— novembro 2013 QUALIDADE DO LEITE marcos veiga dos santos Professor Associado Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP www.marcosveiga.net O diagnóstico da mastite causada por Prototheca spp. pode ser realizado pela cultura microbiológica de amostras do quarto afetado, uma vez que este microrganismo é facilmente isolado com os meios de cultura tradicionalmente usados para as demais bactérias Como controlar a mastite por Prototheca spp.? Vacas com mastite causada por Prototheca spp. apresentam pronunciada redução da produção de leite. O tratamento com antimicrobianos pode resultar em redução temporária da gravidade dos sintomas, mas não elimina o agente causador da mastite e as vacas tendem a permanecer infectadas de forma crônica. Conheça medidas para reduzir e controlar a mastite por Prototheca spp. nos rebanhos » 24 — novembro 2013 O s estudos científicos sobre as causas da mastite bovina indicam que diferentes microrganismos podem ser causadores de infecções na glândula mamária, como as bactérias, os fungos, as leveduras, as microalgas e, em raras ocasiões, os vírus. Já foram identificados mais de 130 diferentes tipos de microrganismos causadores de mastite, no entanto as bactérias são a causa mais comum desta infecção. Em termos práticos, pode-se classificar os microrganismos causadores de mastite, com base na forma de transmissão, em dois grupos: patógenos contagiosos ou ambientais. Os contagiosos são aqueles adaptados à sobrevivência no interior da glândula mamária. Além disso, é mais comum apresentarem alta incidência de mastite subclínica, longa persistência na glândula mamária e ocorrência de casos clínicos esporádicos. Por outro lado, o principal reservatório de patógenos ambientais é o próprio ambiente em que a vaca se encontra. Os agentes ambientais podem ser considerados patógenos oportunistas, pois invadem a glândula mamária, mas não são bem adaptados para multiplicação no interior do úbere, o que leva a uma resposta inflamatória imediata e muitas vezes de alta gravidade. Por isso, esta forma de mastite está associada com infecção de curta duração que pode resultar em redução da produção de leite e até mesmo na morte do animal. Os agentes ambientais de maior relevância em infecções intramamárias são os coliformes e as espécies de estreptococos ambientais (exceto o S. agalactiae). Conhecendo a Prototheca spp. Prototheca spp. pode ser um agente oportunista causador de mastite clínica e subclínica, cuja ocorrência já foi descrita em diversos países como Canadá, Esta- O descarte de vacas infectadas por Prototheca spp. é a principal medida de controle da doença no rebanho, uma vez que o tratamento não apresenta bons resultados dos Unidos, Brasil, Alemanha e Japão. Prototheca é uma microalga, unicelular e aclorofilada, que não possui capacidade de fotossíntese. Em rebanhos bem manejados e com adequado controle de mastite, a incidência de mastite causada por Prototheca spp. é esporádica, sendo identificada em 0,1% a 5% de amostras submetidas para cultura microbiológica. No entanto, em alguns rebanhos com surtos de mastite por este agente, a incidência da doença por atingir até 30% das vacas. Dentre as espécies de Prototheca spp. identificadas como causadoras de mastite bovina, as principais são P. zopfii, P. wickerhamii e P. blaschkeae. A mastite causada por Prototheca spp. não pode ser diferenciada visualmente, somente com base nos sintomas clínicos, de outros tipos de mastite causada por bactérias. A mastite causada por Prototheca spp. geralmente apresenta-se na forma crônica, sem o aparecimento de sintomas clínicos e sistêmicos, mas ocorre significativa elevação da contagem de células somáticas (CCS). No entanto, pode ocorrer também a forma aguda e clínica da doença. Nos casos agudos, podem ser observados sintomas de secreção purulenta e com elevado número do microrganismos no leite. Vacas com mastite causada por Prototheca spp. apresentam pronunciada redução da produção de leite. O diagnóstico e isolamento da mastite causada por Prototheca spp. pode ser facilmente realizado pela cultura microbiológica de amostras do quarto afetado, uma vez que este microrganismo é facilmente isolado com os meios de cultura tradicionalmente usados para as demais bactérias. Mesmo que a maioria das cepas de Prototheca spp. apresente susceptibilidade moderada a alguns antimicrobianos e alguns anti-fúngicos (polymixina B, gentamicina, nystatina, anfotericina B), o uso destes antimicrobianos para o tratamento das vacas com sintomas clínicos não é recomendável em razão de: a) altos custos do tratamento, b) grau irreversível de lesão na glândula mamária, c) baixa taxa de cura. O tratamento com os antimicrobianos pode resultar em redução temporária da gravidade dos sintomas, no entanto, não ocorre a eliminação do agente causador da mastite e as vacas tendem a permanecer infectadas com infecções crônicas. Fatores de risco Prototheca zopfii é considerado um microrganismo de origem ambiental. Desta forma, a alta contaminação dos tetos por Prototheca spp. aumenta o risco de ocorrência de novos casos de mastite. Rebanhos alojados em sistemas de confinamento total apresentam maior incidência da mastite causada por Prototheca spp. do que rebanhos em sistema de pastejo. Os microrganismos do gênero Prototheca spp. já foram isolados a partir de diversas fontes ambientais, principalmente habitats úmidos e ricos em material orgânico, tais como plantas, solo, lama, lagoas, água de bebedouros, alimentos, fezes de bovinos e galpões de confinamento de vacas leiteiras. A presença de Prototheca spp. em fezes indica que este microrganismo sobrevive ao processo digestivo do trato gastrointestinal, e desta forma, pode contaminar praticamente todos os ambientes que entram em contato com as fezes das vacas. Da mesma forma, as fezes de bezerras alimentadas com leite produzido por vacas com mastite causada por Prototheca spp. podem ser uma importan» 25 — novembro 2013 QUALIDADE DO LEITE FIQUE ATENTO! A presença de Prototheca spp. em fezes indica que este microrganismo sobrevive ao processo digestivo do trato gastrointestinal, e desta forma, pode contaminar praticamente todos os ambientes que entram em contato com as fezes das vacas. Da mesma forma, as fezes de bezerras alimentadas com leite produzido por vacas com mastite causada por Prototheca spp. podem ser uma importante fonte de contaminação ambiental. O risco de ocorrência de mastite causada por Prototheca spp. aumenta significativamente após procedimentos de tratamento intramamário com antibióticos, principalmente quando as condições de higiene são precárias. Isto ocorre porque pode-se introduzir a Prototheca spp. para dentro da glândula mamária durante os procedimentos de tratamento te fonte de contaminação ambiental. Prototheca spp. pode ser encontrada no ambiente de rebanhos leiteiros com ou sem a ocorrência prévia de mastite causada por este microrganismo. Isto indica uma ampla distribuição deste agente no ambiente de fazendas leiteiras com ou sem histórico prévio de mastite causada por este agente. Portanto, não é somente a presença ou o aumento da contaminação por Prototheca spp. no ambiente das vacas leiteiras que aumentam o risco de mastite causada por este agente, mas sim outros fatores de risco que aumentam a chance desta contaminação ambiental ser introduzida na glândula mamária. Deficiências na higiene do manejo préordenha das vacas leiteiras e o não oferecimento de alimentos após a ordenha são os fatores de risco da ocorrência de mastite causada por Prototheca spp. Resíduos de alimentos altamente contaminados com Prototheca spp. também são fontes de contaminação ambiental e podem causar ocorrência de surtos de mastite causada por Prototheca spp. O risco de ocorrência de mastite causada por Prototheca spp. aumenta significativamente após procedimentos de trata» 26 mento intramamário com antibióticos, principalmente quando as condições de higiene são precárias. Isto ocorre porque pode-se introduzir a Prototheca spp. para dentro da glândula mamária durante os procedimentos de tratamento. Como controlar a mastite por Prototheca spp.? Em rebanhos com alta incidência ou surtos de mastite por Prototheca spp., a transmissão entre vacas pode ocorrer durante a ordenha. Sendo assim, as vacas infectadas podem se tornar uma fonte de infecção para as vacas sadias, além de causar a contaminação do ambiente. Nos rebanhos com histórico de mastite causada por Prototheca spp., recomenda-se que as vacas infectadas sejam identificadas, segregadas e serem ordenhadas separadamente do restante do rebanho. O descarte das vacas infectadas por Prototheca spp. é a principal medida de controle para redução da doença no rebanho, uma vez que o tratamento não apresenta bons resultados. Em termos gerais, a prevenção e o controle da mastite causada por Prototheca spp. consistem das mesmas medidas utilizadas para o controle de mastite ambiental. As principais medidas de controle têm como objetivo reduzir a contaminação dos tetos com fezes ou água contaminada no período pré e pós-ordenha. Entre as principais medidas preventivas, recomenda-se o uso da desinfecção dos tetos antes e após a ordenha (pré e pós-dipping), oferecimento de alimentos para as vacas após a ordenha (para evitar que as vacas se deitem imediatamente após a ordenha) e melhoria do padrão de limpeza e higiene de instalações e camas das vacas. Além disso, as vacas não devem ter acesso a locais com acúmulo de água contaminada (lagoas, poças de água), restos de alimentos contaminados ou com alta umidade e matéria orgânica. Em resumo, Prototheca spp. pode ser um agente oportunista causador de mastite bovina. Nos rebanhos leiteiros bem manejados, a ocorrência de mastite causada por Prototheca spp. é esporádica e de baixa incidência. Contudo, em rebanhos com deficiências de higiene das instalações, no manejo de ordenha e na higiene nos procedimentos de tratamentos intramamários, esta doença pode-se tornar endêmica.