A incidência de lesões pré-cancerígenas e câncer de colo uterino

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Saúde Coletiva em Debate, 1(1), 91 - 101, out. 2011.
A incidência de lesões pré-cancerígenas e câncer de colo uterino em
mulheres do município de Mirandiba-PE
The incidence of precursor lesions and cervical cancer in women of
Mirandiba country - Pernambuco
Suely Cristina Bezerra de Carvalho 1, Maria das Dores dos Santos1; Ângela Maria Sales
Barros1*
1
Faculdade de Integração do Sertão, Serra Talhada – PE.
Resumo: O câncer de colo uterino é responsável por grande parte da mortalidade de mulheres no
Brasil. O quadro é assustador devido à forma lenta de desenvolvimento da doença. Inicialmente,
apresenta-se assintomático, enquanto na fase tardia, surgem sangramentos durante as relações sexuais
e fora do período menstrual, corrimento vaginal purulento, obstrução do ureter, perda de apetite e
peso. As causas não estão totalmente esclarecidas, mas há provas de que as alterações no colo
relacionam-se à presença do Vírus Papiloma Humano (HPV) no epitélio cervical. O diagnóstico é
realizado através de exames citológicos e posterior colposcopia, para detectar vestígios de displasia
cervical e identificar uma lesão pré-maligna que pode evoluir para um quadro invasivo. No presente
trabalho, utilizamos uma amostra constituída de 42 mulheres residentes em Mirandiba-PE, com idades
entre 25 e 59 anos, todas com diagnósticos de lesões de baixo grau, lesões de alto grau , ou
carcinomas, selecionadas a partir dos prontuários de atendimentos das Unidades Municipais de Saúde
da Família, no período de 2001 e 2010. O estudo possui abordagem quantitativa, exploratória e
descritiva, fundamentado na observação direta e indireta com o objetivo de identificar a eficácia do
trabalho das equipes de saúde do município, na área de prevenção de câncer de colo uterino. A análise
dos dados obtidos permitiu a conclusão de que o câncer de colo do útero apresenta um grande
potencial de prevenção e cura, desde que diagnosticado precocemente, enfatizando a importância da
participação dos profissionais de saúde pública em atividades educacionais, de assistência e pesquisa.
Palavras-chave: Papanicolau; HPV; Câncer
Abstract: The cervical cancer has been responsible for much of the mortality of women in Brazil. The
scary part is due to the slow development of the disease. In early stage, cancer is asymptomatic, while
in the late, bleeding occur during sex and outside the menstrual period, purulent vaginal > discharge,
ureter obstruction, appetite and weight loss. The causes are not fully understood, but there are
evidences that changes in the cervix are associated with the presence of Human Papillomavirus (HPV)
in cervical epithelial cells. It is diagnosed by cytologic examination and later colposcopy, to detect
traces of cervical dysplasia and to identify an early precursor lesion which can to develop into an
invasive framework. In this work, we used a sample consisting of 42 women residing in Mirandiba
county-PE, aged between 25 and 59 years, all with low-grade lesions diagnostics, high-grade lesions,
or carcinomas, selected through of the records attendances of family health units in the period 2001
and 2010. The present study is exploratory and descriptive, quantitative approach, based on direct
observation and indirect aiming to identify the effectiveness of the work of the county health teams , in
the area of prevention of cancer of the cervix. The analysis of date obtained led to the conclusion that
cervical cancer presents a great potential for prevention and cure, since diagnosed early enough,
emphasizing the importance of the participation of public health professionals in educational activities,
assistance and research.
Keywords: Papanicolau; HPV; Cancer
Autor para correspondência: Angela Maria Sales Barros. R. João Luis de Melo, 2110, Bairro Tancredo Neves,
CEP 56909-205 Serra Talhada-PE. Brasil. E-mail [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
O câncer de colo uterino é uma
afecção
progressiva
iniciada
com
transformações intra-epiteliais que se
sucedem podendo evoluir para um
processo invasor num período que varia de
10 a 20 anos. No Brasil, o câncer de colo
do útero é o terceiro câncer mais incidente
na população feminina, ocupando a
primeira e segunda posição o câncer de
pele não melanoma e o câncer de mama
respectivamente (BRASIL, 2010). O
câncer de colo é responsável por
aproximadamente 10% dos casos de
cânceres em mulheres, ocorrendo 500 mil
casos novos ao ano no mundo e duas
mortes por minuto. No Brasil somente 20%
dos pacientes são submetidos à coleta de
material
para
citologia
oncótica
(FRANCO, 2007).
É recomendado que as mulheres
com vida sexual ativa entre 25 e 59 anos
realizem o exame com periodicidade de
três anos após dois resultados normais
consecutivos com intervalo de um ano
(BRASIL, 2003).
O Ministério da Saúde afirma que,
apesar das ações de prevenção e detecção
precoce desenvolvidas no Brasil, as taxas
de incidência e mortalidade têm-se
mantido praticamente inalteradas ao longo
dos anos. O diagnóstico tardio do câncer
provavelmente está relacionado a diversos
fatores, entre eles à dificuldade de acesso
da população aos serviços de prevenção, à
baixa capacitação dos recursos humanos
envolvidos com a atenção oncológica, à
incapacidade do sistema público em
absorver a demanda que chega às unidades
de saúde e à dificuldade dos gestores
municipais e estaduais em definir ações
que envolvam todos os níveis de atenção:
promoção,
prevenção,
diagnóstico,
tratamento, reabilitação e cuidados
paliativos (BRASIL, 2006).
No Brasil são estimados 18.000
casos novos de câncer cervical ao ano, com
um risco estimado de 18 casos a cada 100
mil mulheres. Em 2007, essa neoplasia
representou a quarta causa de morte por
cânceres em mulheres, com taxa de
mortalidade
(DIAS;
TOMAZELLI;
ASSIS, 2010).
1.1
Câncer
Predisponentes
de
Colo:
Fatores
O colo do útero é revestido por
várias camadas de células epiteliais
pavimentosas, arranjadas de forma
ordenada. A desordenação dessas camadas
é acompanhada por alterações celulares
que vão desde núcleos mais corados até
figuras atípicas de divisão celular. Se a
desordenação ocorre na camada mais basal
do epitélio estratificado, diz-se que há uma
neoplasia intraepitelial cervical de grau I
(NIC I), ou seja, ocupa 1/3 proximal da
membrana. Se a desordenação avança para
os 2/3 proximais da membrana, ocorre uma
neoplasia intraepitelial de grau II (NIC II)
e, se ocorre em todas as camadas fala-se de
NIC grau III ou alto grau (BRASIL, 2006).
Dentre as causas prováveis para
essas lesões, Singer e Monaghan (1995)
destacam que o Vírus HPV (Vírus
Papiloma Humano) é o principal agente
etiológico para cânceres de células
escamosas e suas precursoras, no trato
anogenital de homens e mulheres. A
infecção pelo HPV pode se manifestar de
três formas distintas. Na maioria das vezes,
a doença apresenta-se de forma
assintomática ou subclínica, com lesões
discretas (áreas acetobrancas tênues ou
micro-papilares, em focos satélites, fora da
zona de transformação, as chamadas
micropapilas) que são diagnosticadas
apenas pela colposcopia, após aplicação de
ácido tricloroacético a 3% ou 5% (a reação
química torna as células esbranquiçadas,
visíveis a olho nu). Pode ser realizado o
teste de Schiller, consiste na aplicação de
lugol (iodo a 5%), onde as células normais
ficam marrons e as alteradas amareladas. A
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forma clínica, por sua vez, apresenta lesões
aparentes de morfologia planas ou
exofíticas,
também
chamadas
de
condiloma acuminado, verruga genital ou
crista de galo. Na forma clínica
condilomatosa, as lesões podem ser únicas
ou múltiplas, restritas ou difusas e de
tamanho variável (BRASIL, 2006).
Por outro lado, a infecção pelo
HPV também pode se apresentar de forma
latente. Neste caso, há ausências de
evidências
clínicas,
colposcópicas,
citológicas e histológicas da lesão. O vírus
pode ser identificado através da técnica de
hibridização do DNA em indivíduos que
apresentem
tecidos
clínica
e
colposcopicamente normais. A transmissão
ocorre por via sexual, não sexual (familiar
ou nosocomial por fômites) ou maternofetal (gestacional intra e periparto). Dessas,
a via sexual representa a maioria dos casos
(PEREYRA; TACLA, 2000). Os locais
preferidos pelo HPV para desenvolver uma
infecção no homem são: a glande, região
perianal, a sínfise púbica o sulco
balanoprepucial. Na mulher, a vulva, o
períneo, a região perianal, a vagina e o
colo uterino são os locais de maior
aparecimento (CALDAS, 2010).
De acordo com Brasil (2010), os
principais fatores de risco para o câncer de
colo uterino estão relacionados à existência
de múltiplos parceiros sexuais, tabagismo,
doenças
sexualmente
transmissíveis
(DSTs), uso prolongado de pílulas
anticoncepcionais e ao início precoce da
atividade sexual. Neste ponto, Pedrosa;
Mattos; Koifman (2008) afirmam que, a
cérvice uterina de adolescentes estaria mais
vulnerável à infecção pelo HPV devido ao
maior número de células metaplásicas
presentes no colo. Além disso, essas
células por possuírem altas taxas de
mitoses, facilitariam a replicação do HPV.
Leal et al. (2003), por sua vez, apontam
que, a neoplasia estaria relacionada à idade
da primeira relação sexual, indicando que
quanto mais precoce a ocorrência do ato
sexual, maior a probabilidade de
aparecimento da doença, devido a
apresentarem zonas de transformação do
colo localizadas na ectocérvice, expondoas assim, a agentes causadores de
neoplasias.
Nobile e Tacla (2005), afirma que o
uso
ininterrupto
de contraceptivos
hormonais orais durante cinco anos ou
mais, está relacionado a uma maior
incidência do câncer in situ (inicial) e do
carcinoma invasor do colo. Uma
explicação possível, é a de que mulheres,
em uso desses contraceptivos, se protegem
menos com o uso de preservativos. Define
ainda, uma relação direta com a paridade:
quanto maior o número de gestações a
termo, maior o risco de neoplasia cervical.
Talvez pela maior incidência de ectopia
cervical ("feridinhas" no colo uterino)
nessas mulheres, o que aumenta o risco de
malignidades. Por outro lado, as condições
imunológicas
da
mulher
também
interferem na resolução do HPV.
1.2- Câncer de Colo: Diagnóstico e
Tratamento
Os principais sintomas do câncer de
colo uterino consistem na eliminação de
secreção aquosa freqüente, perceptível
após relações sexuais ou ducha,
sangramentos irregulares entre os períodos
menstruais ou após a menopausa
(sinusorragia), dores nas pernas, disúria,
sangramento retal e edema de membros. À
medida que a doença progride invade os
tecidos fora do colo, como as glândulas
linfáticas anteriores ao sacro. Os nervos
ficam mais sensíveis e doloridos e pode
ocorrer anemia (SMELTZER; BARE,
2005). De acordo com Franco (2007) é
comum as pacientes também apresentarem
corrimento abundante e fétido, provocado
por necrose e infecção.
As alterações cervicais geralmente
são diagnosticadas através da tríade:
citologia, colposcopia e anatomopatologia.
Mais recentemente, técnicas de biologia
molecular
(“captura
híbrida”)
têm
auxiliado no diagnóstico das lesões,
determinando o tipo e a carga viral, por
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célula, utilizando-se da detecção de
marcadores moleculares específicos (como
a proteína P16 existente somente em lesões
displásicas), como fatores de prognóstico
(SOUZA, 2007).
O diagnóstico da forma clínica da
infecção pelo papiloma vírus pode ser
realizado pela detecção de condilomas
confirmado pela biópsia. A colposcopia é
um método de diagnóstico por imagem,
empregado para estudar as variações
fisiológicas ou patológicas da mucosa do
tecido conjuntivo do trato genital inferior
(TGI) através de lentes de aumento e
aplicação de corantes específicos. O exame
colposcópico deve ser realizado após a
constatação de esfregaços anormais
detectados por exame de Papanicolaou.
Estas anormalidades variam de displasia
leve, displasia grave, lesões intraepiteliais
escamosas de alto grau (HSIL) e
carcinoma in situ. O carcinoma in situ é
definido como um câncer que se estende
pelo colo, mas não o ultrapassa.
O exame histológico é o padrão
ouro na determinação da necessidade de
tratamento das lesões de TGI, quando
houver: citologia suspeita, clínica de
câncer invasor, lesão por HPV em qualquer
região do trato genital inferior, avaliação
de paciente com cervicopatia clínica,
história de sinosorragia (sangramento após
relação sexual), teste de Schiller alterado,
leucorréia
recidiva,
delimitação
topográfica das lesões, terapêutica e
seguimentos das NICs, investigação da
cistite de repetição, parceiro com DSTs e
prurido
vulvar
(PEREYRA;
PARELLADA, 2003).
O diagnóstico também pode ser
feito
por
exames
radiográficos,
laboratoriais, biópsia por punção, dilatação
e curetagem, tomografia computadorizada,
ressonância
magnética,
urografia
intravenosa, cintilografia e exames
radiográficos baritados (exame que utiliza
o sulfato de bário como contraste para
facilitar a visualização do objeto a ser
examinado) (SMELTZER; BARE, 2005).
O tratamento das lesões aparentes
(condilomas) consiste na remoção das
lesões condilomatosas o que proporciona a
cura da maioria dos pacientes. As lesões
pré-cancerígenas, por sua vez, podem ser
tratadas por procedimentos biofísicos
como crioterapia, eletrocoagulação e
vaporização a laser, como também pelo
uso de substâncias e/ou fármacos como
aplicação de ácido tricloroacético a 5%
(ATA), podofilina, imiquimod creme 5% e
interferon, além de exérese cirúrgica
(BRASIL, 2006).
Em estádios iniciais do câncer, a
conização ou traquelectomia radical com
linfadenectomia por via laparoscópica,
devem ser considerados. Para lesões
invasoras pequenas (menores do que 2
cm), cirurgias menos radicais são indicadas
(BRASIL, 2010). Após confirmação de
NIC I, geralmente ocorre regressão
espontânea da lesão (apenas 11% das NIC
I evoluem para NIC II ou III). Nesse caso,
os procedimentos terapêuticos parecem ser
desnecessários. No entanto, corre-se o
risco de evolução para NIC II. Qualquer
tratamento ablativo como cauterização
elétrica, a laser ou a crioterapia, ou mesmo
excisão da zona de transformação ou
conização com bisturi a frio é aceitável
diante de uma NIC I com colposcopia
satisfatória. Entretanto, se a zona de
transformação não for visível, os
tratamentos ablativos são desaconselháveis
e apenas a conização com retirada de toda
a lesão faz-se necessária (DERCHAIN;
LONGATTO; SYRJANEN, 2005). O
Ministério da saúde recomenda ainda a
realização da CAF (Cirurgia de Alta
Freqüência) para retirada da lesão
localizada no colo (BRASIL, 2006).
Em lesões de alto grau quando há
detecção de microinvasão ou lesões
glandulares, a excisão da zona de
transformação, é o tratamento para NIC II
e III. A conização pode ser realizada com
bisturi frio ou a laser e por alça diatérmica.
A colposcopia deve preceder a conização,
pois o seu resultado determina a técnica a
ser utilizada. Após tratamento das NIC II e
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III, espera-se que ocorra a recidiva em 30
meses. O acompanhamento deve ser feito a
cada seis meses durante um período de
cinco anos, com citologia e colposcopia.
Por outro lado, o adenocarcinoma
in situ é a única lesão glandular
intraepitelial claramente caracterizada. É
menos frequente que as lesões escamosas e
está associada a HPV de alto risco
oncogênico. O tratamento é excisional e a
conização com bisturi é a conduta para
mulheres jovens com prole não definida.
Mulheres de mais idade e/ou com prole
definida podem ser submetidas à
histerectomia total como tratamento
definitivo (DERCHAIN; LONGATTO;
SYRJANEN, 2005). Franco (2007) propõe
alguns procedimentos para o tratamento do
câncer invasor do colo, e que incluem:
cirurgia (histerectomia),
radioterapia,
quimioterapia e quimiorradiação.
A promoção da saúde da mulher
consiste, portanto em incentivá-la a adotar
bons hábitos de vida como manter uma
alimentação saudável, atividades físicas
diárias, não ingestão de bebidas alcoólicas
e não fumar (BRASIL, 2010). Atualmente
já é possível prevenir o câncer cervical
através da imunização por vacinas contra o
HPV. Os dois tipos oncogênicos mais
comuns do vírus são responsáveis por 70%
de todos os casos de câncer de colo, e se
acham representados nas vacinas à base de
partículas virais sintéticas das proteínas L1
do HPV 16 e 18. Sabe-se que a melhor
utilização da vacina contra o vírus do HPV
deve ser para mulheres entre nove e
cinqüenta e cinco anos de idade
(HARPER, 2008).
Assim, considerando as altas taxas
de mortalidade feminina por câncer
cervical no País, da ausência de estudos e
dados quantitativos sobre a incidência da
doença no município de Mirandiba-PE e
do importante papel dos profissionais de
enfermagem na área de prevenção do
câncer de colo, surgiu o interesse em
estudar o comportamento epidemiológico
dessa neoplasia, avaliar a atenção
operacionalizada pelos profissionais de
saúde e gerar subsídios para auxiliar
gestores de saúde na formulação de
políticas públicas que garantam assistência
e qualidade de vida à mulher.
Os objetivos do presente trabalho
foram determinar a incidência de lesões
pré- cancerígenas e do câncer cervical em
mulheres do município de Mirandiba – PE,
quais os fatores de risco predisponentes e o
papel desempenhado pelos enfermeiros de
saúde pública do município, na prevenção
do câncer de colo uterino e nas condutas
aplicadas no tratamento de mulheres
portadoras da neoplasia. Com esses dados
espera-se contribuir na elaboração de
projetos para a melhoria das políticas
públicas relativas à saúde da mulher no
município.
2 METODOLOGIA
A presente pesquisa compreende
um estudo quantitativo exploratório, do
tipo descritivo, sobre a incidência de lesões
pré-cancerígenas e câncer de colo uterino
em mulheres do município de MirandibaPE .
A amostra foi constituída de 42
mulheres residentes em Mirandiba, com
idades entre 25 e 59 anos, selecionadas
através de informações obtidas nos
prontuários de atendimentos das Unidades
Municipais de Saúde da Família, no
período de 2001 e 2010. Todas as mulheres
apresentavam diagnósticos de lesões de
baixo grau (HPV e NIC I) ou lesões de alto
grau (NIC II e NIC III), ou carcinomas.
A pesquisa está de acordo com as
normas da Resolução 196/96 CNS/MS da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/
Conselho
Nacional
de
Saúde
(CONEP/CNS).
O projeto foi submetido e aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa das
Faculdades Integradas de Patos – CEP/FIP
pelo parecer consubstanciado nº 049/2011
e teve autorização da Secretária Municipal
de Saúde do município de Mirandiba, de
acordo com as normas estabelecidas para
pesquisas com seres humanos.
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Saúde Coletiva em Debate, 1(1), 91 - 101, out. 2011.
Como instrumento de investigação
as 42 mulheres foram submetidas às
entrevistas, através da aplicação de
questionários pré-codificados os quais
permitiram analisar a freqüência da
realização de exames citopatológicos
cervicais e o perfil das pacientes no que se
refere aos hábitos de vida, antecedentes
ginecológicos, situação socioeconômica,
nível de instrução, como também suas
opiniões acerca da qualidade dos serviços
oferecidos pela secretaria municipal de
saúde. Foram encaminhados ofícios às
Secretarias Municipal e Estadual de Saúde,
à Coordenadoria do Programa de Saúde da
Família e às Unidades de Saúde da
Família, solicitando a autorização da
pesquisa a ser realizada, com o objetivo de
obter permissão para que a mesma fosse
executada.
Além disso, foram realizadas
entrevistas com os responsáveis pelos
Programas de Atenção à Saúde da Mulher
(gestores,
enfermeiros,
médicos),
profissionais da Secretaria Estadual de
Saúde – 7ª GERES, além da coleta de
informações presentes em prontuários e/ou
livros de registros, nos achados presentes
na documentação de contra referência,
resultados anatomopatológicos de peças e
biópsias.
Os dados foram submetidos à
análise estatística descritiva, com estudo de
variáveis
relacionadas
às
pessoas
independentes do tempo e do espaço em
uma população feminina e heterogênea,
cujas variáveis assumiram a qualidade
pessoal. Tais variáveis, conforme citado
por Rouquayrol e Almeida (2003) e
também presentes neste trabalho, se
mostraram significativas no que se refere à
distribuição de doenças e causas de morte.
Entre essas se destacam: idade, nível sócio
econômico (ocupação, e renda per capita),
nível de instrução, doenças intercorrentes,
número de filhos, iniciação sexual e os
hábitos de vida (uso de drogas, tabagismo,
número de parceiros sexuais).
Os resultados obtidos foram
analisados, tabulados e comparados com o
que diz a literatura, os quais foram
consolidados e apresentados em forma de
gráficos e tabelas.
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
DE DADOS
O presente estudo abrangeu uma
amostra de 42 (quarenta e duas) mulheres
com idade entre 25 e 59 anos, que
apresentaram alguma forma de lesão
cervical diagnosticada como cancerígena
ou pré cancerígena.
Através da leitura de diagnósticos
presentes nos exames ginecológicos foi
possível constatar a presença, em 71% da
amostra, de lesões causadas por HPV e
NIC I (lesões de baixo grau), de lesões de
alto grau em 21% e carcinoma de colo em
apenas 7% da amostra. Das mulheres
diagnosticadas com lesões de baixo grau,
cerca de 33%, foram tratadas em
ambulatório com aplicação de ácido
tricloroacético a 5%, outras 43% foram
submetidas à eletro-coagulação ou
cauterização com bisturi elétrico e 7% com
CAF (Cirurgia de Alta Freqüência), 7%
realizou histerectomia e em cerca de 10%
das mulheres não se aplicou qualquer
terapia para a lesão, porque não houve
evolução da doença. Assim como afirma a
Derchain; Longatto; Syrjanen (2005),
espera-se que as lesões regridem
espontaneamente em 2/3 das mulheres.
A Figura 1 apresenta dados
referente a ocorrência de lesões no colo
uterino em faixas etárias diferentes, sendo
perceptível uma maior incidência em um
mulheres com idade de 25 a 29 (29%).
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Figura 1 - Incidência de lesões no colo do útero de acordo com a faixa etária em mulheres
atendidas pela Unidade de Saúde da Família na cidade de Mirandiba – PE
Lesões cervicais relacionadas com a faixa etária
Percentual de pacientes com
lesões cervicais
35%
30%
29%
25%
19%
20%
14%
12%
15%
10%
7%
10%
9%
5%
0%
Faixa etária
Nos casos das lesões de alto grau, a
CAF foi o procedimento mais utilizado
(67% das mulheres foram tratadas e
curadas com esta terapia), enquanto 22%
foram submetidas à histerectomia e 11%
aguardam procedimento de conização.
A amostra apresentou ainda, três
casos de carcinoma invasivo, dois dos
quais foram tratados por histerectomia e
um caso, a paciente se encontra em
tratamento com quimio e radioterapia na
cidade do Recife.
O perfil sócio-econômico das
mulheres entrevistadas é apresentado na
Tabela 1. Dessas, a maioria é constituída
25 a 29
anos
30 a 34
anos
35 a 39
anos
40 a 44
anos
45 a 49
anos
50 a 54
anos
55 a 59
anos
por agricultoras (38%), funcionárias
públicas (26%) e donas de casa (21%).
Apenas 19% das entrevistadas declararam
possuir renda acima de um salário mínimo.
Com relação ao nível de
escolaridade,
os
resultados
são
apresentados na Figura 2. A grande
maioria (59%) tinha escolaridade de
primeiro
grau,
mas um
número
significativo de mulheres com 2º Grau
completo (24%) e as que declararam ter
formação superior (12%), também
apresentaram lesões.
Tabela 1 - Distribuição de ocupações das mulheres da amostra
Ocupação
Quantidade de lesões
Doméstica
Agricultora
Autônoma
Funcionária Pública
Aposentada pelo INSS
Outra
TOTAL
9
16
2
11
2
2
42
Percentual na
amostra
21%
38%
5%
26%
5%
5%
100%
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde, Mirandiba-PE
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Figura 2 - Gráfico relacionando as lesões cervicais e o nível de instrução das pacientes
Percentual de pacientes com
lesões
Relação entre lesões cervicais e o nível de instrução das pacientes
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
38,00%
Analfabeta
24,00%
21,40%
1º grau
incompleto
1º grau completo
12,00%
2,3%
2,3%
2º grau
incompleto
2º grau completo
Superior
Nível de instrução
Os antecedentes ginecológicos das
42 mulheres mostraram que 36% delas
realizam acompanhamento ginecológico a
cada 6 meses, 45% a cada ano, 7% a cada
3 anos e um percentual de 12% de
mulheres raramente vão ao ginecologista.
Entre as pacientes entrevistadas 79%
tiveram entre um e três parceiros sexuais,
21% declararam ter tido vários parceiros.
A idade de iniciação sexual confirmou ser
um fator de risco associado à presença de
lesões, pois, 29 pacientes (69%) da
amostra estudada iniciaram sua vida sexual
entre 15 e 20 anos, três pacientes (7%) com
menos de 15 anos e 10 pacientes (24%)
acima de 20 anos, conforme apresentado
na Figura 3.
Percentual de pacientes com
lesões cervicais
Figura 3 – Gráfico representando a idade de iniciação sexual das mulheres e o percentual de
lesões do colo uterino
Relação entre lesões cervicais e a idade do primeiro coito
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
69%
24%
Menos de 15 anos
Entre 15 e 20 anos
Acima de 20 anos
7%
Idade da Iniciação sexual
Com relação ao nível de
informação sobre o acometimento por
doenças
sexualmente
transmissíveis
(DSTs), 62% das pacientes desconhecem
ou negam se já tiveram alguma DST. O
hábito de fumar não foi identificado entre
as mulheres da amostra como sendo um
fator de risco, visto que, 62% da amostra
não apresentaram história de tabagismo.
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Após análise dos dados obtidos,
verificou-se que o câncer de colo do útero
apresenta um importante potencial de
prevenção e cura. Praticamente 100% das
pacientes diagnosticadas precocemente
foram tratadas e curadas. Segundo o
DATASUS 5.146 mulheres residentes no
município de Mirandiba-PE realizaram
coleta para exame citológico de
Papanicolau nos últimos 10 anos, destas,
3.674 utilizaram os serviços de saúde do
próprio município.
Porém não foi
notificado o período de 2001 (conforme
afirmou a responsável pelo SISCOLO em
Pernambuco).
Não há informação acerca de
análises anatomopatológicas no período de
2001 a 2005. No entanto a Secretaria
Municipal de Saúde registrou os resultados
de pacientes que se submeteram a exames
histológicos nesse período. Este fato
sugere uma possível subnotificação dos
casos no período de 2001 a 2005. Entre
2006 e 2010 foram registrados no
SISCOLO vinte resultados de biópsias
realizadas, o quantitativo encontrado no
município foi superior ao registrado pelo
DATASUS.
A análise dos dados presentes em
livros, prontuários e registros de contrareferência da Secretaria Municipal de
Saúde demonstrou haver divergência nos
números apresentados, pois, há mais casos
registrados do que informa o SISCOLO.
As informações obtidas através do
programa SISCOLO do DATASUS
indicam os resultados da citologia com
dezoito casos de lesões de baixo grau e
sete casos lesões de alto grau e apenas um
único caso de carcinoma no município, no
período de 2001 a 2010.
A análise dos dados de lesões
diagnosticadas
pelo
estudo
anatomopatológico
informado
pelo
DATASUS constatou a presença de um
indivíduo com lesão de baixo grau, um
com lesão de alto grau, sete com lesões
produzidas pelo HPV, dois casos de NIC I
e um caso de NIC II.
As informações colhidas na
Secretaria Municipal de Saúde e USF
(Unidades de Saúde da Família) do
município permitiram a constatação de que
a freqüência de infecção em mulheres
jovens foi mais alta do que a apresentada
em mulheres acima dos trinta anos,
confirmando os dados da literatura (LEAL
et al., 2003; PEDROSA; MATTOS;
KOIFMAN, 2008), que sugerem que a
juventude e a precocidade na iniciação
sexual, podem estar associadas a uma
incidência aumentada desse tipo de
neoplasia. Na amostra estudada, 76% das
mulheres iniciaram a vida sexual antes dos
20 anos, a maior parte delas (69%) entre os
15 e 16 anos de idade.
Por outro lado, os dados coletados
na
pesquisa
não
se
mostraram
suficientemente confiáveis em relacionar
as DSTs e o surgimento de neoplasias
uterinas. Cerca de 62 % das mulheres
afirmaram não ter tido DSTs, embora 86%
das entrevistadas relatassem já terem se
utilizado de cremes e pomadas para
tratamento de infecções ginecológicas, o
que não significa DST, considerando que
muitos tratamentos são fungicidas. Os
dados
obtidos
não
demonstraram
associação entre ocorrência de lesões
cervicais e tabagismo.
As entrevistas realizadas com os
enfermeiros e médicos que tratam da saúde
da mulher nas USF de Mirandiba-PE
resultaram na informação de que as USF
atendem mensalmente uma média de 350
pacientes nos serviços de ginecologia,
porém têm problemas com o laboratório de
análises clínicas que atrasa na emissão dos
resultados conceituando o serviço como
eficaz,
porém,
insuficiente.
Os
profissionais de saúde entrevistados
sugeriram terceirizar análise citológica,
agilizar o seguimento, como também,
aumentar a freqüência de campanhas
educativas e de conscientização da
importância da prevenção do câncer de
colo do útero.
100
Saúde Coletiva em Debate, 1(1), 91 - 101, out. 2011.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados apresentados,
conclui-se que a infecção por HPV é um
fator predisponente e de grande
importância para o desenvolvimento de
lesões intraepitelias e consequente
evolução, para um processo maligno.
Assim, os exames para detecção do HPV
se tornam fundamentais para a antecipação
do tratamento e prevenção de câncer.
A pesquisa levou à compreensão de
que os baixos níveis sócio-econômicos, a
precocidade do inicio da atividade sexual e
a desinformação são fatores relevantes no
surgimento de lesões cervicais e que a
detecção
precoce
da
doença
é
imprescindível para obtenção da cura.
Não foi identificado qualquer caso
de óbito de mulheres no município de
Mirandiba/PE no período de 2001 a 2010,
causado por câncer de colo cervical na
amostra estudada. O serviço de ginecologia
e prevenção do câncer de colo de útero no
município tem correspondido à expectativa
da população a qual classificou como bom
ou ótimo (90%) podendo ser comprovado
pelo alto índice de cura na amostra em
questão.
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