ARAÚJO LUIZ ARMANDO DE - Transtorno Obsessivo Compulsivo

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Transtorno Obsessivo-Compulsivo
Luiz ARMANDO DE ARAÚJO
1 INTRODUÇÃO
Descrições de sintomas obsessivos-compulsivos aparecem na literatura psiquiátrica, desde o século XIX, sob
diversas denominações, como folie de doure, folie raisonanre, seruples e melancolia religiosa. As descrições
variam em dependência da época e da orientação da escola psiquiátrica. Pierre Janet associou tais
sintomas a seu conceito de psicastenia. enquanto Westphal descreveu-os como tiques mentais associados a
uma causa neurológica. A partir do século XX, com a predominância da visão psicanalítica, os sintomas
passaram a ser explicados como resultantes de trauma durante o desenvolvimento da personalidade ou
resultantes de mecanismos de defesa. Apenas nos últimos 30 anos, prevaleceu um estudo mais sistemático do
problema, com abandono de hipóteses puramente teóricas, sem embasamento científico. Fatores como o
acometimento precoce, evidências de implicação genética na etiologia, homogeneidade transcultural e boa
resposta à farmacoterapia e à terapia cognitivo-comportamental deram novo impulso à pesquisa mddica sobre
o transtorno obsessivo-compulsivo e avançaram no seu tratamento.
2 QUADRO CLÍNICO
O transtorno obsessivo-compulsivo é um quadro ansioso caracterizado pela presença de obsessões e rituais
compulsivos.
2.1 Obsessões
Obsessões so pensamentos, idéias ou imagens repetidas e indesejadas que
invadem a consci ncia, criando uma sens;Lço de resistência no indivíduo. Podem
ser preocupações. blasfemias, obscenidades, idéias repugnantes ou combinações dessas. Uma obsessão é
uma experiência passiva, ocorrendo espontaneamente e interferindo no fluxo normal do pensamento ou
atividade do momento. Exemplos de obsessões:
• Profissional, 27 anos, preocupava-se constantemente com a idéia de estar contaminado como vírus da
Aids.
• Homem, 32 anos, tinha a sensação de ter atropelado alguém toda vez que cruzava um semáforo.
• Mãe. 24 anos, não conseguia livrar-se,4o impulso de ferir seu bebê recém- nascido com facas ou
objetos cortantes.
• Freira, IS anos, imaginava-se como protagonista de cenas de sexo com Jesus risto.
e Jovem,
1 7 anos, com o pensamento repetitivo: “Eu sou gay”.
Tais exemplos são comuns na prática clínica. As idéias podem aparecer sob a forma de frases, pensamentos.
imagens ou impulsos. A pessoa, em geral, tenta resistir e livrar-se da obsessão; quando tem sucesso, obtém
alívio apenas transitório, O esforço despendído tentando controlar os pensamentos obsessivos pode ser
exaustivo, embora muitas vezes não seja notado por outras pessoas à vota do paciente. O indivíduo
comumente reconhece o pensamento ou imagem como produto de seu própdo pensamento. Isso constitui
diferencial importante para quadros como os da esquizofrenia, em que o paciente refere que os pensamentos
foram colocados em sua cabeça por um agente externo.
2.2 Compulsões e rituais
Compulsão é um comportamento repetitivo e intencional executado numa ordem preestabelecida
(estereotipia). A ação não tem um fim em si mesmo e procura prevenir a ocoffênca de determinado evento ou
situação com conotação ameaçadora para o sujeito, como no caso de lavar mãos por medo de contaminação.
Nem sempre, porém, existe uma relação lógica entre essa intenção e o ato compulsivo, como o paciente que
dizia 4Parque Novo Mundo, lugar bom” em resposta a pensamentos funestos em relaçao a seus familiares. O
ato compulsivo é precedido por urna sensação de urgência e resistência (em geral vencida), seguida de alívio
tempotúrio da ansiedade após sua realização. A pessoa tem consciència que tais atos sio irracionais e não
aufere prazer na sua execução, apesar de o ritual diminuir sua ansiedade. Alguns exemplos de com pulsães:
• Homem, 32 anos, checava repetidas vezes fechaduras, interruptores dc luz e gás e aparelhos elétricos.
Jovem, 17 anos, lavava mãos e rosto centenas de vezes durante o dia para se livrar da sensação de
contaminação por geniles.
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*
Executivo, 40 anos, sentia-se compelido a abrir sua própria correspondência repetidamente para verificar se tinha escrito
corretamente o que pretendia.
• Senhor de meia-idade precisava passar perto de um igreja toda vez que pensava na morte do filho mais novo.
• Dona de casa, 30 anos, precisava esconder todas as facas e outros objetos cortantes em casa por medo de ferir seu bebê.
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) pode se manifestar sob várias formas clínicas (Akthare cois., 1975). As mais
comuns são aquelas em que várias obsessões estilo presentes, porém uma forma ou tema central tende a predominar. Os
principais tipos clínicos são: obsessão de contaminação e rituais de limpeza; dúvidas obsessivas e rituais dc verificação;
obsessões apenas; compulsões apenas (ordem, colecionadores, simetria, etc.) e lentido obsessiva primária (raros).
2.2.1 Rituais de laragem
É o tipo clínico mais freqüente, respondendo por cerca de 50% dos casos. Atualmente, talvez pela maior divulgação do
TOC. pacientes com rituais de verificação têm praticamente se igualado em freqüência. Mulheres predominam ‘lesse
gnipo. O lavador típico tem obsess&s de cornaminaçáo com sujeira, germes, substâncias químicas diversas, poluiço,
excremenLos e secreçôes corporais (urina, saliva, fezes). Geralmente, o paciente evita entrar em contato com essas
substâncias. Seus rituais de limpeza são muito graves, chegando a lavar as mãos centenas de vezes por dia, usar vários
litros de detergente por semana, rolos e rolos de papel higiênico e banhos por várias horas, O pacientejustifica seus rituais
arirmando que o protegem da contaminaçao e evitam que contraia câncer, Aids ou outras doenças.
2.2.2 Rituais de venftcaçdo
Pacientes com rituais de verificação de diversos tipos constituem provavelmente, o grupo mais freqUente de obsessivoscompulsivos. Não há diferença de sexo em relação à freqü6ncia nesse grupo, Como o nome diz, os rituais se concencram
em múltiplos procedimentos de verificaçâo de poitas, janelas, tmocas em geral, aparelhos elétricos, fogão, arquivos,
livros, canas, etc. A compulsão estí em geral associada à idéia obsessiva de dúvida: ‘será que não deixei aporta aberta?”;
“desliguei o fogão corretamente?’ Essas dúvidas atormentam o indivíduo até que verifique iepetidamente o local, obtendo
alívio apenas transitório. Os rituais, muitas vezes, assumem um caráter de prevenção. Como no caso de um eletricista que
levava horas checando cada procedimento em soas visitas domiciliaRs, tentando evitarque pessoas se ferissem caso
cometesse um engano. Alguns rituais podem ser bastante bizarros, como a paciente que precisava checar atrás de portas
ou embaixo de móveis para se certificar jue não havia cadáveres escondidos.
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2.2.3 Obsessões desacompanhadas de rituais
Cercado lOa 15% dos pacientesobsessivos não apresentam rituais compulsivos associados. Pensamentos do
tipo “estarei ficando louco?”; acho que atropelei alguém”; “sinto impulsos de atirar-me pela janela ou será
que não sou um pervertido?”, invadem a consciência do indivíduo que sente ansiedade e intenso desconforto.
Em gemi, rituais mentais estão presentes sob a forma de frases repeti- das em surdina, preces ou palavras que
procuram neutralizaros pensamentos obsessivos. Outros pacientes apresentam ruminações, permanecendo por
horas com um tema na mente sem poder chegar a uma conclusão a respeito ou decidir-se por uma atitude.
22.4 Compulsões sem obsessões
Esses pacientes executam seus rituais sem se queixar de uma idéia ou pensamento obsessivo associado. As
rotinas são diversas: vestir-se, preparar uma refeição, colocar a mesa. Cada etapa da atividade segue uma
ordem rígida preestabelecida.
Alguns pacientes executam os rituais procurando com eles evitar que acidentes ou doenças atinjam os entes
próximos. Pertencem a este grupo os assim chamados colecionadores compulsivos, pacientes que acumulam
toda sorte de objetos inúteis (jornais velhos, revistas, recipientes de plástico e toda sorte de quinquilharias).
Suas residências são transformadas em verdadeiros depósitos de lixo, pata desespero dos familiares.
Outro tipo clínico interessante desse grupo é constituído pelos pacientes que
fazem intermináveis listas de atividades, endereços, compras que não servem a
‘m propésito prático e ocupam todo o tempo útil do paciente.
Na maioria dos casos (75 a 90%), obsessões e compulsões estão ambas presentes e existe uma ordem e
sentido na experiência. Diz-se que a compulsão procura neutralizar a idéia. Em lima minoria (lO a 15%), as
obsessões e compulsões estão presentes isoladamente.
2.2.5 Agentes desencadeantes
Apesar da obsessão poder aparecer espontaneamente, sem qualquer estímulo desencadeante, a maioria dos
pacientes descreve algum tipo de situação ou
objeto desencadeante, seja ele externo ou interno.
Um exemplo de desencadeante externo seria o de um paciente que tem o impulso de se atirar na linha de trem
toda vez que se aproxima da plataforma. A obsessão de uma viúva de 64 anos com idéias de morte era
desencadeada pela memória de seu marido falecido.
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-
2.2.6 Desconforto
Em geral, a idéia obsessiva é acompanhada por uma sensação de mal-estar.
A mais comum é a ansiedade que pode ser acompanhada de vários sintomas físicos: tuquicardia, mspiruço
ofegante, sudorese, paHdez, tremores, náuseas.
Pode ser leve ou muito intensa (pânico). Outros pacientes, não descrevem
ansiedade, mas Outras emoções, como culpa, depressão ou aversüo.
2.2.7 Urgência compulsiva
A rnaioriados pacientes relata sensação de urgência ou vontade incontrolável de
ritualizar, que antecede o ato compulsivo e é traduzida por inquietação e ansiedade.
2.2.8 Alívio pós-ritual
Após o ato compulsivo, o paciente expertnienca, de regra, uma sensaço de alívio temporário de sua ansiedade.
Nem sempre, no entanto, isso acontece. Alguns pacientes descrevem que a execução do ritual leva a aumento
do desconforto e da urgência em ritualizar.
2.2.9 Reasseguramento ou garantias
É muito comum pacientes obsessivos-compulsivos buscarem, em familiares
e amigos, garantias deque as conseqüências catastróficas que temem para si no
se efetivarão. Perguntas como “fechei a poita corretamente?’, “você acha que fiz
a coisa ceda?’, são repetidas inúmeras vezes para os familiares.
2.2.30 Esquiva fóbica
Pacientes com TOC em geral evitam objetos e situações desencadeantes de sua ansiedade e podem ter sua
vida extremamente limitada por isso. Um exemplo seria o do milionário norte-americano Howard Flughes,
que passou seus últimos anos isolado numa cobertura absolutamente esterilizada em razão de seu medo
obsessivo de contaminação.
3 DIAGNÓSTICO
A presença de obsessões e compulsões não é suficiente para se fazer o diagnóstico do transtorno obsessivocompulsivo (1VC), já que elas podem estar presentes em indivíduos normais, O diferencial é feito pela
frequência e gravidade dos sintomas que tradt.zem o grau de comprc.metiniento funcional do paciente nas
áreas profissional, pessoal e de lazer.
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De acordo como manual de diagnóstico da Associaç5o Psiquiáirica Americana (DSM 1V, APA, 2994), a
pessoa deve apresentar, como queixa, obsessões e/ou compulsões cuja intensidade e freqüência interfiram
deforma significativa com seu funcionamento cotidiano (Quadro 1).
Quadro 1. Sumário do critério diagnóslico do TOC. segundo oDSM-1V (ÁPA, 1994)
1. O paciente deve apresentar obsessões ou compulsões ou ambos:
A. Obsessões são pensamentos. magensou impufsasque invadem a consciénciae so vivenciados como
repugnantes ou sem sentido. Formam-se contra a vontade da pessoa que tenta resistir ou
livrar-se dessas idéias, O indivtduo reconhece-os como próprios.
8. Compulsões so comportamentos repetidos e estereotipados (rituais) que o paciente executa para prevenir
detenuinados eventos ou situaçôes. O paciente sente um fone impulso para wpcli- los e lenta reçislir. em gemi
sem sucesso. So vi venci zdos como n,cionais ou excessivos pela pessoa que não sente prazer ao ritualizar,
porém obtém alívio da ansiedade.
2. Não sedevemaoulms Im»!ornos comoaesqoizoímnia depressão ou outro trooslorno oroira
3. As obsessões e compulsões causam desconforto pessoa dou interferem em suas atividades cotidianas.
4 PRE VALÊNCIA E DADOS DEMOGRÁFICOS
Até há pouco tempo, o transtorno obsessivo-compulsivo era considerado uma
raridade e reputado como afetando apenas 005% da população
(Ruclin, 1953). Estudos mais recentes, como os daECA (Karno ecols., 1988),
nos EUA, mostram que o problema chega a atingir de 1 a 3% das pessoas. Isto é,
de cada IDO pessoas até três já tiveram o problema em algum momento da vida.
Tais números colocariam o 1OC como um dos transtornos psiquiátricos mais freqüentes. Estudos em outros
países confirmam tais dados (Rasmussen & Eisen, 1994). Talvez esse aumento na prevalência do problema
reflita, na verdade, uma evoluç5o nos conhecimentos sobre o mesmo, tanto por parte dos médicos, que
identificam o transtorno de forma mais precisa quanto por parte dos pacientes, que procuram tratamento mais
freqüentemente.
5 SEXO E IDADE
Não existe, no caso do TOC, ao contrário do que ocorre quanto à depressào
e à ansiedade, que afetam mais as mulheres, uma predominância de sexo, sendo
ambos afetados igualmente.
O quadro inicia-se, de regra, na adolescência ou no começo da idade adulta (idade média, 21 anos), tendo os
pacientes do sexo masculino início mais precoce.
São mros os casos em que o transtorno se inicia após os45 anos de idade.
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Os pacientes. em geral, procuram tratamento após decor,ldos, em média, 8 a lO anos do início do
problema. Embora essa tendência já comece a mudar, o
tempo prolongado de doença ainda constitui um probiema para o tratamento.
6 TRATAMENTO
Para urna doença até recentemente considerada intratável, pode-se falar em urna revolução no tratamento do
transtorno obsessivo-compulsivo nos últimos 20 unos. Apesar de ser ainda cedo para faktr em cura, uma
melhorada sintomatologia de 75 a 80% dos casos é comumente descrita na iteratura especiaLizada. Ta
progresso deve-se à evolução do conhecimentos em duas frentes principais: de um lado, o refinamento de
métodos cognitivo-compoitamentais, com o estabelecimento da técnica por exposição como tratamento
padrào eficaz e de resultados duradouros (Ravina o cois. 1994; Keijseís, 3994); de outro, ao desenvolvimento
de fármacos que se mostraram eficazes e com açio anliobsessiva mais especifica, como é ocaso da
clomipramina e da fluoxetina (Piccineili e cois., 1995). Ambos os métodos ainda precisam ser aprimorados e
seus mecanismos de ação melhor compreendidos, mas até o presente momento o prognóstico parece
animador.
6.1 Farmacoterapia
Dentre as diversas medcaçôes testadas para o tratamento do TOC, bem como o uso de outras técnicas
bi&ógicas, como aeletroconvWsoterapia e a psicocirurgia, os antidepressivos mostraram-se os mais
eficazes, constituindo atualmente o tratamento de primeira escoiha.
A clomipramina mostrou-se consisternernente superior ao placebo e à maioria dos outros
antidepressivos (Qreist, 3990). E eficaz no apenas em obsessivos puros, mas também nas compuisões. No
entanto, em doses altas de 75 a 300 mg) dia, o início de seus efeitos Ierapêuticos ocorre, em geral, dentro de 6
a 12 semanas. Diversos estudos demonstraram que o efeito antiobsessivo ocorre em pacientes não-deprimidos
ou independentemente da gravidade da depressão, não sendo, pois, a depresso um pré-requisito para os efeitos
Lerapëuticos da clomipramina no TOC (Mavissakalian e cois., 1983).
Embora em termos gerais esse fârmaco seja razoavelmente bem tolerado, 10% dos pacientes ab:rndonam o
tratamento em conseqüência dos efeitos colaterais, que podem ser desag radáveis e limitantes. Sonolência,
diminuição do desejo sexual, anorgasmia, efritos anticolinérgicos e ;anho de peso são os mais comuns.
As evidências d’ urna participaço impcrtante da serotonina na tisiopatologia do IOC têm levado à pesquisa de
alternaivas para a cLomipramina entre os iníbidores seletivos de recaptaço de serotorina (Baer, 1996). Assim,
fluoxetina, fluvoxamina, sertralioa, paroxetina e zimelinina (esta retirada do mercado devido a efeitos
colateniis neumlógicos), têm sido tertadas. Estudos multicêntricos controTempia Cognüivu-Compor&menftrt 47
lados têm demonstrado que a tluoxetina, a fluvoxamina e a sertralina são superiores ao placebo, com 65 a
70% dos pacientes respondendo pelo menos moderada- mente, sendo seus efeitos sobre o quadro obsessivocompulsivo não relacionados ao efeito antidepressivo. Além disso, elas parecem apresentar menores efeitos
colaterais do que aclomipramina. Emboraem recente estudo de nietanálise Piccineli e cols. (1995) tenham
encontrado evidências de que a clomipramina seja superior à fluoxetina, fluvoxamina e sertralina no controle
dos sintomas obsessivos, a fluoxetina, devido aos primeiros resultados positivos e menor incidência de efeitos
colaterais (inclusive no ganho de peso), tem se tomado uma importante opção ao uso de clomipramina,
substituindo-a, ou sendo usada em associação com ela na tentativa de potencializar seus efeitos.
A eficácia parcial dos antidepressivos, com persistência de certo grau de sintomatologia em cerca de 40 a
60% dos pacientes, por vezes durante todo o tratamento, o prolongado tempo de manutenção ainda não
adequadamente determinado (aparentemente igual ou superior a um ano), bem como as recaídas freqüentes
após a sua suspensão, justificam a busca de tratamentos mais eficazes (Mav.son e cols, 1982).
6.2 Terapia cognitivo-comportamental
A terapia comportamental é um conjunto de técnicas que visam a enfocar comportamentos que o individuo
considere disfuncionais. Baseia-se no aqui e agora, ao invés de interpretar o passado buscando as origens do
problema. O cliente fixa metas e desenvolve exercícios individualmente ou junto como terapeuta, no sentido
de atingir tais objetivos. Deriva seus conhecimentos das teorias de aprendizado, que vê os comportamentos
como um produto da interaçio indivíduo-ambiente-aprendizado e a modificação deles como resultado de
mudanças nessa interação. A eficácia da terapia comportamental para um sem número de problemas está bem
estabelecida; para alguns deles, como as fobias e disftinções sexuais, é considerada o tratamento de escolha
(Marks. 1987).
Seus críticos por muito tempo sustentam que seus procedimentos seriam superficiais, já que não abordava as
origens inconscientes do problema e que, portanto, o sintoma tratado apareceria de outra forma (teoria da
substituição de sintomas). Isso nunca foi demonstrado e, pelo contrário, em estudos de até dois anos de
seguimento (O’Sullivan & Marks. 1991). a maioria dos pacientes tratados com essa terapia apresenta melhora,
não só nas áreas focadas, mas também em outras, como lazer, trabalho e vida social.
A partir dos anos 80, as técnicas comportamentais têm procurado incluir em seu arsenal os assim chamados
métodos cognitivos. Tais métodos tomaram-se mais conhecidos graças aos trabalhos de Beck e colaboradores
(1980), nos EUA, com pacientes deprimidos. A idéia central na aplic4ção desse tratamento é que na base do
problema do paciente estaria seu modo de pensar sobre si mesmo, o mundo e o futuro, O emprego dessas
técnicas visa a fazer a pessoa conscientizar-se
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desses pensamentos e, como tempo, gradualmente modificar tal postura. No caso de uni obsessivo com rituais
de verificação, o pensamento disiorcido a ser modificado tenderia a se concentrar mais mim senso de
responsabilidade exagerada, “serei o único responsável por uma catástrofe se no me certificar de cada ação”
(Salkovskis & Warwick, 1985). Entretanto, não háestudos controlados que comprovem a eficácia da
abordagem cognitiva isolada no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo. A utilização de técnicas
cognitivo-comportamentais vem se firmando nos Últimos 20 anos como um tratamento eficaz, com resultados
de até 80% na redução da sintomatologia obsessivo-compulsiva, e duradouros (Foa, 1979, 1994; Foa e cols.,
1985; Emmelkamp e cols., 1985)-Podem ser utilizadas isoladamente ou em associação com os psicofármacos.
principalmente para os pacientes com depressão e/ou disforia havendo vantagens nessa associação se
comparadas ao tratamento isolado.
6.3 Exposição e prevenção de resposta em TOC
A técnica de exposição consiste basicamente em colocar o paciente na situação desencandeante da ansiedade
e lá permanecer até que os sintomas físicos e as sensaç&s desagradáveis diminuam de intensidade
(habituação). A-repetição sistemática do procedimento não só diminui a intensidade dos sintomas, como
também desconfirma as expectativas negativas do paciente a respeito das conseqüências. Prevenção de
resposta, por sua vez, complementa o tratamento, impedindo que o paciente rituaiize e se exponha à ansiedade
da forma mais completa possível.
6.4 O principio da habituação
Um paciente obsessivo-compulsivo, como vimos, apresenta um aumento do gmu de ansiedade, quando as
obsessões lhe vem à mente ou quando é exposto a situações específicas (por exemplo, objeto contaminado nos
rituais de limpeza). Segue-se a isso a urgência em ritualizar, que aumenta até que o paciente execute o ritual,
durante o qual e nos momentos que se seguem o paciente apresenta alívio transitório da ansiedade o que
contribui para manter o problema. Se esse paciente íorexposto a uma situação desencadeante e for impedido
de ritualizar (prevenção de resposta), o que ocorre? Observa-se que sua ansiedade e a urgência em ritualizar
aumentam até atingir uru píató, para então começar a cair gradualmente. Se essa experiência for repetida de
forma sistemática, tanto a ansiedade como a urgência em ritualizar diminuem, mas de forma mais diaradoura.
A esse fenômeno denominamos habiluação.
A escolha das tarefas durante as sess&s como terapeuta, bem como as Lare(as de casa, devem er decididas de
comum acordo e respeitar as limitações do
paciente. O tratamento por exposição pode er feito de forma lenta (dessensibili-
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zação sistemática) ou rapidamente (fiooding). No primeiro caso, o indivíduo é iniciaimente exposto a
situações menos ansiogênicas e gradualmente passa a enfrenLar itens mais difíceis em sua escala de medo. Na
segunda modalidade, o paciente decide expor-se de forma mais drástica, enfrentando logo os problemas mais
graves. Ambas as formas de exposição funcionam, é uma questão de estilo. Uns preferem pular na água fria
de uma vez, outros a experimentam primeiro para depois mergulhar. A exposição deve ser feita de preferência
ao vivo, ou seja, a situações ou objetos reais, já que é mais simples de planejar e de efeitos mais garantidos.
Porém, o método pode incluir também exposição imaginária. Essa pode ser útil para obsessivos com rituais de
verificação, cujos medos enfoquem situações em que a exposição ao vivo seja impossível ou pouco prática,
como no caso do pensamento, ‘meu filho morrerá num acidente se não checar minha correspondência”. Tal
paciente poderia ser exposto à idéia por meio de textos ou audiocassetes até que a habituação ocorra, o que
tem se mostrado eficaz na prática clínica (De Aradjo e cols., 1995).
7 UM PROGRAMA DE TRATAMENTO POR EXPOSIÇÃO
J.R., sexo masculino, 25 anos, advogado, procurou tratamento para suas “manias”, após sofrer 5 anos com o
problema. O quadro começou aos 20 anos de idade, quando J. iniciava a faculdade. Passou a temer e evitar
tocar em tudo que pudesse estar relacionado à sujeira. Lavava as mãos freqüentemente e carregava sempre
lenços de papel para isolar suas mãos de objetos “contaminados”. Seus banhos passaram a ser cada vez mais
longos e elaborados, demorando até 2horas. Tinha que executar rituais de descontaminação, antes de entrar
em casa. Passou a temer contrair doenças de outras pessoas e evitar contato físico. Tentou alguns tratamentos
psicoterápicos. sem melhora clínica. Procurou tratamento comporta- mental, após ler uma reportagem na
imprensa leiga. Os passos a seguir ilustram a seqüência de seu tratamento.
O primeiro passo consiste de avaliação detalhada do problema de 3.: tipo, freqüência e intensidade das
obsessões e rituais, principais situações desencadeantes, fatoresque melhorarnou pioramo problema,
familiares e pessoas envolvidas. Isso constitui a avaliação comportamental. Os princípios do tratamento são
explicados e são fornecidas informações sobre o que é ansiedade e quais são suas conseqüências. O segundo
passo consiste na escolha das prioridades do tratamento, decididos segundo o problema dei, e de comum
acordo com ele, de modo a fixar metas. No seu caso, a primeira meta era a redução do núero de rituais de
lavagem, limitadas aS vezes por dia. Outra prioridade é a exposição às situações que J. evitava. Ele foi
instruído a fazer uma lista, incluindo as principais situações desencadeantes e/ou evitadas e seu respectivo
grau de ansiedade (Tabela 1). Paciente e terapeuta decidem qual ou quais itens serão trabalhados na sessão e
em casa, de acordo com a ordem hierárquica de dificuldade. A proposta inicial de tratamento é a de expor o
paciente ao mais alto nível da hierarquia tolerável. O paciente do
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exemplo, com medo de sujeirae contaminação e rituais de lavagem, foi gradualmente exposto a essas
situações da forma mais completa possível. Se o item escolhido for tocar o chão, após fazê-lo, o pacien!c deve
locar seu próprio corpo e seu rosto, de modo que possa experimentar a sensação de contaminação e a ela se
habituar. Após a exposição, no deve lavar-se de forma alguma. Em geral, a maioria dos pacientes suporta bem
o procedimento e consegue rcfrear os rituais até que sua urgência em ritualizar diminua. Durante a sessão, o
terapeuta pode usar técnicas que facilitem ao paciente suportar o desconforto. Conversar e usar o senso de
humordurante a situação de ansiedade, mas mostrando-se sempre soiidârio como cliente, sao considerados
benéficos ao tratamento.
Tabela 1. Exemplo da Lista de Objetivos para Tratamento por Exposição
A exposiço por tempo prolongado (45 minutos ou mais) e a prevençüo do ritual por algumas horas devem ser
sempre recomendadas. É mais indicado cobrir
menos etapas de fonua completa do que uma infinidade delas por períodos breves.
Na fase inicial de tratamento, podem ser necessárias várias sessões, cobrindo uma gama variada de situações e
garantindo que a habiruaço ocorra para vários estímulos desencadeantes. Isso reforça a confiança do paciente
em si mesmo e jo tratamento, o que é essencial para sua continuidade.
Pacientes inseguros diante das conseqüencias da exposição, formu iam, durante
o procedimento, questões como “não estou me contaminando?”, “o procedimento
é seguro?”. O terapeuta não deve reforçar a atitude de medo do paciente, evitando
ao máximo tal tipo de discussão, uma vez que tal conduta apenas reforça as obsessões. Isso deve ser estendido
aos familiares e às pessoas próximas, já que reassegurar “essas circunstúncias, tende a ser contraprodutivo.
Ousode medicamentos ansiolilicos como Vaiium, Diempax e outros tranqüilizantes, incluindo ãlcool, é
contra-indicado durante o tratamento por exposição,
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Situações
Ansiedade 0-8
Urgência 0-8
Tocar solado sapato
6
8
Tocar ata de lixo
5
6
Varrerasala
4
5
Tocar no tapete
6
6
Usar hnheiro público
6
6
Cumprimentar um estranho
7
8
Iruumhospital
8
8
Pegar numa scringa de injeção usada
8
8
Pegar em dinheiro
7
8
pois impede que o paciente experimente realmente a ansiedade, etapa necessária à habituação.
Ouso de um diário de atividades padronizado (vide Apêndice), incluindo objetivos e tarefas do dia, é um auxiliar útil para
o tratamento e deve ser incorporado à rotina do paciente. É elemento essencial na monitoração e dosagem dos exercídos
de casa e verifica o grau de adesão do paciente ao tratamento, O programa de tratamento deve se adequar às necessidades
do paciente: número de sessões, horários para as tarefas de casa, rapidez de progresso no tratamento e devem respeitar o
rumo de cada indivíduo. Muitos pacientes se beneficiam de um co-terapeuta, que pode ser um familiar ou amigo que o
auxilie nas taiefas de casa. Essa pessoa deve estar atenta aos riscos de reasseguramento indevido. Tendo cumprido esses
passos e expondo-se de forma sistemática, J. teve uma melhora significativa após 12 semanas de tratamento. Algumas
situações ainda causam ansiedade e a vontade de se lavar, vez por outra, surge, mas elç já não evita as pessoas, consegue
trabalhar normalmente e voltou a ler vida social. Está consciente que o problema pode voltar se interromper seu programa
de tratamento. Suas tarefas de exposição tornaram-se pane de sua rotina de vida.
8 CONCLUSÃO
Os conhecimentos sobre o transtorno obsessivo-compulsivo avançam a cada dia. As novas descobertas no campo da
genética, da neuroimagem e da psicofarma cologia já começam aser incorporadas à prática clínica. É realista pensar que
num futuro próximo já possamos ter uma posição mais definida sobre a origem do problema e nos aproximardo
tratamento ideal. Enquanto isso não ocorre, é importante melhorar o nível de infonnaçio sobre a natureza e o diagnóstico
do problema, assim como também garantir que o acesso a métodos modernos e baratos de tratamento seja estendido a uma
parcela maior da população.
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