resumo

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O ENSINO DE PROBABILIDADE E ESTATÍSTICA NA ESCOLA
BÁSICA NAS DIMENSÕES DO CURRÍCULO E DA PRÁTICA
PEDAGÓGICA
Profa. Dra. Celi Aparecida Espasandin Lopes
UNICSUL/SP e LEM/IMECC/UNICAMP
[email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise sobre o ensino da Probabilidade e da Estatística dentro do currículo de
Matemática na Escola Básica. A questão orientadora deste texto foi a seguinte: Como são tratados e quais os
objetivos do ensino da Probabilidade e da Estatística nas propostas curriculares de Matemática? Para
nortear essa análise foram utilizados os seguintes critérios: a concepção de Estatística e Probabilidade
subjacentes a esses currículos; a seleção de noções estatísticas e probabilísticas feita por essas propostas para
serem “transpostas” para o plano escolar; o modo como as propostas sugerem o tratamento dessas noções
junto aos estudantes; as finalidades da abordagem de tais noções, junto aos estudantes, explicitadas ou não
pelas propostas. A partir desses critérios, consideramos alguns aspectos que emergiram à medida que a
análise foi sendo desenvolvida. Assim, ressaltamos a importância desses temas à formação dos estudantes,
por possibilitarem a ruptura com uma visão determinista da Matemática. O ensino de Probabilidade e
Estatística pode ser um amplo espaço de trabalho pedagógico interdisciplinar e proporcionar, através da
realização de experimentos, a exploração da idéia de acaso. Realizando observações, registros e
representações de dados, os estudantes estarão aptos à leitura e interpretação de informações diferenciadas.
Os conceitos estatísticos são importantes “ferramentas” para a resolução de problemas. O trabalho com a
probabilidade auxiliará os alunos na tomada de decisões. Com isso, enfatizamos a necessidade de propormos
situações de aprendizagem que possibilitem o desenvolvimento do pensamento estatístico e do pensamento
probabilístico se buscamos a formação de um indivíduo que exerça consciente e criticamente sua cidadania.
ABSTRACT
This paper analyze about the teaching of Probability and Statistics focusing mathematics curriculum from
primary school and high school. The main concern in the paper was: What is the approach and what are the
objectives in the teaching of Probability and Statistics in the mathematics curricula? The criteria in order to
analyze these were: the conception of Statistics and Probability underlying these curricula; the choice of
statistical and probabilistic concepts done by these curricula to be applied to the school program; the
approach in teaching them to the students; the purposes in teaching such concepts, explicated or not by the
curricula. From these criteria, we took into consideration some aspects that emerged as the analysis was
being developed. Thus, we emphasize the importance of these themes for the students learning, once they
offer a possibility of breaking a determinist view of mathematics. The teaching of Probability and Statistics
can be a wide field of interdisciplinary pedagogic work and supply, through experiments, the exploration of
the chance idea. Through observation, data and analysis, the students will be able to read and interpret
different information. The statistics concepts are an important tool for the problem solving. The work with
probability will assist students in the process of decision-making. Therefore, we emphasize the need of
offering them learning situations that will lead to the statistical and probabilistic thinking once we are looking
for the development of a human being able to perform his citizenship conscious and critically.
Introdução
A sociedade contemporânea requer do cidadão habilidades que lhes permitam uma
leitura ampla da realidade que vive e capacidades de intervenção nas ações sociais. O
ensino da Probabilidade e da Estatística pode contribuir para isso, promovendo o
desenvolvimento da capacidade crítica e da autonomia, assim como outros conceitos
matemáticos tradicionalmente trabalhados na escola.
A partir desses pressupostos vamos discutir uma prática pedagógica que promova a
investigação e a exploração, tornando possível aos estudantes tomarem consciência de
conceitos estatísticos e probabilísticos, que os auxiliem em sua leitura de mundo.
Faremos considerações sobre um ensino interdisciplinar da Estocástica, entendida
aqui como intersecção entre conceitos de natureza probabilística e estatística, poderá
proporcionar aos alunos uma aquisição de conhecimentos menos compartimentalizados,
através de experiências que lhe permitam fazer observações e tirar conclusões,
desenvolvendo, assim, seu pensamento científico, fundamental para sua formação.
Também, é foco de nossa discussão as recomendações curriculares de matemática
para a escola básica e metodologia da resolução de problemas para o desenvolvimento do
pensamento estocástico. Ao se estabelecer uma questão de investigação, é preciso optar por
estratégias que levem a respondê-la. É necessário organizar, representar e analisar os dados
a partir do problema. Inseridos nesse processo de aprendizagem, os estudantes
provavelmente terão maiores possibilidades de desenvolvimento do pensamento crítico.
Não basta ao cidadão entender as porcentagens expostas em índices estatísticos
como o crescimento populacional, taxas de inflação, desemprego, ... é preciso
analisar/relacionar criticamente os dados apresentados, questionando/ponderando até
mesmo sua veracidade. Assim como não é suficiente ao aluno desenvolver a capacidade de
organizar e representar uma coleção de dados, faz-se necessário interpretar e comparar
esses dados para tirar conclusões. Tais considerações nos direcionam a um repensar do
currículo de matemática para a Escola Básica.
A Estatística e a Probabilidade no Currículo de Matemática
A formação básica em Estatística e Probabilidade torna-se indispensável ao cidadão
nos dias de hoje e em tempos futuros. Ao ensino da Matemática fica o compromisso de não
só ensinar o domínio dos números, mas também a organização de dados e leitura de
gráficos.
Sob esta visão, percebemos que se incluirmos a Estocástica apenas como um tópico
a mais a ser estudado, em uma ou outra série do Ensino Fundamental, enfatizando apenas a
parte da Estatística Descritiva, seus cálculos e fórmulas não levarão o estudante ao
desenvolvimento do pensamento estatístico e do pensamento probabilístico que envolve
desde uma estratégia de resolução de problemas, até uma análise de resultados obtidos.
Parece-nos essencial à formação de nossos alunos o desenvolvimento de atividades
estatísticas que partam sempre de uma problematização, pois assim como os conceitos
matemáticos, os estatísticos também devem estar inseridos em situações vinculadas ao
cotidiano deles.
No mundo das informações, no qual estamos inseridos, torna-se cada vez mais
“precoce” o acesso do cidadão a questões sociais e econômicas em que tabelas e gráficos
sintetizam levantamentos; índices são comparados e analisados para defender idéias. Dessa
forma, faz-se necessário que a escola proporcione ao estudante, desde o Ensino
Fundamental, a formação de conceitos que o auxiliem no exercício de sua cidadania.
Entendemos que cidadania também seja a capacidade de atuação reflexiva, ponderada e
crítica de um individuo em seu grupo social. Sendo assim, urge que a escola cumpra seu
papel de educar para a cidadania.
Para que a aprendizagem matemática possa contribuir para a efetivação desse fato,
é importante que alunos adquiram procedimentos matemáticos,confrontem-se com
problemas variados do mundo real e tenham possibilidades de escolherem suas próprias
estratégias para solucioná-los. Nessa perspectiva, os professores precisam incentivar a
socialização de diferenciados processos de pensamento, o ouvir críticas e o valorizar seus
próprios trabalhos e os de seus colegas. Nesse contexto, o trabalho com Estatística e
Probabilidade pode ser de grande contribuição tendo em vista sua natureza
problematizadora, viabilizando o enriquecimento do processo reflexivo.
A Matemática desempenha uma função modeladora na sociedade (Skovsmove,
1999), quando o currículo promove a mecanização de procedimentos matemáticos,
promovendo uma atitude servil em relação ao processo epistemológico dos estudantes. O
trabalho com a estocástica pode promover discussões e reflexões para a solução de uma
situação-problema que seja levantada pela classe ou instigada pelo professor. Essa prática
gera atitudes democráticas frente à aquisição de conhecimento.
Dessa forma, as temáticas podem ser explorados através do processo de
matematização, no qual os estudantes elaboram hipóteses, formulam argumentos, criticam
e desenvolvem modos diversificados de compreensão. Para que esse processo se efetive é
necessário que tanto alunos quanto professores estejam no domínio da situação de
aprendizagem.
Acreditamos que isso signifique uma atitude de respeito aos saberes que o
estudante traz à escola, que foram adquiridos por sua vida em sociedade. Em nosso modo
de entender, seria necessária a discussão de temas, como a poluição dos rios e mares, os
baixos níveis do bem-estar das populações, o abandono da saúde pública,... ; questões que
estão em jornais de todos os dias, em reportagens de televisão ou em manchetes de
revistas. Trabalhando a análise dessas questões que estão sempre envolvidas em índices,
tabelas, gráficos ..., podemos estar viabilizando a formação de cidadãos críticos, éticos e
reflexivos.
Contrariando essa perspectiva, nossas escolas têm reforçado a visão determinista,
levando os alunos a terem a impressão de que cada pergunta tem uma única resposta
simples e clara, desconsiderando um possível intermediário entre o verdadeiro e o falso,
discutindo uma única solução para um problema, esquecendo que, ao longo de suas vidas,
eles se depararão com problemas de caráter muito menos definido.
Desse modo, faz-se necessário desenvolver uma prática pedagógica na qual sejam
propostas situações em que os estudantes realizem atividades, observando e construindo os
eventos possíveis, através de experimentação concreta (Lopes, 1998). A aprendizagem da
estocástica só complementará a formação dos alunos se for significativa, se considerar
situações familiares a eles, situações que sejam contextualizadas, investigadas e analisadas.
Viabilizar essa aprendizagem requer uma visão curricular para a Matemática que
seja diferente da linear. A linearidade tem predominado nos currículos dessa disciplina,
sempre justificando que para ensinar um conteúdo é preciso antes trabalhar seu
antecedente. Segundo D’Ambrosio, esse é o mito da linearidade, a qual implica uma
prática educativa desinteressada e desinteressante, desinspirada, desnecessária, acrítica e,
na maioria das vezes, equivocada (D’Ambrosio, 1996).
O ensino da Probabilidade e da Estatística talvez possa auxiliar na ruptura dessa
prática linear, considerando que os conceitos a serem trabalhados podem ser extraídos de
problemáticas diversas, sem se prenderem a um determinado ano da escolaridade.
Perspectivas sobre o ensino e aprendizagem da Estocástica
Os processos de ensino e aprendizagem da Estocástica possibilitam uma abordagem
contextualizada dos números nas aulas de Matemática, o que motiva ou leva o aluno a
elaborar procedimentos significativos para interpretação de resultados pautados na
incerteza ou na aleatoriedade.
A natureza fundamental de muitos problemas estocásticos é que eles não têm uma
única solução Matemática. Por outro lado, problemas realísticos usualmente começam
com uma questão e culminam com uma apresentação de uma opinião apoiada por certas
descobertas e suposições. Julgamentos e inferências esperadas dos estudantes (predições
sobre uma população baseada em dados de amostras coletadas pelos estudantes em uma
pesquisa) muito freqüentemente não pode ser caracterizado como “certo” e “errado”, mas
avaliados em termos de qualidade de raciocínio, adequação de métodos empregados,
natureza de dados e evidências usadas (Gal e Garfield, 1999).
Essa visão requer um caráter discursivo do conhecimento, favorecendo a percepção
de uma aula centrada no exercício dialético, focalizando uma Matemática como forma de
ver o mundo e de pensar sobre ele, priorizando um processo de matematização. O ensino
passa a ser organizado através de atividades orientadas pela interação e reflexão, que
tornam a aula um espaço de constituição interativa de uma prática social.
Em estudos anteriores consideramos que a Estatística e Probabilidade poderiam ser
temas explorados através da matematização (Lopes, 1998). Ao discutirmos a aquisição do
conhecimento matemático na infância, as idéias de Skovsmove (1994) se fazem mais
presentes, pois essa opção pode auxiliar as crianças a desenvolverem modos de
compreensão. Concordamos com o autor ao considerar que matematizar significa formular,
sistematizar e fazer julgamentos sobre os caminhos de compreensão da realidade, e,
portanto esta atividade pode estar integrada ao processo de aprendizagem.
Consideramos que essa perspectiva dê aos alunos condições de produzirem
conclusões lógicas sobre o conhecimento matemático, utilizarem modelos, fatos
conhecidos, propriedades e relações que expliquem seus pensamentos, justificarem suas
respostas e seus processos de resolução, usarem regularidades e relações com o objetivo de
analisarem situações matemáticas, perceberem e acreditarem que a Matemática tenha um
significado, como conhecimento produzido pela necessidade humana.
A opção por esse processo de ensino e aprendizagem deveria iniciar-se nos
primeiros anos de escolaridade para que as crianças, desde suas primeiras descobertas,
possam apreciar a beleza do conhecimento matemático expressa na simplicidade de suas
conexões com as soluções de problemas cotidianos, tivessem a possibilidade de perceber
que compartilhar pode ser muito mais que subtrair ou dividir, que as interconexões são
constantes entre as áreas de conhecimento e que entendê-las pode contribuir para o
aprofundamento das relações solidárias entre os seres humanos.
A execução de projetos de trabalho que envolvem conceitos matemáticos e
exploram as idéias apresentadas pelos próprios alunos tendem a um processo dinâmico de
aprendizagem, promovendo o desenvolvimento da criatividade e das habilidades de
relações e deduções.
Quando proporcionamos ao estudante a oportunidade de experimentar a
matematização através da manipulação e experimentação de materiais, não estamos apenas
proporcionando atividades lúdicas, criando situações que favoreçam o desenvolvimento do
pensamento abstrato.
Nessa perspectiva, faz-se necessário pensar sobre algumas diretrizes para propostas
curriculares de Matemática que privilegiem uma ação docente centrada em auxiliar os
alunos no desenvolvimento do raciocínio matemático e na capacidade de resolução de
problemas, na formulação e comunicação de idéias matemáticas e no estabelecimento de
relações entre os distintos conceitos matemáticos e/ou de outras disciplinas.
As atividades de ensino devem possibilitar aos alunos a investigação pessoal sobre
problemas significativos para eles e relevantes do ponto de vista matemático, levando-os a
formular hipóteses e estabelecer conjecturas, que possam ser representadas de forma
diversificada. O currículo que o professor coloca em ação deve ser flexibilizado pelo
contexto e pelo desenvolvimento dos estudantes, considerando os conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais. As aulas devem desenvolver-se em clima solidário,
cooperativo e colaborativo, permitindo a socialização das diferentes formas de se pensar e
possibilitando a construção coletiva do conhecimento matemático.
Consideramos ser fundamental que o estudo da estocástica se desenvolva através da
resolução de situações-problema, nas quais as educadoras planejem o processo de estudo
de uma problemática qualquer. Elas deverão formular uma questão ou determinar um tema
de investigação, definir os instrumentos de coleta de dados, organizar e escolher a
representação mais adequada para comunicá-los. Posteriormente, realizarão a análise dos
dados já tratados, interpretarão as descobertas, discutindo as possíveis conclusões e
implicações.
A Combinatória, a Probabilidade e a Estatística inter-relacionam-se,
proporcionando uma filosofia do azar de grande alcance para a compreensão do mundo
atual e capacitam pessoas a enfrentarem tomada de decisões, quando somente dispõem de
dados afetados pela incerteza, situações comuns em nosso cotidiano.
A Combinatória requer uma abordagem centrada na resolução de problemas, com
origens diversificadas. Algumas propostas devem envolver a possibilidade de se obter a
solução diretamente pela contagem. Outras, devem possibilitar aos alunos identificação de
categorias nas quais a situação-problema pode-se classificar adequadamente.
Em relação à Probabilidade, não devemos somente percebê-la por meio de uma
definição Matemática, pois estaremos desprezando seu caráter estocástico, deixando de
considerar as percepções aleatórias trazidas pelo azar. Seu significado conceitual não pode
estar baseado simplesmente em definição Matemática, como habitualmente ocorre com
outros conceitos. A dificuldade dos alunos não tem estado centrada na definição de
probabilidade, mas sim, no modo como o conceito é interpretado e aplicado
apropriadamente, em situações específicas (Azcárate, 1996).
Concordamos com Batanero (1999), quando afirma que é preferível integrar as
atividades estocásticas à matemática escolar sempre que possível, aproveitando as
conexões com Aritmética, Geometria e situações do cotidiano dos alunos. Para isso, é
preciso superar o confuso papel da probabilidade e da estatística no currículo escolar, o
fraco vínculo entre a investigação e a instrução, a escassa preparação dos professores de
Matemática nesta temática e a pouca informação sobre o processo de aprendizagem e suas
chaves de desenvolvimento que, ainda hoje, estão sendo avaliadas (Garfield,1988).
O ensino da Estocástica deveria ocorrer desde os primeiros anos escolares, que esse
trabalho não só possível como necessário, tendo em vista que sua ausência permite às
pessoas enraizarem-se em intuições errôneas quanto ao pensamento estocástico (Fischbein,
1975). Para ele, as intuições são componentes da inteligência em ação, são aquisições
estruturadas, exercem a função de engrenar o conhecimento à ação e constituem-se
processos cognitivos autônomos, com funções únicas e importantes.
A necessidade de sintetizar dados está presente desde muito cedo, na vida das
crianças. Por exemplo, em pesquisas de opinião que possam desenvolver com alunos mais
velhos, de outros cursos. Nesse tipo de atividade, elas aprendem a superar as opiniões
individuais e a analisar resultados coletivos, sintetizando as predominâncias.
Elaboramos o esquema a seguir (Lopes, 2003), a fim de elucidarmos melhor essa
proposta. Ele foi baseado no processo apresentado por Hopkins & Gifford & Pepperell
(1996).
O PROCESSO DO TRATAMENTO DE DADOS
DEFINIÇÃO DA QUESTÃO OU
PROBLEMA
COLETA DOS DADOS
FAZENDO DEDUÇÕES
E/OU
TOMANDO DECISÕES
REPRESENTAÇÃO DOS
DADOS
INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Essa representação procura nortear os caminhos a serem percorridos durante o
tratamento dos dados. Primeiro, precisa-se definir a questão ou a temática - é necessário se
ter clareza do que se deseja pesquisar. Em seguida, obtém-se a busca pelo tipo de
instrumento de coleta mais adequado para se adquirir as informações sobre a problemática.
Depois, segue-se a forma mais adequada de se processar, representar e comunicar os
dados, podendo então passar à sua interpretação, que exigirá reflexão sobre quanto o
processo foi eficiente na resolução do problema, apresentando respostas relevantes. A
próxima etapa, trata do momento de exercício da criticidade, a partir das interpretações de
relações que podemos estabelecer entre a questão de investigação e os resultados que
permitem levar a deduções e/ou tomadas de decisão.
A Combinatória, a Probabilidade e a Estatística estão em nosso cotidiano, através
do azar, do aleatório e do acaso. Desempenham um papel importante na compreensão a
respeito da natureza, justificando a necessidade de possibilitar às pessoas o contato e o
confronto com essas idéias, desde o início da escolaridade, ao realizarem experiências
concretas e investigativas. A presença marcante da Estocástica em nossas vidas nos
influencia na forma de pensarmos e de agirmos, instrumentalizando-nos para sermos mais
cônscios da realidade social.
Ao considerar o trabalho com Estocástica inserido no currículo de Matemática,
consideramos ser necessário refletir um pouco sobre a interdisciplinaridade, já que as
raízes da Estatística e o desenvolvimento da Probabilidade estão intrinsecamente ligados as
outras ciências.
A Estocástica como uma possibilidade de uma prática interdisciplinar
Precisamos lembrar também que as raízes da Estatística estão centradas nas
diferentes áreas do conhecimento e essa percepção nos remete à interdisciplinaridade.
Adotar uma abordagem interdisciplinar requer uma revisão da prática docente,
pois não bastará ao professor o domínio do conteúdo de sua disciplina; será necessário
investigar os assuntos de outras áreas e integrar conceitos, procedimentos e metodologias,
uma vez que o trabalho interdisciplinar não deve se limitar à integração de conteúdos
programáticos das disciplinas.
Acentua-se o papel do professor como um incentivador do processo
ensinar/aprender, promovendo uma dinâmica que permita ao estudante a ação e
transformação da realidade, estimulando o desenvolvimento da criatividade e do
pensamento crítico. Para a eficácia do trabalho pedagógico interdisciplinar é preciso um
projeto educacional mais abrangente, centralizado no trabalho em equipe, pois os
professores das diferentes áreas precisam trabalhar em sintonia, criando situações de
aprendizagem que dêem ao aluno possibilidades de construir conceitos independente da
especificidade de cada disciplina.
O ensino da Estatística e da Probabilidade, através das experimentações,
observações, registros, coletas e análises de dados de modo interdisciplinar, pode
possibilitar aos estudantes o desenvolvimento do senso crítico. Porém, é muito importante
que o professor seja um instigador das problemáticas a serem analisadas, pois muitos
valores sociais entram em questão.
O ensino da probabilidade e da estatística através da resolução de problemas
A resolução de problemas, que é o princípio norteador da aprendizagem da
Matemática, pode possibilitar o desenvolvimento do trabalho com Estatística e
Probabilidade em sala de aula, pois da mesma forma que a Matemática, a Estatística
também desenvolveu-se através da resolução de problemas de ordem prática na História da
Humanidade.
Assim, é preciso entender que problema não é um exercício de aplicação de
conceitos recém trabalhados, mas o desenvolvimento de uma situação que envolve
interpretação e estabelecimento de uma estratégia para a resolução. Pozo (1998) considera
que trabalhar problema em Matemática significa colocar em ação certas capacidades de
inferência e de raciocínio geral.
Acreditamos que não faz sentido trabalharmos atividades envolvendo conceitos
estatísticos e probabilísticos que não estejam vinculados a uma problemática. Propor coleta
de dados desvinculada de uma situação-problema não levará à possibilidade de uma análise
real. Construir gráficos e tabelas desvinculados de um contexto ou relacionados a situações
muito distantes do aluno pode estimular a elaboração de um pensamento, mas não garante
o desenvolvimento de sua criticidade.
O trabalho crítico e reflexivo com a Estocástica requer atividades de ensino que
possam levar o estudante a repensar seu modo de ver a vida, o que contribuirá para a
formação de um cidadão mais liberto das armadilhas do consumo.
Considerações Finais
As questões discutidas nesse texto e nos estudos realizados anteriormente (Lopes,
1998, 1999, 2003) conduzem a considerações significativas sobre o ensino de estocástica
na escola básica.
A primeira refere-se a necessidade de alteração sobre a concepção de estatística e
probabilidade no currículo de formação inicial e continuada dos professores da escola
básica. A segunda denota a necessidade do diálogo entre os dados e os modelos
matemáticos, como características essenciais do ensino e da aprendizagem da Estatística.
Isso nos remete às considerações que já defendíamos anteriormente, quando
recomendamos que o trabalho com conhecimento estatístico, em sala de aula, deva ocorrer
através da resolução de problemas (Lopes, 1998).
Essa trajetória para a aquisição do conhecimento estatístico permite a elaboração de
conjecturas que viabilizam o desenvolvimento do pensamento estatístico. Concordamos
com Carvalho (2001), quando afirma que saber pensar estatisticamente permite que, em
seu quotidiano, cada sujeito consiga compreender os dois tipos de mensagens normalmente
presentes na variedade de informação a que tem acesso, não só as simples e as diretas, mas
também as que envolvem processos complexos de inferência. É com base nesse tipo de
pensamento que muitas decisões são tomadas. Dessa forma, consideramos que as
atividades de ensino devam percorrer todo o caminho do processo de tratamento da
informação.
O desenvolvimento do pensamento probabilístico e estatístico, sem dúvida, pode
efetivar as potencialidades formativas da disciplina de Matemática. O ensino da
Matemática tem como tradição a exatidão, o determinismo e o cálculo, opondo-se à
exploração de situações que envolvam aproximação, aleatoriedade e estimação, as quais
podem limitar a visão matemática que o aluno poderá desenvolver, dificultando suas
possibilidades de estabelecimento de estratégias para a resolução de problemas
diversificados que lhe surgirão ao longo de sua vida.
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