DOENÇA RENAL POLICÍSTICA EM FELINO

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ISSN 2447-0716
Alm. Med. Vet. Zoo. 20
DOENÇA RENAL POLICÍSTICA EM FELINO: RELATO DE CASO
POLYCYSTIC KIDNEY DISEASE IN FELINE: CASE REPORT
Camila Gasparotto Fernandes* Yan Augusto Gomes Silva* Jacqueline Satomi Tho* Luis
Emiliano Cisneros Alvarez† Felipe Gazza Romão†
RESUMO
A doença renal policística (DRP) é uma doença de caráter hereditário autossômico e
dominante que se caracteriza pelo desenvolvimento de cistos nos rins. Esses cistos podem ser
encontrados também em pâncreas, fígado e baço com tamanhos variados. Os sinais clínicos
variam de acordo com o comprometimento do parênquima renal. Alguns deles são:
hipertensão sistêmica, êmese, anorexia e distensão abdominal. A ultrassonografia é o exame
de escolha, que permite o diagnóstico precoce da doença, porém, a histopatologia através de
biópsia renal seria um meio para exclusão de diagnósticos diferenciais. Não existe tratamento
específico para DRP. O tratamento consiste em controle da pressão arterial, correção do
desequilíbrio hidroeletrolítico e minimização de distúrbios gastrointestinais. O objetivo do
trabalho é relatar um caso de doença renal policística em um felino, atendido no Hospital
Veterinário Roque Quagliato, demonstrando a importância do diagnóstico precoce e terapia
adequada, minimizando assim os sinais clínicos de progressão da doença e aumentando a
qualidade de vida dos pacientes.
Palavras-chave: rim, persa, cistos, doença hereditária.
ABSTRACT
Polycystic kidney disease (PKD) is an autosomal dominant and hereditary disease
characterized by the development of cysts in the kidneys. These cysts can also be found in
pancreas, liver and spleen with different. Clinical signs vary with impaired renal parenchyma.
Some of them are: systemic hypertension, vomiting, anorexia and abdominal distention.
Ultrasonography is the method of choice, allowing early diagnosis of the disease, however,
histopathology by renal biopsy would be a means to the exclusion of differential diagnoses.
There is no specific treatment for DRP. Treatment consists of controlling blood pressure,
correction of electrolyte imbalance and minimizing gastrointestinal disorders. The objective
of this study is to report the polycystic kidney disease through a case of a cat, the Veterinary
Hospital Roque Quagliato, demonstrating the importance of diagnosis and appropriate
therapy, thus minimizing the clinical signs of disease progression, improving quality of life of
patients.
Keywords: kidney, persian, cysts, hereditary disease.
INTRODUÇÃO
A doença renal policística felina (DRP) é uma enfermidade hereditária autossômica
dominante que se caracteriza pela presença de cistos localizados no córtex ou na medula renal
(1). A maior incidência da DRP ocorre em gatos persas, mestiços persas e himalaias (2). Sua
etiologia ainda não foi totalmente esclarecida em cães e gatos, mas existem duas principais
possibilidades: transformação de células epiteliais hiperplásicas em pólipos, e dilatação de
*
Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo,
Brasil. Email: [email protected]
†
Docente das Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil.
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túbulos ou fragilidade da membrana tubular com consequente dilatação (3). Há também a
teoria de que a dilatação do néfron ocorre por processos obstrutivos intra e extraluminais,
podendo ser localizado tanto na medula quanto no córtex, o que levaria ao desenvolvimento
da doença (4).
O caráter hereditário autossômico dominante está relacionado com três tipos de formas
de genes. O gene “P”representa a forma dominante e “p” representa a forma recessiva. Nos
homens, assim como nos felinos, é uma enfermidade renal de curso longo e progressivo que
leva doença renal crônica (5). Esses cistos também podem ser encontrados no fígado, baço e
no pâncreas, variando de um milímetro a um centímetro ou mais (6). O número de cistos é
variado, são esféricos e contêm líquido claro e seroso (4).
Assim como nos humanos, os cistos podem ser hereditários ou adquiridos. Em casos
de cistos hereditários, ambos os rins são afetados (7). A velocidade do crescimento dos cistos
renais é variável. Em gatos com DRP, a multiplicação epitelial ocorre de forma acelerada, o
que causa o aumento intermitente de cistos. A doença policística induz hipertrofia renal e
perda da função (3).
Todos os gatos atingidos são heterozigotos. Desta forma, o cruzamento de dois gatos
com DRP (heterozigotos) produz estatisticamente 75% de gatos atingidos pela doença e 25%
de gatos sadios (7).
Quando a doença renal cística for unilateral, podem não haver sinais clínicos. Já na
forma bilateral, os sinais são parecidos com a doença renal crônica: poliúria, anorexia,
polidipsia, perda de peso, êmese, letargia e desidratação (8). Outros sinais clínicos observados
são hipertensão sistêmica, hemorragia, pielonefrite, distensão abdominal, renomegalia, êmese
e anorexia (3).
Nenhum exame clínico ou análise laboratorial é capaz de confirmar ou excluir o
diagnóstico (9). O diagnóstico em gatos é realizado associando-se os sinais clínicos às
alterações bioquímicas, bem como aos resultados da radiografia e ultrassonografia
abdominais e biópsia renal (2). A ultrassonografia permite o diagnóstico precoce da doença,
isto é, antes do desenvolvimento de doença renal crônica (5). No estágio inicial da doença, os
rins aparecem com superfície lisa. À medida que os cistos crescem nota-se renomegalia e
irregularidades de superfície (6). O exame histopatológico por meio de biópsia renal pode
permitir o diagnóstico definitivo (3). Atualmente, é possível identificar os gatos que
desenvolverão DRP através do teste genético de DNA. O teste genético permite aos criadores
selecionar os animais para reprodução, auxiliando, desta forma, tanto no controle como na
eliminação da doença da população de gatos (14).
Apesar de não existir tratamento que corrija as lesões no rim, as consequências podem
ser amenizadas, sendo que a terapêutica permite interromper os mecanismos que contribuem
para a progressão da doença: a hipertensão sistêmica e glomerular, o desequilíbrio
hidroeletrolítico, a proteinúria e a fibrose renal (10). A terapia indicada para controle de
hipertensão arterial é por meio do uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina
(ECA), como enalapril ou benazepril (11). A correção da desidratação com a fluidoterapia
(soluções de Ringer com lactato ou de NaCl fisiológica a 0,9%) é essencial, visto que a
desidratação é responsável pelas manifestações clínicas, tais como prostração, fraqueza,
constipação e anorexia (10,12). Inibidores da bomba de prótons, como omeprazol, ou
protetores de mucosa com ação antiácida, como o sucralfato, podem ser utilizados para
diminuir distúrbios gastrointestinais causados pela doença renal, assim como a êmese pode
ser controlada com uso de citrato de maropitant (13). Dentre os diagnósticos diferenciais estão
inclusos pielonefrite, hidronefrose e nefrite granulomatosa (3).
O prognóstico para gatos portadores da doença renal policística é reservado, e depende
do estágio e evolução do quadro, resposta à terapia inicial e colaboração do proprietário (15).
O objetivo do trabalho é relatar um caso de doença renal policística em um felino atendido no
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Hospital Veterinário Roque Quagliato, demonstrando a importância de um diagnóstico
precoce e terapia correta para minimização de sinais clínicos e evolução da doença.
RELATO DE CASO
Foi atendido Hospital Veterinário das Faculdades Integradas de Ourinhos-FIO, um
felino da raça Persa com 8 anos, pesando 2,5 kg. A queixa principal relatada foi anorexia e
caquexia. Há um mês, o animal apresentou poliúria, polidipsia e hiporexia, evoluindo para
anorexia total. A proprietária realizava alimentação forçada, administrando ração úmida ao
animal. O animal apresentava-se apático, com emagrecimento progressivo. A proprietária
relatou ainda que a vacinação antirrábica e vermifugação estavam em dia e o animal não
possuía acesso à rua.
No exame físico o animal apresentou aumento da temperatura corpórea (39,3°C),
aumento da frequência cardíaca (200 bpm), desidratação com TPC (tempo de preenchimento
capilar) aumentado (3 segundos), pulso arterial hipercinético e regular e PAS (Pressão
Arterial Sistólica) de 160mmHg. Na palpação abdominal, entre a porção epigástrica e
mesogástrica, na região dorsal, onde localizam-se os rins, identificou-se uma massa firme na
cavidade abdominal e em seguida solicitou-se os seguintes exames laboratoriais: hemograma
completo; exames bioquímicos: albumina, aspartato aminotransferase (AST), alanina
aminotransferase (ALT), gama-glutamil transferase (GGT), proteínas totais séricas,
triglicerídeos, creatinina e ureia. Foi realizada também a coleta da urina por cistocentese para
urinálise e exame ultrassonográfico.
Os resultados dos exames laboratoriais estão descritos nas tabelas 1 e 2. O paciente
apresentava leucocitose por neutrofilia e linfopenia. No exame bioquímico, apresentava
azotemia, e aumento das proteínas totais séricas e GGT. A densidade urinária era de 1.015
(isostenúria). No exame ultrassonográfico (figuras A e B), foi visualizado perda total da
relação córtico-medular em ambos os rins, com aumento proeminente e perda total da
morfologia piramidal. Foram observadas áreas múltiplas e arredondadas císticas de
aproximadamente 2,5 x 2,5 cm em ambos os rins. A suspeita inicial foi doença renal
policística.
O diagnóstico presuntivo, de acordo com os sinais clínicos, alterações laboratoriais e
exames de imagem, foi compatível com doença renal policística. Os exames laboratoriais do
dia 23/12/2015 apresentaram: azotemia, fósforo aumentado e fosfatase alcalina diminuído.
Após os resultados dos exames e o diagnóstico presuntivo, iniciou-se o tratamento
ambulatorial com fluidoterapia com solução ringer lactato (50 mL) por via subcutânea, já que
o animal chegou próximo ao fim do expediente. O animal foi encaminhado para uma clínica
particular para realização da fluidoterapia diariamente. Além disso, foram prescritos os
seguintes medicamentos: hidróxido de alumínio na dose 25 mg/kg (1 mL/BID/ suspenssão
oral 60 mg/ml), maleato de enalapril na dose 0,5 mg/kg (1/4 cp/ 5 mg/BID) e omeprazol na
dose 1 mg/kg (¼ cp/10 mg/SID). Com relação à alimentação, foi indicada uma ração
específica para animais com doença renal.
Após sete dias de fluidoterapia, o animal retornou ao Hospital Veterinário, no qual
repetiu-se os exames bioquímicos para reavaliação da função renal (creatinina, ureia, fósforo
e F.A). O animal recebeu alta. É periodicamente avaliado.
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Tabela 1: Hemograma e bioquímico, realizado no dia 16/12/15 pelo laboratório do Hospital
Veterinário Roque Quagliato.
Hemograma
Resultado
Valor de Referência
He (106/ uL)
5,64
5,0-10,0
Ht (%)
27
24-45
Hb (g/dL)
9,1
8,0-15,0
VCM (fl)
48
39-55
CHCM
33
30-36
RDW
17,3
14-19
Bioquímicos
Resultado
Valor de Referência
Albumina
2,84
2,1-3,3 (g/dL)
ALT (TGP)
47
6-83 (UI/L)
AST (TGO)
20
26-43 (UI/L)
Creatinina
5,5
0.8-1,8 (mg/dL)
Gama GT
7
1,3-5,1 (UI/L)
Proteínas
Totais
8,3
5,4-7,8 (g/dL)
Triglicérides
87
10-114 (mg/dL)
Ureia
163
42,8-64,2 (mg/dL)
Tabela 2: Exame bioquímico realizado no dia 23/12/15 pelo laboratório do Hospital
Veterinário Roque Quagliato.
Bioquímicos
Resultado
Valor de Referência
Creatinina
6
0.8-1,8 (mg/dL)
Fósforo
12
4,5-8,1 (mg/dL)
Fosfatase Alcalina
6
25-93 (UI/L)
Ureia
116
42,8-64,2 (mg/dL)
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Figuras A e B: Áreas múltiplas arredondadas com contornos bem demarcados, finos
hiperecoicos, e conteúdo anecoico sem formação de sombra acústica nas regiões cortical e
medular do rim esquerdo de um gato persa. Imagens similares foram obtidas no rim
contralateral.
DISCUSSÃO
Em animais portadores da doença renal policística se visualiza aumento na
temperatura corpórea, devido os cistos servirem de foco no desenvolvimento de infeções do
trato urinário (4,8). Os sinais clínicos podem aparecem tardiamente, nas idades de três e dez
anos (2).
Raças mais predisposta para DRP são principalmente persas e mestiços de persas (2),
o que condiz com a raça do paciente relatado. Gatos de pelo curto e sem raça definida também
podem ser portadores da doença no Brasil (6).
Costuma-se observar desidratação severa em casos de animais acometidos por esta
enfermidade, o que foi constatado no presente relato (8).
Na doença renal terminal ocorre disfagia, desconforto oral e êmese em 7,7% dos gatos
urêmicos. Ocorre estimulação da zona quimioreceptora pelas toxinas urêmicas, gastrite que
pode ser desenvolvida como resultado dos efeitos diretos das toxinas urêmicas (16).
Em gatos com DRP, os rins encontram-se aumentados e irregulares e o
desenvolvimento da doença renal pode acontecer após vários anos. Inicialmente, os cistos são
pequenos e localizados na região medular e, posteriormente, difundem-se para o córtex renal,
causando renomegalia progressiva. Geralmente animais mais velhos apresentam cistos de
maior tamanho e em maior número. No seguinte trabalho observou-se cistos de diâmetros
maiores comparados com os da literatura (3).
A habilidade de concentração de urina fica prejudicada à medida que os néfrons vão
sendo perdidos, isso resulta em uma hipertrofia compensatória e hiperfiltração dos néfrons
remanescentes e o resultado final é a poliúria e a polidipsia compensatória. Porém, se o
consumo de água do animal não atender a excreção renal da água, ocorre a desidratação (16).
Visto que a desidratação é responsável pelos sinais clínicos, tais como prostração,
fraqueza, constipação, a correção hidroeletrolítica é essencial (10-12).
Na DRP, a azotemia é provocada por disfunção renal. Os rins perdem a capacidade
seletiva e permitem que a água, vitaminas e proteínas, sejam eliminadas em maior quantidade,
e permitem que resíduos nitrogenados, sejam retidos. A azotemia geralmente está presente
quando 75% da função renal está prejudicada (17).
Nenhum exame clínico ou análise laboratorial é capaz de confirmar ou excluir o
diagnóstico; porém, a ultrassonografia permite o diagnóstico precoce da doença, isto é, antes
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do desenvolvimento da doença renal crônica, visualizando os cistos como estruturas anecoicas
e irregulares (5-9).
Geralmente, observa-se irregularidade no parênquima e alteração na estrutura renal
quando a doença está em estágio avançado, observado neste animal (3).
Quando apenas o consumo da dieta, não for capaz de normalizar a concentração de
fósforo sérico, se faz necessário utilizar quelantes intestinais de fósforo, que devem ser
administrados junto com a alimentação. O hidróxido de alumínio foi recomendado, já que é o
antiácido mais utilizado em cães e gatos (17). Foi prescrito omeprazol, já que inibidores da
bomba de prótons podem ser utilizados para diminuir distúrbios gastrointestinais causados
pela doença renal (13).
A hipertensão felina tem sido diagnosticada como primária ou secundária a condição
como a insuficiência renal crônica. O tratamento mais indicado para hipertensão arterial é por
meio do uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), impedindo a
vasoconstrição periférica e consequentemente aumento da pressão arterial (11); com isso, foi
prescrito maleato de enalapril. É necessária a monitoração estreita do paciente durante o
tratamento, assim como a reavaliação da terapia sempre que necessário (11). A manifestação
clínica da doença irá depender do grau de comprometimento do parênquima renal (3).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que o diagnóstico precoce da doença é de extrema importância para adoção
de medidas terapêuticas corretas, impedindo a progressão dos sinais e possibilitando assim
uma melhor qualidade de vida aos pacientes. É importante que a exclusão de animais
acometidos (principalmente gatos da raça Persa) da reprodução seja realizada, para que os
fatores genéticos não sejam repassados aos descendentes.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer ao professor Luis Emiliano Cisneros Alvarez pela cessão das
imagens da ultrassonografia do atual relato.
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Artigo recebido dia 01 de abril de 2016.
Artigo aceito para publicação dia 09 de junho de 2016.
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