PROSTATECTOMIA RADICAL NO TRATAMENTO DO CARCINOMA LOCALIZADO DA PRÓSTATA Introdução A introdução de novos meios de diagnóstico mais eficientes, nomeadamente o antigénio específico da próstata (PSA), a ultrasonografia transrectal (USTR) e uma tecnica mais apurada de biopsia, conjuntamente com uma maior consciencialização pública, deu origem a um aumento dramático da incidência e prevalência do carcinoma da próstata (CP) na última década (1), especialmente nos indivíduos com mais de 65 anos. Dados do National Cancer Instituto (NCI), dos USA (2), mostram que a incidência aumentou acentuadamente entre 1978 e 1996 embora pareça ter descido ligeiramente depois de 1992. Não se registou um aumento correspondente da mortalidade tendo-se, pelo contrário, registado um ligeiro declínio a partir de 1992-94 mas a interpretação deste último dado tem sido dificíl. Na Europa a incidência do CP tem acompanhado estas alterações embora com valores relativamente inferiores (3). O CP ocupa o segundo lugar como causa de morte por cancro, logo a seguir ao cancro do pulmão (3) e, assim, surge claramente como um grave problema de saúde pública. A pesar da evolução dos agentes terapêuticos a percentagem de cura continua pouco satisfatória e o tratamento controverso devido a algumas particularidades do CP, nomeadamente o desconhecimento de alguns pontos da história natural (4) e ao facto de estudos aleatorizados, actualmente em curso, destinados a provar a eficácia de algumas formas de tratamento não terem ainda tempo de seguimento suficientemente longo para permitirem obter conclusões definitivas (5). Existem, fundamentalmente, duas opções de tratamento do CP clinicamente localizado: uma atitude passiva e expectante mas com seguimento a períodos regulares (cada 3 meses) com a finalidade de descobrir sinais clínicos ou biológicos de progressão da doença e eventual instituição de tratamento; e uma atitude inconformada e agressiva cujo objectivo é obter a cura. Os fundamentos da atitude conservadora baseiamse no curso lento de algumas formas, parcialmente previsível, numa taxa de mortalidade elevada por co-morbilidade grave associada, na preservação da qualidade de vida (QV) eventualmente afectada pelos tratamentos radicais e na obtenção de sobrevida específica, aos 10 anos, entre 84-87% (6, 7), práticamente igual à obtida com tratamentos agressivos com acrescido potencial morbilidade. Esta atitude foi fortemente criticada (8), nomeadamente pela inclusão de doentes não randomizados e uma selecção de doentes mais idosos, e por isso, sujeitos a uma maior taxa de mortalidade por outras causas; uma selecção de maior número de doentes com tumores de graduação histológica menos agressiva (G2-4), obviamente de melhor prognóstico; finalmente, são referidas críticas ao facto destes estudos contemplarem apenas um seguimento de 10 anos, tempo considerado insuficiente para uma doença com evolução natural longa. Os fundamentos da atitude agressiva com intuito curativo baseiam-se na evolução rápida de algumas formas de cancro, parcialmente prevísivel e na observação de taxas de mortalidade elevadas observadas depois de 10 anos de evolução. Estudos bem documentados, realizados em doentes não tratados, mas com seguimento superior a 10 anos, mostraram que a mortalidade é extraordinariamente elevada, cerca de 55%, e dependente do grau histológico (9, 10). Assim, tumores com graduação histológica pouco elevada (G2-4) apresentavam uma mortalidade de 9%, enquanto que tumores com graduação intermediária (G 5-7), apresentavam uma mortalidade de 28%; finalmente, tumores com graduações histológicas mais agressivas (G 8-10) apresentavam uma mortalidade de 51%. Assim, nasceu um novo conceito em que o tipo de tratamento deve estar em relação com a esperança média de vida, isto é, o doente deve viver o suficiente para que possa beneficiar da oferta de cura. Por outro lado os tratamentos radicais, nomeadamente a PR, são actualmente seguros e morbilidade reduzida. O próprio seguimento expectante tem riscos de morbilidade, não só por ulterior necessidade de tratamento (RTU-P, orquiectomia) mas também devido aos sintomas produzidos pela progressão da doença, nomeadamente incontinência e impotência (11). Os tipos principais de tratamento agressivo com objectivo curativo são a Prostatectomia Radical (PR), a Radioterapia Externa (RT) e a Radioterapia Intersticial ou braquiterapia (BT), esta considerada ainda como um processo experimental e com indicações limitadas (12,13). Necessitam-se estudos randomizados para se compararem os resultados da PR e RT (12,13), mas a maioria dos estudos disponíveis dão vantagem à PR como a melhor oferta de probabilidade de cura. Actualmente, com os resultados proprcionados pela PR, a maioria dos doentes apresentam sobrevidas semelhantes às da população em geral. Assim, a sobrevida específica, aos 5 anos, 10 anos e 15 anos, oscila, respectivamente, entre entre 96-98%, 90-94%, e 82% (14). Para sobrevidas livres de recidiva, definidas por critério bioquímico (PSA), obtêm-se valores, para os 5 anos e 10 anos, respectivamente de 69-83% e entre 47-78% (15). Prostatectomia Radical A PR é o meio mais antigo utilizado no tratamento do CP localizado. Foi praticada inicialmente no cadáver, por Kuchler, pouco depois de o carcinoma da próstata ter sido descrito, por Henry Thompson, em 1858, como uma doença com entidade especifica (16). A primeira PR executada com intuito curativo foi feita entre 1860 e 1867, por via perineal, por Bilroth, Professor de Cirurgia em Zuriquel (16). Posteriormente, em 1904, foi retomada e desenvolvida por Hugh Young e mais tarde popularizada por Jewett no Johns Hopkins Hospital (17). Recentemente, em 1945, Terence Millin adapta a esta técnica a via retropúbica servindo-se da experiência conseguida no tratamento cirúrgico da HBP (17). Embora esta intervenção desse um excelente controlo do cancro não obteve êxito porque era frequente uma hemorragia excessiva, a maioria dos homens ficavam impotentes e muitos incontinentes. Com a radioterapia foi possível evitar estes inconvenientes e, assim, até 1970, a PR era raramente executada. Finalmente, em 1987, a PR conheceu um grande avanço tecnico dado por Patrick Walsh (18) ao desenvolver uma tecnica de dissecção anatómica minuciosa permitindo a preservação dos feixes vásculo-nervosos, factor importante para obtenção de melhor taxa de continência e de potência, ainda um controlo mais preciso da hemorragia. Segundo Walsh, os objectivos da PR são controlo do cancro, preservação da continência e preservação da actividade sexual, não obstante ser uma das intervenções mais difíceis da Urologia (19). Pacientes e Metodologia Operamos 300 doentes, entre 1991 e Dezembro de 1998 (Fig. 1). A idade média foi de 65.2 anos com limites, mínimo de 45 e máximo de 76. A distribuição etária (Fig, 2) mostrou que a maioria dos doentes se encontra entre os 56 e 70 anos. Este facto pode reflectir que o diagnóstico entre nós é feito relativamente tardio e, de facto não existem, no nosso meio, programas de “screenings”, ao contrário do que se passa noutros paízes. O seguimento médio foi de 33.3 meses (2,5 anos), com máximo de 98 e um mínimo de 3 meses. Apenas 53 doentes têm mais de 5 anos de seguimento, embora 52.2.% dos doentes tenham mais 30 meses de seguimento. Esta limitação no tempo de seguimento impede a comparação directa de alguns resultados, nomeadamente sobrevida específica (SE) e algumas curvas de sobrevida livre de recidiva (SLR). Exigimos confirmação histológica obtida por biópsia transrectal “trucut”. O critério de admissão foi fundamentalmente baseado na presunção clínica de CP clinicamente localizado e numa esperança de vida superior a 10 anos. Obtivemos consentimento informado no sentido do doente optar conscientemente pela cirurgia, após informação correcta e actual. A avaliação clinica incluiu TR, determinação do PSA sérico e exames de rotina. Como meios de avaliação da extensão da doença utilizamos a USTR, cintilograma ósseo (dispensável para valor de PSA inferior a 10 ng/ml) e IRM (dispensável para valor de PSA pré-operatório inferior a 10 ng/ml PSA e grau histológico do tumor, em biopsia, inferior a G 8-10). Escolhemos a PR baseada nos princípios de Walsh (19). Utilizamos anestesia epidural complementada com anestesia geral. Doente em posição supina e mesa com angulo grave, ao nível da umbigo, para abertura do espaço pubo-umbilical. Efectuamos, sistematicamente, linfadenectomia bilateral com dissecção lateral entre o canal femoral, artéria íliaca comum e nervo obturador; exame extemporaneo do producto em caso de suspeição de invasão ganglionar. A decisão de conservação, ou não, dos feixes neurovasculares foi tomada intraoperatoriamente. Após excisão da gordura pré-prostática e exposição da fáscia endopélvica, abertura desta até aos ligamentos puboprostáticos, lateralmente, na zona de reflexão para a parede. Secção dos referidos ligamentos e isolamento do plexo de Santorini. Passagem de um clamp vascular entre a uretra e o plexo, laqueação com Vycril 0 e transecção. Visualização da uretra e secção perpendicular da face anterior com retirada sonda uretral; passagens de dois fios de suporte. Isolamento cuidadoso da uretra e secção na porção posterior. Dissecção cuidadosa da parte posterior da próstata sem violar o tecido prostático, corte dos feixes musculares rectouretralis desenvolvendo um plano entre a próstata e o recto. Incisão bilateral da fáscia na face posterolateral para isolamento da próstata e preservação dos feixes vasculo-nervosos. Laqueação dos pedículos vasculares prostáticos para permitir o levantamento da próstata e exposição da sua face posterior onde se podem habitualmente visualizar deferentes e vesículas seminais. Abertura mediana da fáscia de Denonvillier que recobre a face posterior da próstata, com isolamento e secção dos deferentes e vesiculas seminais. Abertura do colo na junção vésico-prostática e ressecção da próstata com as vesículas seminais e a primeira porção dos canais deferentes. Reconstrução, se necessário, do colo suturando a bexiga em raquete até uma abertura 24-26 F. Eversão cuidadosa da mucosa de modo a permitir uma re-anastomose uretrovesical de mucosa contra mucosa. Evitamos manipular a uretra distal e na anastomose uretrovesical apenas aplicamos 4 pontos (9, 11, 1 e 3 horas) nos 2 a 3 mm da totalidade da uretra, mucosa incluida, incorporando fáscia lateral para suporte (Vicryl 00). Tentamos re-anastomose total com perfeita coaptação das duas mucosas. Nas primeiras 100 intervenções a sonda, Foley n.º 20 de silicon, permaneceu durante 20 dias. Nas restantes mantivemos a sonda durante 15 dias. Para avaliação clínica e patológica da extensão da doença utilizamos a classificação da UICC-TNM, versão de 1992 (20). Para graduação histológica recorremos ao método de Gleason combinado (21). Dividimos os doentes em grupos de PSA sérico segundo a classificação classica: 0-4 ng/ml, 4-10 ng/ml, 10-20 ng/ml e mais de 20 ng/ml. A definição de recidiva baseou-se no critério bioquímico definido pela avaliação de níveis de PSA superiores a 0.2 ng/ml em duas determinações sucessivas. Instituimos tratamento adjuvante precoce com RT nos doentes portadores de tumores pT3b-c e pN+. Inicialmente foi instituido tratamento neoadjuvante com bloqueio androgénico máximo (MAB) em 53 doentes. Os dados respeitantes aos doentes foram registados em base de dados Access especialmente desenhado. O tratamento estatístico incluiu avaliação de curvas de sobrevida actuarial pelo método de Kaplan-Meier, avaliação de diferenças estatisticamente significativas pelo Qui-quadrado e log rank e a pesquiza de associações de determinados parametros pelo método de regressão de Cox. Os programas estatísticos utilizados foram o Egret e o Info 6. Resultados Distribuição dos doentes por estádio patológico - A distribuição dos doentes por estádio patológico mostrou haver 59% de pT2, 34% de pT3 e 7% de pN+ (Fig. 3). Obtivemos, assim, uma concordância clinicopatológica em 59% dos casos. A distribuição dos subtipos de pT3 foi quasi uniforme com 37% de pT3a, 28% de pT3b e 35% de pT3c. Estes resultados não diferem significativamente dos apresentados por autores alguns centros de referência mundial (22, 23, 24, 25). Distribuição dos doentes por grau histológico - A distribuição do doentes segundo a graduação histológica mostrou 18% de G 2-4, 66% de G 5-7 e 16% de G 8-10 (Fig. 4). Em 53 casos (17% ) não foi feita determinação do grau por estes doentes terem sido tratados previamente com MAB. Em comparação com resultados referidos por autores não se observaram diferenças significativas (26,27,28). Apenas registamos um número maior de doentes com tumores G 8-10, provavelmente por termos diagnósticos mais tardios. Distribuição dos doentes por grupos de PSA pré-operatório - A distribuição dos doentes por PSA préoperatório permitiu observar 8% no grupo 0-4 ng/ml, 33% no grupo 4-10 ng/ml, 35% no grupo 10-20 ng/ml e 24% no grupo de PSA superior a 20 ng/ml. (Fig. 5). Em comparação com os resultados apresentados por outros autores (26,27,28,29), verificamos que os grupos de PSA 10-20 ng/ml e de PSA superior a 20 ng/ml são percentualmente mais frequentes, devido a um critério de selecção menos restritivo da nossa parte, em termos de valor máximo de PSA admitido. Pelo contrário, os grupos de PSA menos elevado, 04 ng/ml e 4-10 ng/ml, são menos frequentes, provavelmente porque os nossos doentes são diagosticados, de modo geral, mais tardiamente. De facto, nas áreas dos centros de referência citados, são frequentes os programas de screening, ao contário do que se passa no nosso meio, onde são raros os programas de rastreio. Avaliação de Factores de Prognóstico de Doença Localizada e de Risco de Recidiva A avaliação do valor prognóstico dos graus de Gleason, obtidos na peça operatória, para previsão de doença localizada, não tem interesse por ser um dado posterior à decisão de inclusão do doente mas serve para estimar o valor da biopsia. Contudo o estudo da relação entre os graus de Gleason e a frequência de doentes pT3 e pN+ (Fig. 6) mostrou diferenças significativas (p < 0.001). A avaliação do valor prognóstico dos grupos de PSA sérico prétratamento na previsão de doença localizada fornecida pelo estudo da relação entre os grupos e a frequência de doentes pT3 e pN+ (Fig. 7) mostrou diferenças significativas (p < 0.0001). A percentagem de recidivas da doença, na literatura, pode ir até 40%, provavelmente de acordo com a definição, terapêutica adjuvante e outros parametros (29,30). A taxa de recidiva em pT2 vai de 6% a 25% na literatura (30, 31). Obtivemos uma taxa global de 17.3% e uma distribuição (Firg. 8) mostrando uma maior frequência nos 2 primeiros anos, declinando depois e sendo rara após 6 anos, tal como em outras séries (15, 25). A avaliação do valor prognóstico do estádio na previsão da recidiva da doença (Fig. 9) mostrou para os pT3 uma taxa de recidiva inferior à encontrada nos pT2 provavelmente por efeito da Radioterapia adjuvante precoce instituida de rotina. Este facto impede haver diferenças estatisticamente significativas entre estádio localizado e localmente avançado (p>0.05). A avaliação do valor prognóstico dos “scores” de Gleason na previsão da recidiva da doença (Fig. 10 ) mostrou diferenças de frequência estatisticamente significativas (p< 0.001). A avaliação do valor prognóstico do PSA na previsão da recidiva da doença (Fig. 11), mostrou diferenças altamente significativas (p< 0. 0001). Sobrevida Específica A taxa de Sobrevida Específica, aos 5 anos, (Fig. 12), é de 96.6%, similar à taxa de 96% obtida por Walsh (23) e à de 98% obtida por Trapasso (29). E se compararmos os resultados obtidos por estes autores, aos 10 anos, respectivamente 93% e 94%. (14) podemos prever que os nossos resultados para essa data não devem ser muito diferentes. Sobrevida Livre de Recidiva Pelos motivos referidos anteriormente apresentamos percentagens de SLR para a totalidade dos doentes, aos 3 e 5 anos, respectivamente de 78.9% e 66.4% com 25 doentes em risco aos 5 anos (Fig. 13). As nossas percentagens são inferiores às referidas em séries de centros referência mundiais (26, 22, 24, 25) referidas no Quadro 1. Porém estes centros apresentam número de doentes e tempos de seguimento muito superiores aos nossos. Se compararmos os nossos resultados com séries com número de doentes e tempo de seguimento similares (28, 30, 32, 33) os nossos resultados são superiores (Quadro 2). Sobrevida Livre de Recidiva por Estádios - A probabilidade SLR para os pT2 (Fig. 14), aos 3 anos, é de 80.6% e aos 5 anos é de 69.6%, mas apenas com 14 doentes em risco. Para os pT3 obtivemos uma percentagem de 80%, praticamente idêntica à dos pT2, muito provavelmente por aplicarmos RT precoce nos pT3b-c. As taxas para os diversos subtipos, calculadas aos 3 anos, foram de 74%, 88 % e 84%, respectivamente, para os pT3a, pT3b e pT3c e o factos de os pT3a apresentrem sobrevidas inferiores aos restantes deve-se à RT. As diferenças entre estes subtipos não tiveram significado estatístico (p > 0.5). Para os pN+ encontrmos uma taxa de 45.7% a despeito da RT adjuvante. Se o risco de recidiva for igual a 1 para os pT2, é para os pT3a-b de 1,28 e para os pT3c de 1.2 e para os pN+ de 5.5. Alguns autores (34,35) obtiveram valores de SLR global para os pT3, em doentes sem tratamento adjuvante, aos 5 anos, compreendida entre 29 e 71%, segundo o grau histológico do tumor. Recentemente Valicenti e col. (36) apresentou valores de SLR, aos 5 anos, de 89% em doentes submetidos a tratamento adjuvante com RT e de 55% para aqueles que apenas fizeram cirurgia. Discute-se o valor da RT e alguns dizem que a RT actua em cerca de 50% mas cura apenas de 10% dos casos (37). Talvez nos restantes haja já dessiminação sistémica. Na nossa experiência, obtivemos, aos 3 anos, SLR, nos doentes portadores de tumores G2-6 de 93% e nos doentes portadores de tumores G7-10 de 65%. Por isso, insistimos que a RT deve ser instituida precocemente, pelo menos nos mais agressivos, para evitar o crescimento local e a dessiminaçãor precoce. Na literatura tem sido apresentado resultados encorajadores com SLR entre 60% e 70%, aos 5 e 10 anos, e mesmo os pT3c de 25%, aos 10 anos (38). Estes resultados, associados a uma diminuição da recidiva e da morbilidade local e tendo em conta o risco de sobrestadiamento clinico nos pT3, servem de fundamento para tratamento cirúrgico dos PT3 clínicos. Sobrevida Livre Recidiva por “Scores” de Gleason - Os valores de SLR por scores de Gleason obtidos aos 3 anos (Fig. 15) são de 90.8% para os G 2-4, 82.4% para os G 5-7 e de 62.9% para os G 8-10, sendo as diferenças entre si estatisticamente significativas (p < 0.02). O risco de recidiva, sendo para os G2-4 igual a 1, é de 2,2 para os G5-7 e de 7.1 para os G8-10. Encontramos alguma tendência de sobreposição nas curvas de sobrevida dos tumores G2-4 com G5-7. De facto, na literatura, há alguma controversia nesta divisão porque os tumores G7 parecem ter habitualmente um comportamento mais agressivo do que os outros do mesmo grupo (39) e por isso talvez devam ser incluidos no grupo dos mais agressivos. Estudamos as curvas de SLR para os grupos G2-4, para o grau 7 e para o grupo G8-10 e verificamos que as curvas dos grupos G2-4 e G5-6 são similares enquanto que a curva do G7 foi de facto mais agressiva aproximando-se do grupo G810. Assim, concluimos, que seria mais fácil e mais descriminativo do valor prognóstico uma divisão em apenas 2 grupos, incluindo num os tumores G26 e noutro os tumores G7-10. Sobrevida Livre de Recidiva por grupos de PSA Os valores de SLR por grupos de PSA (Fig. 16) foram de 100% para o grupo de PSA 0-4ng/ml, de 87.3% para o grupo 4-10 ng/ml, de 83.7% para o grupo 10-20 ng/ml, e de 63.3% para o grupo de PSA com mais de 20 ng/ml ng/ml sendo as diferenças estatisticamente significativas (p < 0.01). Complicações Precoces Apresentamos, no Quadro, 3 a taxa de complicações precoces registadas na nossa série comparativamente com o número médio de complicações registadas em centros de referência mundial (15) onde se pode verificar que as taxas de complicações são relativamente similares. Complicações Tardias Incontinência - Uma das complicações mais graves e que mais afecta a QV é a incontinência urinária. Na literatura encontramos referidos valores entre 5 e 31% de acordo com a definição de incontinência e o modo como é feito o inquérito (15). Recentemente, numa revisão de 110 doentes (40), foi encontrado o valor de 67% de continência social (nenhum ou um penso por dia). Usamos a classificação de Easthman (15) e encontramos os seguintes valores: continência total de 74%; 10% de incontinência urinária de esforço ocasional (que não obriga ao uso de protecção com penso); 13.4% de incontinência urinária de esforço moderada (mas que obriga ao uso de pensos); e 2.6% de incontinência urinária total. Estes números dão uma taxa de continência social de 84%. Estenoses vésicouretrais A incidência de estenoses vésicouretrais pós-operatórias ocorre, na literatura, entre 0.5 e 21% (41) e enquanto a maioria das complicações parece ter diminuido a estenose vésicouretral mantém-se inevitável na maioria das séries. As causas são desconhecidas (41) mas tem sido atribuido papel etiológico ao extravasamento de urina, compromisso da circulação arterial, dimensão dimuta do orifício vesical na anastomose uretrovesical, ausência de aposição completa da mucosa vesical com a mucosa uretral, tecido de esclerose formado após RTU ou prostatectomia aberta anterior (40, 41). Registamos uma percentagem global de 12.3%, que nos pareceu elevada embora dentro dos limites referidos na literatura e procuramos estabelecer uma relação de causa efeito entre a estenose e a RT adjuvante. De facto, no grupo de doentes em que não foi utilizada RT adjuvante encontramos uma taxa de estenoses vésicouretrais de 9.4% (19 estenoses em 203 doentes), enquanto que, no grupo de doentes submetidos a RT adjuvante a percentagem de estenoses foi de a 18.6% (18 estenoses em 97 doentes). O estudo estatístico destas diferenças foi significativo (p< 0.05). Impotência – Antes da tecnica sugerida por Walsh (18) a impotência era a regra. Actualmente a taxa de potência pós-prostatectomia radical oscila entre 20 a 90%, segundo a idade, estádio e a extensão de lesão dos feixes vásculo-nervosos (15). Alguns autores (40) obtiveram cifras de potência de 32% quando os dois feixes eram conservados, de 13% quando apenas um era conservado e de 1% quando nenhum era preservado. Avaliamos 167 doentes em inquérito pessoal e verificamos que 86.8% dos doentes eram potentes antes da intervenção. Porém, após intervenção, apenas 37.9%. se encontravam potentes, valor similar ao referido por muitos autores (40). Muitos dos doentes considerados impotentes retomaram actividade sexual com ajuda de vários métodos, nomedamente o uso de aparelhos de vácuo, injecção intracavernosa de prostaglandinas ou admistração oral de sildenafil (Viagra). Preparação e Seguimento Pós-operatório Obtemos consentimento informado por escrito. História clínica e exame físico. Transfusão de sangue de 2 unidades de preferência autotransfusão. Exames complementares de diagnóstico: hemograma, ionograma, estudo da coagulação, creatinina, glicose, exame de urina, ECG e Rx tórax. Na véspera: Consultas de especialidade em se necessário. Preparação intestinal com enemas de limpeza, Flagyl EV 250 mg-12/12h; Dimicina 18.3mg- 8/8h). No dia da intervenção: colocação de meias elásticas e algaliação com Foley 18. Medicação anticoagulante (Fraxiparina s/c 20 mg). Dieta 0. Cefalosporinas de 3ª geração. Anestesia Epidural e Anestesia Geral. No seguimentos pós-operatório TR e determinações séricas de PSA: 4 a 6 semanas após a intervenção e posteriormente cada 3 meses nos dois primeiros anos e bianualmente nos tres anos seguintes e anualmente depois. No caso de recorrência USTR e eventual biopsia de área suspeita. A elevação de PSA, persistentemente acima de 0.2 ng/ml, traduz recidiva local ou sistémica e vários estudos têm sido feitos no sentido de avaliar este sinal. Por exemplo os doentes com progressão metastática apresentam um doubling time médio de 4.3 meses contra 11.7 meses nos doentes com progressão local (29). A confirmação da recidiva local é importante para decidir da aplicação de tratamento adjuvante hormonal ou radioterapia e pode ser feita por USTR e biopsia. A confirmação de doença sistémica pode ser tentada pela cintigrafia óssea. Valores de PSA inferiores a 0.2 ng/ml não são valorizados pois podem dever-se a produção secundária, por remanescente uracal, glândulas uretrais ou anais (42). Comentários e Conclusões O maior obstáculo ao sucesso da PR consiste na incapacidade de avaliação clínica do carcinoma da próstata realmente localizado. Mesmo com os meios mais actuais e sofisticados para detectar extensão extracapsular da doença a probabilidade de erro persiste em alguns casos (43). Não existe uma orientação standard precisa para o tratamento do cancro localizado da próstata (44). O carcinoma intracapsular, se clinicamente insignificante, doentes idosos e/ou com grave co-morbilidade associada podem ser sujeitos a atitude expectante. Para a maioria dos doentes, porém a PR oferece a maior probabilidade de cura de cura. A evolução do tratamento com RT é menos previsível do que o tratamento cirúrgico (44). São candidatos a PR os indíviduos com carcinomas da próstata clinicamente localizados com uma esperança média de vida superior a 10 anos. Porém é controverso o nível de PSA considerado como valor limite de inclusão. Inicialmente admitimos doentes com valor de PSA até 50 ng/ml mas progressivamente fomos diminuindo esse valor como critério de admisão. A diminuição do valor limite melhora os resultados da PR mas por outro lado pode negar a cura a uma percentagem não desprezível de doentes. Tentamos avaliar, na nossa experiência, o valor máximo do PSA que fosse aceitável em termos de probabilidade de cura e risco de recidiva. Assim, distribuimos as percentagem de estádios não localizados (pT3 e pN+) por grupos de PSA (Fig. 17) e verificamos que o risco de encontrar um pT3 existe mesmo com valores mínimos de PSA ( grupo PSA 0-4 ng/ml) embora seja proporcional ao valor do PSA. O risco de pN+, é pequeno para valores de PSA até 20 ng/ml, subindo ligeiramente até 40 ng/ml tornamdose significativo para valores acima de 40 gn/ml. Nos doentes com níveis de PSA sérico pré-operatório compreendido 0-20 ng/ml obtivemos uma percentagem de SLR, aos 5 anos, de 80.6%; nos doentes com níveis de PSA sérico pré-operatório entre 20-50 ng/ml obtivemos uma percentagem de SLR de 50.5%. Em conclusão, na selecção de candidatos à PR deve ser pesada a probabilidade de cura e o risco de recidiva e deve ser o próprio doente a tomar uma opção depois de convenientemente informado (consentimento informado do doente). A evolução lenta mas progressiva do carcinoma da próstata exije um tempo de seguimento pós operatório longo, habitualmente considerado superior a 10 anos, para se tirarem conclusões em termos de SE e de SLR. Embora o tempo de seguimento da nossa casuística seja reduzido e impeça o cálculo actuarial para 10 anos, e para menos tempo, em alguns casos, por número insuficiente de doentes, quando comparamos os nossos resultados com séries similares em tempo de seguimento e número de doentes verificamos haver concordância. Confirmamos a segurança e reduzida morbilidade da PR. A probabilidade de SLR, aos 3 e 5 anos, obtida por cálculo actuarial na totalidade dos doentes, por ser similar à de outros centros de referência académica mundial, permite concluir que na nossa experiência PR é eficaz no controlo da doença. Na avaliação da possibilidade de doença localmente avançada a graduação de Gleason obtida na peça não tem interesse por ser um dado obtido posteriormente, mas permite estimativa com o valor da biopsia: o PSA tem aqui um valor predictivo imortante. Na avaliação da probabilidade de recidiva o estádio patológico tem valor quando revela tratar-se de pT2 ou pN+ mas perde valor nos casos de pT3 (p > 0.5); a graduação histológica e o PSA têm valor predictivo forte. Em casos de risco elevado de insucesso o doente deve ser convenientemento informado e decidir do tipo de tratamento que deseja. Nos doentes com doença localmente avançada (pT3) a SLR é provavelmente dependente do grau histológico. O tratamento cm RT adjuvante precoce é questionável e necessita de estudos aleatorizados. Contudo os resultados têm mostrado que o conceito de incurabilidade dos pT3 é cada vez mais controverso. Referências 1. Damber JE, Prostate cancer: epidemiology and risk factors. Current Opinion 1998; 8:375-380 2. 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