CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EM GERIATRIA É importante assinalar que não existem doenças próprias do idoso, embora se coloque, em algumas, o apelido de senis, como acontece com a demência ou a osteoporose. Estas doenças podem manifestar-se em outras idades, mas são muito mais freqüentes neste grupo etário. A deterioração de órgãos e sistemas, que se produz com o envelhecimento, e acompanhada de perdas no âmbito social (aposentadoria, isolamento), econômicas e familiares (falecimentos, doença de pessoas próximas). Tudo isso gera medo, insegurança e dificuldades no acesso aos recursos de saúde e sociais. A peculiaridade das doenças geriátricas apóia-se na deterioração que acarreta sobre os aspectos funcional, mental e social do idoso. Funcional: pode aparecer uma incapacidade para as atividades básicas da vida diária (deambulação, alimentação, higiene, mudanças, vestuário e continência), assim como para as chamadas atividades instrumentais (tarefas domésticas, uso do transporte, manuseio do dinheiro e controle da própria medicação). Estas atividades são fundamentais para garantir a autonomia do idoso. A situação de incapacidade varia, dependendo do grau em que as atividades se vejam afetadas. Mental: as doenças podem afetar em nível cognitivo, limitando a memória e a capacidade de raciocínio e abstração, e em afetivo, predispondo a depressão. Social: o aparecimento de uma doença pode condicionar a internação em um lar de idosos, a necessidade de ajuda domiciliar e a impossibilidade de viver só. As três dimensões estão intimamente relacionadas no paciente geriátrico. Os idosos apresentam patologias com uma freqüência muito elevada (Segundo algumas estatísticas, até 80%). Freqüentemente, coexistem mais de uma doença (pluripatologia). Doenças mais freqüentes em geriatria 1. CARDIOVASCULARES: Insuficiência cardíaca; Hipertensão arterial; Infarto do miocárdio e angina de peito; Arteriopatias periféricas; Distúrbios venosos. 2. RESPIRATÓRIAS: Bronquite crônica; Pneumonia; Tuberculose; Câncer de pulmão. 3. DIGESTIVAS: Úlceras duodenais e gástricas; Câncer de estômago e de cólon; Hepatopatias crônicas; Cirrose; Prisão de ventre. 4.URINÁRIAS: Infecção urinária; Hipertrofia e câncer de próstata; Incontinência urinária. 5. HEMATOLÓGICAS: Anemia; Leucemias e linfomas; Mieloma múltiplo. 6. SISTEMA NERVOSO: Demências: doença de Alzheimer, demência vascular Doença de Parkinson Acidente Vascular Cerebral: trombose e embolia cerebral. 7. PSIQUIÁTRICAS: Depressão; Transtornos por ansiedade; Síndrome confusional aguda. 8. METABÓLICAS E ENDÓCRINAS: Diabetes melito; Desidratação; Alterações da tireóide; Obesidade. 9. REUMATOLÓGICAS E TRAUMATOLÓGICAS: Artrose; Osteoporose; Fraturas (quadris, rádio, úmero); Artrite reumatóide; Doença de Paget; Artrite da temporal e polimialgia reumática. 10. ÓRGÃOS DOS SENTIDOS: Visual: cataratas, glaucoma. Auditivo: tampões de cera, presbiacusia. Doenças mais incapacitantes em geriatria 1. 2. 3. 4. 5. 6. Aparelho locomotor: artrose, osteoporose. Acidentes vasculares cerebrais. Doenças cardíacas. Doenças respiratórias. Tumores malignos. Alterações dos sentidos. Reconhece-se uma série de problemas que, pela sua prevalência e relevância, denomina-se grandes síndromes geriátricas. A sua importância consiste no fato de que, podendo ser fruto de muitas patologias distintas, requerem tratamento específico. Grandes síndromes geriátricas: Instabilidade e quedas. Imobilidade. Incontinência. Deterioração mental. Déficit dos sentidos. Iatrogenia. Síndrome confusional aguda. Úlceras por pressão (escaras de decúbito). Desidratação e subnutrição. Características específicas das doenças Sintomas Sintomas tênues e atípicos Comparadas com o que acontece com os jovens, as doenças em geriatria podem ser um pouco sintomáticas; por exemplo, muitas infecções podem evoluir sem febre. A dor é outro sintoma que, às vezes, mostra-se atenuado ou mesmo inexistente, por exemplo, num infarto do miocárdio. Os sintomas são menos claros, as doenças aparecem de forma atípica; por exemplo, uma infecção urinária pode manifestar-se com um quadro de confusão aguda. Adaptação à doença Ocasionalmente, os idosos adaptam seu modo de vida à doença, o que dificulta a identificação do problema. Por exemplo, um paciente com insuficiência cardíaca, que sofra de dificuldade respiratória com o esforço, diminui progressivamente a sua atividade, e o sintoma permanece oculto; igualmente, um idoso com demência, que se perde na rua, deixa de sair. Sintomas sobrepostos Os idosos podem sofrer de várias doenças ao mesmo tempo, tornando-se difícil detectar novos sintomas. É de importância capital reconhecer o problema que desajustou o complexo equilíbrio da saúde dos nossos pacientes. Diagnóstico Dificuldade de obter a história clínica Devida às apresentações atípicas, aos problemas de comunicação por afasia ou por déficit sensorial (surdez), e porque muitos sintomas considerados normais para a idade têm a sua importância subestimada. Detecção de patologia oculta Freqüentemente, após estudar-se a patologia que motivou a consulta, aparecem outros problemas que estavam ocultos. O aceso a exames diagnósticos Não deve ser limitado nos idosos, devido à sua idade. Após uma avaliação adequada, deve-se fazer um balanço do risco/benefício dos possíveis exames, decidindose ou não pela sua realização, em cada caso. Maior dificuldade para alguns exames diagnósticos Muitos exames não podem ser levados a cabo com eficácia nos pacientes geriátricos, por circunstâncias como a imobilidade, colaboração deficiente ou efeitos secundários. Tratamento Prioridades O tratamento indiscriminado da pluripatologia pode provocar mais prejuízo que benefício. Deve-se dar prioridade ao tratamento de situações reversíveis, antes que se tornem crônicas. Suscetibilidade aos efeitos secundários Os idosos são mais suscetíveis aos efeitos secundários, às interações e aos erros na dosagem de medicamentos. Deve-se utilizar o menor número possível de fármacos e os de dosagem mais simples, e assegurar-se de que o idoso ou sua família compreenderam perfeitamente o esquema para tomá-los. Condutas superprotetoras São freqüentes entr familiares e cuidadores, podendo ser prejudiciais, uma vez que limitam o processo de reabilitação. Quando o paciente começa a restabelecer-se, basta ajudá-lo e supervisionar a sua atividade, em vez de realizá-la por ele, embora isso possa exigir mais tempo. Repercussão sobre a situação anterior Pretende-se que a doença afete minimamente a vida do idoso. Para tal, podemos atuar sobre diferentes aspectos: Promover ao máximo a mobilização e autonomia, tanto quanto a situação física permita. O paciente deverá ser motivado a realizar as atividades de autocuidado: vestuário, higiene, ir ao vaso sanitário... Reabilitação das capacidades perdidas em conseqüência da doença. São de importância vital a fisioterapia e a terapia ocupacional centrada nas atividades da vida diária. Evitar que o paciente fique isolado e sem estímulos, para prevenir estados depressivos e síndrome confusional. É necessário tratar esses pacientes de maneira afetuosa e com respeito, facilitando as visitas de familiares e amigos, assim como organizar atividades recreativas e lúdicas. Adaptar o ambiente que envolve o idoso à sua incapacidade, para que ele possa reintegrar-se ao seu local de origem. Isto implica algumas modificações no lar, como apoios de mãos na banheira... A ajuda de instituições, de voluntariado, de teleassistência permite que os idosos incapacitados permaneçam no seu domicílio. Limitação no acesso aos tratamentos A idade não deve condicionar o acesso aos diferentes tratamentos, tais como cirurgia ou medicação. As decisões neste sentido são baseadas na avaliação geriátrica e, evidentemente, na opinião do paciente quando está bem informado. Doença terminal Em geriatria, são muito freqüentes as situações clínicas irreversíveis, como o câncer sem tratamento curativo possível ou demências muito avançadas. Quando não se consegue a cura do paciente, é obrigatório um tratamento sintomático, assim como o apoio psicológico e social ao paciente e à sua família. A formação de cuidadores e familiares É um aspecto fundamental para garantir a cintinuidade dos cuidados que o idoso requer. Prognóstico e complicações Pior prognóstico Nos idosos, as doenças podem ter um prognóstico menos favorável do que nos jovens, já que afetam um organismo mais deteriorado e com pluripatologia. O prognóstico tem estreita relação com o tipo de doença, a terapêutica e o estado prévio do paciente, e não tanto com o fato de se tratar de um paciente idoso. Evolução mais lenta A cura completa requer mais tempo e, freqüentemente, é necessário um período de reabilitação para evitar a deterioração funcional. As complicações são mais habituais São freqüentes a imobilidade, a incontinência, quadro confusional agudo, depressão, quedas, úlceras por pressão, desnutrição e prisão de ventre. NECESSIDADES DE NUTRIÇÃO E HIDRATAÇÃO Necessidades Nutricionais e Fatores de Alteração Entre os 25 e os 65 anos, as necessidades calóricas decrescem em 21%, motivo pelo qual as quantidades requeridas oscilam entre 2000 a 2500 kcal/dia para um homem de 65 anos, e entre 1500 a 2000 kcal/dia para uma mulher da mesma idade. O referido decréscimo deve-se à diminuição da atividade física, mental e sexual que se produz normalmente com o decorrer dos anos. A diminuição do aporte calórico deve ser feita à custa das gorduras, sobretudo as de origem animal, que não devem ultrapassar 20 a 25% do total de calorias da dieta. Os idosos devem continuar a consumir hidratos de carbono (50 a 60% das calorias da dieta), sobretudo em forma de frutas, verduras, legumes e massas. Também não deve haver, com o passar dos anos, redução na ingestão de proteínas, mantendo-se por dia um aporte de um grama por quilo de peso, tanto de origem animal como vegetal. As necessidades de líquidos são estimadas em um mínimo de 1 a 1,5 l/dia, em forma de água, sucos e chás, e sempre fora das refeições. Podem ingerir-se pequenas quantidades de vinho às refições, exceto se houver proibição médica. Alguns fatores que influem na nutrição dos idosos são: Menos sensibilidade aos estímulos dos sentidos (visão, paladar e olfato). Dificuldade na mastigação e na salivação. Digestão mais lenta. Prisão de ventre freqüente. Dificuldades físicas e econômicas para conseguir alimentos. Menor sensação de sede. Ignorância e hábitos dietéticos deficientes. Maior freqüência de doenças e ingestão de medicamentos. Solidão e internação. Alguns conselhos práticos: Fazer quatro ou cinco refeições por dia É melhor se os alimentos forem cozidos, grelhados ou assados. Pratos atrativos na sua apresentação. Saladas cortadas em pequenos pedaços. Frutas com polpa mole. Abundância de produtos lácteos. Comer acompanhado. Escala de Risco Nutricional Marque apenas as respostas afirmativas Sofro de uma doença que me fez modificar o tipo ou a quantidade de alimento que consumo. Consumo menos de 2 refeições diárias. Consumo poucas frutas, verduras e produtos lácteos. Consumo 3 ou mais copos de cerveja, licor ou vinho diariamente. Tenho problemas dentários ou bucais, que dificultam a minha alimentação. Nem sempre disponho do dinheiro suficiente para adquirir os alimentos de que necessito. Como só, na maioria das vezes Consumo 3 ou mais medicamentos, com receita ou de venda livre, por dia. Sem ser proposital, perdi ou aumentei 5 kg nos últimos 6 meses. Nem sempre me encontro em condições físicas para fazer compras, cozinhar ou alimentar-me. SIM 2 3 2 2 2 4 1 1 2 2 TOTAL Se o valor está entre... 0 a 2 Volte a controlar a sua pontuação nutricional daqui a 6 meses. 3 a 5 Encontra-se numa situação de risco nutricional moderado. Verifique o que pode fazer para melhorar seus hábitos alimentares e seu estilo de vida. Volte a controlar a sua pontuação daqui a 3 meses. 6 ou mais Encontra-se numa situação de alto risco nutricional. Considere a forma de efetuar uma mudança nos hábitos alimentares para melhorar o seu estado nutricional. Nutrição Enteral Está indicada quando a deglutição está dificultada ou é impossível e o aparelho digestivo funciona. Realiza-se através de sonda. A administração pode ser intermitente (em bolos), por gotejamento contínuo e por força da gravidade, ou por bomba infusora. Sempre que seja possível algum grau de alimentação oral, devem-se combinar ambas, mantendo-se assim ativas as funções de mastigação e deglutição, com a conseqüente vantagem psicológica. As principais indicações de nutrição enteral são: Pacientes comatosos ou semi-inconscientes. Alterações na deglutição. Anorexia ou depressão grave. Desnutrição. Pós-operatório. As principais complicações que podem surgir são duas: Intolerância digestiva por aporte inadequado ou administração excessivamente rápida. Manifesta-se com vômitos, diarréia ou ambas. Broncoaspiração. É, sem dúvida, a complicação mais grave e talvez a mais freqüente. O uso contínuo de sonda nasogástrica implica, entre outras coisas, uma incompetência dos esfíncteres esofágico superior e inferior; a sonda impede o seu funcionamento. Por isso, quando o líquido reflui entre a sonda e o esôfago, não é travado por nenhum esfíncter; passa para os brônquios e, daí, para os pulmões, com a conseqüente pneumonia por aspiração, doença grave que, com freqüência, acaba com a vida do idoso. Uma regra de ouro nos cuidados do idoso é: SEMPRE QUE ESTIVER COM SONDA NASOGÁSTRICA, JAMIS DEVERÁ SER COLOCADO EM DECÚBITO DORSAL (POSIÇÃO HORIZONTAL), nem mesmo poucos segundos como, por exemplo, para lhe fazer a cama. Deve-se manter sempre uma ligeira (pelo menos) elevação da cabeceira da cama. A nutrição parenteral, está indicada quando o aparelho digestivo não funciona corretamente (fístulas intestinais, cirurgia digestiva etc). O aporte entra diretamente na circulação sangüínea. Balanço Hidroeletrolítico. Desidratação O balanço hidroeletrolítico é a relação existente entre as entradas e as perdas corporais. As perdas produzem-se através de: Pele: pelo suor. Em condições normais, são eliminados cerca de 500 ml/dia. Para cada grau de subida da temperatura para além dos 37 graus, as perdas aumentam um litro a cada 24 horas. Respiração. São também cerca de 500 ml que se perdem, aproximadamente, em 24 horas, de forma fisiológica. Este valor aumenta se o idoso apresenta dispnéia, ventilação mecânica etc. Urina. O volume depende do aporte, das outras perdas, de certos medicamentos e de múltiplas doenças. No mínimo, deve ser de 500 a 600 ml, para poder eliminar as toxinas presentes na urina. Aparelho digestivo: pela boca (vômito) ou pelo ânus (fezes). Outras, como drenagens cirúrgicas, fístulas etc. A desidratação ocorre quando a perda de líquidos é superior ao aporte. Do exposto anteriormente, facilmente se deduzem as situações de perda aumentada: febre, dispnéia, diuréticos, vômitos, diarréias etc. Quando se perde mais líquido que o normal, aparece a sensação de sede. Se se bebem líquidos, repõem-se as perdas extras e não se produz desidratação. Mas isto nem sempre acontece assim, porque: Se existem vômitos, não se toleram os líquidos ingeridos. Mesmo que haja sensação de sede, o paciente não consegue manifestá-la por afasia ou demência, ou não tem acesso ao líquido que deseja, por estar incapacitado, sozinho no domicílio etc. São situações freqüentes e típicas nos pacientes idosos. Podem não ter sensação de sede, apesar do déficit de líquidos: comatosos, sedados etc. Além disso, o idoso, fisiologicamente, necessita de uma maior perda de líquidos para ter sensação de sede. De tudo isto se deduz que a desidratação, no idoso, apresenta-se sobretudo devido a baixo aporte, sendo as perdas normais. Por isso, a melhor maneira de evitá-la depende muito de que bebam o suficiente, e das circunstâncias. Disfagia e Broncoaspiração Disfagia é a dificuldade na deglutição, ou a interrupção do bolo alimentar na sua passagem para o esôfago. As principais causas são: Alteração da coordenação neuromuscular. É a mais freqüente e pode ser seqüela de um ictos(acidente vascular cerebral agudo). Obstruções do esôfago por tumores etc. Inflamações esofágicas por fungos etc. A disfagia neuromuscular manifesta-se pela dificuldade de engolir líquidos, maior do que para sólidos, com tosse ao tentá-lo, ou armazenamento na parte posterior da boca. A disfagia devida a outras causas manifesta-se primeiro para sólidos e, por último, para líquidos, com dor no peito ao tentar engolir. Alguns conselhos úteis são: Recordar que, em muitos casos, há disfagia embora não apareça tosse. NUNCA insistir, se existe dificuldade ou tosse. As gelatinas ou purês espessos são melhor tolerados. São preferíveis as refeições freqüentes e em pequenas quantidades. O paciente deve estar sentado ou semi-sentado. Se a disfagia persiste, avaliar a necessidade da sondagem nasogástrica para impedir a desidratação ou a desnutrição. A broncoaspiração é a passagem do conteúdo do tubo digestivo para a árvore respiratória. Suas principais causas são: Vômitos. Disfagia. Sondagem nasogástrica e posição do paciente em decúbito. A melhor maneira de evitar a broncoaspiração é estudar cada caso de disfagia, atuando em conformidade com o tipo. Todo paciente que apresente vômitos deve ser levantado imediatamente e colocado de lado. É importante detectar precocemente uma broncoaspiração, já que, em muitos casos, as suas manifestações (tosse intensa) podem não ser evidentes. Deve-se suspeitar quando houver febre ou febrícula. Igualmente, quando a respiração for mais rápida do que a habitual, sendo o normal no idoso até 20 a 25 por minuto. Como pode ser uma respiração muito superficial, para medir a sua freqüência é necessário colocar a mão sobre o peito do paciente, contando as vezes que ele se move durante um minuto completo.