria dos casos. A IgA sérica está modestamente elevada em mais de 50% dos pacientes com IPEX e as células Treg FOXP3+ estão diminuídas, mas não há alteração em relação ao número absoluto de linfócitos e as respostas proliferativas a mitógenos e aos antígenos estão dentro dos limites da normalidade. O diagnóstico da IPEX deve ser considerado em qualquer criança do sexo masculino que apresente, pelo menos, duas das três características da tríade ou tenha associado à evidência de doença autoimune. O padrão ouro para diagnóstico da doença é a identificação da mutação do gene FOXP3, entretanto, as mutações têm sido identificadas em somente 25 a 30% dos pacientes com suspeita clínica. Manejo e Tratamento O tratamento da IPEX é focado primariamente na supressão de células T autoagressivas e não reguladas, utilizando-se ciclosporina A, tracolimus ou sirolimus (rapamicina) que podem ser ou não combinadas com esteróides ou agentes imunomoduladores para o controle dos sintomas. O tratamento sintomático pode incluir nutrição parenteral, insulina e transfusão de hemácias e plaquetas. O transplante de medula óssea é considerado como cura efetiva e para alguns pacientes pode ocorrer completa remissão dos sintomas. O diagnóstico e o transplante precoce é de vital importância para destruídas, impossibilitando que ocorra a seqüela do diabetes mellitus. O prognóstico para os pacientes com IPEX é reservado e, se não tratado, a maioria dos meninos podem morrer em idade precoce. Neutropenia Congênita Grave (Síndrome de Kostmann) Etiologia A neutropenia congênita foi descrita inicialmente por Rolf Kostmann em 1956 como uma doença hematológica autossômica recessiva com neutropenia severa e infecção bacteriana grave de início precoce. A etiologia é heterogênea e a herança pode ser autossômica dominante, devido à mutação heterozigótica ocorrida no gene ELA2 (que codifica a elastase do neutrófilo), autossômica recessiva, com mutação homozigótica no gene HAX1 (que codifica a proteína mitocondrial) e adquirida. Diagnóstico A neutropenia é definida como uma contagem absoluta de neutrófilos (CAN) < 1500 células/mm3 e pode ser graduada em leve (1000 a 1500 células/mm3), moderada (500 a 1000 células/mm3) e severa (< 500 células/mm3). A neutropenia pode resultar de um ou mais mecanismos patológicos como: produção diminuída da medula óssea, sequestração de neutrófilos e destruição aumentada destes no sangue periférico. Como conseqüência, há um risco aumentado para infecção e este é diretamente proporcional à severidade e à duração da neutropenia. Segundo Bodey, os pacientes com CAN < 100 células/mm3 desenvolverá infecção severa dentro de 1 a 4 semanas após o início da neutropenia, enquanto aquelas com CAN < 1000 células/mm3 terão um risco substancialmente elevado para apresentar infecção ao longo do tempo. A mutação do gene ELA2 é mais comum, sendo encontrada em mais de 50% dos pacientes com neutropenia congênita grave (NCG) enquanto que a do gene HAX1 ocorre em 13%. A NCG se manifesta precocemente, após o nascimento, com infecções bacterianas recorrentes do trato respiratório superior e inferior, pele, onfalite, abscesso de fígado e septicemia. Estas crianças, portadoras de NCG, podem apresentar manifestações clínicas em 50% dos casos antes do primeiro mês de vida e 90% dentro dos primeiros seis meses. Nesta doença é observado uma contagem de neutrófilos no sangue periférico < 500 células/mm3, número elevado de eosinófilos e monócitos, hipergamaglobulinemia (IgA, IgM, IgG) e produção normal ou aumentada tanto do G-CSF (fator estimulante de granulócitos) quanto do GM-CSF (fator estimulante de granulócitos-monócitos). A medula óssea apresenta mielopoiese com parada de maturação dos precursores do neutrófilo ao nível promielócito-mielócito. Os promielócitos freqüentemente apresentam morfologia atípica e seu número encontra-se discretamente aumentado. Manejo e Tratamento O uso do G-CSF é considerado como primeira linha no tratamento de todos os pacientes com NCG e a manutenção da CAN > 1000 células/mm3 é importante para prevenir infecções severas, diminuir a mortalidade e melhorar a qualidade de vida. Síndrome da Imunodeficiência Combinada Grave ligada ao Cromossomo X Etiologia É a imunodeficiência combinada grave (IDCG) mais comum, com incidência maior que 1:100.000 nascidos vivos. Trata-se de uma herança ligada ao X com completa ausência dos linfócitos T e células NK, mas com desenvolvimento preservado dos linfócitos B. A doença é causada por mutações no gene que codifica a cadeia gama comum do receptor da Interleucina 2 (IL2 RG) localizado no cromossomo X, porém vários estudos têm demonstrado que a cadeia gama não é somente um membro do IL2 R, mas também de outras Interleucinas como: IL4, IL7, IL9, IL15 e IL21. Diagnóstico A IDCG é assintomática ao nascimento e não pode ser identificada através do exame clínico do RN, porém os sintomas podem surgir precocemente em torno dos três meses de vida, com diarréia crônica, candidíase oral persistente, otite média recorrente, infecção respiratória severa (pneumonia intersticial), eritrodermia, atraso no crescimento e desenvolvimento e septicemia. Essas crianças são particularmente susceptíveis a infecções por patógenos oportunistas, como: Candida albicans, citomegalovírus, pneumocystis carinii e Epstein-Barr, dentre outros. Em crianças normais a contagem de linfócitos pode variar de 2000 a 11000 células/mcL, porém, valores abaixo de 4000 células/mcL são consideradas linfopênicos e podem identificar, ao nascimento, as crianças com risco para IDCG. Através da citometria de fluxo poderão ser avaliados os subtipos de linfócitos, onde se encontra a ausência de células T e NK, mas valores normais ou elevados de células B. Apesar do número de células B estarem normais, os níveis séricos de imunoglobulinas como IgG e IgA encontram-se baixos ou indetectáveis e a resposta anticórpica específica ausente. Observa-se ausência de resposta proliferativa a mitógenos, como a fito-hemglutinina, e a antígenos como o toxóide tetânico. Durante os primeiros 5 a 6 meses de vida, o diagnóstico de IDCG pode ser difícil de ser estabelecido devido à presença da IgG materna. Há atrofia do tecido linfóide e hipoplasia tímica (ausência da sombra tímica ao RX de tórax), sendo a biopsia do tecido linfóide raramente necessária para se estabelecer o diagnóstico. Manejo e Tratamento A imunização com vírus vivo atenuado deve ser evitada, assim como todos os produtos sanguíneos devem ser irradiados antes que a transfusão seja realizada nestes pacientes. Utilizar antibióticos e antifúngicos profilaticamente para evitar infecção e repor a gamaglobulina intravenosa regularmente. Tratar qualquer infecção de forma rápida e agressiva e utilizar nutrição parenteral nos casos de atraso do crescimento e desenvolvimento. O tratamento definitivo consiste no transplante de medula óssea histocompatível e quando realizado nos primeiros três meses de vida apresenta uma expectativa de sobrevida superior a 96%. Por isso, é importantíssimo que o diagnóstico seja realizado precocemente, pois a IDCG é considerada uma emergência pediátrica cuja morte freqüentemente ocorre antes do primeiro aniversário. Atualmente a terapia gênica apresenta-se como uma esperança para os pacientes portadores de IDCG ou de outras imunodeficiências cuja base molecular seja conhecida. Deficiência de Adesão Leucocitária Etiologia A Deficiência de Adesão Leucocitária (LAD) tipo 1 é caracterizada como uma herança autossômica recessiva cuja mutação ocorre no gene da cadeia ß2 do CD18 localizado no cromossomo 21, levando à ausência ou expressão deficiente dos heterodímeros específicos CD11a/CD18, CD11b/CD18 e CD11c/CD18. Essas moléculas de adesão, da família ß 2 integrina, estão presentes em linfócitos, monócitos e granulócitos. A maioria das funções dos leucócitos está comprometida como a adesão dos mesmos ao endotélio vascular, a migração transendotelial para o sítio inflamatório, a fagocitose de partículas estranhas e a citotoxicidade celular dependente de anticorpo. Conseqüentemente, os pacientes com LAD apresentam infecções piogênicas recorrentes com início nas primeiras semanas de vida. Diagnóstico O diagnóstico da LAD é confirmado pela análise através da citometria de fluxo de leucócitos do sangue periférico utilizando-se anticorpos monoclonais para detectar a deficiência das glicoproteínas: CD11a, b ou c ou CD18. A contagem de neutrófilos no sangue periférico pode estar elevada mesmo na ausência de infecção e os níveis séricos de imunoglobulinas, resposta anticórpica e reação de hipersensibilidade tardia estão normais. Tem sido identificado dois grupos de fenótipo clínico da LAD: o que apresenta infecção grave com risco de morte (< 1%) nos primeiros anos de vida e o que apresenta infecção menos severa (com dificuldade de cicatrização dos ferimentos) que consegue ultrapassar o período da infância. As infecções bacterianas e fúngicas graves pelos agentes microbianos como: Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella, Proteus sp, Enterococcus, Aspergillus sp e Candida albicans explicam a mortalidade elevada. Esses pacientes não apresentam susceptibilidade a infecções virais ou malignidade. Durante o período neonatal a peritonite e a septicemia decorrem de complicações da onfalite e da queda tardia do coto umbilical (> 21 dias). As crianças que ultrapassam a infância desenvolvem otite média e sinusite de repetição, doença periodontal, traqueobronquite, pneumonia, vaginite, peritonite, abscesso perianal, infecções necróticas teciduais progressiva recorrente e septicemia. Manejo e Tratamento O tratamento é dirigido aos agentes infecciosos envolvidos, que geralmente são organismos patogênicos comuns e não oportunistas. Os pacientes com LAD requerem tratamento agressivo e precoce das infecções e eles respondem a terapia antibiótica apropriada. A terapia profilática deve ser realizada antes de determinados procedimentos, como por exemplo, os odontológicos. O transplante de medula óssea e a terapia gênica têm sido propostos para estes pacientes. Síndrome de Hiper IgM ligada ao X Etiologia É uma herança recessiva rara ligada ao X que ocorre devido a uma mutação no gene que produz a molécula de superfície CD 154 (CD 40L) no cromossomo X (Xq26). O defeito funcional existente no CD 40L (ligante do CD 40) na superfície de células T CD4 ativadas, impossibilita a ligação com a molécula CD 40 na superfície das células B, levando estas células a produzirem somente IgM. As crianças portadoras da Síndrome de Hiper IgM ligada ao X (HIGM1) apresentam hipogamaglobulinemia, susceptibilidade aumentada a infecções nos primeiros 6 meses de vida e incidência elevada para malignidade e autoimunidade. Diagnóstico O diagnóstico é confirmado pela demonstração da mutação dentro do gene do CD 40L. Os pacientes apresentam infecções piogênicas recorrentes, incluindo otite média, pneumonia, diarréia aquosa crônica e septicemia. Os agentes microbianos presentes são P carinii, P jiroveci e Cryptosporidium. A hiperplasia linfóide, incluindo aumento das amígdalas, linfonodos, fígado e baço é um fator comum encontrado na HIGM1. A presença de auto-anticorpo está associada ao desenvolvimento de anemia hemolítica, trombocitopenia e hipotireoidismo. Há risco elevado para o desenvolvimento de neoplasias. A neutropenia persistente ou intermitente ocorre em mais de 50% destes pacientes e leva a úlceras orais recorrentes e estomatites. O número de linfócitos T e B é normal, com IgG, IgA e IgE séricas muito baixas ou ausentes, porém com níveis de IgM normal ou elevado (1000mg/dl). Manejo e Tratamento O prognóstico não é bom para a maioria desses pacientes e o tratamento de escolha é o transplante de medula óssea histocompatível. A neutropenia é responsiva ao tratamento com G-CSF e à IGIV. O tratamento antimicrobiano profilático pode ser necessário devido ao elevado risco de infecção oportunista pelo P jiroveci. Orientação do Especialista O parecer do imunologista é de grande importância para dar uma abordagem precoce das conseqüências do déficit imune e promover uma melhor qualidade de vida para os pacientes portadores das síndromes apresentadas neste capítulo. Bibliografia 1-Allan S E. Activation-induced FOXP3 in human T effector cells does not suppress proliferation or cytokine production. Int Immunol 19:345, 2oo7 2-Allen R C. CD40 ligand gene defects responsible for X-linked hyper IgM syndrome. 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