Opinião ABC Brasil – 512

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Opinião ABC Brasil – 512
10/03/2017
Fechamos o Opinião da semana passada com a seguinte frase: “podemos usar os fatos para
calibrar a mira, mas o alvo deverá ser escolhido de acordo com as palavras, ditas e não ditas”.
Entretanto, às vezes, alguns fatos atropelam as nossas convicções, tornando inevitáveis que
as mudanças por eles gerados, mais cedo ou mais tarde, acabem verbalizadas. Esse foi o caso
do IPCA de fevereiro divulgado hoje pelo IBGE. Não apenas o número veio bem abaixo do
que, tanto nós quanto o mercado previam, como a sua estrutura mostra que o BCB tem espaço
e justificativa mais do que suficiente para acelerar o corte dos juros na próxima reunião.
Portanto, vamos usar o Opinião de hoje para entender o que fez o IPCA de fevereiro tão
emblemático, a ponto de fazer com que passemos a acreditar em um corte de 1,00 p.p. na
próxima reunião do COPOM. Além disso, vamos ver o outro lado, ou seja, o que pode
impedir que isso se concretize.
Vamos iniciar a análise pelo resultado geral em si. Os 0,33% apurados pelo IBGE ficaram 0,10
p.p. abaixo dos 0,43% estimados pelo mercado e 0,08 p.p. dos 0,41% que esperávamos,
representando o menor resultado para o mês desde 2000. Com esse número, o acumulado
em 12 meses chegou a 4,76%, a primeira vez abaixo de 5,00% desde junho de 2012 e o menor
resultado desde setembro de 2010 (4,70%). Posto isso, a primeira pergunta que podemos
fazer é: De onde veio a surpresa?
Várias vezes já colocamos aqui que, as surpresas com a inflação vêm na direção da tendência
dos alimentos. Mais uma vez isso se verificou com o resultado do grupo Alimentação e
Bebidas tendo apresentado uma deflação de 0,45%, quase o dobro daquela que esperávamos
(0,25%), diferença essa responsável por 0,05 p.p. do nosso erro de projeção de 0,08 p.p. (mais
de 60%). Visto dessa forma agregada, isso não deveria causar grande comoção ao BCB, uma
vez que, na última Ata, ele havia deixado claro que considerava esse comportamento dos
alimentos como um choque primário, que deveria ser acompanhado, mas que a política
monetária só deveria atuar sobre os efeitos secundários do movimento. Ou seja, o fato da
inflação nesse ano ficar abaixo da meta por conta do comportamento dos alimentos, só
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mudaria a postura do BCB caso começasse a influenciar as expectativas para os próximos
anos. Entretanto, quando abrimos esse número pelos seus componentes, uma informação
importante pode começar a chamar a atenção dos formuladores de política monetária. Da
surpresa, 80% reflete o resultado mais favorável da Alimentação fora do Domicílio que
variou 0,11%, o menor patamar desde julho de 2007 (0,01%). Mas qual a diferença? Grande,
tanto que o próprio BCB classifica de forma diferente a Alimentação no Domicilio e a
Alimentação fora do Domicílio. Enquanto o primeiro é “Bem Não Durável”, o último é
considerado “Serviço” e, mais importante, entra na classificação de “Serviços Subjacentes”.
Portanto, o fato da surpresa do grupo Alimentação e Bebidas ter vindo da Alimentação fora
do Domicílio, não se encaixa no conceito de choque de oferta que apenas deve ser observado
pelo BCB.
Salientamos a questão dos Serviços Subjacentes porque era exatamente a esse grupo que o
BCB se referia quando falava dos “componentes mais sensíveis ao ciclo econômico”, que foi a
principal justificativa para um conservadorismo maior do que o esperado no início da atual
gestão, como fica demonstrado nessa passagem da Ata da reunião de outubro: “Há sinais de
uma pausa recente no processo de desinflação dos componentes do IPCA mais sensíveis ao ciclo
econômico e à política monetária, o que pode sinalizar convergência mais lenta da inflação à meta.
Nesse contexto, uma maior persistência inflacionária requer persistência maior da política monetária”
(grifo nosso). Bem, se lá foi uma das justificativas para iniciar o ciclo de corte no patamar
conservador de 0,25 p.p., por que não poderia ser usada para justificar um maior otimismo
com a desinflação atual? Os números acabam por corroborar essa visão. O resultado mensal
de 0,30% é o menor para esse grupo desde outubro de 2009, levando a um acumulado em 12
meses de 5,46%, o menor nível desde dezembro de 2007. Como usamos a reunião de outubro
como referência, podemos observar que lá o resultado dos Serviços Subjacentes acumulado
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em 12 meses era de 6,88%. Ou seja, em 5 meses tivemos uma redução de 1,42 p.p. nesses
“componentes mais sensíveis ao ciclo econômico”.
O que toda essa sequência de números nos mostram é que não podemos atribuir o resultado
de hoje à sorte ou a choques de oferta dos alimentos. Isso fica ainda mais claro quando
lembramos de outro resultado divulgado nessa semana: O PIB do 4º trimestre de 2016.
Apesar de ser lugar comum dizer que fazer uma análise futura com base nesse tipo de dado
é como dirigir olhando pelo espelho retrovisor, ele nos dá boas dicas sobre a situação atual
da economia e mostra quais os principais desafios daqui para frente.
A queda de 0,9% com relação ao trimestre anterior já nos remete imediatamente a uma
questão importante: O carrego estatístico para 2017. Apesar de isso parecer ser mais uma
abstração matemática do que algo relacionado com a economia real, o fato é que entramos
esse ano devendo 1,1 p.p., o que nos fez revisar a nossa projeção para 0,30% e considerar que,
para chegar a números acima de 0,50%, devemos fazer hipótese extremamente otimistas para
os crescimentos trimestrais, principalmente no 1º semestre. Mas o que chama mais atenção
na nossa discussão aqui são os números do Consumo das Famílias pelo lado da demanda e
dos Serviços pela ótica da oferta. Enquanto o primeiro caiu 4,2% em 2016, o último
apresentou retração de 2,7%, já no último trimestre, a queda foi de 0,6% (2,4% anualizado) e
0,8% (3,2% anualizado). Só isso já daria uma boa base para entender o porquê dos
“componentes mais sensíveis ao ciclo econômico” estarem com o comportamento supracitado.
Entretanto, a política monetária tem que olhar para frente e não pelo retrovisor, portanto, o
que temos que ver é se esse cenário favorável e a queda dos Serviços Subjacentes vai
continuar. Infelizmente, pensando pelo lado da atividade, a resposta é sim.
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Uma das variáveis que mais impactam o consumo é a taxa de desemprego, seja pelo seu
impacto sobre a confiança do consumidor, seja pelo seu efeito sobre a renda. O último dado
disponível da Taxa de Desemprego medida pela PNAD contínua, o de janeiro, mostra que
12,6% da PEA está desempregada e as nossas projeções indicam que esta pode chegar a 14,0%
antes de fechar o ano em 13,5%, o que daria uma taxa média de 13,6%, ainda acima dos 11,5%
de 2016. Ou seja, apesar de não esperarmos uma desaceleração dos Serviços Subjacentes nos
níveis vistos nos últimos meses, também não há nada no horizonte que desabone a
expectativa de que esses vão continuar recuando para níveis mais próximos do centro da
meta.
Um choque positivo dos alimentos, uma trajetória de desaceleração dos serviços e um
mercado de trabalho ainda sem perspectiva de recuperação, são uma combinação bastante
forte para dar confiança ao BCB na decisão de acelerar o corte de juros na próxima reunião,
dos atuais 0,75 p.p. para 1,00 p.p.. Entretanto, dois pontos devem ser levados em conta para
não considerar que esse movimento está dado. O primeiro diz respeito ao próprio
conservadorismo da atual diretoria do BCB. Na última Ata, no parágrafo 19, ele coloca uma
discussão interessante, que já foi tema de um Opinião1 passado e que, sem dúvida, será
colocado na mesa de discussão: “Alguns membros do Comitê ponderaram que essa estimativa de
extensão poderá ser revisada também em função do grau de antecipação do ciclo.”. Na primeira
leitura não nos pareceu claro o que essa parte do documento queria dizer, mas, ao serem
questionados a respeito, diretores do BCB afirmaram que a ideia seria que, reduzindo os
juros de forma mais conservadora, poder-se-ia chegar ao final do ciclo com uma taxa de juros
mais baixa do que se a estratégia de corte fosse mais agressiva. Já o segundo ponto tem
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relação com o momento político brasileiro e as reformas que estão no Congresso. O BCB
também deixa pouca margem para dúvidas a respeito da importância do andamento destas
para a escolha da estratégia de condução da política monetária: “Todos os membros do Comitê
enfatizaram que a aprovação e implementação das reformas, notadamente as de natureza fiscal, e de
ajustes na economia brasileira são fundamentais para a sustentabilidade da desinflação e para a redução
de sua taxa de juros estrutural, com amplos benefícios para a sociedade.”. Ou seja, como sem
desinflação e sem a redução dos juros estruturais, o espaço para reduções mais agressivas da
taxa básica fica reduzido, qualquer problema na tramitação da Reforma da Previdência até a
reunião do COPOM (12/04) pode inibir um movimento que economicamente faria todo o
sentido.
Os dados divulgados ao longo da semana mudaram bastante as nossas projeções econômicas
para 2017. A nossa expectativa para o PIB passou de 0,4% para 0,3% e a de inflação de 4,4%
para 4,2%, sendo que podemos ver esta chegar a níveis próximos de 3,10% em agosto, caso
as nossas previsões se confirmem. Juntando essas duas com a que a Taxa de Desemprego
média ficará em 13,6%, na média, concluímos que há espaço para uma redução mais
agressiva dos juros na próxima reunião do COPOM, com a taxa básica passando dos atuais
12,25%a.a. para 11,25%a.a., ao contrário dos 11,50%a.a. esperados anteriormente. Para o ano
como um todo, também reduzimos a nossa projeção de 9,50%a.a. para 9,00%a.a.. Entretanto,
como indicado no parágrafo anterior, o “diabo mora nos detalhes” e essa expectativa de corte
depende tanto das escolhas pessoais dos membros do COPOM, quanto do bom senso dos
políticos, ou seja, dois fatores imponderáveis.
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