Pedro e o Cruzeiro do Sul Cléo Busatto Ilustrações Renato Alarcão Temas M orte; Memória; Autoconhecimento Guia de leitura para o professor 2008996274990 72 páginas O livro Pedro e o Cruzeiro do Sul é uma conversa do protagonista Pedro com suas lembranças. Lembranças do dia em que observava o céu ao lado de seu pai, na varanda de casa, lembranças de brincadeiras e histórias contadas pelos avós, que lhe permitem resgatar experiências e refletir sobre a importância da família e do respeito aos mais velhos e sobre a vida e a morte. Complexidade do texto Indicado para crianças de 7 a 10 anos, o texto é narrado em linguagem coloquial pelo protagonista da história, um menino de 9 anos que conta suas lembranças. Além das memórias dos fatos vividos pelo garoto, o livro traz também as recordações de coisas que ele aprendeu, numa espécie de livro dentro do livro. Pedro e o Cruzeiro do Sul Cléo Busatto Por que este livro? No livro Pedro e o Cruzeiro do Sul, a autora propõe uma viagem às memórias de uma criança que vive uma infância comum, mas cheia de pequenos acontecimentos dignos de nota. Nesse universo figuram uma avó afetiva; um avô inventor; um tio que apresentou o sobrinho às artes plásticas, e que, ao morrer, faz com que ele vivencie a dor de perder alguém próximo e querido; uma tia brincalhona; e um pai que gosta de estrelas e histórias. As experiências de Pedro são singelas, prosaicas e proporcionam, exatamente por sua proximidade, uma viagem que leva o leitor para passear pela própria memória, refletindo sobre a percepção que tem do mundo, das pessoas ao redor e, especialmente, de si próprio. Além da narrativa principal, dividida em capítulos que resgatam momentos da infância do protagonista — que ainda é uma criança —, há uma parte do livro que compila algumas histórias da mitologia grega, dos índios e do folclore brasileiros. Reunidas, formam uma espécie de caderno do protagonista — um espaço em que ele anota as histórias que o marcaram e constrói, metaforicamente, um arquivo físico e vivo de memórias. O texto literário Dica O livro começa com um diálogo que poderia ser de qualquer época, bem como fazer parte de lembranças de muitas crianças e adultos: — Veja, pai, o Cruzeiro do Sul! — As Três Marias... — Pai, conta a história da princesa que virou estrela? — Andrômeda? — Essa mesma! Conta, pai, conta. Fazer uma árvore genealógica poderia ajudar as crianças a visualizar de forma mais completa e organizada sua constelação familiar. Além disso, caracterizar as pessoas, sublinhando qualidades que as tornam especiais, é um exercício que pode contribuir à tomada de consciência da formação da própria história. Pedro e o Cruzeiro do Sul Contar sobre as diferentes maneiras com que as religiões e os povos encaram a morte — como o hinduísmo ou algumas tribos africanas e indígenas do Brasil que celebram a morte, ao invés de chorá-la — pode ser uma maneira de quebrar o tabu sobre o assunto. Além disso, ler histórias que falem da perda também pode ser um caminho interessante. A seguir, duas sugestões de livros que abordam o tema: Marina e o pirata, Silvia Molina, Coleção Barco a Vapor, série branca, Edições SM, 2004. Marina é uma menina que perdeu a mãe. Um dia seu pai arruma uma namorada, e Marina começa a ter medo que ele a esqueça. O monstro da escuridão, Uri Orlev, Coleção Barco a Vapor, série laranja, Edições SM, 2004. A história deste livro se passa em Jerusalém, em 1973, em meio à guerra do Yom Kippur. Um menino perde o pai nos campos de batalha e todos seus medos se materializam na figura de um monstro, que aparece sempre que as luzes se apagam. Dica Poder falar das pessoas que morreram, de suas qualidades, de seus legados, da saudade que deixam, é importante no processo de desenvolvimento da criança. Falar da morte do tio Luiz, o tio de Pedro, o protagonista, e sobre as divagações do menino acerca do que acontece com uma pessoa que morre pode ser uma boa maneira de as crianças socializarem suas fantasias, de promoverem novas representações sobre o assunto. Não se deve, numa conversa como esta, dizer o que está certo ou errado: o importante é que todos percebam que há várias crenças relacionadas à morte, e que se deve respeitar todas elas. Cléo Busatto No decorrer do texto, o leitor se dá conta de que o narrador se refere a um tempo de recordações e que conversa com suas lembranças, recuperando das experiências vividas valores fundamentais. É como se Pedro devaneasse em voz alta, e que o leitor fosse ouvinte de um depoimento que perpassa uma vida. Mais do que isso, um depoimento que atravessa muitas histórias de vida; afinal, todo mundo tem pai, mãe, avós, agregados à família, enfim, é cercado por pessoas que se relacionam de maneira que as tornam únicas e que contribuem para a construção da identidade de um e de outro. Desses relacionamentos ficam muitas histórias, aquelas que nos marcam para sempre, que são relembradas depois de muitos anos, nos momentos em que fazemos uma retrospectiva de nossa vida. Isso não é uma característica somente de adultos: muitas vezes as crianças rememoram fatos e acontecimentos que as marcaram — o que certamente trará uma identificação imediata do leitor com o protagonista deste livro. Uma das primeiras reminiscências trazidas pelos pensamentos de Pedro é a forte presença de seu tio, que lhe apresentou telas e pintores famosos. O menino conta também de sua “transformação em estrela”: foi essa a explicação que lhe deram por ocasião da morte do tio. Todas as crianças perdem pessoas queridas e cada família tem uma maneira de lidar com essa situação. Porém a morte ainda é um assunto difícil de ser abordado — e é comum dizer aos pequenos que, quando morrem, as pessoas viram estrelas e vão morar no céu ou que foram fazer uma viagem muito longa, em vez de tratar o assunto com a máxima veracidade possível. De maneira sensível e sutil, Pedro e o Cruzeiro do Sul revela justamente a percepção de uma criança que perdeu uma pessoa querida e próxima, e sua dificuldade em entender que a pessoa morreu (tão difícil quanto imaginar que ela virou uma estrela...). Independentemente da opção religiosa das famílias, é saudável lidar com a morte com naturalidade, sem segredos, de maneira que as crianças entendam que ela é irreversível. A narrativa continua conduzindo o leitor pelos pensamentos e lembranças de Pedro. Pode-se dizer que, como nos devaneios, nas conversas entre amigos, uma idéia vai puxando a outra. É assim que, a partir das lembranças do tio-estrela, Pedro pensa no desejo de subir as montanhas para ficar mais perto do céu, nas Pedro e o Cruzeiro do Sul Dica O relato sobre o gato Mel e sobre a gata Penélope reafirma que as crianças se interessam muito por histórias de animais. A maioria delas tem experiências para contar. Seria interessante formar uma roda onde os alunos pudessem relatar suas histórias e, com isso, fazê-los perceber que, assim como Pedro, eles têm muito a dizer. Esse pode ser um ponto de partida para a leitura de outros textos relacionados a bichos de estimação. Todos nós temos histórias e fazemos parte de grupos que compartilham muitas outras. É comum, por exemplo, ouvir repetidamente algumas histórias familiares nos encontros que reúnem os parentes. Seria muito interessante que as crianças recuperassem e registrassem algumas delas e fizessem um álbum de “causos” para ser compartilhado com os colegas e com seus familiares. Fazer um álbum de família, a partir da árvore genealógica, também montada em sala de aula, poderia ser um caminho para os alunos registrarem por escrito histórias interessantes, curiosas, engraçadas, emocionantes, enfim, significativas. Dica O movimento da narrativa nos faz pensar num fio que vai alinhavando idéias, lembranças, pessoas, enfim, que vai abrindo arquivos em livres relações com os anteriores. Da mesma maneira que funcionam alguns textos com os quais nos deparamos na internet, que, ao clicarmos em uma palavra, abre um novo texto e, ao final de alguns segundos, estamos em outra página que guarda relações de semelhança com a página de partida. Cléo Busatto promessas de viajar feitas pelo pai, nas brincadeiras engraçadas feitas por sua tia... Na seqüência, Pedro passa a narrar “A história do gato Mel e do achado que virou caco” e depois falar sobre a gata Penélope, da tia Lúcia, e, em seguida, sobre o episódio da tia Lúcia, que não acertava suas adivinhas, e, por fim, sobre as lembranças do avô, que era bom em adivinhas e tinha jeito de gato... Mais uma vez, o fio das lembranças vai puxando e ligando as histórias, uma após outra. Em tempo O livro tem a estrutura de hipertexto. Assim como a construção das páginas da internet, algumas palavras são destacadas e remetem a novos textos. Dessa forma, há palavras que levam o leitor aos textos informativos do caderno de Pedro, fazendo uma ligação (ou um link) entre a narrativa ficcional e as constelações e estrelas, os contos da mitologia grega, as histórias da cultura popular, os trava-línguas (que são as frases difíceis da avó de Pedro) e as telas de artistas plásticos citadas. Dessa maneira, o leitor pode ler o livro de diversas maneiras, começando e terminando onde quiser. As ligações entre a narrativa e o conteúdo informativo do “caderno” do protagonista não apenas mune o leitor de novas informações, como também revela as diversas possibilidades que a construção interna de um texto oferece para sua interpretação. O uso desse recurso, de explicações paralelas ao corpo principal do texto, possibilita que as narrativas mais tarde produzidas pelos alunos se ampliem e enriqueçam — afinal, eles estarão em contato com mecanismos internos de um texto e sua vasta gama de possibilidades de construção. As informações que constam no “caderno” de Pedro certamente serão de grande interesse das crianças, pois os pequenos textos sobre curiosidades, mitologia e trava-línguas podem estimulá-las a ler outros livros que falem mais detalhadamente sobre os assuntos — e, assim, abrir uma nova gama de leituras. Refletindo com os alunos Para introduzir a leitura do livro, seria interessante antecipar em alguma medida a estrutura do texto, por esta ser um pouco diferente daquela dos livros com que os leitores desta faixa etária Pedro e o Cruzeiro do Sul Dicas São muitas as possibilidades de exploração deste “livro dentro do livro”. Em primeiro lugar, seria interessante localizar num mapa celeste as constelações citadas na narrativa, para que, eventualmente, possam identificálas no céu. Nesse percurso seria, também, enriquecedor organizar o acervo de textos, classificando-os em informativos e mitológicos (ou ficcionais), por exemplo. Isso contribuiria para a importante construção de critérios para diferenciação entre os tipos e gêneros textuais. Outra possibilidade é fazer uma coletânea de histórias do folclore brasileiro. Além de muitos livros sobre esse tema, há sites que oferecem um bom panorama sobre o assunto. Por fim, fazer a leitura de textos nãoverbais, das telas citadas (e também de outras, que podem ser escolhidas pelos alunos em atividade com o professor de artes), e conhecer um pouco sobre os artistas, sobre o contexto histórico em que as obras foram produzidas. Este é um trabalho importante para a melhor compreensão das impressões narradas por Pedro e para o desenvolvimento cognitivo dos alunos. A seção “Mate sua curiosidade!”, no final da narrativa, traz alguns temas que passam ao largo da ficção, tais como a tradição de contar histórias, a importância do respeito aos mais velhos e como diferentes culturas e religiões lidam com a questão da morte. Cléo Busatto estão acostumados. Este livro não é uma narrativa canônica, organizada pela temporalidade dos fatos: Pedro, o narrador, deixa fluir suas lembranças, e elas se ligam essencialmente por impressões afetivas. O professor poderia guiar uma conversa com os alunos, perguntando a eles como construiriam um texto que trouxesse um apanhado de lembranças. Como a história seria encadeada? Pela importância das lembranças ou por sua ordem cronológica? Dessa maneira, pode-se, aos poucos, ir adiantando como o protagonista construiu o próprio livro, indagando aos alunos se fariam da mesma forma ou de maneira diferente. Para que os alunos adentrem a leitura com maior familiaridade, seria interessante conversar sobre as memórias que têm sobre a história do grupo, por exemplo, e pedir para que recuperem eventos marcantes vividos na escola, listando-os na lousa para depois refletirem sobre o que os fez se lembrar deles. Nesta reflexão, cada aluno pode escolher um evento e montar uma narrativa que conte a sua lembrança, para depois trocá-la com os colegas. Durante a leitura do livro, pode-se, além de realizar as atividades propostas ao longo deste guia de leitura, promover atividades que tenham como pano de fundo a importância da memória, individual e coletiva. Para que tais atividades aconteçam, seria interessante que cada aluno trouxesse de casa uma história da família (de onde vieram os avós ou bisavós, por exemplo). Em sala de aula, podese conversar sobre essas memórias individuais, e também sobre a coletiva: como era a cidade na época dos avós das crianças? Há ainda algum vestígio desse passado (prédios antigos, monumentos)? As atividades podem ser realizadas em conjunto com os professores de história e artes. com os alunos, depois que eles já tenham acabado de ler o livro, e discutir algumas dessas temáticas, aprofundando-se naquelas em que eles se mostrarem mais interessados. Vale fazer uma leitura conjunta Pedro e o Cruzeiro do Sul Cléo Busatto Para o professor Livros • Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Marquez, Editora Record, 1967. • Laços de família, Clarice Lispector, Rocco, 1998. • Dois irmãos, Milton Hatoum, Companhia das Letras, 2000. Filmes • Mamãe faz cem anos, Carlos Saura, Espanha/França, 1979. • Gente como a gente, Robert Redford, EUA, 1980. • A família, Ettore Scola, Itália/França, 1986. • O filho da noiva, Juan Jose Campanella, Argentina/Espanha, 2001. • Conversando com mamãe, Santiago Carlos Oves, Argentina, 2004. Para o aluno Livro sobre relações familiares e memórias • Álbum de família, Lino Albergaria, Coleção Muriqui Júnior, Edições SM, 2005. Livro sobre bichos de estimação • Gambito, Menalton Braff, Barco a Vapor, série azul, Edições SM, 2005. Livro sobre folclore • Caminhos de Exu, Barco a Vapor, série azul, Edições SM, 2005. Filmes • Os incríveis, Estúdio Walt Disney Pictures/Pixar Animation Studios, EUA, 2004. • A procura de Nemo, Estúdio Walt Disney Pictures/Pixar Animation Studios, EUA, 2001. Elaboração do guia Ellen Rosenblat (professora de leitura e especialista em recursos didáticos); preparação Bruno Zeni; revisão Gislaine Maria da Silva e Carla Mello Moreira.