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XI Semana Nacional de Oceanografia, Rio Grande-RS. Pelotas: Universitária/UFPel. p. 63-65
ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA) DA BARRAGEM DO RIO SANTANA, ILHÉUS,
BAHIA: ANÁLISE CRÍTICA.
FIDELMAN, P. I. J.
Palavras-chave: Estudo de impacto ambiental; Manguezal; Ilhéus (BA)
INTRODUÇÃO
O instituto da avaliação de impacto ambiental (AIA) no Brasil foi regulamentado através da
Resolução CONAMA 001/86, estabelecendo obrigatoriedade da elaboração e apresentação de
EIA/RIMA para licenciamento de empreendimentos que possam modificar o meio ambiente. Devido a
um dispositivo da Resolução, onde o interessado pelo empreendimento fica impedido de realizar seu
próprio EIA, desenvolveu-se um mercado de prestação de serviços originando o que se convencionou
chamar de "industria do RIMA". Muitos dos EIA/RIMAs produzidos por esse mercado pecam por sua
qualidade, onde alguns não passam de meras compilações de dados secundários, outros não apresentam
consistência científica, trazendo dados incoerentes e por vezes contraditórios. Ademais, os órgãos
estaduais, responsáveis pela apreciação desses documentos, nem sempre apresentam equipe
profissional suficientemente capacitada para tal tarefa (Sánchez, 1993). Esse quadro tem contribuído
para reduzida eficiência dos EIA/RIMAs como ferramenta para implantação do processo de AIA na
gestão ambiental brasileira.
O licenciamento para construção da barragem do Rio Santana, com finalidade de captar água
para abastecimento público no Município de Ilhéus, Bahia, exigiu a elaboração de EIA, contratado pela
Empresa Baiana de Água e Saneamento (EMBASA). O documento foi apresentado em junho de 1994,
sendo aprovado pelo órgão estadual competente. A barragem encontra-se construída e em
funcionamento.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo teve como objetivo avaliar os procedimentos e critérios utilizados para
elaboração do EIA da barragem do Rio Santana. Ênfase foi dada à análise da abordagem dispensada ao
ecossistema manguezal.
A metodologia de análise envolveu, basicamente, duas etapas: a) leitura do EIA, b)
identificação das informações nele contidas e se estas atendiam os requisitos recomendados, com base
na Resolução CONAMA 001/86. Com relação ao manguezal, considerou-se a metodologia
padronizada, recomendada por Schaeffer-Novelli & Cintron (1986) e o estudo de Fonseca (1995).
RESULTADOS
O EIA não atende aos principais requisitos exigidos pelos Art. 5o e 6o da Resolução CONAMA
001/86. Em conseqüência, sua qualidade como instrumento de gerenciamento, não só para o
empreendimento como também para o meio ambiente no qual está inserido, fica bastante
comprometida.
Quanto às alternativas tecnológicas e locacionais para o empreendimento, estas não foram
tratadas. No diagnóstico ambiental, o meio físico não foi caracterizado adequadamente. Os dados
meteorológicos restringem-se a valores anuais de precipitação e de temperatura, inviabilizando
principalmente o entendimento do balanço hídrico da área de estudo, fundamental no caso em questão.
A caracterização geológica, geomorfológica e pedológica encontra-se predominantemente baseada em
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informações secundárias, as quais nem sempre apresentam escala adequada com a escala de estudo
adotada pelo EIA. Com relação aos recursos hídricos, o Rio Santana não foi abordado no contexto da
sua bacia. Características físicas da referida bacia foram negligenciadas, bem como informações
básicas de sua hidrologia superficial. Informações referentes a oceanografia física, tais como regime
das marés, correntes e variação de salinidade no estuário, estão ausentes. A amostragem realizada para
avaliação da qualidade das águas foi feita de maneira inadequada, não sendo representativa espaçotemporalmente. O EIA não revela os métodos
utilizados para determinação e análise dos diversos parâmetros. Os usos da água são pobremente
caracterizados, ficando resumidos à pesca e banho, sendo negligenciados navegação, recreação,
preservação da fauna e da flora, entre outros. Não apresenta também qualquer referência com relação à
disponibilidade de água, considerando os usos atuais e os projetados.
As informações sobre o meio biótico encontram-se fragmentadas e dispersas em dois blocos:
flora e fauna, tornando difícil o entendimento dos ecossistemas em termos de estrutura e dinâmica
funcional. Informações a respeito das restingas são incluídas, embora esse ecossistema não ocorra na
área de influência delimitada pelo EIA. Por outro lado, os ecossistemas aquáticos foram bastante
negligenciados, principalmente o sistema estuarino. Não são reveladas as técnicas utilizadas para
levantamento da fauna e flora. A identificação das espécies animais ficou restrita aos seus nomes
populares. A ictiofauna é referida como sendo composta por peixes e crustáceos. Afirmações
relacionadas à diversidade, abundância e dinâmica populacional da fauna, são feitas baseadas em
informações genéricas a respeito das modificações ambientais regionais e locais. As inter-relações
entre fauna-fauna, fauna-flora, quando mencionadas, aparecem de maneira superficial.
A caracterização do meio antrópico consta de uma extensa compilação de dados das variáveis
socio-econômicas para o Município de Ilhéus. No entanto, o Povoado do Rio do Engenho, local onde
se instalou a barragem, foi totalmente negligenciado.
Para análise dos impactos ambientais o EIA não menciona os métodos utilizados para
identificação dos mesmos, bem como as técnicas utilizadas para previsão de sua magnitude. Alguns dos
critérios adotados para interpretação e análise das interações desses impactos, são baseados nas
informações contidas no diagnóstico ambiental, comprometendo bastante essa etapa tendo em vista a
má qualidade da caracterização ambiental realizada.
Algumas das medidas mitigadoras propostas são desconectas com os impactos identificados.
Entre elas, encontram-se recomendações a respeito dos cuidados com o uso de explosivos. Com relação
ao plano de monitoramento, alguns estudos propostos deveriam ter sido realizados quando do
diagnóstico ambiental, como o monitoramento da qualidade da água. Outros não indicam os métodos
de coleta e análise, dimensionamento, periodicidade e distribuição espacial da rede de amostragem. Em
suma, o plano de monitoramento proposto não viabiliza o acompanhamento da evolução dos possíveis
impactos decorrentes da instalação do empreendimento.
À respeito da abordagem dispensada aos manguezais, as técnicas usuais para identificação,
caracterização estrutural e funcional desse ecossistema não foram utilizadas.
Os dados são predominantemente de natureza secundária, e exclusivamente qualitativos. A linguagem
utilizada não é a técnica. Os conceitos apresentados não correspondem aos empregados usualmente na
descrição deste ecossistema. O prognóstico dos impactos carece, de embasamento em um diagnóstico
adequado do ecossistema, como de fundamentação na literatura cientifica conhecida. O plano de
monitoramento proposto não conseguirá acompanhar as prováveis alterações resultantes da
implantação da barragem, em virtude do exposto.
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DISCUSSÃO
Este estudo vem corroborar com os resultados encontrados por Fonseca (1995). Analisando os
EIA/RIMAs sobre manguezais no Estado de São Paulo, essa autora constatou que as informações
contidas nestes documentos são predominantemente qualitativas. Há predomínio de descrições teóricas
para estabelecer as principais propriedades desses ecossistemas. Ainda segundo aquela autora, os
prognósticos dos impactos não são fundamentados na literatura sobre impactos em manguezais. As
técnicas de campo utilizadas nos estudos de manguezais, mesmo que de fácil aplicação e amplamente
empregadas em estudos com diversas finalidades, ainda não foram incorporadas na elaboração dos
EIAs.
Os resultados encontrados denotam claramente a falta de preparo da equipe técnica para
elaboração do EIA em questão. Esse tipo de estudo exige além de uma equipe multidisciplinar,
coordenação que viabilize uma abordagem global e integrada nas diferentes fases da avaliação dos
impactos ambientais, como preconizado pela Resolução CONAMA 001/86.
De acordo com o estudo de Agra (1993), onde são caracterizados os principais problemas na
aplicação da AIA no Brasil, os EIA/RIMAs produzidos no país - de maneira geral - não cumprem os
principais requisitos conceituais e técnicos exigidos. Destacam-se o negligenciamento da análise de
alternativas locacionais e/ou tecnológicas, e a precariedade dos procedimentos utilizados na avaliação
dos impactos. Como resultado, temos o comprometimento da eficiência do processo de AIA na gestão
dos recursos naturais.
É preciso atentarmos para o risco da banalização e conseqüente descrédito desses documentos,
em virtude das dificuldades e deficiências mencionadas. Desde que superados os entraves, a AIA
poderá constituir-se em poderoso instrumento no processo de proteção ambiental, também no Brasil.
AGRADECIMENTO
À Profa. Dra. Yara Schaeffer-Novelli, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, pelas
sugestões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGRA, S.S. 1993. Situação Atual e Perspectivas da Avaliação Ambiental no Brasil. In: Sánchez, L.E.
(org.). Simpósio Avaliação de Impacto Ambiental: Situação Atual e Perspectivas. São Paulo.
Escola Politécnica da USP.
FONSECA, I.A.Z. 1995. Uma Revisão dos EIA/RIMA sobre Manguezais. Dissertação de Mestrado.
São Paulo. PROCAM/USP.
SÁNCHEZ, L.E. 1993. Avaliação de Impacto Ambiental: Situação Atual e Perspectivas. In: Sánchez,
L.E. (org.). Simpósio Avaliação de Impacto Ambiental: Situação Atual e Perspectivas. São
Paulo. Escola Politécnica da USP.
SCHAEFFER-NOVELLI, Y. & CINTRON, G. 1986. Guia para Estudos de Áreas de Manguezal:
Estrutura, Função e Flora. São Paulo. Caribbean Ecological Reseach.
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