A Filosofia da Matemática na Formação de Professores

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Esta Secção constitui um espaço de publicação para trabalhos produzidos ao longo dos anos por docentes e
investigadores da instituição (e de fora dela), e que, por uma razão ou outra, nunca foram dados a conhecer. Com os
documentos que publicaremos muitos leitores de MILLENIUM, principalmente os mais jovens, terão a oportunidade
de entrar em contacto com preocupações e perspectivas metodológicas de pesquisa distintas que sempre constituem
factor de enriquecimento.
A Filosofia da Matemática na Formação de Professores[1]
CLÁUDIA CRISTINA C. VASCONCELOS *
" Será que a Educação do educador não se deve fazer mais pelo conhecimento
de si próprio do que pelo conhecimento da disciplina que ensina?"
(Laborit, 1992)
Quando se faz uma análise da organização dos Ensinos Secundário e Superior
verifica-se que a Filosofia e a Matemática são disciplinas que se situam em campos
diferentes entre as quais existem barreiras e não se estabelecem pontos de contacto - o
diálogo entre elas é praticamente inexistente. Esta organização reflecte-se,
inevitavelmente, na importância que é atribuída à Filosofia da Matemática, em termos do
processo que vai conduzir à formação dos professores.
Mas será que sempre foi assim? Será que, ao longo dos tempos, a Matemática
e a Filosofia sempre estiveram extremadas ou antes, pelo contrário, já viveram
momentos de perfeita harmonia e complementaridade?
Foi-me dito no Secundário, onde me deparei pela primeira vez com a disciplina,
que a Filosofia nasceu quando o Homem começou a ter pensamentos profundos que o
inquietavam. Então começou a raciocinar, a reflectir e a descobrir os problemas do
cosmos e da vida, assim como a procurar o sentido básico que estes poderiam ter.
Podemos assim dizer que, inicialmente, a Filosofia era a ciência das ciências, que
englobava as grandes áreas do saber.
Assim, fui observando que, ao longo da História, o pensamento científico e o
pensamento filosófico andaram frequentemente a par; e essa união é ainda mais sólida
no caso da Matemática do que em qualquer outra ciência. Basta reflectir sobre os
inúmeros exemplos de matemáticos-filósofos (ou vice-versa) - Descartes, Leibnitz ou
Poincaré.
Instala-se pois a certeza de que os problemas filosóficos são importantes. Eles
foram desenvolvidos ao longo dos séculos e penetram a nossa cultura sob a forma de
uma visão do mundo . Todos os campos científicos, e em particular o nosso, têm raízes
profundas em pressupostos filosóficos. Mas o interesse em discutir temas de índole
filosófica tem uma outra importância mais directa para o ensino e a aprendizagem da
Matemática.
Várias investigações têm apontado que a nossa filosofia pessoal e colectiva
acerca da Matemática e do seu ensino influenciam de forma decisiva a forma como
ensinamos e reflectem-se no modo como os nossos alunos aprendem Matemática. De
acordo com Ponte (1992), os professores de Matemática são os responsáveis pela
organização das experiências de aprendizagem dos alunos. Estão, pois, num lugar
chave para influenciar as suas concepções.
Segundo Hyde (1989), o que os professores fazem na sala de aula é função do
que pensam sobre a Matemática e como sentem a Matemática e o seu ensino. A
componente conhecimento está claramente presente, mas existe dentro de uma
estrutura mais lata de atitudes, crenças e sentimentos.
Assim, desde os anos 80, a Escola é encarada como um espaço de intervenção
e de mudança onde as concepções e práticas dos professores se desenvolvem e se
confrontam; onde a formação, a investigação e a mudança se equacionam e realizam.
Não obstante tudo isto, verifica-se que é muito difícil mudar uma rotina em que estão
mergulhados os professores há longos anos; é muito difícil mudar atitudes e estruturas
desde há muito existentes.
Convenço-me pois de que, se nada de importante ocorrer no seu processo de
formação, os professores terão tendência para ensinar como foram ensinados transformam-se, geralmente, em espontâneos veículos de uma atitude conservadora.
Assim, do meu ponto de vista, é urgente que na formação de professores, para
além da preocupação com o domínio de áreas do conhecimento mais ou menos
especializadas, se dê também prioridade ao desenvolvimento de atitudes que permitam
ao professor não só "aceitar" a mudança e a inovação, mas ser ele próprio agente de
mudança, através de práticas de reflexão , partilha e cooperação .
É, pois, no contexto do desenvolvimento de atitudes e práticas reflexivas , e
entendendo a formação de professores como um processo dialéctico entre a
experimentação e a reflexão do que se faz (e não apenas como uma mera transmissão
de conhecimentos ou técnicas), que eu percebo a necessidade e o porquê da existência
da Filosofia da Matemática. Mais ainda, ela torna-se fundamental para os professores
(ou futuros professores) como facilitadora da construção da sua identidade própria
"enraízando-os" num grupo com história e personalizado - a Comunidade Matemática.
Que Filosofia da Matemática?
Independentemente de ser para professores ou para alunos, a Filosofia da
Matemática deve ser um espaço de ampla reflexão sobre questões relativas às Ciências
Matemáticas. Porém, não entendo um programa de Filosofia da Matemática
"acorrentado" a conteúdos rígidos, mas antes como um conjunto de tópicos orientadores
que servirão de fio condutor, de entre os quais passo a referir alguns dos que me
parecem mais importantes:
(1) as correntes filosóficas da Matemática - perspectiva histórica
(2) a cultura Matemática
(3) fundamentos da Matemática
(4) a natureza da Matemática e a forma como esta ciência é apresentada
(5) o papel da Matemática na sociedade actual
(6) o papel da Matemática num futuro próximo
Ao nível da formação contínua, a Filosofia da Matemática pode ainda ser uma
área onde sejam discutidos programas, quer no que refere às concepções
paradigmáticas estruturantes, quer no que respeita aos conteúdos proporcionados,
atendendo ao facto de que entre os professores existe uma razoável diversidade de
centros de interesse/necessidades.
Como inserir a Filosofia da Matemática nas actividades de formação?
Se, em termos de alunos, a reflexão sobre os tópicos que referi é importante,
para os professores já a exercer a sua actividade, ela é essencial e constitui, na maioria
dos casos, uma lacuna na sua formação.
Assim, importa que, ao nível da formação inicial, se reorganizem os currículos
por forma a que a Filosofia da Matemática ocupe aí o lugar que lhe cabe e não fique
dependente da boa vontade de alguns, que lhe vão dando alguma voz através das
Metodologias e da História da Matemática (como acontece concretamente na ESE onde
trabalho).
Essa disciplina deverá contribuir para criar nos futuros professores hábitos de
reflexão e capacidades de problematização crítica sobretudo em relação à sua própria
actuação e forma de estar no mundo. Esses hábitos e capacidades são "potenciais
ferramentas" para o sucesso que se pretende nas práticas pedagógicas. Isto porque
estou convencida de que não somos nós que formamos os nossos alunos para que
venham a ser bons professores. São eles que se formam com os instrumentos que
pomos ao seu alcance, entre eles as estratégias para a reflexão e acção.
No que refere à formação contínua, entendo que esta não deve ser totalmente
díspar da formação inicial que o professor recebeu. As duas devem formar um todo
coerente e sem qualquer descontinuidade.
No entanto, o professor em exercício tem agora a vantagem de poder reflectir
sobre uma prática concreta (Ponte, 1992). A prática sugere questões para estudar e
permite experimentar novas abordagens, novos objectivos e novas ideias.
"Aprende-se fazendo..." e analisando a própria prática.
Ao filosofar, no sentido de reflectir sobre a sua prática , o professor vai identificar
os aspectos que necessita modificar. Mas é importante que ao longo deste processo o
professor tenha espaço para "pensar alto".
Assim, neste contexto, é muito importante que o professor possa reflectir em
conjunto e realizar a troca e aprofundamento das suas ideias, experiências e trabalhos
realizados, daí a necessidade de existir uma verdadeira dinâmica de grupo quer na
escola quer no grupo de formação onde está integrado.
Por tudo o que referi, devemos ter em mente que através das actividades de
formação pretende-se "obter" professores que não se limitem a imitar os formadores,
mas que se comprometam (e reflictam) na educação dos indivíduos numa nova
sociedade; professores que não sejam apenas técnicos mas também criadores.
Para concluir, e reflectindo na minha própria formação, apetece-me "pensar alto"
e dizer:
Pensar em mudar os outros é presunçoso; trabalhar para a mudança em mim
próprio serve como exemplo para os outros. Trabalhar para me mudar a mim próprio é
essencial se eu pretender ajudar os outros a mudar também.
Para agir de maneira diferente tenho que ter disponível uma forma de actuação
distinta, talvez obtida a partir da observação de outras pessoas, ou possivelmente a partir
da leitura ou da discussão com outros colegas.
" Só quando eu tive consciência de mim próprio, é que eu efectivamente
despertei e me tornei verdadeiramente livre".
(Mason, 1985)
REFERÊNCIAS
Boavida, A. M. (1993). Resolução de problemas em Educação Matemática:
Contributo para uma análise epistemológica e educativa das representações pessoais
dos professores (Tese de Mestrado na Univ. Nova de Lisboa). Lisboa: APM.
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(Ed.). A natureza da Matemática . Lisboa: APM.
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Guimarães, H. M. (1989). Ensinar Matemática: Concepções e Práticas (Tese de
Mestrado). Lisboa : DEFCUL.
Hyde, A. (1989). Staff development: Directions and realities. In New directions
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Laborit, H. (1992). L'esprit du grenier . Paris: Grasset.
Mason, J. (1985). Only Awareness is Educable. Mathematics Teaching, 120.
Setembro.
Nóvoa, A. et al. (1991). Concepções e práticas de formação contínua de
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Aveiro: Universidade de Aveiro.
Ponte, J. P. (1992). Concepções dos professores de Matemática e processos
de formação. In M. Brown, D. Fernandes, J. F. Matos e J. P. Ponte, Educação Matemática
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Struik, D. J. (1992). História concisa das matemáticas . Lisboa: Gradiva.
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research. In D. Grouws (Ed.), Handbook of research on mathematics learning and
teaching (127-146). New York: Macmillan.
[1] Disponível em:< http://www.ipv.pt/millenium/arq9_1.htm>. Acesso em 24 abr. 2011.
Arquivo da conta:
Margarida.Sandeski
Outros arquivos desta pasta:
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A DISCIPLINA DE FILOSOFIA DA MATEMÁTICA EM UM CURSO DE.pdf (79
KB)
 A Natureza do Conhecimento Matemático sob a Perspectiva de Wittgenstein_ algumas
implicações educacionais.pdf (245 KB)
 A Filosofia da Matemática na Formação de Professores.doc (36 KB)
 A Presença da História em Livros Didáticos de Geometrias Não Euclidianas_uma
Reflexão Histórico-Filosófica.pdf (234 KB)
 Conceitualismo Maatemático e intuicionistas.doc (40 KB)
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