MISSE, M. Sobre a Construção Social do Crime no Brasil: Esboços de uma Interpretação. In: Michel Misse. (Org.). Acusados e Acusadores: Estudos sobre ofensas, acusações e incriminações. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2008, v., p. 13-32. Michel Misse é Bacharel em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1974), Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. O crime, segundo Michel Misse, possui sua construção social compreendida após o entendimento dos significados de alguns níveis analíticos que são interligados. São eles: a criminalização, a criminação, a incriminação, e a sujeição criminal. A criminalização seria uma ação tipicamente definida como crime. A criminação de um acontecimento é possível pelas “... sucessivas interpretações que encaixam um curso de ação local e singular na classificação criminalizadora...” (MISSE, 1999). A incriminação do suposto sujeito acontece através de testemunhas e evidências do ato infracional. E a sujeição criminal, como lembra Misse, é a seleção preventiva de supostos sujeitos que irão compor um tipo social cujo caráter é socialmente considerado como “propenso a cometer um crime”. A acusação social precede a definição do crime. Mas qual é o objeto da acusação? A transgressão ou sujeito da transgressão? Segundo Misse isso dependerá sobre em quem recairá a ênfase. Na modernidade a ênfase é sobre o transgressor visto que a partir do estudo da subjetividade do sujeito, das fraquezas, aumenta-se o investimento de poder do acusador. Incriminar alguém só é possível com a lei. Pois “... a incriminação se distingue da acusação pelo fato que ela retoma a letra da lei...” (MISSE, 1999). E esse processo deve seguir um percurso racional-legal que seja neutralizado por procedimentos impessoais que busquem a verdade da acusação. O crime não é definido somente pela letra da lei, mas também pela realização legal do ato. Além disso, ele é um acontecimento social e não individual. Isso se explica pelo fato que o crime só é classificado como mesmo quando chega à esfera pública constitucional. E necessário para isso que a vítima denuncie. Caso contrário o fato ocorrido não passará de mero enfrentamento, conflito ou transgressão moral. Como lembra Misse a distância social servirá como indicador de representação das relações de poder na sociedade. Quanto maior a segregação social do acusado, maior será a autonomia e importância da fase policial do processo de incriminação. Percebe-se então que na atual sociedade brasileira a policia tornou-se sobrecarregada no desempenho da acusação e da incriminação fazendo assim com que houvesse uma disjunção no significado de denúncia e delação. A última é encarada como traição, principalmente quando o delator é membro de um grupo primário onde há uma relação de cumplicidade. Por isso a importância do caráter sigiloso do serviço de denúncia. A incriminação, segundo Misse, é um processo – filtro de acusações sociais onde é através de dispositivos (flagrantes, indícios materiais, testemunhas, reconstituições técnicas, etc.) que se acha a verdade da acusação. A acusação até chegar ao tribunal como denúncia tem um processo que é permeado de filtros. Daí percebe-se a importância da policia que tem o papel fundamental de mostrar a verdadeira ordem natural dos acontecimentos. Porém na maioria das vezes essa denúncia que chega a policia acontece sobre confissão onde muitas vezes é utilizada a agressão física e moral contra o acusado pelo policial. Isso faz com que a policia seja vista como cruéis arbitrários criando também um distanciamento social. Conforme disse Michel o problema que permite a criação do crime não é a ausência do Estado na sociedade, mas sim o tipo de presença do mesmo. Nota-se então a importância da policia na sociedade que ajuda no processo de incriminação do réu caso ele seja verdadeiramente culpado. E a sociedade também pode ajudar a policia a desempenhar seu papel para que a sociedade possa viver com mais tranqüilidade.