“Os edifícios do futuro devem ser integrados no mercado energético”

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EFICIÊNCIA&ENERGIA
por MARISA VITORINO FIGUEIREDO
“Os edifícios do futuro devem ser
integrados no mercado energético”
Daqui a “um ou dois anos”, todos os Estados-Membros terão concluído a definição nacional
de NZEB (edifícios com necessidades quase nulas de energia), mas esse é só um primeiro
passo. Maarten de Groote, especialista sénior do BPIE – Buildings Performance Institute
Europe, lembra que o maior desafio continuam a ser os edifícios existentes, pelo que
urge alcançar maiores taxas de reabilitação profunda. Entre a importância de envolver o
sector da construção na implementação da EPBD e o apoio a um “passaporte do edifício”,
o especialista não esqueceu tendências a médio e longo prazo: apostar nos edifícios
inteligentes e minimizar a pobreza energética através de incentivos à eficiência.
De que forma é que a legislação europeia tem contribuído para
a eficiência energética dos edifícios na União Europeia (UE)?
Acredito que estamos num caminho relativamente bom para os
novos edifícios. Claro que ainda não chegámos lá e precisamos
de níveis maiores de qualidade e cumprimento. Mas, nos edifícios
novos, pelo menos, há uma orientação para um nível NZEB e
esse é um passo muito importante. Em cada Estado-Membro,
o maior desafio está nos edifícios existentes. Para a renovação
destes, não há realmente obrigações específicas nas orientações
dadas a nível europeu. Por exemplo, a Directiva para a Eficiência
Energética estabelece que os Estados-Membros devem ter uma
estratégia de reabilitação dos edifícios existentes, mas não há
metas concretas sobre como o fazer. Num relatório do BPIE,
analisámos diversas estratégias de renovação e a qualidade dos
documentos é muito fraca, mesmo naqueles Estados-Membros
que, por norma, têm um bom desempenho, como a Áustria
ou a Dinamarca. Precisamos de mais estratégias concretas e
investimento em reabilitação mais profunda, de forma a obtermos uma maior taxa de reabilitação. Ou seja, mais reabilitação,
mas também maiores taxas de reabilitação profunda. É muito
importante que exista uma espécie de benchmark ou metas
a longo prazo para o edificado existente. Isto porque, agora, o
que acontece é que, se uma pessoa quiser reabilitar a sua casa,
não sabe onde ir ou o que fazer. Tem de haver mais orientação
por parte dos governos dos Estados-Membros.
Além da falta de orientação que refere, há várias outras barreiras à reabilitação, como a falta do investimento necessário.
Como poderemos ultrapassar isso?
Há dinheiro, mas não está a ser colocado onde deveria estar. O
lançamento de esquemas de subsidiação e incentivos à reabilitação é muito importante. Na Alemanha, demonstraram que
cada euro investido pelo governo em incentivos à reabilitação
acaba por ser multiplicado por todos os efeitos gerados. Se investirmos na reabilitação, há mais emprego, há mais impostos
pagos em resultado de mais postos de trabalho, os edifícios
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ficam mais saudáveis e há menos pobreza energética. Portanto,
há imensos benefícios múltiplos que resultam destes investimentos. Um dos erros que está a ser feito actualmente é que
as pessoas – e também as entidades bancárias – só vêem os
custos iniciais de qualquer reabilitação, não tendo em conta
o investimento no seu todo ou as necessidades do ciclo de
vida do edifício. Se investirmos dez mil euros em isolamento,
eficiência energética ou energias renováveis, vamos receber
de volta o nosso investimento. E, a somar a isso, teremos mais
conforto – algo que, normalmente, também tem um preço – e
o nosso edifício será mais saudável. Tudo isto tem de ser tido
em conta. As previsões dizem-nos que 75% dos edifícios de
2050 já existe actualmente. Isto dá-nos a noção da importância
que o parque edificado tem.
Referiu as entidades bancárias. Os bancos não sabem lidar
com o desempenho energético dos imóveis?
Na Bélgica, se for a um banco e falar com um gestor de conta
sobre comprar uma casa, ele vai fazer-me muitas perguntas. Vai
perguntar a minha idade, o meu salário, se fumo… Mas nunca me
pergunta sobre o desempenho energético do edifício. Contudo,
para um banco, é interessante que seja um edifício ou uma casa
eficiente. Primeiro, porque, ao ter menos custos de energia, o
proprietário do edifício terá um maior rendimento disponível.
Depois, porque, se a construção for NZEB, o proprietário está
a construir uma casa de futuro garantido [future-proof] e, portanto, o imóvel valerá mais no futuro. Os bancos têm de mudar
mentalidades para estes novos investimentos.
Mencionou os NZEB como uma orientação importante. A
EPBD [Directiva europeia para o Desempenho Energético
dos Edifícios] estabelece metas concretas para 2018 e 2020.
Tendo em conta o cenário actual, acredita que as metas
serão cumpridas?
Quando se fala a nível europeu, há uma diferença entre cumprir a lei na teoria e cumpri-la na prática. Este é, na verdade,
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EFICIÊNCIA&ENERGIA
Esta flexibilidade na definição do que é, afinal, um NZEB,
acabou por prejudicar a implementação coerente da directiva?
Isto de deixar as coisas em aberto é algo tipicamente europeu.
Se a legislação europeia apresentasse uma definição muito
concreta, nunca teria havido um acordo. É muito mais importante pensarmos agora num follow-up da implementação.
Mas claro que seria mais fácil se houvesse uma abordagem
harmonizada à metodologia de cálculo. Actualmente, está a
ser desenvolvida uma metodologia harmonizada de cálculo,
num sistema voluntário. Mas, para mim, o principal problema
é que os stakeholders, especialmente no sector da construção,
devem ser envolvidos [e não estão].
E quanto às definições para um nível NZEB em reabilitações?
Há alguns países que têm também uma definição para
edifícios existentes. Nesse caso, há duas perspectivas: ou
“Alguns Estados-Membros estão a cair nesse erro: desenvolvem uma definição de NZEB,
mas não mantêm o diálogo com os stakeholders. E isso é um grande problema”.
o principal problema com a legislação europeia. Todos os
Estados-Membros deverão concluir, em um ou dois anos, a
definição nacional do que é um edifício NZEB. Actualmente,
há 16 países com definições NZEB e Portugal não é um deles.
Mas a questão continua a ser como é que isto vai ser posto
em prática. Seria muito importante dinamizar encontros com
todos os stakeholders, não resumindo a implementação
apenas a colocar algo novo na legislação. Vejo que alguns
Estados-Membros estão a cair nesse erro: desenvolvem
uma definição de NZEB, mas não mantêm o diálogo com os
stakeholders. E isso é um grande problema.
Refere-se, por exemplo, a integrar o sector da construção?
Exacto. É muito importante que o sector da construção esteja
pronto para construir NZEB. Na região da Flandres [Bélgica],
onde trabalhei como responsável pelo plano NZEB regional,
notei que, se definirmos, com antecedência, metas a longo
prazo, o sector da construção começa a mudar, automaticamente. Podemos comparar o sector a um grande navio
petroleiro: precisa de tempo para começar a mudar de direcção. Se cada empreiteiro tiver, agora, de construir edifícios
passivos, haverá erros. É preciso tempo para trabalhar, definir
competências, gerir problemas num quadro de metas a longo
prazo. Por isso é que é importante países como Portugal e
Alemanha lançarem, o quanto antes, uma definição [para
os NZEB]. Como podemos obrigar as pessoas a seguir níveis
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os Estados-Membros implementam a mesma definição para
edifícios novos e existentes, ou desenvolvem uma definição
diferente.
Que abordagem é mais adequada?
Na minha perspectiva, colocar as mesmas metas para edifícios
novos e existentes não é muito positivo. O que acontece é que
ou as metas para novos edifícios são fáceis de cumprir, ou os
critérios para edifícios existentes são impossíveis de alcançar.
Acontecerá sempre uma destas coisas, inevitavelmente, porque
não podemos esperar o mesmo desempenho energético em
novos edifícios e reabilitações.
Qual seria, então, a melhor forma de pensar em metas para
os edifícios existentes?
Estamos a trabalhar, por exemplo, no conceito de “passaporte de reabilitação” ou “passaporte do edifício”, no qual
poderemos ter um roteiro individual de reabilitação. Seria
uma espécie de certificado de desempenho energético de
nível 2. Ou seja, uma indicação sobre que nível NZEB para
edifícios existentes é que cada edifício deveria alcançar.
Talvez não agora, mas num roteiro a cinco, dez ou 20 anos. O
objectivo é que cada intervenção esteja sempre enquadrada
nestas metas. E o governo pode também apoiar e subsidiar
medidas de reabilitação que se enquadrem neste caminho
para o nível NZEB adequado.
Esta ideia do “passaporte do edifício” já está a ser implementada no terreno?
Pretendemos trabalhar nesta área a partir do próximo ano. Mas
estas ideias já estão a ser trabalhadas em França, na Bélgica e
na Alemanha. Aliás, a região alemã de Baden-Württemberg está
a trabalhar seriamente neste conceito. Um dos aspectos positivos é que um “passaporte” como este poderá ser totalmente
voluntário, enquanto o certificado de desempenho energético
actual é obrigatório. Isto porque, muitas vezes, quem vende a
casa é que precisa do certificado e não está interessado num
roteiro de reabilitação a longo prazo. Por isso, podemos, por
exemplo, tornar o “passaporte” num sistema voluntário extra.
A questão dos certificados é complexa. Em Portugal, são
sobretudo vistos como uma burocracia porque, apesar de
obrigatórios, as suas recomendações não o são. Como poderemos reforçar o papel dos certificados na melhoria efectiva
do desempenho energético de um edifício?
Um certificado energético deve ser de confiança e assumir-se
como um instrumento útil, não apenas um fardo administrativo.
Ao nível da utilização fácil, o certificado português é um dos
melhores exemplos, quando se olha para a Europa. Digo isto
por causa das mudanças ao nível do aspecto, da distribuição
da informação. Também é muito importante controlar a veracidade do seu conteúdo. Tanto quanto sei, e tendo em conta a
falta de recursos humanos, a ADENE não está a fazer um mau
trabalho a este nível. Claro que continua a ser visto como uma
burocracia, mas também aqui é uma questão de mudança de
mentalidades. A meu ver, o desempenho energético nunca
será o principal factor de escolha de uma casa, mas as pessoas
têm de ganhar consciência de que, se comprarem uma casa
energeticamente eficiente, terão custos mais baixos no futuro.
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de excelência sem dar o exemplo primeiro? A partir de 2019,
cada novo edifício público tem de ser NZEB, em teoria. Como
governo, é preciso pensar, desde já, nos novos edifícios de
2019. Mas como o poderemos fazer se ainda não existem,
sequer, definições em alguns Estados-Membros?
Há também governos que estão a implementar incentivos
paralelos à melhoria da classificação energética. Falo de medidas como a redução do imposto sobre imóveis em virtude
da classificação energética obtida...
Estes são bons incentivos, mas corre-se um risco maior de ter
certificados falsos. Para um esquema desses funcionar, é preciso
garantir a qualidade do certificado de desempenho energético.
No geral, há uma boa qualidade de certificados na UE?
Há exemplos muito bons de cumprimento e controlo. Mas
também há exemplos muito maus de Estados-Membros que,
no caso de um novo edifício, definem o certificado apenas com
base nos planos, não existindo, depois da construção, qualquer
tipo de verificação.
A EPBD está agora sob avaliação por parte da Comissão Europeia, existindo até um processo de consulta pública. Para
o BPIE, quais as prioridades que têm de ser tidas em conta
nesta avaliação?
Há quatro objectivos principais que, para nós, têm de ser respondidos na próxima EPBD: uma maior taxa de reabilitação
e de reabilitação profunda, tendo em conta, claro, se isto é
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muitos sistemas de baterias de armazenamento prontos
para o mercado residencial. Na Áustria, há um esquema
de incentivos para a compra de baterias, combinadas com
fotovoltaico, e aparenta estar a ser um sucesso. Os consumidores querem ser mais independentes, não confiam muito
nas companhias eléctricas. Claro que ainda há um custo
associado. As baterias custam cerca de cinco mil euros e,
por isso, são apenas para uma minoria. Contudo, tal como
os preços do fotovoltaico estão mais próximos dos preços
do mercado, daqui a alguns anos, o mesmo acontecerá com
as baterias combinadas com fotovoltaico. Já não se trata
mais do futuro distante. Está a acontecer agora mesmo. E
acredito que, nos próximos quatro a cinco anos, se tornará
uma realidade muito mais presente.
A pobreza energética é uma das prioridades do BPIE para
a nova EPBD, como mencionou. Neste cenário de orientação para os NZEB e edifícios flexíveis, é preciso frisar que
10% da população europeia sofre os efeitos da pobreza
energética, segundo um relatório do BPIE...
Calculámos o risco de pobreza energética nesse relatório
Grécia, Bulgária e até Portugal têm o pior desempenho em termos de pobreza
energética. Em Portugal, 43% das pessoas não consegue manter a casa quente, de
forma adequada.
economicamente possível; a pobreza energética deve ganhar
importância na legislação; os benefícios múltiplos da reabilitação têm de ser tidos em conta; por fim, os edifícios do futuro
devem ser integrados no mercado energético, o que inclui
os conceitos de edifícios inteligentes e flexíveis.
Este conceito de edifício flexível é uma evolução do ‘edifício eficiente’? Assistimos a uma mudança de paradigma
nos edifícios?
No BPIE, acreditamos que os edifícios podem desempenhar
um papel na superação dos problemas com a energia renovável, como acontece na Alemanha, por exemplo, onde
tem havido muitos problemas com o pico de produção fotovoltaica. Os edifícios podem estar muito mais integrados no
mercado da energia. Podemos chamar-lhes edifícios flexíveis,
inteligentes ou integrados na rede, tanto faz. O que importa
é que, se usarmos sistemas como o fotovoltaico e sistemas
de armazenamento (como o Powerwall que a Tesla tem
andado a promover), podemos armazenar a electricidade
produzida e colocá-la na rede quando não há electricidade
suficiente. Ou, pelo contrário, armazenar o excedente da
rede, respondendo ao dinamismo de mercado.
Fala-se deste potencial há anos. Estamos mais perto de
o concretizar?
Há exemplos concretos e estamos a começar a ver, na Europa,
alguns projectos piloto. Na Alemanha, estão a ser vendidos
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com base em três indicadores: “consegue pagar as suas
contas energéticas?”, “consegue manter a sua casa quente?”
e “o seu edifício tem problemas de fugas ou de eficiência
energética?”. Em países como a Suécia, Finlândia, Áustria
ou Dinamarca está mais frio, mas é também aqui que se
conseguem os melhores resultados. Estes países não têm
pobreza energética – ou, pelo menos, têm muito menos
quando comparados com países como a Grécia, a Bulgária
ou até Portugal. Em Portugal, 43% das pessoas não consegue
manter a casa quente, de forma adequada.
Há soluções para amenizar este problema?
Há pessoas mais frágeis a nível social e económico, com
baixos salários, que não têm possibilidade de investir muito
dinheiro na melhoria dos edifícios. Mas o que também vemos
é que os governos continuam a investir muito em subsídios
aos combustíveis, não sendo esta uma solução sustentável.
Os governos têm de fazer uma mudança dos subsídios aos
combustíveis para subsídios à eficiência energética. Este já
está a ser um tópico importante na Irlanda e Reino Unido.
Na Grécia, há imensos subsídios aos combustíveis e quase
nenhum subsídio para medidas de eficiência energética, o
que não é bom. Claro que nem todos podem investir num
NZEB, mas, se o sector da construção tiver experiência e
melhores competências para a eficiência energética, isso
será aplicado em intervenções de reabilitação, com custos
cada vez mais baixos. É um processo de aprendizagem.
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