INTERAÇÕES MICRORGANISMOHOSPEDEIRO Prof. Francis Moreira Borges Teoria do Germe da Doença: os microrganismos podiam causar doenças. 1860 - Joseph Lister e Semmelweis => aplicaram a teoria do germe para procedimentos médicos. 1876 - Robert Koch => primeira prova que um microrganismo realmente causava doenças => Bacillus antracis – Postulados de Koch. Em 1877, Koch formulou um conjunto de postulados os quais afirmava deveriam ser adotados para que se aceitasse uma relação entre um microrganismo em particular e uma doença. Postulados de Koch: 1. O mesmo patógeno deve estar presente em todos os casos da doença; 2. O patógeno deve ser isolado do hospedeiro doente e crescer em cultura pura; 3. O patógeno deve causar a doença quando inoculado em animal saudável; 4. O patógeno deve ser isolado do animal inoculado e deve ser o organismo original. O PLANETA MICROBIANO Os microrganismos são ubíquos e são capazes de se adaptar a qualquer ambiente físico-químico. Nascidos em um ambiente repleto de micróbios, todos os animais tornam-se infectados desde o momento do nascimento e, por toda a vida, tanto o homem como outros seres vivos albergam uma variedade de espécies bacterianas COLONIZAÇÃO x DOENÇA Colonização (ou infecção): utilizado para indicar a presença e multiplicação de um microrganismo em um hospedeiro, que não apresenta sinais e sintomas clínicos de doença. Doença: ocorre quando se verifica uma alteração do estado normal do organismo => alteração da homeostase. Infecção pode existir sem doença detectável Tanto a colonização quanto a doença resultam das inter-relações entre os microrganismos e seus hospedeiros MICROBIOTA RESIDENTE, AUTÓCTONE OU INDÍGENA • Microrganismos relativamente fixos, regulares em determinados sítios • Quase sempre presentes em altos números (maiores do que 1%) • São compatíveis com o hospedeiro, não comprometendo a sua sobrevivência • Diversificada habilidade metabólica: - Colonização em sítios específicos e coexistência Funções dos microrganismos residentes quando em equilíbrio em relação ao seu hospedeiro • Barreira contra instalação de microrganismos patogênicos • Modulação do sistema imunológico • Produção de substâncias utilizáveis pelo hospedeiro • Degradação de substâncias tóxicas MICROBIOTA TRANSIENTE OU TRANSITÓRIA • Microrganismos não patogênicos ou potencialmente patogênicos • Passam “temporariamente” pelo hospedeiro Alguns microrganismos transitórios têm pouca importância, desde que a microbiota residente esteja em equilíbrio: • Havendo alteração nesse equilíbrio, os microrganismos transitórios podem proliferar-se e causar doença INTER-RELAÇÕES BACTÉRIA-HOSPEDEIRO Simbiose Quando tanto o hospedeiro quanto a bactéria se beneficiam de sua inter-relação, ela é denominada “simbiótica”. Esta relação é extremamente estável, visto que a sobrevivência de ambos os membros depende dela. Antibiose Quando bactérias e hospedeiro são antagonistas, se estabelece uma relação “antibiótica”. Essa relação é bastante instável tanto para hospedeiro quanto para as bactérias, pois caso haja a morte do hospedeiro, este também morre, a menos que seja transmitido para outro hospedeiro. Anfibiose (Caráter Anfibiôntico) Estado intermediário no qual o hospedeiro e a microbiota coexistem sob a forma de equilíbrio estável. Se o equilíbrio é modificado, causa assim a patologia. CARÁTER ANFIBIÔNTICO DA MICROBIOTA RESIDENTE A MICROBIOTA ESTÁ EM EQUILÍBRIO QUANDO O HOSPEDEIRO ESTÁ EM EQUILÍBRIO. SE ESTE EQUILÍBRIO É ROMPIDO OU SE ALGUM COMPONENTE DA MICROBIOTA SAI DO SEU SÍTIO PARA HABITAR OUTRO SÍTIO (DO QUAL ELE NÃO FAZ PARTE), A MICROBIOTA PODE CAUSAR DOENÇA. INTER-RELAÇÕES BACTÉRIA-HOSPEDEIRO Um microrganismo é um patógeno se for capaz de causar doença Patogenicidade – propriedade de um microrganismo provocar alterações fisiológicas no hospedeiro, ou seja, capacidade de produzir doença. Virulência – Grau de patogenicidade, determinada pelos => FATORES DE VIRULÊNCIA => habilidades dos microrganismos. AS INTERAÇÕES MICRORGANISMO-HOSPEDEIRO PODEM OU NÃO RESULTAR EM DANO AO HOSPEDEIRO FATORES DE VIRULÊNCIA BACTERIANOS Salmonella typhi Como as bactérias causam doenças? Bactérias podem causar doença por 2 mecanismos principais: Produção de toxinas e/ou enzimas: - exotoxinas: polipeptídeos secretados pelas células; - endotoxinas: LPS presentes na parede celular de Gram negativas. Tanto as endo quanto as exotoxinas podem causar sintomas independentemente da presença da bactéria no hospedeiro. Invasão e inflamação: Bactérias podem aderir às células do hospedeiro, penetrar e se multiplicar no local nos tecidos sãos, induzindo a resposta inflamatória, que consiste em eritema, edema, calor e dor. Produção de Enzimas e/ou Toxinas A virulência de algumas bactérias é intensificada pela produção de enzimas extracelulares. Produção de Enzimas: Hemolisinas: secretadas pelos estreptococos - capazes de lisar hemácias. Coagulases: enzimas secretadas por alguns membros do gênero estafilococos – transformação do fibrinogênio em fibrina; responsável pela formação de um coágulo ao redor da bactéria. Hialuronidases: tipo de enzima produzida por estafilococos e estreptococos que hidrolisa o ácido hialurônico presente no tecido conjuntivo. Colagenases: produzida por várias espécies de Clostridium - digestão do colágeno presente no tecido conjuntivo. Produção de toxinas: - Exotoxinas: produzidas no interior de algumas bactérias e liberadas para o meio externo, onde atuam destruindo determinadas células e inibindo certas funções metabólicas. São agrupadas em três tipos: citotoxinas, neurotoxinas e enterotoxinas. Citotoxinas Toxina diftérica: Corynebacterium diphteriae produz a toxina diftérica que tem uma constituição polipeptídica, formada por dois peptídeos. Esta toxina é uma citotoxina que inibe a síntese de proteínas celulares. Toxinas eritrogênicas: os Streptococcus pyogenes podem produzir toxinas conhecidas como eritrogênicas, que lesam os capilares sanguíneos sob a pele e produzem um exantema de cor vermelha (escarlatina). Neurotoxinas Toxina tetânica: Clostridium tetani. Esta toxina atinge o sistema nervoso central e se liga as células nervosas que controlam a contração de vários músculos esqueléticos. A contração muscular vai se tornar incontrolável, produzindo os sintomas convulsivos. Toxina botulínica: é produzida por Clostridium botulinum e é uma neurotoxina que age na junção neuromuscular, e impede a transmissão dos impulsos das células nervosas ao músculo. Esta toxina causa paralisia muscular ou paralisia flácida. Enterotoxinas Enterotoxina colérica: Vibrio cholerae produz uma enterotoxina denominada toxina colérica. As células epiteliais são afetadas por esta toxina aumentando a secreção de grandes quantidades de líquidos e eletrólitos, causando uma intensa diarréia acompanhada de vômitos. Enterotoxina estafilocócica: esta toxina é produzida por Staphylococcus aureus e afeta as células entéricas da mesma forma que a toxina colérica, produzindo sintomas semelhantes. Endotoxinas: parte da porção externa da parede celular das bactérias Gram-negativas. As endotoxinas exercem seus efeitos quando a bactéria Gram-negativa morre e sua parede celular sofre lise, liberando assim, a endotoxina. • As endotoxinas possuem a capacidade de ativar as proteínas da coagulação levando a formação de pequenos coágulos – Coagulação Intravascular Disseminada. • São consideradas substâncias pirogênicas devido a sua capacidade de induzir febre. • A capacidade das endotoxinas em causar choque endotóxico está relacionado à produção de substâncias pelas células fagocitárias (TNF) que aumentam a permeabilidade dos capilares sangüíneos perda de grandes quantidades de líquidos e consequentemente uma queda da pressão arterial, que leva ao choque. Propriedades Exotoxina Endotoxina Relação com o microrganismo Produto metabólico das células em crescimento Presente na membrana externa. Liberado com a lise da célula Constituição química Proteína ou peptídeo curto Porção lipídica (lipídeo A) do LPS Efeito biológico Altera funções celulares, nervos e TGI Afeta a circulação sanguínea e a integridade do capilar Toxicidade Elevada Baixa Produtor de febre Não Sim Invasão e inflamação Bactérias aderem, colonizam e se multiplicam no local da infecção, causando uma lesão direta que induz uma resposta inflamatória. Adesinas: • A maioria dos microrganismos causa doença pela capacidade de aderência aos tecidos do hospedeiro, penetração e escape do sistema imunológico. • A adesão entre o patógeno e o hospedeiro é obtida por meio de moléculas de superfície no patógeno denominadas de adesinas ou ligantes. => Localizadas em estruturas de superfície, tais como: as fímbrias e as cápsulas. Fímbria comum Cápsula: • A cápsula também vai auxiliar a adesão do microrganismo ao tecido • Contribui para resistência bacteriana à fagocitose, pois bloqueia a fagocitose Peptidioglicano: • Ácidos teicóicos da parede das bactérias Gram positivas contribuem para adesão dos microrganismos às mucosas do hospedeiro. • Proteínas de superfície: Proteína M de Streptococcus pyogenes • Outer Membrane Protein (OMP): BGN A carga infecciosa ou dose infecciosa necessária para um organismo causar doença, varia entre as bactérias patogênicas. Ex.: Salmonella e Shigella causam infecções do trato gastrointestinal. • A dose infecciosa de Shigella é de menos de 100 células; • A dose infecciosa de Salmonella é de mais de 100.000 células. • A dose infecciosa do Vibrio cholerae é 108 células Fatores como a diminuição da acidez do estômago podem diminuir a DI de maneira significativa. Por outro lado, a acidez estomacal pode ativar a expressão de componentes de virulência microbiana. Microbiota indígena Monomicrobiana ORIGEM ETIOLOGIA Microbiota exógena Polimicrobiana Infecciosa NATUREZA Não-infecciosa OCORRÊNCIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS O conhecimento da incidência e da prevalência de uma determinada doença permite aos epidemiologistas estimar a periodicidade da doença e a tendência de ser mais comum em determinados grupos da população Endemia: constantes em baixos níveis numa população específica, em determinada região. Epidemia: ocorrem mais frequentemente do que o usual. Pandemia: que têm uma distribuição mundial. Doenças Infecciosas Emergentes - DIE São aquelas que são novas ou estão se alterando, mostrando um aumento na incidência em um passado recente ou um potencial aumento em um futuro próximo. Como identificar? •Doença local torna-se disseminada; •Doença rara torna-se comum; •Doença leve torna-se mais grave; FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A EMERGÊNCIA DE NOVAS DOENÇAS INFECCIOSAS: 1. Uso disseminado, e algumas vezes inadequado, de antibióticos e pesticidas => estimulam o crescimento de uma população mais resistente de microrganismos; 2. Aquecimento global => pode aumentar a distribuição e a sobrevivência dos reservatórios e dos vetores; 3. Globalização - Transportes modernos => disseminação de doenças conhecidas para novas áreas geográficas; 4. Regiões que sofrem com desastres ecológicos naturais, guerras, construções e expansão imobiliária (desmatamento); 5. Medidas de controle animal => morte de determinados predadores 6. Falhas nas medidas públicas de saúde (falta de vacinação,p.ex.). DISSEMINAÇÃO DA INFECÇÃO Reservatórios de infecção Para uma doença se perpetuar, deve haver uma fonte contínua de organismos da doença. Esta fonte pode ser o microrganismo vivo ou um objeto inanimado que fornece ao microrganismo condições adequadas para sobreviver e se multiplicar. Resevatórios humanos • O principal reservatório vivo de doença humana é o corpo humano em si. Muitas pessoas abrigam patógenos e os transmitem direta ou indiretamente para outras pessoas. • Portadores sãos => algumas pessoas podem abrigar os patógenos e transmiti-los a outras, sem exibir quaisquer sinais de doença. • Os portadores humanos desempenham um importante papel na disseminação de doenças como AIDS, hepatite, gonorréia, sífilis, etc. Resevatórios animais • Tanto os animais selvagens como os domésticos são reservatórios de doenças => zoonoses. Doença Agente causal Reservatório Transmissão Tifo endêmico Rickettsia tiphy roedor Picada de pulga Febre maculosa Rickettsia rickettsii roedor Picada de carrapato Psitacose Chlamydia psittaci aves Contato direto Doença de Lyme Borrelia burgdorferi roedor Picada de carrapato Resevatórios inanimados • Os principais reservatórios inanimados de doenças infecciosas são o solo, a água e os alimentos (tétano, hepatites, cólera, salmonelose, brucelose, etc). TRANSMISSÃO DAS DOENÇAS Transmissão Vertical: Transmissão da mãe para o embrião/feto. Transmissão Horizontal: Contato: direto (pessoa-pessoa) ou indireto (fômites/vetores) Veículo: água, alimentos, ar, sangue e líquidos corporais, drogas e líquidos intravenosos Vetores: insetos e artrópodes, que podem transmitir doenças mecanicamente (transporte passivo dos patógenos) ou biologicamente (transporte ativo, onde o vetor pica uma pessoa ou animal infectado com os patógenos e estes se multiplicam no vetor, que vai transmiti-los mais tarde para um hospedeiro em potencial. Secreções respiratórias e saliva Os microrganismos que causam doença localizada do trato respiratório são excretados no muco ou saliva através de tosse, espirro e fala. Alguns microrganismos que causam infecção sistêmica também são excretados pelo trato respiratório. Ex.: vírus influenza, vírus do sarampo e vírus da caxumba, tuberculose, coqueluche. Leite materno Alguns microrganismos são excretados no leite materno, podendo servir como fonte de transmissão. Ex. citomegalovírus, vírus da hepatite B Sangue O sangue é a fonte usual onde os artrópodes adquirem microrganismos; pode ser a rota de transferência de vírus ou bactérias para o feto e pode transmiti-los por transfusão sanguínea ou através de agulhas e seringas contaminadas. Trato genitourinário É uma importante fonte na disseminação de microrganismos transmitidos sexualmente. Alguns microrganismos são excretados na urina, como vírus da caxumba e citomegalovírus, poluindo o ambiente e permitindo a sua disseminação, embora esse não seja o principal modo de transmissão (Leptospirose) Fezes Os microrganismos entéricos são excretados nas fezes e podem contaminar o ambiente causando epidemias, sendo resistentes às condições do ambiente. Ex. E. coli patogênicas, vírus da hepatite e rotavírus. Pele A pele é uma importante fonte de microrganismos em doenças transmitidas por contato direto via abrasão. Ex. piodermites (estafilocócicas ou estreptocócicas), micoses, vírus do herpes simplex e vírus do papiloma. ENTRADA DO MICRORGANISMO NO HOSPEDEIRO Os patógenos podem entrar no hospedeiro através de várias vias denominadas de portas de entrada. As principais portas de entradas são: pele membranas mucosas via parenteral placenta Pele A pele íntegra é impermeável para a maioria dos microrganismos. Alguns microrganismos vão obter acesso ao corpo através de aberturas na pele como os folículos pilosos e os ductos das glândulas sudoríparas. Membranas mucosas Muitos microrganismos obtêm acesso ao corpo do hospedeiro penetrando pelas membranas mucosas que revestem o trato respiratório, gastrintestinal, geniturinário e conjuntivo (adenovírus, estafilococos). O trato respiratório é a porta de entrada mais fácil e mais frequentemente utilizada pelos microrganismos infecciosos. As principais doenças que são contraídas comumente pelo trato respiratório incluem o resfriado comum, a pneumonia, a tuberculose, a influenza, o sarampo, micoses sistêmicas etc. Os microrganismos também podem obter acesso ao trato gastrintestinal através dos alimentos e água contaminados. Rota de entrada para vários patógenos importantes que causam lesões locais ou sistêmicas, transmitidos por via sexual (sífilis, CMV) Via parenteral Os microrganismos obtêm acesso ao corpo do hospedeiro por meio da via parenteral, através da deposição direta nos tecidos por meio de punções, injeções, ferimentos e cirurgias. Placenta Infecções congênitas atingem o feto via placenta. Ex. sífilis, vírus da rubéola, HIV ESTÁGIOS DA PATOGÊNESE 1 – transmissão a partir de uma fonte externa para a porta de entrada; 2 – evasão das defesas primárias do hospedeiro, como a pele e a acidez do estômago; 3 – aderência às membranas mucosas do hospedeiro; 4 – colonização e multiplicação no sítio da infecção; 5 – Sintomas da doença causados pela produção de enzimas/toxinas ou pela invasão acompanhada por inflamação; 6 – respostas do hospedeiro inespecíficas ou específicas (sistema imunológico) durante a invasão, multiplicação ou produção de toxinas; 7 – Prosseguimento ou término da doença.