a súmula vinculante como instrumento de violência simbólica a

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A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO
DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
A BINDING PRECEDENT AS AN INSTRUMENT
OF SYMBOLIC VIOLENCE
Fernando Antonio Notaroberto
[email protected]
Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito
Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Professor
Damásio de Jesus
Participou do programa de Formação em Direito do Estado,
promovido pelo IDAP e das primeiras formações do GEAFDDJ.
Advogado.
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
RESUMO
O presente artigo consiste em analisar um dos mais importantes instrumentos
jurídicos do direito constitucional contemporâneo, instituído e apontado por
alguns teóricos como um dos principais avanços da Reforma do Poder Judiciário
(EC no 45/2004), a saber, a súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal
Federal. Para isto, objetiva-se propor uma nova reflexão sobre a incidência da
Súmula Vinculante correlacionando a Teoria do Poder de Violência Simbólica,
tendo em vista que o escopo do supracitado instituto jurídico constitucional é
preservar a coerência e harmonia com o sistema jurídico e social, e ao mesmo
tempo (re)estabelecer o controle das inúmeras interpretações jurídicas existentes e ditas controversas no campo jurídico e extrajurídico das relações intersubjetivas da sociedade. Consolidando, deste modo, o entendimento jurídico do
Supremo Tribunal Federal sobre determinada matéria em conflito interpretativo,
repercutindo por final segurança jurídica ao ordenamento jurídico brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE
Súmula Vinculante – Supremo Tribunal Federal – Poder Judiciário – Hermenêutica Constitucional – Poder de Violência Simbólica.
ABSTRACT
This article is to examine one of the most important legal instruments of contemporary constitutional law established and appointed by some theorists as a major advancement of the Reform of the Judiciary (EC no. 45/2004), namely binding precendet issued by the Supreme Court. For this, we aim to propose a new
reflection about the incidence of binding precedent correlating the Theory of
Power Simbolic Violence, conside ring that the scope of the Supreme Court is
to preserve the coherence and harmony with the legal and social system and at
the same time (re) establish the control of the numerous legal and controversial interpretations that exist in the legal and extralegal fields of intersubjective relations of society. Consolidating, thus, the legal opinion of the Supreme
Court about a particular subject during its interpretive conflict, reflecting a legal end to the Brazilian legal system. KEYWORDS
Binding Precedent – Supreme Court – Judiciary – Constitutional Hermeneutics
– Power Violence Symbolic.
SUMÁRIO:
Introdução. 1. Supremo Tribunal Federal, Poder judiciário e Súmula Vinculante.
2. Noções Iniciais acerca da Súmula. 2.1. A História da Súmula no ordenamento jurídico brasileiro. 2.2. Aspectos basilares da Súmula. 2.3. Conceito de Súmula Vinculante. 3. Súmula Vinculante, norma jurídica e suas consequências.
3.1. Natureza jurídica da Súmula Vinculante. 3.2. Norma Jurídica e Súmula
Vinculante. 4. Súmula Vinculante e o princípio da separação de poderes. 5. O
poder de violência simbólica e a súmula vinculante. Conclusão. Referências.
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INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende analisar a súmula vinculante como instrumento
do poder de violência simbólica do Supremo Tribunal Federal (STF). Para isto, este
artigo não tem a pretensão de esgotar todos os temas tratados e aspectos relacionados à súmula vinculante, mas visa especialmente propor a reflexão sob um novo
olhar em relação à súmula vinculante fundamentado na teoria de Tércio Sampaio
Ferraz Júnior.
Deste modo, asseverar-se-á sobre alguns pontos em relação à súmula vinculante, porém, se escusando de adentrar quanto aos seus reais aspectos polêmicos
e controversos do supracitado instituto jurídico constitucional, haja vista a enorme
quantidade de autores por parte da doutrina que asseveram sobre o campo da súmula vinculante.
Importante ressaltar que a súmula com efeito vinculante é um instituto jurídico constitucional engendrado no Brasil em 2004, pelo poder constituinte derivado
reformador que se deu pela Emenda Constitucional no 45, a denominada emenda
da Reforma do Poder Judiciário. Aliás, ao falar da súmula vinculante não há como
deixar de tecer comentários sobre a importância do Supremo Tribunal Federal no cenário jurídico brasileiro, pois somente o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá criar,
ou melhor, editar a súmula vinculante, desde que observados os requisitos do artigo
103-A da Constituição Republicana de 1988, bem como o da lei infraconstitucional
(Lei no 11.417, de 19 de dezembro de 2006) que a regulamentou.
O estudo do tema se faz necessário, pois a súmula vinculante editada pelo
Supremo Tribunal Federal vincula toda a estrutura do Poder Judiciário, bem como
a Administração Pública, portanto, a súmula vinculante passa a ser caracterizada
como uma norma jurídica, por possuir conteúdo normativo, ou seja, por apresentar
enunciados prescritivos, repercutindo assim efeitos jurídicos e sociais para o ordenamento jurídico em razão de suas qualidades no plano abstrato de bilaterialidade,
disjunção e porque não dizer de sanção, tendo em vista a existência da ação constitucional denominada reclamação constitucional que analisará a existência ou não
de violação sumular.
Ademais, observação a se fazer é que ao editar a Súmula Vinculante, o STF
(re) estabelece a coerência com o sistema jurídico preservando o princípio da supremacia constitucional por meio de seus mandamentos editados, mediante o controle
das inúmeras interpretações jurídicas existentes, devidamente combatidas e debatidas no momento em que o pleno do Supremo Tribunal Federal se reúne a fim de
apreciar as demandas sub judice constitucionalizadas.
Ao asseverar acerca da súmula vinculante como um instituto jurídico constitucional sob o prisma do Poder de Violência Simbólica do Supremo Tribunal Federal,
isto é, por meio da teoria abordada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, consequentemente, surge a discussão ou mesmo cria-se uma grande celeuma se o STF estaria
ferindo o princípio da separação dos poderes ao editar a súmula vinculante? De
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fato, ao tentar esclarecer essa digressão, observar-se-á a teoria ou o poder normativo
sobre a perspectiva de Paulo de Barros Carvalho, no que tange à norma jurídica,
delimitando, desse modo, qual a natureza jurídica da súmula vinculante.
Assim, a súmula vinculante como instrumento de violência simbólica é um
tema bastante promissor e ainda complexo a se falar (haja vista a existência do
projeto de Emenda Constitucional no 33/2011 que altera o procedimento de edição,
bem como a eficácia da súmula vinculante) e porque não a se refletir no campo
zetético da academia, tendo em vista que é o guardião da Constituição, o Supremo
Tribunal Federal, que a edita, revisa e cancela, sem falar que é realmente o Poder
Judiciário em último caso que garante ou concretiza os postulados constitucionais,
efetivando, assim, os direitos e deveres consagrados pela Constituição Republicana,
atribuindo, portanto, a promoção e a guarda da Carta Política de 1988.
1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PODER JUDICIÁRIO E SÚMULA
VINCULANTE
Criado como Supremo Tribunal de Justiça em 1828, o Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão judicial brasileiro mais antigo, sendo, atualmente, órgão máximo dentro da esfera do Poder Judiciário. Suas atribuições são estabelecidas no artigo
102 da Constituição Republicana de 1988, que define a competência para processar
e julgar ações originárias, recursos ordinários e extraordinários.
Importante ressaltar que a Constituição Republicana de 1891 introduziu uma
nova concepção acerca do Poder Judiciário. Influenciada pela doutrina constitucional norte-americana conferiu-se ao aludido órgão a função de guardião da Constituição e da ordem federativa (MENDES, 2009, p. 981). Cabe a ele, principalmente,
zelar pelo cumprimento e eficácia das normas ou postulados constitucionais.
Aliás, todo Estado fundamentado na perspectiva de Estado Democrático de
Direito tem seu próprio Tribunal Constitucional. Certo é que cada Estado atribui
algumas particularidades aos seus Tribunais, como, por exemplo, critério para a escolha de seus membros, eficácia das decisões, competências que lhe são atribuídas,
dentre outras.
Destarte, com a Constituição Republicana de 1988 ampliou significativamente
a competência originária do Excelso Pretório, especialmente no que tange ao controle
de constitucionalidade de leis, atos normativos e ao controle da omissão inconstitucional (MENDES, 2009, p. 990). Posteriormente, a Emenda Constitucional no 3, de 1993,
estabeleceu a ação declaratória de constitucionalidade, a fim de afastar a insegurança
jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, preservando, assim, a ordem jurídica constitucional, com eficácia contra todos, e dotada
de efeito vinculante em seu julgamento final relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e do Poder Executivo (SANTOS, 2012, p. 163-164 e 180).
Mais tarde, de forma salutar, foi promulgada a Emenda Constitucional no 45,
de 2004, que permitiu a extensão dos efeitos da decisão do caso concreto para o
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campo abstrato. Portanto, possibilitou a eficácia erga omnes da decisão do STF, e
também o efeito vinculante das decisões constitucionalizadas1. Além disso, criou-se a incidência da demonstração de repercussão geral para a admissão de recurso extraordinário na Suprema Corte brasileira como uma das medidas da aludida
emenda constitucional.
Pode-se dizer que, em nosso país, os olhares estão se voltando mais ao Supremo Tribunal Federal, fato este que não se via há alguns anos, tendo em vista que
a própria topografia da Constituição vigente consagrou os direitos e garantias fundamentais do cidadão em relação ao Estado, advindo consequentemente o exercício
da cidadania pela conscientização dos direitos. Assim, vem ganhando força e notoriedade o órgão que profere a última decisão dentro da estrutura do Poder Judiciário.
Deste modo, sob uma visão panorâmica, não se vislumbra qualquer abuso
das competências conferidas originariamente ao Supremo Tribunal Federal, haja vista a separação de poderes2, na qual a própria Constituição (MIRANDA, 2011, p. 157
e 169) constitui o Estado e organiza o sistema de freios e contrapesos3. E, até mesmo,
quando há de se falar sobre a edição de súmula vinculante como uma das atividades
exercidas pelo STF de acordo com a “mens legis” da Carta Política de 1988, como
um instrumento sumular vinculante, oriundo do poder de violência simbólica da
aludida Corte brasileira.
Aliás, para a análise da súmula vinculante, antes é necessário ter a compreensão do Poder Judiciário e sua reforma iniciada, de forma vigorosa, com a Emenda
Constitucional no 45, de 2004, isso porque todas as discussões políticas importantes
do país voltam-se à eficiência do sistema judiciário brasileiro conforme o artigo 5o,
inciso LXXVIII da Constituição Republicana vigente.
Sendo assim, Sergio Renault4 aduz que a criação da súmula vinculante foi
um dos principais avanços realizados pela reforma do Judiciário, já que elas permitem a agilização do julgamento de processos com temática idêntica.
Dessa forma, se inseriu a reforma do Poder Judiciário que facultou ao Supremo Tribunal Federal a competência (MIRANDA, 2011, p. 383) de editar, revisar
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“Mais recentemente, com a criação da súmula vinculante, construiu- se uma ponte definitiva entre o
controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e o controle abstrato-concentrado, já que as
decisões proferidas no primeiro contexto poderão alcançar os efeitos próprios do segundo modelo,
desde que sejam incorporadas no enunciado de uma súmula vinculante” (TAVARES, 2012, p. 310).
Artigo 2o da Constituição Federal. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
“Do ponto de vista dogmático, segundo uma visão positivista estrita, a jurisdição constitucional não
sofre qualquer censura pelo princípio da separação de poderes: é a própria Constituição, como norma
jurídica superior, quem institui o Estado e organiza o sistema de freios e contrapesos, conferindo aos
juízes constitucionais competência para anular ou deixar de aplicar, conforme o caso, as leis inconstitucionais” (BINENBOJM, 2008, p. 145).
“As súmulas vinculantes são regras elaboradas pelo STF com base em repetidas decisões sobre um mesmo assunto. Elas devem ser obedecidas pelos outros tribunais do país e pelos órgãos da administração
pública” (FOLHA DE S. PAULO, 2013, p. 2).
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e cancelar os enunciados de súmula vinculante, autorizando assim a construção
de normas “gerais” ou de produção normativa (GOSSON, 2007, p. 160) produzida
pelo sistema jurídico com o escopo de assegurar a interpretação dos dispositivos
constitucionais, repercutindo, dessa maneira, o caráter de observância obrigatória
por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Direta e Indireta
de forma a concretizar uma eficiente prestação da jurisdição constitucional, conforme o artigo 103-A da Constituição Republicana de 19885.
2. NOÇÕES INICIAIS ACERCA DA SÚMULA
2.1 A história da súmula no ordenamento jurídico brasileiro
Inicia-se o estudo da história sumular com antecedentes longínquos no
Direito português por meio das Ordenações Manuelinas de 1521. Essas ordenações foram as primeiras a estabelecer os “assentos”. Importante esclarecer que
cabia tão somente à Casa da Suplicação de Lisboa a edição dos referidos assentos. Com os assentos procurava-se resolver os conflitos de orientações jurisprudenciais de tribunais superiores que posteriormente adquiriam força obrigatória
geral com a doutrina (interpretação) vencedora adotada pelo pleno do tribunal.
Ademais, observa-se que a natureza jurídica dos assentos se revestiam de caráter
jurisdicional, tendo em vista se tratar de normas jurisprudenciais (MIRANDA,
2011, p. 370-372).
O resumo histórico dos assentos até as súmulas vinculantes editadas pelo
Supremo Tribunal Federal se dá a partir das Ordenações Manuelinas. Com perfeição,
Manoel Justino Bezerra Filho exerce grande influência no estudo do direito sumular
brasileiro, pois elucida sobre as origens do direito sumular:
a) 1446 – Ordenações Afonsinas – não conheceram qualquer tipo de súmula; b) 1521 – Ordenações Manuelinas – estabeleceram o sistema inicial de
“Assentos”; c) 1603 – Ordenações Filipinas – mantiveram e aperfeiçoaram
o sistema de “Assentos da Casa de Suplicação”; d) 18.08.1769 – A “Lei da
Boa Razão” tirou dos Tribunais de Relação do Rio de Janeiro e da Bahia
a possibilidade de “assentos”, o que foi restabelecido por D. João VI em
1808; e) 20.10.1823 – Lei sem número, de D. Pedro I, mantém em vigor
as Ordenações Filipinas; f) 18.09.1828 – Lei sem número, de D. Pedro I,
cria o Supremo Tribunal de Justiça, com poderes para relacionar julgados
a serem uniformizados; g) 23.10.1875 – Dec. 2.684, de D. Pedro II, man5
Artigo 103-A da CF. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 169
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tém os assentos da “Casa da Suplicação”, concedendo ao Supremo Tribunal
de Justiça a possibilidade de também efetuar “assentos”; h) 1o.05.1943 – O
Dec. 5.452, Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 902, cria “prejulgados”, posteriormente substituídos pela Lei 7.033, de 05.10.1982, por
súmulas e enunciados do TST; i) 28.08.1963 – Criação da “Súmula do Supremo Tribunal Federal”, por alteração do Regimento Interno do mesmo STF
(BEZERRA FILHO, 2003, p. 37).
Ademais, esclarecendo a respeito da criação das “Súmulas”, pode se dizer
que surgiu no STF, justamente pela iniciativa do Ministro Victor Nunes Leal, com o
escopo de facilitar os tramites dos julgamentos nas sessões e ao mesmo tempo trazer
a memória a reflexão dos casos já assentados por aquela Corte.
Por falta de técnicas mais sofisticadas, a Súmula nasceu – e colateralmente
adquiriu efeitos de natureza processual – da dificuldade, para os Ministros,
de identificar as matérias que já não convinham discutir de novo, salvo se
sobrevivesse algum motivo relevante. O hábito, então, era reportar-se cada
qual à sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que
era tal ou qual a jurisprudência assente da Corte. Juiz calouro, com agravante da falta de memória, tive que tomar, nos primeiros anos, numerosas
notas, e bem assim sistematizá-las, para pronta consulta durante as sessões
de julgamento. Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministro
Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou,
rápido, o assentimento da Presidência e dos demais Ministros. Por isso, mais
uma vez, em conversas particulares, tenho mencionado que a Súmula é subproduto da minha falta de memória, pois fui eu, afinal, o relator, não só
da respectiva emenda regimental, como dos seus primeiros 370 enunciados
(LEAL, 1997, p. 294-295).
Aliás, para o Ministro Victor Nunes Leal, a súmula traduzia-se num método
de trabalho “destinado a ordenar melhor e facilitar a tarefa judicante (...)” (LEAL,
1981, p. 2). Além disso, em artigo “Passado e Futuro da Súmula do STF”, já dizia o
Ministro Victor Nunes Leal que o surgimento da súmula deu-se pela “necessidade
de sistematizar os julgamentos do Tribunal, para se localizarem os precedentes com
menor dificuldade” (LEAL, 1981, p. 24).
Posto isso, deu-se a ideia da criação da súmula possibilitando, assim, a edição de uma emenda que posteriormente alterou o regimento interno do STF no qual
acrescentou o Capítulo XX, do Título III do supracitado regimento, cujas súmulas
editadas entraram em vigor no início de 1964 (LEAL, 1981, p. 1).
Ora, é bom lembrar que na época não existia o Superior Tribunal de Justiça
– STJ (tribunal competente para dirimir incertezas sobre a legislação infraconstitucional), somente o STF, cuja competência era mais ampla do que ocorre hoje com a
Constituição Republicana de 1988.
Ademais, a edição da súmula tornou desnecessária a citação dos julgados
antecedentes que deram origem à súmula nos votos deliberados.
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A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
Desse modo, se introduziu, brevemente, a história do sistema sumular em
nosso ordenamento jurídico e que consequentemente fez repercutir com mais força
pelo advento da súmula com efeito vinculante, por meio da Emenda Constitucional
no 45, de 2004.
2.2 Aspectos basilares da súmula
Nas palavras do professor Marco Antonio Botto Muscari, um dos precursores
sobre o estudo da súmula vinculante, a súmula, do latim summula, é o “resultado
do julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o
tribunal, condensado em enunciado que constituirá precedente na uniformização
da jurisprudência do próprio órgão” (MUSCARI, 1999, p.35).
Corrobora André Ramos Tavares ao elucidar que “o papel da súmula seria o
de fixar uma dessas interpretações possíveis, a partir de um texto normativo prévio,
excluindo as demais” (TAVARES, 2012, p. 429).
Pode-se dizer que a súmula “vem a ser o enunciado que resume uma tese
consagrada pelo tribunal em reiteradas decisões, servindo de orientação a toda comunidade jurídica” (BETIOLI, 2008, p. 165). Por outro aspecto, “a súmula constitui
um instituto que busca a eliminação das antinomias do sistema. Objetiva-se, em
outras palavras, alcançar a coerência que deve haver no Direito” (TAVARES, 2012,
p. 429).
Conforme preconiza Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “a
súmula é o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e
predominante no tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados e editados” (NERY JUNIOR, 2009, p. 529). Sendo assim, a súmula não possui
caráter cogente, servindo apenas de orientação para futuras decisões.
Pode-se dizer que a súmula simplesmente é desprovida de carga vinculativa,
ou seja, de efeito impositivo ou de caráter obrigatório, ao contrário do que ocorre
com as súmulas vinculantes, tendo em vista a ausência do referido efeito obrigatório, portanto, ela é conhecida como súmula persuasiva6.
Por outro lado, importante observação a ser feita que:
Contudo, não se pode ignorar a profunda influência que as súmulas exerciam
e exercem sobre o desempenho do Judiciário como um todo. Mas, tratava-se de uma influência persuasiva sem cunho normativo. Ademais, exerciam
e exercem um papel fundamental como instituto de interpretação do direito,
uma vez que forneciam e fornecem preciosa orientação sobre a hermenêutica
a ser dada a casos concretos (PELICANI, 2007, p. 29-30).
6
“É aquela que não tem força obrigatória, nem para o tribunal que a emite, nem para os juízes e cortes
inferiores; pode exercer (e frequentemente exerce) grande influência no espírito dos operadores do
Direito, mas a sua inobservância não é algo que afronte o ordenamento jurídico” (MUSCARI, 1999,
p. 51).
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Desse modo, súmula significa resumo e esse resumo contém enunciados
(conjuntos de palavras), proposições (significações) e verbetes (conjunto de significações). Assim, a palavra “súmula” nos remete a uma repetição de julgamentos que
sedimentam uma interpretação sobre determinada matéria (PELICANI, 2007, p.19).
Importante esclarecer é que as súmulas podem ser criadas por todos os Tribunais tanto os Tribunais Especiais quanto os Tribunais de Justiça Comum, não permanecendo ao cabo simplesmente do Supremo Tribunal Federal. Aliás, há também as
súmulas institucionais da Advocacia-Geral da União (AGU), cujo escopo é reforçar e
padronizar a atuação em caráter nacional, unificando, assim, o entendimento jurídico-institucional no âmbito da advocacia pública federal, a fim de garantir segurança
jurídica para a coletividade e reduzir a litigiosidade da Fazenda Pública.
Por fim, se remontarmos ao tempo da “criação da súmula” ou propriamente
da “Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal”, teve por
finalidade dar a desejável firmeza à jurisprudência da Corte a partir do imediato
conhecimento de seus precedentes pelas partes interessadas e, principalmente, pelos próprios juízes. As súmulas conformariam, desse modo, um sistema oficial de
referência dos precedentes judiciais, estruturadas em verbetes que consolidariam a
orientação predominante e segurança jurídica da aludida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (PELICANI, 2007, p. 86).
Além do mais, a súmula remete-se ou remetia-se à ideia de possuir o escopo
de vincular os tribunais estaduais (a respeitarem) à jurisprudência do STF em matérias de legislação federal (PELICANI, 2007, p. 61) uniformizando, assim, as decisões
dos Tribunais na época.
2.3. Conceito de súmula vinculante
Como fora dito, a súmula vinculante está prevista no artigo 103-A, da Constituição Federal. O referido artigo foi acrescentado pela Emenda Constitucional no 45,
de 2004. Aliás, até a publicação desta emenda constitucional, não havia o poder de
vinculação ou obrigatoriedade de observação da súmula no ordenamento jurídico.
Desse modo, nas palavras de Helano Márcio Vieira Rangel, a súmula vinculante
“representa uma aproximação entre a tradição romano-germânica, que concede
primazia à lei como fonte do direito, e a tradição anglo-saxônica, que prioriza o
precedente judicial” (RANGEL, 2011, p. 44) 7.
7
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“A tradição romano-germânica, própria da Europa Continental, foi transmitida ao Brasil pela tradição
jurídica lusitana. Nessa tradição, as decisões judiciais devem ser subordinadas à lei, a qual adquire
primazia como fonte do direito. A tradição romano-germânica fundamenta-se por uma desconfiança
social em face da figura do juiz, cujo papel era legado ao Estado, no âmbito do poder administrativo.
Tal desconfiança tornou-se nítida com as revoluções burguesas no século XVIII, pois os juízes eram
vistos como representantes do antigo regime absolutista. Desse modo, o Direito pós-revolucionário e
exegético, baseado no constitucionalismo liberal, no princípio da legalidade e no da separação dos
poderes. Esse Direito cuidou de limitar o poder, de maneira que os juízes deveriam simplesmente
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
André Ramos Tavares alude em sua obra que “reconhece-se a súmula vinculante como a possibilidade de construção de enunciados que sintetizem o entendimento (interpretação) anterior do Tribunal Constitucional” (TAVARES, 2012,
p. 425). Aduz, ainda, que para melhor compreender a súmula vinculante trata-se
de um “processo objetivo típico (embora com certas particularidades), que promove a aproximação entre o controle difuso-concreto de constitucionalidade (reiteradas decisões) e o controle abstrato-concentrado (efeito vinculante)” (TAVARES,
2012, p. 437).
Importante mencionar que para o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a súmula vinculante possui conteúdo pedagógico-institucional de
orientação das instâncias e da Administração Pública em geral (MENDES, 2009, p.
1014). Além disso, “a súmula terá por objetivo superar controvérsia atual sobre a
validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas capazes de gerar insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos” (MENDES, 2009, p. 1010).
A propósito, Rosa Benites Pelicani afirma que a súmula vinculante, por sua
vez, “tem por base reiteradas decisões proferidas sobre determinada matéria e não
será ela própria uma decisão judicial, mas um resumo da decisão judicial” (PELICANI, 2007, p. 126).
Desse modo, a súmula vinculante possui como característica fundamental o
seu efeito “vinculante”, por isso que há a deferência em relação à outra modalidade
de súmula simplesmente, isto é, por vincular toda a estrutura e órgãos do Poder
Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, em todas as unidades da Federação (União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal).
Aliás, para a existência da súmula vinculante, requer-se a presença de alguns
requisitos constitucionais e legais, que acabam por definir o próprio conteúdo das
súmulas vinculantes8. Convém esclarecer que toda e qualquer matéria expressa na
Constituição Republicana de 1988, ainda que não propriamente dita de natureza
constitucional e que exista conflito interpretativo poderá ensejar a edição de súmula
vinculante (PELICANI, 2007, p. 180).
8
aplicar a lei sem exercer quaisquer funções criativas. Para países como o Brasil, que seguem a tradição
romano-germânica, a principal fonte formal do Direito é a lei em sentido lato, que se manifesta por leis
em sentido estrito e códigos. Até o advento da súmula vinculante, a jurisprudência, que se sedimenta
pela uniformização de decisões judiciais sobre determinado caso, não se constituía como fonte formal,
pois a sua função não era a de estabelecer normas jurídicas, apenas a de interpretar a lei frente a casos
concretos. (...) Por seu turno, a tradição anglo-saxônica é aquela cuja característica essencial é a força
vinculante dos precedentes judiciais” (RANGEL, 2011, p. 44 – 45).
“(...) em regra serão formuladas a partir das questões processuais de massa ou homogêneas, envolvendo
matérias previdenciárias, administrativas, tributárias ou até mesmo processuais, suscetíveis de uniformização e padronização” (MENDES, 2009, p. 1011).
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3. SÚMULA VINCULANTE, NORMA JURÍDICA E SUAS
CONSEQUÊNCIAS
3.1. Natureza jurídica da súmula vinculante
A natureza jurídica da súmula vinculante é até hoje controvertida. Portanto,
ocupa-se posição ainda vaga ou duvidosa por parte da doutrina quanto à sua classificação no ordenamento jurídico brasileiro.
Afirma Marco Antonio Botto Muscari que “ao emitir súmula vinculante, o
Poder Judiciário não inaugura a ordem jurídica, criando direitos e obrigações; simplesmente traça o alcance da norma que o legislador, antes, editou” (MUSCARI,
1999, p. 53). Prossegue ainda:
É evidente que a súmula vinculante representa bem mais do que a mera jurisprudência, uma vez que a inobservância desta nada tem de ilegal e a afronta
àquela configura ato violador da própria Constituição. Não se pode dizer, entretanto, que o preceito sumular esteja equiparado à lei ou à Carta Maior. A súmula vinculante é mais do que a jurisprudência e menos do que a lei; situa-se
ao meio-caminho entre uma e outra. Com a jurisprudência guarda similitude
pelo fato de provir do Judiciário e de estar sempre relacionada a casos concretos que lhe dão origem. Assemelha-se à lei pelos traços da obrigatoriedade e
da destinação geral, a tantos quantos subordinados ao ordenamento jurídico
pátrio (MUSCARI, 1999, p. 53).
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery entendem que a súmula vinculante não tem natureza de lei, porém é equiparada (lato sensu), haja vista
o seu caráter geral e abstrato, tendo em vista a vinculação sumular em relação
aos poderes da República (Poder Judiciário e Poder Executivo) (NERY JÚNIOR,
2009, p. 531).
Em artigo publicado, Helano Márcio Vieira Rangel, ancorado nos ensinamentos de Albuquerque e Gomes (Paulo Antônio de Menezes Albuquerque e Rafael
Benevides Barbosa Gomes) e Arnaldo Vasconcelos, afirma que a súmula apresenta
duas características, haja vista:
(...) a súmula vinculante ocupa posição dúbia quanto ao seu enquadramento
como norma jurídica ou decisão judicial (legal actor legal norm). Por um lado
emana como decisão colegiada que decide sobre interpretação de matéria
constitucional, mas discrepa de uma mera sentença que apenas resolve o caso
concreto. Por outro lado, possui as características que a classificam como norma jurídica, tais como: bilateralidade, disjunção e sanção. Apesar da referida
dubiedade, pode-se classificá-la como norma jurídica, uma vez que possuidora de características essenciais a tal condição. De fato, a súmula vinculante
segue a mesma estrutura de uma norma jurídica, ou seja, se determinado fato
X ocorre, então deve ser a consequência Y. A súmula vinculante ostenta ainda
as qualidades de abstração e generalidade (RANGEL, 2011, p. 49).
174
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
Desse modo, pode-se concluir, conforme ponderações supramencionadas
que, apesar da súmula vinculante não advir do Poder Legislativo, apresenta peculiaridade de “generalidade” e abstração, o que lhe confere dizer para alguns doutrinadores que a súmula vinculante é uma norma jurídica prescritiva. Insta reiterar que
não há violação a tripartição de poderes, por parte do Poder Judiciário em relação
ao Poder Legislativo, como se verá adiante no quarto capítulo.
Sendo assim, Helano Marcio Viera Rangel conclui que até o advento por
emenda constitucional da súmula vinculante, a jurisprudência, que se sedimenta
pela uniformização de decisões judiciais sobre determinado caso, não se constituía
como fonte formal, pois a sua função não era a de estabelecer normas jurídicas, mas
apenas a de interpretar a lei frente a casos concretos (RANGEL, 2011, p. 56-57).
3.2. Norma jurídica e súmula vinculante
Norma jurídica é o elemento do direito positivo, que visa ordenar e transformar o comportamento humano em sociedade, cujo escopo consiste alterar a realidade social (CARVALHO, 2012, p. 90). Portanto, é uma estrutura do sistema social
que orienta as diversas relações intersubjetivas dos indivíduos e dos indivíduos com
o Estado.
Primeiramente, pode-se dizer que a norma jurídica é uma construção de linguagem dotada de sentido, ou seja, apresenta uma proposição que pode (ou deverá)
ser entendida de imediato pelos seus destinatários. Nesse sentido, a norma jurídica
se insere no sistema de linguagem de cunho prescritivo. Dessa forma, pode-se dizer
que as normas jurídicas são as significações que a leitura do texto desperta no intelecto do destinatário (CARVALHO, 2012, p. 298).
Insta esclarecer que a norma jurídica possui duas peculiaridades, sendo a
primeira de conteúdo descritivo e a segunda de conteúdo prescritivo (indicativo).
O conteúdo descritivo consiste em indicar as condições de aplicação da norma jurídica, ou seja, o conteúdo, sentido e alcance das regras jurídicas (sujeito, tempo, espaço, objeto tutelado), e aquela segunda característica estabelece os modais
deônticos do conectivo deve ser (proibido, obrigatório e permitido), que influenciam
determinadas condutas a serem observadas pelo destinatário. Dessa forma, a norma
jurídica possibilita a descrição de uma conduta.
De outro modo, a norma prescritiva (ou imperativa) indica aquilo que deve
acontecer em decorrência de uma vontade ou ordem superior. Sendo assim, “a principal característica das normas imperativas é o fato de descrever determinada conduta, ordenando que seja seguida” (DIMOULIS, 2007, p. 66).
Desse modo, esse enunciado deve ser transformado em uma norma jurídica
mediante o trabalho do intérprete, corroborando assim na “construção” da norma
jurídica.
Importante ressaltar que, para a ciência do direito e sua positivação, a linguagem utilizada é decisiva, visto que ela se materializa no mundo exterior. Por conse175
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.4, 2013: 163-188
guinte é essencial lembrar que “o direito positivo se insere no mundo por intermédio
de linguagem, que, por sua vez, deve ser produzida a partir de suportes físicos de
comunicação, por intermédio de textos” (CASTELLANI, 2009, p. 9).
Sendo o Direito linguagem, dessa maneira pode-se dizer que a súmula vinculante é norma jurídica que introduz no sistema de direito positivo os enunciados
prescritivos9 de linguagem direta que indicam condutas a serem seguidas tanto para
Administração Pública quanto para os órgãos do Poder Judiciário de forma obrigatória, ou seja, de ordem a ser cumprida e devidamente respeitada.
Corrobora, ainda, Grace Christhine de Oliveira Gosson, ao ponderar que:
A expressão súmula “vinculante” também é utilizada para indicar o(s)
enunciado(s), com conteúdo constitucional, que ingressa(m) no ordenamento
jurídico por intermédio do veículo introdutor de normas jurídicas e cuja função é conceder validade, indicar qual a interpretação constitucional adequada e dar eficácia a determinadas normas jurídicas ou enunciados prescritivos
já existentes no sistema jurídico (GOSSON, 2007, p. 150).
Sendo assim, a súmula vinculante é uma norma jurídica válida de competência (ou de produção) normativa oriunda da norma de estrutura10, pois é emanada
por um órgão (autoridade) competente para editá-la, conforme estabelece a própria
Constituição Republicana de 1988, e consequentemente esta supracitada norma
jurídica irradia seus efeitos para o ordenamento jurídico. Portanto, a enunciação
aparece, assim, como um processo político-jurídico de produção dos enunciados
prescritivos (direito positivo), cuja função é prescrever condutas que se materializam
por meio dos instrumentos normativos.
Dessa maneira, pode se dizer que as súmulas vinculantes se inserem como
enunciados prescritivos, que postos em circulação visam atingir o nível apurado de
comportamento social no sistema jurídico, restringindo, assim, o campo de contradições e ambiguidades das diversas modalidades de interpretações em conflitos de
uma determinada norma jurídica analisada, à custa de ingentes esforços de interpretação devidamente debatidos e combatidos no pleno do STF, a fim de não mais
repercutir dúvida na transmissão da mensagem, corroborando por fim na compreensão e eficácia da norma jurídica, nos seus aspectos de conteúdo, sentido e alcance
pleno da proposição jurídica. Aliás, o Supremo Tribunal Federal “tem limitado seu
campo ao preceito sobre o qual se constrói a súmula. Não pode ir além dele. Por-
9
“Na nova teoria das fontes do direito, a expressão enunciação é utilizada para indicar a atividade humana produtora de enunciados, ou seja, o procedimento de certos órgãos (autoridades competentes) que,
em conformidade com determinados enunciados prescritivos que disciplinam o ato da enunciação,
produz novos enunciados prescritivos” (ASSIS, 2012, p. 162).
10 “Para melhor compreender o sistema, as normas jurídicas (...) de competência ou de estrutura: são aquelas que estabelecem poderes e procedimentos, ou seja, têm por objeto os comportamentos relacionados
à produção normativa, determinam os órgãos do sistema e os expedientes formais necessários para que
se editem normas jurídicas válidas, bem como o modo pelo qual serão alteradas e desconstituídas (...)”
(ASSIS, 2011, p. 1).
176
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
tanto, e por idênticas razões, não se poderiam admitir súmulas contra legem ou extra
legem” (TAVARES, 2012, p. 430).
Afinal, numa análise geral sobre as súmulas vinculantes editadas até agora se
pode apontar, a priori, que a maioria dos enunciados foi produzida cumprindo induvidosamente todas as exigências constitucionais e legais e que, a priori, a grande
maioria dos enunciados feriu matérias de intensa discussão na jurisprudência dos
tribunais, e outra parte delas foi editada como forma de consagrar os precedentes do
próprio Supremo Tribunal Federal (OLIVEIRA, 2013, p. 1).
4. A SÚMULA VINCULANTE E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DE PODERES
Ao aprofundar o estudo sobre a súmula vinculante e suas consequências no
plano social e jurídico, surge a discussão se ao editar o supracitado instituto jurídico
constitucional o Supremo Tribunal Federal estaria ferindo o princípio da separação
dos poderes.
Para isso, primeiramente, cumpre esclarecer e reiterar que a súmula vinculante não é norma jurídica taxativamente empregada no sentido “geral” 11, ou seja,
para todos, e sim uma norma jurídica prescritiva que apresenta abstração e generalidade cujo conteúdo é autônomo. Portanto, ao editar o Supremo Tribunal Federal a
súmula vinculante não evidencia ofensa ao artigo 2o da Constituição Republicana
e muito menos mudança no sistema jurídico brasileiro12 do civil law (primado da
norma/primazia da lei) para o common law (precedente judiciário) ou possibilita seu
enfraquecimento, conforme pondera Ameleto Masini Neto (MASINI NETO, [200-?],
11 “E justamente porque somente cabe ao Poder Legislativo elaborar normas que possam inovar inauguralmente a ordem jurídica, que não é atribuído ao Poder Judiciário a prerrogativa de produzir norma
jurídica de valência idêntica àquela emanada da atividade legislativa. Vale dizer: não é atribuição de
nossos magistrados inovar o ordenamento jurídico de forma inaugural mediante a produção de normas
gerais e abstratas. Não podem eles se substituir ao Legislativo por não terem recebido do povo mandato
para manifestação da vontade popular”. (ZOCKUN, 2004, p. 167). Em outro aspecto, Pedro Lenza afirma: “Tentando equilibrar os entendimentos, parece, então, adequado falarmos em certa competência
legislativa atenuada, tendo em vista que a súmula vinculante estaria no meio caminho entre a lei em
abstrato e o caso concreto julgado: muito embora atue em abstrato, fixa as diretrizes para uma situação
concreta de direito material, mesmo que em tese” (LENZA, 2010, p.1).
12 Rodolfo de Camargo Mancuso adverte que: “(...) Embora o art. 5o, II, da CF afirme o primado da norma
legal, fato é que, em termos de carga eficacial, (...) a súmula vinculante distingue-se apenas pela origem
– Legislativo e Judiciário – porque no mais apresenta os mesmos atributos de impessoalidade, generalidade, abstração e impositividade, tendo destinatários diretos e indiretos (...), sendo que tal súmula
ainda se beneficia do fato de já representar o extrato de reiterados pronunciamentos judiciais sobre uma
mesma quaestio juris – sendo assim autoexplicável – ao passo que a norma legal vocaciona-se a ser interpretada, não raro alcançado mais de uma inteligência. Dessa forma, redefine-se a filiação do sistema
jurídico brasileiro, agora postado a meio caminho entre a civil law (primado da norma) e a common law
(precedente judiciário), devendo a norma legal, enquanto direito estático, e a súmula vinculante – o
produto final e potencializado do direito judicado no STF – se integrarem harmoniosamente, descabe
falar em hierarquia ou precedência entre uma e outra (MANCUSO, 2013, p. 421).
177
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.4, 2013: 163-188
p.2), pois o STF estaria ferindo o Princípio da Separação dos Poderes ao editar a
súmula vinculante, tendo em vista que esta regula condutas (comportamentos) no
convívio social, mesmo não sendo lei.
Desse modo, infere-se que a súmula vinculante não fere o Princípio da Separação dos Poderes, vale dizer, não há usurpação de competência por parte do Supremo Tribunal Federal em relação ao Congresso Nacional, uma vez que ele apenas
consolida em súmula o entendimento predominante do tribunal com o escopo de
facilitar o trabalho técnico no sistema jurídico e judicial.
Importante esclarecer, pelo princípio do “inclusio unius alterius exclusio” e
pela linha de interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, o Poder Legislativo não se sujeita ao efeito vinculante, portanto, a súmula vinculante editada e
dentre outras decisões proferidas em sede de controle concentrado nas modalidades
de ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)
não vincula a função legislativa, consequentemente, não abre-se caminho para o
“inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição e, por seguinte, da petrificação da evolução social” (LENZA, 2012, p. 312-313). Importante consignar que
é competência exclusiva do Congresso Nacional o escopo de zelar e preservar sua
competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes da República (artigo 49, XI, da CF).
Aliás, sob tal perspectiva, o Supremo Tribunal Federal (re)afirma que o efeito vinculante resultante de seu julgamento nos processos de fiscalização abstrata
(controle normativo abstrato) não se aplica e muito menos se estende à atividade
legislativa. Nessa consonância, a função legislativa não é alcançada pela eficácia
‘erga omnes’ das decisões proferidas pelo aludido E. Plenário13.
Desse modo, não há, pois, efeito vinculante para o Poder Legislativo. Portanto, o efeito vinculante somente alcança, atinge os demais órgãos do Poder Judiciário
e toda a Administração Pública no momento em que o Supremo Tribunal Federal
edita a súmula vinculante.
Além disso, importante ressaltar que a separação dos poderes é relativa14,
tendo em vista que a própria Constituição traz exceções à regra e confere tarefas de
um Poder da República em relação a outro poder (instituição estatal) republicano.
13 Precedentes do Supremo Tribunal Federal: (Rcl 2.617-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 232-2005, Plenário, DJ de 20-5-2005); (Rcl 13.019-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,
julgamento em 8-5-2012, DJE de 15-5-2012.); (Rcl 14.156-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão
monocrática, julgamento em 2-4-2013, DJE de 5-4-2013).
14 “Embora a Constituição Federal estabeleça uma tripartição entre os Poderes (art. 2.o) é notório que essa
tripartição não mais opera com rigidez de outrora, bastando considerar casos em que o Legislador julga
(art. 49, IX; art. 52, I e II) e administra (art. 52, XII e XIII); o Executivo julga (art. 84, XII) e legisla (art. 84,
III, IV e XXVI); o Judiciário administra (art. 96 e incisos), e em certa medida legisla (arts. 93 e 125, §1.o).
Assim, hoje prevalece o aspecto funcional do Estado Social de Direito (dimensão semântica), sobre o
aspecto da soberania ou do Poder (dimensão estática), devendo todos os entes políticos interagir na
consecução do bem comum”. (MANCUSO, 2013, p. 402).
178
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
Afinal, ao editar a súmula vinculante o Supremo Tribunal Federal estaria simplesmente exercendo o seu mister constitucional funcional, no qual foi incumbido
da aludida competência, conforme o artigo 103-A da Carta Política.
Dessa forma, a súmula vinculante se tornou no emblema mais vistoso da
chamada “legislação judicial” (MENDES, 2009, p. 211), ou seja, uma normatividade
que esclarece e, ao mesmo tempo, “impõe” o dizer do direito aos destinatários da
norma jurídica, ou seja, ao Poder Judiciário e Executivo.
Aliás, André Ramos Tavares assevera:
(...) Em outras palavras, também o magistrado cria Direito, e não apenas o
legislador (nem tão somente por ditar a “lei” para o caso concreto). Toda aplicação de lei pressupõe um ato interpretativo, e a interpretação constitui um
ato de criação do agente. O significado da lei não se extrai dela, mas antes é
construído pelo intérprete, dentro, dentre outros, dos limites do texto legal. (...)
A criação de “diretivas” gerais, de “súmulas” do pensamento (interpretação)
do Tribunal, para serem generalizadamente assumidas pelos demais centros
de “poder”, constituem, inegavelmente, uma atuação de ordem normativa. A
circunstância, porém, de implicar a redação de um enunciado não deve turvar a verdadeira atuação interpretativa que representa tal situação. Aliás, toda
interpretação é necessariamente consignada em enunciados redigidos pelo
Tribunal Constitucional. Não há nenhuma novidade nesse ponto, nem se deve
falar em atuação legislativa. Ora, no caso da súmula vinculante, o que se faz é
admitir a força do precedente norte-americano para um específico enunciado
que se constrói a partir da decisão. Ela não é atividade meramente legislativa,
muito menos com patamar de lei (TAVARES, 2012, p. 427-428).
Em outra passagem Gilmar Mendes assevera:
O precedente vinculativo, que se caracteriza pelo fato de a decisão de um
alto tribunal ser obrigatória, como norma, para os tribunais inferiores, tem as
nações anglo-americanas, a exemplo da Inglaterra, Canadá e Estados Unidos,
como reputado ambiente natural, por serem elas de direito de criação predominantemente judicial. Isso, no entanto, não impede de se ver o precedente
vinculante também em países de tradição romanista, embora aí mais formalizado, como referido (MENDES, 2009, p. 1008).
Portanto, ao editar a Súmula Vinculante o Supremo Tribunal Federal exerce
uma “atividade positiva” a fim de aprimorar o sistema jurídico do país e não conturbá-lo. Desse modo, não há de se falar em Supremo Tribunal Federal atuar como
“legislador positivo”, o que implicaria em flagrante ofensa ao Princípio da Separação
dos Poderes e na usurpação de poderes incompatíveis com a independência e harmonia dos Poderes da República Federativa do Brasil15.
Aliás, “ao Poder Judiciário é assegurada a independência em relação aos
demais poderes para o desempenho de suas funções típicas” (ZOCKUN, 2004, p.
15 Precedente: ADPF 144, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-8-2008, Plenário, DJE de
26-2-2010.
179
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.4, 2013: 163-188
166), o que inclui, portanto, a competência de editar súmula vinculante. “É o que
sucede com a autorização constitucional para a elaboração de súmula “vinculante”
pelo STF” (GOSSON, 2007, p. 159).
Importante esclarecer conforme doutrina e jurisprudência unânime que ao
Poder Judiciário somente é dado exercer as prerrogativas de legislador negativo
(MENDES, 2009, p. 142) em sede do controle concentrado de constitucionalidade16
e ainda que em controle difuso, ou seja, apenas para declarar e afastar aquelas normas consideradas em desacordo ou incompatíveis com as normas da Constituição
da República.
Logo, é absolutamente notório o consenso de que o Poder Judiciário atua
como legislador negativo no exercício de sua função típica a fim de retirar, suprimir
do ordenamento jurídico uma norma ou dispositivo de uma lei declarado inconstitucional, produzido pelos outros Poderes da República. Dessa forma, “(...) como
lembra Cappelletti, uma coisa é a inevitável criação judicial do direito – no âmbito
das causas e controvérsias em que se travam os conflitos de interpretação –, e outra,
bem diversa, é aceitar que os juízes atuem como autênticos legisladores (...) ” (MENDES, 2009, p. 145) como no caso das súmulas vinculantes.
5. O PODER DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E A SÚMULA VINCULANTE
A norma jurídica em sua aplicação cotidiana é interpretada e entendida de
acordo com o trabalho (livros, sentenças, pareceres, petições) de um grupo de homens (juristas, professores, magistrados, advogados, promotores) que, na comunidade jurídica, gozam de autoridade, liderança e reputação. Esses homens contribuem
para que a norma assuma um determinado conteúdo em cada oportunidade em que
é invocada. Na comunidade jurídica, aqueles que têm poder (autoridade, liderança,
reputação) podem influenciar outros a adotar a sua interpretação como premissa de
procedimento (ASSIS, 2011, p.24).
A respeito do poder de violência simbólica, assevera Olney Queiroz Assis
que:
A interpretação jurídica consiste num poder de violência simbólica que tem
por objetivo a uniformização do sentido de um texto normativo, posto que
não é possível uma interpretação simbólica unívoca de um texto expresso
em termos vagos e ambíguos. Trata-se do poder capaz de impor significações
como legitimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento
da própria força. Poder aqui é controle. Ao controlar, o emissor não elimina
as alternativas de ação do receptor, mas as neutraliza. Controlar é neutralizar,
16 Precedentes do Supremo Tribunal Federal: (AI 360.461-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 6-12-2005, Segunda Turma, DJE de 28-3-2008.), (ADI 1.063-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.), (RE 584.315-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento
em 23-9-2008, Segunda Turma, DJE de 31-10-2008.) e (RE 335.275-AgR-segundo, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 28-3-2011).
180
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
fazer com que, embora conservadas como possíveis, certas alternativas não
sejam levadas em consideração (ASSIS, 1995, p. 201).
Assim, o decano ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirma a importância da Suprema Corte brasileira ao refletir sobre a Constituição Republicana de 1988:
Em 5 de outubro de 1988 dissiparam-se os tempos sombrios que tanto afligiam a Nação brasileira. Hoje vivemos sob a égide de um estado impregnado
de perfil claramente democrático e a responsabilidade institucional do STF é
imensa na preservação da continuidade da ordem democrática e na subsistência do ordenamento fundado na lei fundamental da República (REVISTA
VIRTUAL CONSULTOR JURÍDICO, 2011, p. 1).
Corrobora a professora Maria Tereza Sadek, ao dispor acerca do Poder Judiciário, que “a visão da população brasileira tem mudado em relação ao Judiciário
em reconhecimento à sua participação política na sociedade” (REVISTA VIRTUAL
CONSULTOR JURÍDICO, 2013, p. 1).
Nos últimos anos, dificilmente se encontrará uma questão marcante que tenha
tido impacto no âmbito político e/ou das relações privadas que o Judiciário não
tenha participado. Temas de alto impacto na vida do país constam atualmente
da agenda do Supremo Tribunal Federal, como a criação de cotas raciais, a
interrupção de gestação de fetos com anencefalia, ocupação de terras por
quilombolas. Esses exemplos poderiam ser multiplicados. O exame do que
tem ocorrido permite afirmar que essa característica do modelo institucional
brasileiro imprimiu uma feição política ao Judiciário, propiciando que atue,
de fato, como poder (SADEK, 2011, p.1).
Assim, torna-se evidente o Poder de Violência Simbólica nas decisões das
Cortes por sua relação de autoridade17 dentro do sistema jurídico e social, tendo em
vista que a interpretação jurídica adotada pelos Tribunais consiste em poder e influência ao mesmo tempo, cujo objetivo é uniformizar o sentido da norma jurídica,
pois “o exercício de poder pressupõe, (...), um ato de violência simbólica” (ASSIS,
1995, p. 202).
Desse modo, diante da interpretação jurídica, se dará o poder propriamente
dito dos Tribunais, capaz de controlar e influir interpretações como genuínas, cor-
17 Vale mencionar, conforme lição de Olney Queiroz de Assis, que existe relação de autoridade quando a
influência se opera através da neutralização do tempo. A passagem do tempo altera o sentido da norma,
daí a necessidade de generalizar o sentido apesar do tempo diversificá-lo. Neutraliza-se a possibilidade
de outras interpretações pelo estabelecimento de hierarquias em relação às normas e em relação aos
intérpretes (autoridades competentes). A interpretação da autoridade é aceita orientada pela ideia de
que sempre se procedeu da forma por ela interpretada, portanto, consolidada na tradição. A interpretação é considerada autêntica em oposição às interpretações contrárias, consideradas não autênticas,
motivo pelo qual a interpretação da autoridade exige adesão convicta. Nesse sentido, a Jurisprudência
dos Tribunais, especialmente, a do STF (ASSIS, 2011, p. 24- 25).
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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.4, 2013: 163-188
retas, e impedir outras interpretações de conteúdos múltiplos possíveis no momento
em que estiver para decidir uma situação jurídica “problemática”.
Sendo assim, são três as formas de exercício de poder de violência simbólica:
autoridade18, reputação e liderança (ASSIS, 1995, p. 184).
Anota Olney Queiroz Assis que:
No processo interpretativo, a influência implica a generalização de sentido
com vistas à neutralização de outras possibilidades. Nesse sentido, o poder
assume três relações: a) relação autoridade: a interpretação é generalizada
(confirmada) quando o intérprete ocupa uma posição superior dentro de uma
determinada hierarquia, por exemplo, do Poder Judiciário; b) relação de liderança: a interpretação é generalizada quando todos ou quase todos repetem
(imitam) a mesma interpretação; c) relação de reputação: a interpretação é
generalizada com base no prestígio do intérprete (ASSIS, 2011, p. 24).
Portanto,
(...) nestas três formas o direito entra na relação de poder e dá plenas condições para que este se estruture e dissimule as relações de força que estão
presentes na sua base. Com isso, é possível apontar que a interpretação das
normas jurídicas é, no fundo, um ato de poder, isto é, um ato de violência
simbólica que se utiliza das relações de autoridade, liderança e reputação.
Em outras palavras, é possível o poder penetrar na dogmática jurídica (ASSIS,
1995, p. 186).
Dessa forma, “torna-se possível falar violência não como vis física, concreta
e atual, mas no sentido simbólico de ameaça. Não se fala da violência como instrumento de direito, (...). Trata-se, porém, a violência como manifestação do direito,
(...)” (FERRAZ JR., 2003, p. 346), por meio do qual se dá nos Tribunais pela dogmática da decisão, ou seja, o que é decidido pelos órgãos jurisdicionais. Emerge-se, assim, o brocardo jurídico “roma locuta, causa finita”, portanto, no momento em que
se decide o litígio, o Estado se manifesta por ato de império, dando termo a causa
e, consequentemente, vinculando as pessoas a respeitar a autoridade da decisão
judicial, no caso em tela do Supremo Tribunal Federal.
Desse modo, se insere a súmula vinculante não como meio propriamente
dito de coerção ou imposição no mundo do direito, mas como um instrumento
jurídico constitucional do Supremo Tribunal Federal a fim de exercer sua influência
no cenário jurídico e social da sociedade brasileira, combatendo, assim, interpretações conflitantes de decisões judiciais e extrajudiciais (jurídicas) que desencadeiam
incertezas e inseguranças no campo jurídico, conforme já reiteradamente afirmado
18 “No direito, é enorme a importância desse argumento. Basta pensar no valor da tradição, no papel
dos jurisconsultos, na força da jurisprudência para ter-se uma ideia de sua presença. Por meio deles, a
própria doutrina, bastante discutida quanto a seu papel de fonte ou não do direito, pode exercer, como
de fato exerce, grande pressão na conformação, compreensão e decisão dos conflitos judiciais e extrajudiciais. Basta ver o papel exercido pelo parecer técnico, cuja força está não apenas na correção dos
raciocínios, mas, sobretudo, no nome de quem o assina” (FERRAZ JR., 2003, p. 337 – 338).
182
A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
e estabelecido pela possibilidade de criação da súmula vinculante prevista no artigo
103-A da Constituição Republicana de 1988.
Além disso, sendo o STF a instância máxima do Poder Judiciário brasileiro,
possui prerrogativa constitucional de proferir a “última palavra a ser dada” no campo de interpretação do direito e efetivação da Constituição, haja vista a constitucionalização das relações sociais (BARROSO, 2009, p. 382). Esse entendimento exarado da tese (interpretação) vencedora em súmula vinculante será fruto de decisões
idênticas e “maduras” realizadas pelo Plenário do supracitado órgão com o objetivo
de uniformizar seu entendimento jurisdicional. Assim, pode-se dizer que a criação
da súmula vinculante é um ato do poder de violência simbólica, ou seja, um ato de
uniformização dos significados realizados pela hermenêutica jurídica.
Desse modo, a interpretação jurídica19 consiste em um poder de violência
simbólica que tem por objetivo uniformizar o sentido da norma jurídica. Portanto,
poder é, nesse sentido, um meio pelo qual a seletividade de uma pessoa exerce
influência na seletividade de outra em razão, por exemplo, da prevalência argumentativa.
Logo, ao editar a súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal emite um
enunciado prescritivo sintetizando o seu entendimento consolidado sob determinada questão, expandindo seus efeitos com força obrigatória por meio da súmula
vinculante para outras instituições da República, solucionando, assim, a grave e relevante crise de multiplicação de processos sobre aquela mencionada lide idêntica
e restabelecendo por final o princípio da segurança jurídica no direito com o seu
posicionamento.
Desse modo, o exercício do poder se dá agora por meio das instituições estatuídas, no caso em tela pelo Supremo Tribunal Federal, a última estrutura hierárquica do Poder Judiciário, local onde há, e concentra por final inúmeras divergências
jurídicas e interpretativas do universo do direito brasileiro, portanto, a introdução da
força na estrutura do poder conduz, por isso, ao exercício da violência simbólica
pela hermenêutica jurídica.
Conclui-se que, “assim, o que aparece como Hermenêutica Jurídica nada
mais é do que uma instância de poder (controle) na qual certas significações são
impostas como legítimas” (SILVA E COSTA, 2005, p. 264 – 265). Logo, o “controle
de interpretação” que necessita ficar como razoável e legítimo, resume-se com o
que afirma Carlos Eduardo Batalha:
O bom entendimento jurídico é a interpretação capaz de impor significações
como legitimas, dissimulando as relações de força, ou seja, a que melhor
realiza a violência simbólica e, assim, produz aceitação. A Hermenêutica Jurí19 “A interpretação como poder de violência simbólica implica, portanto, um processo interpretativo que
faz preponderar um significado diante da possibilidade de múltiplos significados possíveis. É um poder
de controle capaz de impor significações como legítimas, justas e consensuais e neutralizar outras
interpretações, de modo que estas não possam ser levadas em consideração”. (ASSIS, 2011, p.23)
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dica é um discurso de poder ou de parapoder, pois, como doutrina, a própria
dogmática acaba por conferir ao seu discurso uma espécie de autoridade pedagógica (SILVA E COSTA, 2005, p. 269).
Correlato a isso, vem à ilação, conforme já exposto, o pensamento do Ministro Gilmar Mendes ao afirmar que a súmula vinculante é um instrumento de orientação pedagógica para todo Poder Judiciário e Executivo, cuja consequência mais
importante é aumentar a segurança jurídica.
Sendo assim, espera-se com as súmulas vinculantes debelar “a crise que há
às vezes no sistema”, que desencadeia o mal da insegurança jurídica e da intensa,
longa e massificada discussão de direito nos tribunais pátrios. Até porque, as súmulas vinculantes, como são normas jurídicas prescritivas para o Poder Judiciário e para
a Administração Pública, não podem ser produto do açodamento, nem do casuísmo, mas do “perfeito” apuramento e sensibilidade jurídica (OLIVEIRA, 2013, p. 1)
devidamente debatida, combatida e convencida na “correta” interpretação jurídica
considerada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
CONCLUSÃO
Objetivou-se o estudo da súmula vinculante oriundo do Supremo Tribunal
Federal, conforme emana o artigo 103-A da Constituição Republicana de 1988, porém foi restringido o enfoque sobre o aspecto da teoria do Poder de Violência Simbólica. Entretanto, não deixando de esclarecer as principais características do instituto
jurídico constitucional e sua origem histórica, desde os tempos das ordenações portuguesas até as ponderações realizadas pelo Ministro Victor Nunes Leal, do Supremo
Tribunal Federal, em relação à súmula na década de 1960 (sessenta). Desse modo,
correlaciona-se principalmente neste trabalho científico a súmula vinculante como
instrumento da teoria do Poder de Violência Simbólica e, por seguinte, possibilita a
reflexão da teoria normativa frente à súmula vinculante.
Primeiramente, cumpre esclarecer que a súmula representa a consolidação
de uma jurisprudência pacífica e predominante de um dado tribunal, por meio de
um verbete sintético numerado e editado de um órgão do Poder Judiciário.
Em relação à súmula vinculante, deu-se sua origem, sua criação com a promulgação da Emenda Constitucional no 45/2004, que acrescentou o artigo 103-A
à Constituição Republicana de 1988, determinando-se que as atuais súmulas do
Supremo Tribunal Federal somente produzir-se-ão efeito vinculante após a sua confirmação pelo quórum mínimo de 2/3 (dois terços) dos membros de ministros do
Supremo Tribunal Federal. Portanto, com a súmula vinculante, o STF poderá, de
ofício ou por provocação, mediante decisão de 2/3 dos seus membros, aprovar uma
súmula que, a partir da sua publicação, terá efeito vinculante, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional que consequentemente consagram os precedentes
do aludido tribunal.
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A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
Importante esclarecer que a edição da súmula vinculante possibilita o mesmo efeito de uma dada decisão tomada pelo pleno do STF em sede de controle
abstrato, na qual vincula toda a estrutura do Poder Judiciário e a administração pública criando, assim, uma relação de “dependência” e “subordinação”, ou seja, de
obrigatoriedade no que tange à sua observância e fiel exação em seu cumprimento.
Em que pese as inúmeras objeções asseveradas pela doutrina, tendo em vista
ao supracitado instituto jurídico constitucional, é necessário esclarecer que a súmula vinculante objetiva preservar a coerência com o sistema jurídico constitucional
e ao mesmo tempo (re)estabelece o controle das inúmeras interpretações jurídicas
em conflito, (re)assegurando, desse modo, o princípio da supremacia constitucional
por meio de seus mandamentos. Aliás, por fim, há na súmula vinculante o escopo
de eliminar as antinomias criadas no sistema jurídico social alcançando, assim, a
coerência que deve existir no Direito.
Importante mencionar a relevância que há no estudo da súmula vinculante,
haja vista os inúmeros teóricos brasileiros que asseveram sobre o supracitado instituto jurídico constitucional apontado argumentos favoráveis e objeções da lavra de
notáveis juristas – Ada Pellegrini Grinover, André Ramos Tavares, Candido Rangel
Dinamarco, Ives Gandra Martins, Humberto Theodoro Junior, Lenio Luiz Streck20,
Roberto Rosas, Teresa Arruda Alvim, dentre outros doutrinadores.
A propósito, consideração a se fazer e reiterar que no momento em que o Supremo Tribunal Federal edita a súmula vinculante, ele não elabora norma no sentido
técnico formal de lei, mas sim uma norma jurídica prescritiva sintética – produto de
sua jurisprudência predominante e reiterada –, oriunda de sua interpretação devidamente combatida no campo sub judice constitucional. Ademais, essa interpretação
materializada em súmula vinculante intenta orientar toda a estrutura do Poder Judiciário, bem como o Poder Executivo a agir em determinadas situações judiciais e jurídicas análogas, surgindo, assim, por dizer, um conteúdo pedagógico institucional
em relação aos destinatários da aludida norma jurídica, ou seja, advindo caminho
para correlacionar a súmula vinculante à teoria do Poder de Violência Simbólica sob
o aspecto argumentativo de autoridade.
Partindo da premissa que ao Supremo Tribunal Federal incumbe como função principal defender a ordem constitucional (preservar o alicerce das estruturas
públicas e o exercício da cidadania), assegurando, desse modo, efetivamente, o
princípio da supremacia das normas constitucionais em suas deliberações judiciais,
nada mais coerente com o “sistema” jurídico brasileiro, que, ao editar a súmula vinculante, o STF exerça uma atuação “positiva” a fim de evitar que cause um mínimo
20 A fim de enriquecer o estudo preconiza Lenio Luiz Streck com absoluta pertinência a análise das
súmulas vinculantes com a crise do universo jurídico que há ao redor delas, abrindo-se caminho para
refletir e correlacionar sobre o risco do decisionismo e das interpretações discricionárias e arbitrárias
no que tange ao campo das teorias interpretativas e da edição de súmula vinculante (STRECK, 2007, p.
331-350).
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de perturbação social na estrutura do Estado Democrático de Direito, aprimorando,
assim, o ordenamento jurídico.
Desse modo, por se encontrar o Supremo Tribunal Federal no ápice do sistema jurídico brasileiro, o último órgão da estrutura do Poder Judiciário, nada mais
coerente e devidamente pertinente que o produto final “judicado” de suas decisões
e interpretações devam ser devidamente observados e respeitados. Dessa forma,
advém o poder de violência simbólica por meio da edição da súmula vinculante
(enunciado prescritivo), haja vista que incumbe à Suprema Corte brasileira o cuidado com o ordenamento jurídico, pois é o órgão de cúpula do Judiciário considerado
o “guardião da Constituição”, “(CF, art. 102, caput), e, ao emitir a súmula vinculante, ele fixa – no espaço e no tempo – a validade, interpretação e eficácia de uma
dada norma constitucional” (MANCUSO, 2013, p. 402). Logo, o STF é aquele que
concretiza em último lugar a força normativa da Constituição, em causas sob divergências interpretativas, como no caso analisado das súmulas vinculantes, tendo em
vista que é o “poder” que define e interpreta juridicamente em último lugar o conflito jurídico interpretativo, advindo o brocardo “roma locuta, causa finita” ao julgar
uma determinada situação “problemática” ou até mesmo, quando enuncia por meio
de súmula vinculante seu entendimento predominante e reiterado, repercutindo,
assim, segurança jurídica para todo o ordenamento jurídico brasileiro.
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Submetido: 30/06/2013
Aceite: 19/09/2013
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