RESPIRADOR ORAL Profa Dra M Cândida Rizzo Conceito O paciente respirador oral caracteriza-se por apresentar um padrão respiratório pela boca, por período não menor que seis meses, podendo ocorrer durante todo o dia ou pode ser intercalado por um padrão nasal (total ou parcial), independente de agravos agudos. Introdução Na cavidade oral são realizadas funções vitais de respiração, fonação, deglutição e mastigação, que estão intimamente relacionadas e, para sua realização, exigem coordenação e integração neuromuscular adequadas. O indivíduo que respira mal pode apresentar alterações nas funções de deglutição, mastigação e fala. Além disso, pode apresentar distúrbios de sono, com conseqüências na sua rotina diária e alterações posturais. A respiração oral não é caracterizada como uma doença, mas como um reflexo de condições que estabelecem a obstrução nasal crônica. Por sua vez, o padrão respiratório oral pode ocasionar alterações craniofaciais (ósseas e musculares), nas arcadas dentárias, na postura corporal, dietéticas, no crescimento e desenvolvimento, e distúrbios do sono, com alterações cognitivas e piora na qualidade de vida. Um tipo facial específico, denominado face adenoidiana ou “long-face syndrome”, com aumento do diâmetro vertical da face, foi associado a indivíduos que apresentam uma história de respiração oral crônica. Este tipo facial geralmente inclui uma postura de mordida aberta com incompetência labial, dentes inclinados anteriormente, pálato ogival, arcada superior em forma de “V”, narinas estreitas, lábio superior curto e lábio inferior proeminante e evertido. Esta descrição clássica do paciente respirador oral depende do biótipo do indivíduo, uma vez que indivíduos do tipo braquifacial, mesmo sendo respiradores orais, não vão obedecer o “perfil clássico” observado nestes casos. A- braquifacial B- dolicofacial Entre as etiologias capazes de promover um padrão oral à respiração, destacam-se as condições alérgicas, obstrutivas e funcionais. Dentre as causas alérgicas, destacam-se as rinites. As causas obstrutivas são os fatores que dificultam a passagem de ar pelo nariz, forçando o estabelecimento do padrão respiratório oral, quais sejam: alterações de septo nasal, grandes hiperplasias adeno-tonsilares e de conchas nasais. A respiração oral é caracterizada como funcional quando não há componentes alérgicos e ou obstrutivos associados. O indivíduo adquire o hábito de respirar pela boca, contando com a acomodação da musculatura além de alterações ósseo-faciais. As causas funcionais apresentam relevância na faixa pediátrica. Destacam-se entre elas o hábito de sucção de chupetas e dedos, o uso de mamadeira, a falta do aleitamento materno e a posição do bebê no berço. Quando o bebê mama no seio, ele projeta o queixo para frente e para trás e isso faz com que haja um equilíbrio no crescimento da mandíbula. O processo da amamentação corrige o queixo dos bebês que nascem com a mandíbula retraída. Devido à etiologia multifatorial da respiração oral, a abordagem deve se fazer de forma multidisciplinar, contando com a avaliação de especialistas de várias áreas de atuação. É interessante lembrar que na faixa pediátrica contamos com o potencial de crescimento da criança e isso favorece as intervenções que venham a ser realizadas no âmbito ortopédico, visando corrigir alterações no desenvolvimento ósseo facial. Abordagem multidisciplinar • Alergológica: visa o estabelecimento do diagnóstico de rinite alérgica e sua(s) provável etiologia(s), nos pacientes respiradores orais. Lembrando que o diagnóstico da rinite alérgica é eminentemente clínico (anamnese + exame clínico das fossas nasais). Observar na figura abaixo, pela simples inspeção de cornetos inferiores (rinoscopia anterior), as características dos cornetos nasais, do septo nasal e a presença de secreções em um paciente com rinite alérgica. A pesquisa das prováveis etiologias alérgicas pode ser feita in vivo (testes alérgicos de hipersensibilidade imediata) ou in vitro (determinação quantitativa de IgE específicaCAP system). • Otorrinolaringológica: Inclui o exame do conduto auditivo e das membranas timpânicas (otoscopia), das fossas nasais anteriores (rinoscopia anterior) e da cavidade oral. Nos respiradores orais é importante a avaliação do volume da adenóide e amídalas palatinas. A adenóide (tonsila nasofaríngea) é um órgão linfóide localizado na parede faríngea posterior. Só é visível com o auxílio de um endoscópio ou de um espelho refletor. A medida de suas dimensões é estimada pelo RX lateral de pescoço (cavum) e pela realização de nasofibroscopia. A endoscopia permite a visualização da massa adenoidiana em três dimensões. RX de cavum Hiperplasia adenoidiana A-normal B- hiperplasia leve C- hiperplasia grave Se necessário, o exame ORL pode ser complementado pela realização da audiometria tonal e vocal (fonoaudiólogo) e pela impedânciometria. • Avaliação Fonoaudiológica Miofuncional: tem como objetivo estudar os órgãos fonoarticulatórios (lábios, língua, dentes, bochechas, pálato duro e mole) e as funções estomatognáticas (respiração, mastigação, deglutição e fala). A avaliação miofuncional é composta pela Entrevista e pelo Exame propriamente dito. A entrevista envolve aspectos respiratórios, hábitos orais e mastigatórios e alimentares em geral. O exame consta de duas partes: a avaliação de aspectos morfológicos e da postura dos órgãos fonoarticulatórios e a avaliação das funções estomatognáticas (respiração, mastigação, deglutição e fala). • A avaliação fonoaudiológica deve ser complementada por uma avaliação fisioterápica, uma vez que as crianças que respiram pela boca apresentam uma desorganização postural. Anteriorização da cabeça com retificação cervical Protrusão dos ombros e abdominal Hiperlordose lombar Anteversão pélvica Respirador nasal Respirador oral No respirador oral, o centro de equilíbrio situa-se cada vez mais anterior A intervenção fisioterapêutica tem como objetivo reequilibrar o sistema músculoesquelético e aumentar a capacidade respiratória, melhorarando assim a qualidade de vida dos pacientes. • Avaliação Ortodôntica: A oclusão dentária normal é caracterizada pelo contato correto entre os dentes superiores e inferiores durante a função de mastigação, sem a presença de maloclusões, como rotações dentárias, inclinações dentárias incorretas, alterações no relacionamento das arcadas superior e inferior, apinhamentos dentários ocasionados pela falta de espaço para o correto alinhamento dos dentes. As alterações ortodônticas observadas no paciente respirador oral são variadas, tais como mordidas abertas, cruzadas, overjet (protrusão dentárea) e mordida topo a topo. Mordida aberta Mordida cruzada posterior Dentre os sistemas de classificação de maloclusão, o mais utilizado é o de Angle, que baseou seus estudos de oclusão nas relações entre os primeiros molares superiores e inferiores e dividiu a maloclusão em três classes: Classe I (neutroclusão), Classe II (distoclusão) e Classe III (mesioclusão). • Classe I: são englobados aqueles casos de maloclusão em que a relação anteroposterior dos primeiros molares superior e inferior é normal. Isto significa que a mandíbula e o arco dentário à ela superposto estão em correta relação mesiodistal com a maxila e demais ossos da face. A cúspide mesio-vestibular do primeiro molar superior oclui no sulco central do primeiro molar inferior. A maloclusão está geralmente confinada aos dentes anteriores. • Classe II: são aqueles casos em que a arcada inferior encontra-se em relação distal com a arcada superior. A cúspide mesio-vestibular do primeiro molar superior oclui no espaço entre a cúspide vestibular do primeiro molar inferior e a face distal da cúspide vestibular do segundo pré-molar inferior. • Classe III: são aqueles casos em que o primeiro molar inferior encontra-se em posição mesial na relação com o primeiro molar superior. A cúspide mesiovestibular do primeiro molar superior oclui no espaço entre a cúspide distal do primeiro molar inferior e a cúspide mesio-vestibular do segundo molar inferior. A ortodontia-ortopedia facial dispõe de métodos eficientes para corrigir as anomalias dentofaciais. A ortodontia atua sobre o padrão dentário, promovendo o alinhamento dos dentes nas bases ósseas, isto é, maxila e mandíbula, não havendo limite de idade para este tipo de movimentação ortodôntica. A ortopedia funcional dos maxilares atua no padrão ósseo, realizando a correção de problemas como tamanho, relacionamento ântero-posterior e lateral das bases ósseas. Neste tipo de abordagem, o paciente deve estar em fase de crescimento ósseo, daí a importância do encaminhamento precoce dos pacientes para tratamento. • Avaliação Neurológica Polissonográfica: Em indivíduos predispostos, a ocorrência de distúrbios do sono, como roncos, apnéia obstrutiva e fragmentação do sono são muito freqüentemente relacionados à obstrução nasal e à respiração oral. Em crianças com apnéia obstrutiva do sono (AOS), é comum o relato dos pais da ocorrência de “paradas respiratórias” durante o sono. Essas crianças devem ser investigadas com a realização de polissonografia, que pode confirmar as queixas de alterações do sono de modo objetivo. O fenômeno mais comumente associado à AOS é a sonolência excessiva, que se acredita ser relacionada a algum grau de hipóxia, experimentada nesses casos. Freqüentemente, os pacientes apresentam dores de cabeça, dificuldades de concentração e de aprendizado, deterioração da memória e julgamento. Entre as seqüelas cardiovasculares associadas à AOS incluem-se a hipertensão arterial, as arritmias, a disfunção ventricular e eventos de isquemia coronariana e cerebrovascular. Comentários O paciente respirador oral enquadra-se em uma Síndrome do Respirador Oral, uma vez que há muitas possibilidades etiológicas envolvidas no processo. É um paciente que deve ser identificado precocemente para que seja tratado também precocemente e possamos obter uma reversão do padrão oral de respiração. A precocidade viabiliza a instituição de melhor abordagem ortodôntica (aplicação da ortopedia funcional de maxilares), fonoaudiológica, fisioterapêutica e principalmente que o paciente não apresente lesões irreversíveis, como em alguns casos de apnéias graves do sono. O paciente respirador oral deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, já que um profissional apenas não consegue reverter todo o conjunto de alterações a que está sujeito, pelo padrão respiratório alterado. 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