benedito nicolau dos santos (1878-1956): intelectual, compositor

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Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória. v. 1,
Curitiba: Artembap, 2014.
BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956):
INTELECTUAL, COMPOSITOR, REGENTE, PROFESSOR
Esp. Angela Cristina Lorenzzoni1
[email protected]
Resumo
Nascido em Curitiba, Paraná, Benedito Nicolau dos Santos foi um intelectual que atuou
principalmente em sua cidade natal e em Paranaguá, no final do século XIX e na primeira
metade do século XX. Compositor, regente, escritor, crítico de arte, teatrólogo, professor e
membro de diversas associações artístico-culturais. Apresentamos o resultado parcial do
trabalho que tem como objetivos agrupar e acrescentar novos dados à sua biografia e
catalogar sua obra. O presente artigo é uma compilação dos dados esparsos existentes em
várias fontes e de depoimentos, buscando sistematizá-los.
Palavras-chave: Benedito Nicolau dos Santos; Compositores do Paraná; Música em Curitiba;
Música em Paranaguá.
BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956):
INTELECTUAL, COMPOSER, CONDUCTOR, PROFESSOR
Abstract
Born in Curitiba, Paraná, Brazil, Benedito Nicolau dos Santos was an intellectual who worked
mainly in his hometown and in Paranaguá, in the late nineteenth century and the first half of
the twentieth century. He acted as composer, conductor, writer, art critic, playwriter, teacher
and was member of various artistic and cultural associations. We present article is the result
of the partial work that aims to group and add new data to his biography as well as to catalog
his works. It is a systematization of sparse existing dada, found in various bibliographical
sources and interviews.
Keywords: Benedito Nicolau dos Santos; Composers of Paraná; Music in Curitiba; Music in
Paranaguá.
INTRODUÇÃO
1
Licenciada em Música pela Universidade Estadual do Paraná/Escola de Música e Belas Artes do Paraná
(Unespar/ Embap), integra o Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia, da Unespar/Embap, atuando na
linha de pesquisa em Música Paranaense.
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Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória. v. 1,
Curitiba: Artembap, 2014.
Segundo as biografias escritas por Maria Nicolas (1969, p. 174-176) e Marisa Ferraro
Sampaio (1980, p. 141-144), Benedito Nicolau dos Santos nasceu em Curitiba, Paraná, a 10
de setembro de 1878, e faleceu na mesma cidade no dia 9 de julho de 1956. Filho de Manoel
Gonçalves dos Santos e Benedicta da Trindade Ribas, casou-se em 1906 com Maria Luiza
Curial Pelissare, com quem teve dez filhos. Nenhum deles dedicou-se à música, embora entre
eles haja importantes intelectuais2. Era funcionário da Fazenda Federal, ocupação que
exerceu até a aposentadoria e que o levou a residir temporariamente em Foz do Iguaçu, no
Rio de Janeiro e em Paranaguá. Entretanto, foi principalmente em sua cidade natal, Curitiba,
e também em Paranaguá, que atuou como compositor, regente, escritor, crítico de arte,
teatrólogo e professor, ligado a diversas associações artístico-culturais e educacionais.
Fez o curso primário na escola fundada e dirigida pelo Prof. José Cleto da Silva3.
Transferiu-se para o Ginásio Paranaense, mas não concluiu o curso por motivos de saúde4.
Foi também aluno da Escola Normal e da Escola de Artes e Ofícios do Paraná.
De acordo com depoimento de Maria Antônia dos Santos Paula (1995), sobrinha e
afilhada de Benedito Nicolau dos Santos, este começou a interessar-se pela música quando
acompanhava as aulas de piano da única irmã, Carolina. O professor, cujo nome ainda não
2
Benedito Nicolau dos Santos Filho (Curitiba, 1914-1987) formou-se em Direito na Universidade do Paraná.
Lecionou em vários educandários e, como professor universitário, a cadeira de português do Curso de
Jornalismo nas Faculdades de Filosofia da Universidade Federal e da Universidade Católica. Membro do Centro
de Letras do Paraná, foi seu presidente no biênio 1972-1974 e vice-presidente nos dois anos seguintes. Foi
Secretário-geral do Conselho Diretor do Círculo de Estudos Bandeirantes e sócio do Instituto Histórico e
Geográfico do Paraná. Pesquisador do folclore paranaense, é autor de vários livros sobre o tema. Também
contista, foi farta sua colaboração em jornais e revistas paranaenses. Tomou posse na Academia Paranaense de
Letras em 1975, como 3º ocupante da Cadeira nº 16 (Dados Disponíveis na Página Eletrônica da Academia
Paranaense de Letras <http://www.academiapr.org.br/>; verbete intitulado José Nicolau dos Santos, Professor
Emérito e Reitor da Universidade Federal do Paraná... Acesso em: jul. 2014).
3
O Professor José Cleto da Silva (Paranaguá, 24 out. 1843-25 fev. 1912) desempenhou no estado do Paraná os
cargos de Delegado de Polícia, Administrador Geral dos Correios, Inspetor do Tesouro do Estado, Secretário de
Finanças do Estado e Deputado da Assembléia Provincial, além de exercer o magistério por 45 anos. O Grupo
Escolar Professor Cleto fundiu-se ao Ginásio Estadual Emiliano Perneta, ambos de 1º. Grau, originando o
Colégio Estadual Professor Cleto, situado na região central de Curitiba, que funciona ininterruptamente desde
1912 até os dias atuais. (Dados disponíveis na página eletrônica do Colégio Estadual Professor Cleto – Histórico,
em <http://www.ctacleto.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=30>. Acesso em: jul.
2014).
4
Esta informação é fornecida por Marisa F. Sampaio (1980, p. 142), que não especifica qual o problema de
saúde que impediu Benedito Nicolau dos Santos a concluir o curso em questão.
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foi possível saber, ia até a casa da família para as aulas e, conforme o costume da época, a
moça não podia ficar a sós com o mestre. Era então Benedito quem permanecia na sala
durante todo o tempo da aula. Assim que Carolina deixava o piano, ele praticava com afinco
os ensinamentos do professor.
Sua formação musical formal deu-se em caráter particular com o Prof. Joaquim
Fernandes da Silva, com quem teve aulas de piano, violino e solfejo. Estudou violoncelo com
o maestro italiano Adolfo Corradi5 e harmonia e composição com Francisco Rodrigues
Maiquez6, maestro espanhol, ambos estabelecidos em Curitiba. Na orquestra do maestro
Francisco Rodrigues Maiquez, tocou violoncelo. Durante sua estada na cidade do Rio de
Janeiro, Benedito Nicolau dos Santos frequentou o Conservatório Livre do maestro Cavalier
Darbilly7. Retornando a Curitiba, aprimorou-se por meio de estudos e pesquisas sobre
música (SAMPAIO, 1980, p. 142).
Neste trabalho, em desenvolvimento junto ao Grupo de Pesquisa em Estudos em
Musicologia, linha de pesquisa em Música Paranaense da Unespar/Embap e ao CNPq, sob a
orientação da Profa. Dra. Elisabeth Seraphim Prosser, pretende-se sistematizar e enriquecer a
biografia de Bendito Nicolau dos Santos, bem como catalogar sua obra, visando também
editá-la. O texto aqui apresentado consiste no resultado parcial dessa pesquisa e está dividido
em pequenas seções com o intuito de organizar a multiplicidade de atuação do biografado.
5
Segundo Marisa F. Sampaio (1980, p. 167 e 159, respectivamente), “o maestro Adolfo Corradi, italiano de
nascimento, chegou em Curitiba lá pelos fins do século XIX. Músico completo, dedicou-se ao ensino e à
regência. Seu instrumento era o violoncelo.” Foi um dos principais professores da Escola de Belas Artes e
Indústria do Paraná, criada em 1886 por iniciativa de Antônio Mariano de Lima.
6
O espanhol Francisco Rodrigues Maiquez era “compositor e regente da orquestra da Companhia de Zarzuelas
‘Maria Alonso’. Radicou-se em Curitiba lecionando piano e teoria, e partiturando músicas para duas bandas
militares” (SAMPAIO, 1980, p. 142).
7
O músico brasileiro Carlos S. Cavalier Darbilly (Rio de Janeiro, 1846 - São Paulo, 1918), estudou na França com
patrocínio do Imperador D. Pedro II. Retornou ao Rio de Janeiro em 1871, passando a atuar como professor de
piano no Conservatório, depois Instituto Nacional de Música. Ministrou, também, aulas de matérias teóricas e
composição no Liceu de Artes e Ofícios. Fundou o Conservatório Livre de Música em 1890. Como compositor,
criou obras para canto, “operetas e música para o teatro de revista na sua fase inicial. (...) O nome de Cavalier,
como compositor e regente, surge juntamente com outros nomes da história da música ligeira e popular da
época, entre eles o de Chiquinha Gonzaga (1847-1935)” (BISPO, 2009).
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COMPOSITOR
A produção composicional de Benedito Nicolau dos Santos contabiliza cerca de
duzentas obras: hinos, canções, valsas, polcas, tangos, schottisch, peças de cunho religioso e
quatro operetas, entre outras. Datam de 1906-1907 suas primeiras composições, quando
frequentava o Conservatório Livre Darbilly, no Rio de Janeiro e, posteriormente, em
Paranaguá. Nessa cidade, manteve uma pequena orquestra e escrevia seu repertório, que
era executado no cinema mudo e nas funções religiosas (SAMPAIO, 1980, 141-144).
Localizamos parte do acervo musical de Benedito Nicolau dos Santos no Museu da
Imagem e do Som (MIS) em Curitiba, onde há um álbum com cerca de cento e vinte
partituras manuscritas assinadas pelo compositor. Em grande parte das músicas consta a
indicação ‘Repertório Cine Paranaguá – 1908’. Algumas partituras deste mesmo álbum estão
inacabadas ou trazem o nome de outros compositores. No MIS encontramos também os
originais orquestrados da opereta Marumby, de Benedito Nicolau dos Santos, e sua redução
para piano. Acreditamos que este acervo não contempla a totalidade da sua obra, pois
coincide apenas parcialmente com a relação de composições listadas por seu filho, Benedito
Nicolau dos Santos Filho (Rumo Paranaense, s.d., p. 17-18), e pela pesquisadora Marisa
Ferraro Sampaio (1980, p. 141-142). Entretanto, pretendemos futuramente localizar,
catalogar e, principalmente, editar todo o material referente ao compositor.
A temática das operetas, as letras das composições populares e a própria música de
Benedito Nicolau dos Santos estão repletas de referências paranistas8. É possível observar a
8
“Desencadeado, inicialmente, na literatura, por Romário Martins, na virada para o século XX, o Paranismo
consistia na valorização do genuinamente paranaense, especialmente do índio, do pinheiro e do pinhão. Por
parte de alguns, como Romário Martins, tratava-se de um movimento ‘visceral’, constituindo o ‘único caminho
possível’. Por parte de outros artistas, traduzia-se na utilização de temas locais como motivo e/ou inspiração em
suas obras. A concluir por escritos dos intelectuais da época, era fruto, também, de uma espécie de reação
contra a cultura estrangeira vigente, bem como contra os “estrangeirismos” dos diversos grupos de imigrantes e
seus descendentes. Nas artes plásticas, seus maiores representantes foram Ghelfi, João Turin e Lange de
Morretes. Além deles, músicos como Benedito Nicolau dos Santos, Bento Mossurunga e Antonio Melillo, e
empresários como João Groff, da revista Illustração Paranaense, lutaram por essa ideologia e por esse “estilo”.
Ressalte-se a presença, no movimento, de imigrantes e de descendentes de imigrantes já residentes na região
havia algum tempo. Enquanto Romário Martins valorizava as lendas indígenas paranaenses, como o mito do
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existência de especificidades regionais, como citações de canções folclóricas, contextos
sociais locais, imigrantes italianos, alemães e poloneses, neve em Curitiba, as araucárias, o
pico do Marumby, além de danças como a quadrilha e o fandango. Tiago Portella (2012, p.
17-18) destaca que o “interesse dos artistas pelas características da cultura dita popular”
intensificou-se a partir da emancipação do estado do Paraná, em 1853. Refere-se a Benedito
e a outros compositores que “produziram expressivas obras da música popular na capital
paranaense”. Ressalta a importância do recente mercado editorial da época, que
proporcionou a divulgação de muitos desses compositores. Novamente menciona o
compositor, afirmando que “A primeira partitura tipografada no Paraná, em 1898, foi a polca
Novo mundo, do flautista, violonista e já citado compositor Benedito Nicolau dos Santos,
considerado gênio em seu tempo por sua significativa contribuição para as artes”.
Benedito Nicolau dos Santos desempenhou importante papel na história do gênero
musical Choro no Paraná. Como o choro era frequente no repertório de pianistas e
orquestras que tocavam em salas de cinema no Brasil, várias obras compostas por ele para o
repertório de sua orquestra, que tocava no Cine Paranaguá, pertencem a esse gênero.
Quanto às suas operetas, A Vovozinha, com libreto de Emiliano Perneta9, foi estreada
no dia 13 de maio de 1913 no Clube Literário de Paranaguá. Posteriormente, em 1921, foi
apresentada em Curitiba e Ponta Grossa. Em 1928 estreou, no Teatro Guaíra em Curitiba,
Guairacá, a pinha, o pinhão e o pinheiro tornaram-se símbolos, aparecendo, a partir de então, nas calçadas da
cidade, nos quadros, nas molduras, em móveis, em adornos arquitetônicos e em paredes. Inserindo elementos
singulares na arquitetura e nas artes, legitimava-as como paranaenses. Motivos musicais baseados em canções
tradicionais ou em gêneros populares, textos exaltando fatos, impressões e situações locais eram utilizados na
composição. [...] Esse movimento coincide temporalmente com o movimento modernista e com o período de
impacto da Semana de Arte Moderna. Sob este aspecto, pode ser encarado, ainda, de um lado, como uma
reação local a um modernismo essencialmente paulistano pelo qual não queria deixar-se engolfar. De outro,
inspira-se nas teorias e nos ideais de regionalidade presentes nele” (PROSSER, 2004, p. 153-155).
9
Emiliano David Pernetta (Pinhais, 1866 - Curitiba, 1921) Foi um dos fundadores da Academia Paranaense de
Letras (19/12/1912) e Patrono da sua cadeira de nº 30. Depois de formado na Faculdade de Direito de São
Paulo, foi para o Rio de Janeiro, lançando-se no jornalismo ao lado de Bilac, Pardal Mallet, Murat e outros. Mas
foi o encontro com Cruz de Sousa que alterou profundamente o rumo de sua poesia. Em Minas Gerais teve
curta carreira na Magistratura. Seriamente doente, retornou ao Paraná em 1896 e conquistou a cadeira de
Português do Ginásio Paranaense. Recebeu a consagração popular com a publicação de Ilusão. Em 20 de
agosto de 1911, no Passeio Público, foi coroado Príncipe dos Poetas Paranaenses (Dados disponíveis na página
eletrônica da Academia Paranaense de Letras <http://www.academiapr.org.br/>. Acesso em: jul. 2014. Verbete
Emiliano David Pernetta)
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Marumby, opereta em três atos cujo enredo versa sobre costumes paranaenses, tendo sua
letra sido escrita pelo próprio compositor. Há poucas referências sobre as outras duas
operetas: Pequena cantora, em três atos, sobre texto de Leôncio Correia10, e Rosa vermelha,
em apenas um ato, com letra do poeta simbolista José Gelbck (SAMPAIO, 1980, p. 142).
Acerca das dificuldades de se escrever e montar uma opereta na Curitiba do início do
século XX, são reveladoras as palavras do próprio Benedito Nicolau dos Santos, que
transcrevemos a seguir. Pela temática e pela citação de alguns personagens, acredita-se
tratar-se de Marumby:
Contento-me, porém, a crêr eu só no que digo. Dizendo o mais, também se vai ao
menos. Agora êste “menos” para dizer em música, na terra onde se é preciso, antes
de tudo, consultar o chefe de partido, o delegado de policia e a boa disposição dos
colegas, preferivel é passa-lo de menos a mínimo. […] Outra vez, instigado,
arrisquei-me a fazer aquele mínimo por encomenda. Digo por encomenda porque
já me contava incapaz de produzir algo por conta própria. Saiu uma como operêta
regional de cousas e costumes da terra. Resultado: - A policia depois de lêr e
autorisar a representação visitou-me quatro vezes, à casa. Denuncias haviam
surgido. Os consules reclamavam contra a inclusão de súditos, na peça. E para
evitar conflitos e complicações internacionais, cortou a policia um alemão, um
polaco e um italiano que haviam sido, à ultima hora, cunhados a conta dos que
faziam de personagens. Houve antes disso muito bate-boca, brigas, expulsão da
troupe que andou de Herodes para Pilatos, sem casa ou teatro para os ensaios,
além de exigências de pagamento adiantado disto e daquilo. A peça, porém, foi
empurrada e obteve brilhante sucesso de estreia na aldeia (SANTOS, 1936, v. 4,
Prefácio).
Em 1966, a Universidade Federal do Paraná promoveu a apresentação da opereta A
Vovozinha, em homenagem ao centenário de nascimento do poeta Emiliano Perneta. As
récitas aconteceram nos dias 7 e 9 de outubro no Auditório da Reitoria, com a participação
da Orquestra Juvenil da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Paraná sob a
10
Leôncio Correia (Paranaguá, 1865 - Rio de Janeiro, 1950), considerado poeta pela crítica, foi também
expressivo cronista, legando à posteridade fontes importantíssimas de memória. O livro Meu Paraná é um
retrato notável de locais e situações. Abolicionista e republicano, começou a atuar em Paranaguá. Envolveu-se
na Revolução Federalista ao lado dos legalistas, coincidindo a época com o mandato de deputado estadual que
exercia. Sempre ligado ao Paraná, especialmente a Curitiba e a Paranaguá, morou durante cinquenta anos no
Rio de Janeiro, onde exerceu funções de alta projeção: diretor do Ginásio Nacional (Colégio de D. Pedro II),
diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro e diretor da Imprensa Nacional e do Diário Oficial. Além da
Academia Paranaense de Letras, na qual foi fundador da Cadeira nº 9, pertenceu à Academia Carioca de Letras.
(Dados disponíveis na página eletrônica da Academia Paranaense de Letras <http://www.academiapr.org.br/>.
Acesso em: jul. 2014. Verbete, Leôncio Correia).
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regência do maestro Gedeão Martins, do Coral Martinus sob a regência da maestrina
Hildegard Soboll Martins e do Ballet do Clube Concórdia, coreografado pela Professora Mary
Alice B. Schlogel. Estas informações constam no programa da apresentação encontrado no
acervo da Biblioteca Pública do Paraná, editado pela Imprensa da Universidade Federal do
Paraná (PERNETA; SANTOS, 1966).
Recentemente uma nova montagem, bem mais simples, desta mesma opereta foi
realizada na Capela Santa Maria Espaço Cultural, entre os dias 21 e 23 de setembro de 2012.
Com direção musical da cantora Denise Sartori e a regência do compositor e maestro Jaime
Zenamon, contou com a presença de solistas, coro e, ao piano, Ben Hur Cionek. A Vovozinha
é considerada uma opereta infantil, aspecto controverso que ainda merece um estudo
detalhado.
Também no ano de 2012 temos a publicação do Songbook do Choro curitibano que
inclui quatro peças de Benedito Nicolau dos Santos: as polcas Luizinha e Não venhas, a
habanera composta em parceria com Corrêa Junior Mimosa morena e a valsa Vision d’amour.
MAESTRO
Benedito Nicolau dos Santos residiu em Paranaguá durante alguns anos11, a partir de
1907, trabalhando como Primeiro Escriturário da Alfândega. Todavia manteve suas atividades
relacionadas à música: “Naquela cidade portuária dirigiu uma pequena orquestra,
escrevendo para ela músicas próprias para o cinema mudo e para as funções religiosas.
Nessa pequena orquestra tocou Villa-Lobos, que por lá se encontrava” (SAMPAIO, 1980, p.
142).
As operetas compostas por Benedito Nicolau dos Santos eram apresentadas sob sua
regência. “Precisamente no dia 19 de dezembro de 1928, data comemorativa à Emancipação
Política do Paraná, aconteceu no Teatro Guaíra a estreia da opereta Marumby [...], sob o
11
Até o momento, não há como precisar o tempo que Benedito Nicolau dos Santos permaneceu em Paranaguá.
Entretanto nesta cidade estreou sua opereta A Vovozinha, em 1913.
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patrocínio da Sociedade Teatral Renascença”. Desta mesma Sociedade originava-se o elenco,
formado por artistas amadores. “A orquestra, com vinte e oito integrantes, todos professores,
foi dirigida pelo próprio autor, secundado por Ludovico Seyer e Wenceslau Schwansee”. Há
registros nos jornais da época sobre as oito consecutivas apresentações da opereta.
(SAMPAIO, 1980, p. 141).
PROFESSOR
O nome de Benedito Nicolau dos Santos é mencionado no primeiro livro de Atas das
reuniões da Congregação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), que abrange
o período de 1948 a 1988, como seu fundador e como docente da disciplina de Noções de
Ciências Físicas e Biológicas Aplicadas (PROSSER, 2004, p. 262-264). No já citado acervo do
MIS, encontramos quatro pequenas cadernetas com listas de chamada de alunos e outras
anotações pertinentes à disciplina que ministrava na Embap. Nas etiquetas há claras
referências à Escola e constam as datas de 1950, 1951, 1951 segundo semestre e 1952.
Além da Embap, segundo Sampaio (1980, p. 143), lecionou Português e outras
disciplinas no Colégio Paroquial de Paranaguá, matérias do Curso Básico e relacionadas às
Finanças na Academia Paranaense de Comércio e na Faculdade de Ciências Econômicas.
INTELECTUAL
Benedito Nicolau dos Santos escreveu também obras de musicologia: Tertúlias
musicais (quatro fascículos, 1953); Sonometria e Música (quatro volumes, entre 1931 e
1935); A pauta sinfônica e A pauta sintética (inéditas), além de Cantigas da infância (livro
didático com letra do poeta Francisco Leite, 1921) (SAMPAIO, 1980, p. 142). Verificou-se, no
acervo do MIS, a existência de aproximadamente trinta cadernos com rascunhos de textos
que contém seus trabalhos teóricos, preparação de aulas e anotações sobre temas diversos.
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Por Sonometria e Música obteve grande reconhecimento, como ressalta Ivan Aguilar
Fernandes (2000, p. 19): “Benedito Nicolau dos Santos, autor de Sonometria e música, [foi]
apontado por Francisco Curt Lange12 como um dos maiores nomes em musicologia latinoamericana”.
Leôncio Correia, convidado para prefaciar a obra, resume o conteúdo dos quatro
volumes:
Sonometria e Música – foi o título escolhido pelo autor do presente livro. O título
condiz com o assumpto geral da obra, porque, de facto, é do “som”, considerado
como individualidade physica, geometrica e numericamente determinado, que
parte o autor para o campo de suas investigações á ordem scientifica da musica. [...]
A parte histórica, que nos conta ter a musica evoluido penosamente do canto
monodico dos Gregos e do antiphonario ecclesiastico, tacteando pelo “discantus”,
pelo “falso-bordão”, do '”punctum contra punctum” dos primeiros divisadores da
polyphonia moderna, possui um alto interesse nas investigações do autor aos
equivocos e deslocamentos, que affirma permanecer em o actual systema de
temperamento. […] A parte esthetica, que se poderia denominar ontologica,
contêm grande cópia de dados scientificos concernentes a essa nova parte da
philosofia e da critica de arte, além de muitas idéas originaes sobre os grandes
problemas que afligem o pensamento antigo e contemporaneo (CORREIA. In:
SANTOS, 1933, v. 1, p. I-II).
Dentre as muitas críticas elogiosas a esta obra (Rumo Paranaense, s.d., p. 12-16),
Silveira Neto (Morretes, 1872 - Rio de Janeiro, 1942), importante poeta simbolista, afirmou
ao jornal Diário da Tarde, do Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1935:
O autor de Sonometria e Música e de tantas laudas musicais, do acervo artístico do
Paraná, realiza, com talento e admirável extensão de conhecimentos, dentro e fora do
assunto de sua especialidade, este vitorioso conjunto da inteligência. A sua obra, de
renovamento da Ciência Musical, põe-no em plano arrojado e culminante entre os
teoristas da grande Arte, no presente brasileiro. (In: Rumo Paranaense, s.d., p. 15).
Oswaldo Piloto, destacado intelectual da época, transcreveu em nota à Gazeta do
Povo de 10 de novembro de 1933 a carta de Mário de Andrade a Benedito Nicolau dos
Santos sobre Sonometria e Música:
12
Francisco Curt Lange (1903-1997), musicólogo alemão radicado no Uruguai, desenvolveu as primeiras
pesquisas sobre a música colonial hispano-americana e brasileira. Em 1935 iniciou a publicação do Boletín
Latino-Americano de Música e, em 1938, fundou o Instituto Interamericano de Musicologia, em Montevideo
(SADIE, 2001, p. 239). Suas iniciativas pioneiras tiveram ampla influência sobre as pesquisas musicológicas no
continente.
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Só depois desse trabalho, tão penoso quanto a doença, é que de volta a São Paulo,
pude entregar-me à leitura do seu livro e fazer inteira justiça ao seu esforço admirável
de enriquecer a musicologia nacional, com um trabalho de valor. O seu trabalho, na
sua concepção arrojada, na sinceridade do artista que o produziu, na erudição de que
esse artista procura cercar-se, causa-me a admiração mais sincera. Pode ter a certeza
que hoje, cerco o seu nome do mais profundo respeito e que passei a contá-lo entre
os raros homens, da nossa terra, para os quais a Música vai além duma simplória
execução instrumental (In: Rumo Paranaense, s.d., p. 12-13).
Newton Sampaio (Tomazina, 1913 – Lapa, 1938), um dos mais importantes contistas
paranaenses, escrevendo para o jornal curitibano O Dia, em 4 de setembro de1939, faz sua
crítica sobre Sonometria e Música: “Nicolau dos Santos está realizando, sobre música, uma
obra de tal vulto, que poucas pessoas, no Brasil, o podem suficientemente, compreender”
(Rumo Paranaense, s.d., p. 13).
Benedito Nicolau dos Santos foi considerado uma das “personalidades significantes que
ministraram palestras em Curitiba entre os anos de 1945 a 1959” (CARLINI, 2005, p. 143),
promovidas pela SCABI - Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê. Conforme Maria Nicolas
(1969, p. 175), também realizou conferências no Instituto Nacional de Música acerca da
simplificação do sistema gráfico musical, tema este contemplado em suas obras teóricas.
Como “poeta, prosador, ensaísta, teatrólogo”, assim definido por Maria Nicolas (1969,
p. 175), Benedito Nicolau dos Santos foi ativo colaborador das revistas simbolistas O Sapo e
Azul, no início do século XX. Colaborava também com as revistas O Itararé, Prata da Casa,
Véritas, Correio dos Ferroviários e Marinha, esta última de Paranaguá, e com o Boletim Latino
Americano de Música, criado pelo já citado musicólogo uruguaio Francisco Curt Lange. Foi
fundador dos periódicos de orientação católica O Vigilante, em Paranaguá, e O Cruzeiro, em
Curitiba. Nos jornais curitibanos O Dia, Gazeta do Povo e Diário da Tarde, escrevia sobre
assuntos diversos e atuava como crítico musical, sob o pseudônimo de Jack Lino (SAMPAIO,
1980, p. 143).
Sobre suas peças para teatro existem poucas informações disponíveis, mas podem-se
citar as comédias Erros do coração, O homem de saias e Lição de amor (NICOLAS, 1969, p.
175). Publicou também Normas e fatos, em dois volumes, que datam de 1948 e 1949. Em nota
preliminar o autor comenta: “Os conceitos e normas aqui coletados ilustram fatos ocorridos
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durante os anos da guerra e foram, em maioria, comentados em aulas na Faculdade de
Ciências Econômicas da Academia Paranaense de Comércio” (SANTOS, 1948, p. 3).
Membro de diversas associações artístico-culturais, “pertenceu ao Círculo de Estudos
Bandeirantes, na qualidade de fundador” (NICOLAS, 1969, p. 175). Foi também um dos
fundadores da Sociedade de Socorro aos Necessitados. Participava da Academia Paranaense
de Letras (cadeira nº 16), do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Paraná, do Centro
de Letras do Paraná, do Instituto de Musicologia de Montevidéu e da Academia José de
Alencar (SAMPAIO, 1980, p. 143). “Recebeu título de Doutor Honoris causa de Universidades
estrangeiras” (NICOLAS, 1969, p. 175). Fundador da cadeira de nº 19 da Academia Brasileira
de Música, cujo patrono é Brasílio Itiberê.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do exposto pode-se inferir que Benedito Nicolau dos Santos foi um homem
extremamente ativo e respeitado tanto como compositor e regente, quanto como professor
e intelectual, conforme os depoimentos de importantes personalidades da sua época. Sua
produção musical, teatral, literária, jornalística e científica merece não apenas uma
compilação, mas um estudo aprofundado, especialmente o livro Sonometria e Música (em
quatro volumes), não apenas como obras em si, mas também como reveladoras do
pensamento e do contexto social e cultural da sua época. Com grande repercussão,
referendada pelos inúmeros comentários publicados na imprensa de Curitiba, Rio de Janeiro,
São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Montevidéu, considerada inovadora e relevante,
Sonometria e Música instiga a curiosidade, tanto pelas inúmeras críticas positivas que
recebeu quanto pelo seu conteúdo.
Investigando a pluralidade de atividades Benedito Nicolau dos Santos, acreditamos
colaborar para a preservação da cultura paranaense e brasileira e para a instigação do
interesse por pesquisas sobre deste intelectual nas diversas áreas em que atuou.
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Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória. v. 1,
Curitiba: Artembap, 2014.
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