Nº 7 Abril/2009 PREBIÓTICOS (FOS E MOS) E PROBIÓTICOS NA ALIMENTAÇÃO DE CÃES E GATOS Introdução A alimentação dos animais de companhia passou por uma evolução visível nas últimas décadas. Na década de 80, a maioria deles ainda era alimentada com os restos de comida de seus proprietários e poucas indústrias de rações existiam e investiam no Brasil. Dois fatores contribuíram para a expansão do segmento: o poder aquisitivo das populações dos grandes centros aumentou e os padrões de consumo se sofisticaram. Por outro lado, a evolução dos hábitos em favor dos alimentos industriais está associada a um conjunto de fatores cada vez mais difundidos: alimentação sadia, equilibrada e com grande variedade de produtos disponíveis no mercado e, principalmente, praticidade. Diante da grande variedade dos alimentos disponíveis no mercado, o consumidor seleciona, além dos produtos nutricionalmente balanceados, aqueles que podem oferecer vantagens adicionais, tais como: produtos que contribuem com a beleza da pele e pelos, que auxiliam no controle do tártaro, que contenham ingredientes naturais, ômegas 3 e 6, que possuam uma palatabilidade atrativa ao animal e assim sucessivamente. No que diz respeito aos ingredientes funcionais adicionados aos alimentos de cães e gatos, há muitos ingredientes já difundidos para a alimentação humana. Dentre eles destacam-se os prebióticos e probióticos que têm como finalidade propiciar uma microbiota intestinal saudável e equilibrada, melhorando assim a absorção dos nutrientes e protegendo sua mucosa contra possíveis patógenos. As Fibras As fibras da dieta estão incluídas na ampla categoria dos carboidratos. Elas podem ser classificadas como solúveis e insolúveis, podendo ser fermentáveis ou não fermentáveis. As fibras solúveis são fermentadas rapidamente, enquanto as insolúveis são lentamente ou apenas parcialmente fermentadas (Puupponen-Pimiã et al., 2002). As fibras solúveis são fermentáveis, viscosas e gelificantes, o que lhes confere uma série de benefícios fisiológicos, tais como: retardamento do esvaziamento gástrico e do trânsito no intestino delgado, modulação da motilidade gastrintestinal, efeitos brandos no aumento da massa, volume e consistência das fezes, redução da diarreia pelo aumento da absorção de água, promoção do desenvolvimento da mucosa do íleo e do cólon, fornecimento de energia à mucosa intestinal, diminuição do pH do cólon, aumento da proteção contra infecção (função de barreira, imunidade), aumento na tolerância à glicose (Borges et al., 2003), adsorção de ácidos biliares e possível repercussão sobre a absorção e na deposição de gordura (Zhao et al., 1995). As fibras insolúveis são pouco fermentáveis e não viscosas, sendo eliminadas praticamente na sua forma intacta. Apresentam a capacidade de reter água, aumentando a massa fecal e o peso das fezes, e, devido a sua consistência, estimula o peristaltismo, através da ação agressiva que provoca na musculatura da parede intestinal (Borges et al., 2003). Por essas características, provocam o aumento da velocidade de passagem da digesta e da motilidade, diminuindo a constipação e a absorção de nutrientes. O trânsito mais acelerado está associado à diminuição do pH, aumentando a quantidade de substratos que chega ao cólon (Guillon & Champ, 2000). Além disso, promovem o desenvolvimento das mucosas do íleo e do cólon, conferindo maior proteção contra infecções (Borges & Ferreira, 2004). No entanto, a ação dos microrganismos sobre essas fibras presentes no intestino delgado pode atuar como barreira física à atuação de enzimas digestivas sobre o conteúdo interno das células (amidos, açúcares), diminuindo a absorção e a digestão dos nutrientes. (Vanderoof, 1998). A maior parte dos alimentos comerciais apresenta um teor de fibra compreendido entre 1% e 4% da matéria seca, com exceção dos produtos com finalidade terapêutica. Segundo Hussein (2003), altos níveis de fibra (5 a 25% da MS) podem ser incluídos em dietas para cães obesos e em dietas para animais saudáveis com peso dentro do padrão, quando eles recebem alimento à vontade. Os Prebióticos Os prebióticos são carboidratos não digeríveis que estimulam seletivamente a proliferação e/ ou atividades de bactérias indesejáveis no cólon, mais precisamente as bactérias bífidas, ou seja, modulam a composição da microbiota intestinal. São em sua totalidade, fibras vege-tais, entretanto, agrupadas separadamente por apresentarem efeitos fisiológicos característicos. São ingredientes nutricionais não digeríveis, que atuam seletivamente sobre a microflora, estimulando o crescimento e atividade de uma ou mais bactérias benéficas intestinais (Carabin & Flamm, 1999; Gibson & Roberfroid, 1995; ANFALPET, 2010;). As fontes dos prébioticos são: degradação da inulina (FOS), degradação da hemicelulose (Xilloligossacarídeos), mananoligossacarídeos (MOS), galacto-oligossacarídeos (GOS), glico-oligossacarídeos (ANFALPET, 2010). Os prebióticos mais utilizados são os fruto-oligossacarídeos (FOS), que incluem inulina e oligofrutose. Ambos são oligossacarídeos que diferem somente em seu grau de polimerização. Dentre os efeitos benéficos dos prebióticos estão: ·Estimulação do crescimento de bactérias benéficas (Bifidobacterium e Lactobacillus) e a exclusão de bactérias patogênicas. ·Função e estrutura da colônia mais saudável, aumentando a diferenciação celular da colônia, ajudando na manutenção do desenvolvimento normal da mucosa. ·Aumento da área e capacidade de absorção do intestino delgado. ·Redução da concentração de catabólitos proteicos nas fezes. ·Melhora na homeostase da glicose e modulação da concentração de lipídeos do sangue (Swanson et al., 2002; Dzanis, 2003). Fruto-oligossacarídeos Fruto-oligossacarídeos (FOS) são carboidratos que resistem à digestão pelas enzimas intestinais e pancreáticas, o que lhes confere um efeito osmótico por sua capacidade de retenção de água. A ingestão de FOS não afeta a secreção de insulina e nem os níveis de glicose sanguínea, podendo ser utilizado em dietas específicas para o controle da obesidade ou controle de patologias como a diabetes (ANFALPET, 2010). As moléculas de FOS que não são digeridas no intestino delgado são fermentadas no intestino grosso pelas bactérias anaeróbias que compõem a flora intestinal, produzindo grandes quantidades de ácidos graxos de cadeia curta ou ácidos graxos voláteis, dentre eles: ácido acético, ácido propiônico e butírico, além de CO2, amônia e H2 e, como resultado, o pH no intestino grosso torna-se ácido, promovendo um aumento do número de microrganismos, que ocorre de forma seletiva. Bifidobactérias e Lactobacillus são resistentes ao meio ácido, enquanto as bactérias prejudiciais como o Clostridium, E. coli, Salmonella, dentre outras, são sensíveis a este meio (Borges et al., 2003). Willard et al. (1994) suplementaram a dieta de cães da raça Pastor Alemão com FOS e após o período de adaptação (46 a 51 dias), verificaram que a utilização de FOS diminuiu o número de bactérias aeróbicas e anaeróbicas facultativas no duodeno e na parte proximal do jejuno, assim como na mucosa duodenal. Esses resultados indicam uma resposta positiva saudável e um papel de apoio na manutenção da saúde do intestino. Em um estudo realizado por Buddington & Sunvold (1999) em cães da raça Beagle alimentados com dieta contendo celulose ou polpa de beterraba + FOS, como fonte de fibras, verificou-se que os cães alimentados com FOS apresentaram menor número de Enterobacteriaceae e Clostridium e um grande número de Lactobacillus. Além disso, os cães alimentados com FOS tiveram um intestino delgado mais saudável e com maior área de absorção. Esse dado sugere que os FOS podem alterar o balanço microbiano intestinal e também aumentar a morfologia intestinal. A adição de FOS em dietas de felinos não alterou a flora duodenal, mas aumentou o número de lactobacillos e reduziu o número de E. coli na flora fecal em gatos saudáveis (Sparkes et al., 1998). Além disso, vários estudos têm demonstrado que a ingestão de FOS e/ou inulina melhoram a absorção de cálcio e magnésio. Esta melhora está associada com a diminuição do pH no intestino grosso. (Borges et al., 2003) Inulina A inulina é um polímero de frutose unido pela ligação β-2,1 superior a 60 nanômeros, encontrado em alcachofras, chicória e outros (ANFALPET, 2010). Inulina é uma fonte de fibra altamente fermentável, que tem se tornado amplamente reconhecida por ser usada como prebiótico. Tem influência no intestino grosso e fígado através da fermentação e produção de ácidos graxos de cadeia curta (Flickinger et al., 2003). A inulina proveniente da raiz de chicória, sua fonte comercial mais utilizada, é composta de 2 a 60 unidades de frutose com uma unidade terminal de glicose. A inulina não é hidrolisada pelo ácido gástrico, não é digerida pelas enzimas digestivas dos mamíferos e não é absorvida (Flickinger et al., 2003). Mananoligossacarídeos Mananoligossacarídeos (MOS) são oligossacarídeos cuja fonte é a parede celular de leveduras (extrato seco de fermentação de Saccharomyces cerevisiae). Apresentam capacidade de modular o sistema imunológico e a microflora intestinal, ligam-se a uma ampla variedade de micotoxinas e preservam a integridade da superfície da absorção intestinal (Borges et al., 2003; Monteiro, 2004). As bactérias patogênicas colonizam o trato gastrintestinal prendendo-se à superfície das células epiteliais e os MOS previnem esta colonização, bloqueando a aderência das bactérias patogênicas ao ocupar os receptores das células epiteliais intestinais (O'Carra, 1998, citado por Borges et al., 2003). Os Probióticos Os probióticos são microrganismos vivos que podem ser agregados como suplementos na dieta, afetando de forma benéfica o desenvolvimento da flora microbiana no intestino. São também conhecidos como bioterapêuticos, bioprotetores e bioprofiláticos e são utilizados para prevenir as infecções entéricas e gastrintestinais (ANFALPET, 2010). Os microrganismos utilizados como probióticos são usualmente componentes não patogênicos da microbiota normal, tais como bactérias ácido-lácticas (principais gêneros Lactococcus, Lactobacillus, Streptococcus e Enterococcus) e as leveduras como Saccharomyces. O gênero Bifidobacterium é frequentemente envolvido nas discussões sobre bactérias ácido-lácticas usadas com fins probióticos (ANFALPET, 2010). Os possíveis mecanismos de ação dos probióticos, de acordo com Monteiro (2004), são os seguintes: ·Exclusão competitiva - algumas bactérias benéficas competem pela adesão aos receptores beta-glucosamina, impedindo que algumas espécies se fixem; ·Antagonismo direto - é a capacidade de determinados microrganismos probióticos de inibir o crescimento de bactérias patogênicas devido à produção de substâncias bactericidas, como bacteriocinas, ácido orgânicos e peróxido de hidrogênio; ·Estímulo do sistema imune - Os probióticos aumentam a produção de anticorpos, ativação de macrófagos, proliferação de células T e interferom. ·Alteração do metabolismo - aumento ou diminuição da atividade enzimática, aumento da tolerância a lactose em indivíduos lactase-deficientes ou pela diminuição da atividade de enzimas como a β-glucoronidase, nitrorredutase e azorredutase, responsáveis pela produção de substâncias tóxicas. ·Atividade antimicrobiana - certos microrganismos produzem metabólitos que são capazes de neutralizar enteroxinas ou diminuir a absorção de substâncias tóxicas. ·Adsorção de bactérias - o Saccharomyces cerevisiae tem capacidade de se aderir a bactérias que possuem fímbrias do tipo I, diminuindo a população de bactérias indesejáveis no trato gastrintestinal. De acordo com Swanson et al. (2010), não houve diferenças de escore e pH fecal, mas houve um aumento em Lactobacillus e diminuição do Clostridium para os animais em que o Lactobacillus acidophilus DSM 13241 foi incluído na dieta, mostrando que com o uso do probiótico tem-se um aumento na saúde intestinal dos animais de companhia. Referências bibliográficas -ANFALPET - Manual do Programa Integrado de Qualidade Pet.. 2010. 612p. -BORGES, F. M. O; FERREIRA, W.M. Princípios nutritivos e exigências nutricionais de cães e gatos: parte I - energia, proteína, carboidratos e lipídeos/ Lavras: UFLA/FAEPE, 2004. -BORGES, F.M; SALGARELLO, R.M; GURIAN, T.M. Recentes avanços na nutrição de cães e gatos. In: III Simpósio sobre nutrição de animais de estimação Colégio Brasileiro de Alimentação Animal, p. 21-60. 2003. -BUDDINGTON, R.K; SUNVOLD, G.D. Influence of fermentable fiber on small intestinal dimensions and transport of glucose and proline in dogs. Am. J. Vet. Res, 60: 354-358, 1999. -CARABIN, I.G.; FLAMM, W.G. Evaluation of safety of inulin and oligofructose as dietary fiber. Regul. Toxicol. Pharmacol., New York, v.30, p.268-282, 1999. -DZANIS, D.A. Scientific evaluations of popular novel ingredients, Part I e II In: Production Symposium Trade Show - Pet food Forum, Chicago - Illinois p 11 a 20. 2003. -FLICKINGER, E.; VAN LOO, J.; FAHEY, G. Nutritional responses to the presence of inulin, oligofructose in the diets of domesticated animals: a review. Crit. Rev. Food Sci. Nutr. V. 43, p. 19-60. 2003. -GIBSON G. R., ROBERFROID M.B., Dietary modulation of the human colonic microbiota: introducing the concept of prebiotics. J. Nutr. 1995.125: 1401-12. -GUILLON, F.; CHAMP, M. Structural and phisycal properties of dietary fibers, of consequences of processing on human physiology. Food Res. Int., Ontario, v.33 , 2000. -HUSSEIN. S.H. Functional fiber: role in companion animal health. In: Production Symposium Trade Show- Pet Food Forum, Chicago /Illinois, p 125 a 131. 2003. -MONTEIRO, J. R. M, Probióticos e Prebióticos para cães e gatos. Anais: IV Simpósio sobre nutrição de animais de estimação, 12 e 13 de agosto de 2004 - Campinas, SP, p. 49-59. n. 3-4, p. 233-245, 2000. -NUTRIENT REQUIREMENTS OF DOGS AND CATS. National Research Council. The Academy Press: Washington, D.C. 2006 -PUUPPONEN-PIMIÄ, R.; AURA, A.M.; OKSMAN-CALDENTEY, K.M.; MYLLÄRINEN, P.; SAARELA, M.; MATTILA-SANHOLM, T.; POUTANEN, K. Development of functional ingredients for gut health. Trends Food Sci. Technol., Amsterdam, v.13, p.3-11, 2002. -SAAD, S.M.I., Probiótico e prebiótico: o estado da arte, Revista Brasileira de Ciência Farmacêutica, vol. 42, n. 1, jan./mar., 2006. -SPARKES, A. H., PAPASOULOTS, K., SUNVOLD, G., WERRETT, G., CLARKE, C., JONES, M., GRUFFYDD JONES, T.J., and REINHART, G. Bacterial flora in the duodenum of healthy cats, and effect of dietary supplementation with fructooligosaccharides, Am J. Vet. Res: 59: 431-435. 1998. -SWANSON et al. Effects of supplemental frutooligosaccharides plus mannanolisaccharides on immune function and ileal and fecal microbial populations in adult dogs. Arch Anim. Nutr., 2002, Vol., 56, pp.309-318. -SWANSON, K.S. et al. Dietary strategies to promote gut health in dogs and cats. Anais: II congresso internacional e IX Simpósio sobre nutrição de animais de estimação. CBNA -04 e 05 de maio de 2010- Campinas, SP, p. 57-59. -VANDERHOOF, J. A. Immunonutrition: the role of carbohydrates, Nutr. Res.,New York, v. 14, n. 7/8, 1998. -WILLARD, M. D., SIMPSON, R. P., DELLES, E. K., COBEN , N. D., FOSSUM, T. W., KOLP, D., AND REINHART, G. Effects of dietary supplementation of fructo-oligosaccharides on small intestinal bacterial overgrowth in dogs. Am. J. Vet Res., 55: 654-659. 1994. -ZHAO, X.; JORGENSEN, H.; EGGUM, B. O. The influence of dietary fiber on body composition, visceral, organ weight, digestibility and energy balance in rats housed in different thermal environments. Br. J. Nutr., Cambridge, v. 73, n. 5, p. 687-699, 1995.