Tratamento cirúrgico das fraturas de face em pacientes pediátricos ARTIGO ORIGINAL Tratamento cirúrgico das fraturas de face em pacientes pediátricos: características clínicas em um centro de trauma terciário Surgical treatment of facial fractures in children: clinical characteristics of a tertiary trauma unit Bruno Spini Heitor1, Dov Charles Goldenberg2, Endrigo Bastos3, Alexandre Fonseca4, Eduardo Kanashiro5, Daniel F. R. Branco1, Carlos Diógenes Pinheiro Neto6, Nivaldo Alonso7 RESUMO Objetivo: Avaliar características clínicas e epidemiológicas de fraturas de face, na faixa etária pediátrica, nos casos que necessitaram de tratamento cirúrgico em um centro de referência terciária. Método: Quarenta e três pacientes com idades entre 0 a 17 anos foram submetidos a tratamento cirúrgico de fraturas de face. Mecanismo de trauma, idade, sexo, ossos acometidos, índice fraturas/paciente, intervalo de tempo trauma-tratamento cirúrgico, lesões associadas, métodos de osteossíntese e complicações tardias foram avaliados. Resultados: A idade média foi de 12,4 anos, sendo 34 (79%) do sexo masculino. Traumas decorrentes de colisão de veículos foram os mais frequentes (41,8%). Lesões associadas foram diagnosticadas em 17 (40%) pacientes. O osso da face mais acometido foi a mandíbula (26 pacientes). Fratura naso-etmoido-orbitária ocorreu em 7 casos, fratura da órbita em 19, fratura de ossos nasais ocorreu em 5 crianças e o osso frontal foi acometido em 5 casos, totalizando um índice fraturas/paciente de 3,6. O intervalo de tempo entre o trauma e o tratamento cirúrgico foi, em média, de 7,2 dias. O tratamento incluiu bloqueio intermaxilar em 8 pacientes, osteossíntese exclusiva com fios de aço em 11 pacientes, osteossíntese com parafusos em 3 pacientes, sistemas de mini-placa absorvíveis em 3 pacientes, mini-placas de titânio em 29 pacientes. Utilização de enxerto ósseo ou cartilaginoso foi necessária em 11 pacientes. Houve 5 complicações tardias, sendo 3 exposições de material de síntese, 1 caso de osteomielite e 1 caso de infecção de partes moles. Conclusões: O tratamento cirúrgico das fraturas de face ocorre em uma frequência considerável quando tratamos de pacientes com traumas de maior complexidade em um centro de referência terciária. SUMMARY Objective: The purpose of this study is to evaluate clinical and epidemiological characteristics of facial fractures in children, in cases that the surgical treatment was done in a tertiary trauma unit. Method: Fourty-three patients with facial fractures (age from 0 to 17 years old) were treated surgically. Trauma mechanisms, age, gender, evolved bones, fractures/ patient index, trauma-surgical treatment interval, associated lesions, osteosyntesis methods and late complications were evaluated. Results: Mean age was 12.4 years (2 to 17 years). Thirty four (79%) patients were males. Trauma caused by vehicle accidents were the most commom (41.8%). Associated lesions were diagnosed in 17 (40%) patients. Mandibule was the most frequent bone fractured (26 patients). Naso-orbitethmoidal fractures occurred in 7 cases, orbit fracture in 19, nasal bones fracture in 5 children and the frontal bone was evolved in 5 cases. Time interval between the trauma and surgical treatment was 7.2 days. The treatment was intermaxillar blockade (8 patients), osteosyntesis with only steel wire (11 patients), osteosyntesis with screw (3 patients), absorble miniplates (3 patients), titanium mini-plates (29 patients). Bone or cartilaginous grafts were necessary in 11 cases. In five patients were observed late complications: synthesis material exposure (3 patients), osteomielitis in 1 children and soft tissue infection in another case. Conclusions: The surgical treatment ofi facial fracture is often indicated when there are patients with complex fractures in a tertiary trauma unit. Descriptors: Facial bones. Child. Fracture fixation. Descritores: Ossos da face. Criança. Fixação de fratura. 1. Cirurgião Plástico, Membro Especialista da SBCP. Especialização em Cirurgia Craniomaxilofacial no HC-FMUSP. 2. Médico assistente doutor da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP. Chefe do Serviço de Pronto-Socorro em Cirurgia Craniomaxilofacial do HC-FMUSP. 3. Médico assistente da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP. 4. Cirurgião Plástico, Médico pesquisador da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP. 5.Cirurgião Plástico, Residência no HC-FMUSP. 6. Médico Otorrinolaringologista do HC-FMUSP. 7.Professor livre-docente, Chefe do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP. Correspondência: Bruno Spini Heitor Rua Artur Bernardes, 555, 1o andar - Complexo Hospitalar Santa Genoveva –Uberlândia, MG, Brasil. CEP 38408-368 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2009; 12(2): 47-9 47 Heitor BS et al. A gravidade do trauma foi avaliada pela coexistência de lesões associadas e necessidade de cuidados intensivos. Lesões associadas às fraturas de face foram diagnosticadas em 17 (40%) pacientes, sendo observado traumatismo cranioencefálico de grau moderado e grave (76%), e lesões significativas em membros superiores e membros inferiores (29%), tronco (35%), pescoço e partes moles da face (47%) que necessitaram de alguma intervenção cirúrgica para reparação (Tabela 1). Onze paciente necessitaram de internação em UTI e intubação traqueal por período superior a 7 dias. O acometimento do esqueleto é descrito na Tabela 2. A mandíbula foi acometida em 26 pacientes, maxila, em 18, zigoma, em 15, osso nasal e osso frontal, em 5. Fraturas naso-etmoido-orbitárias ocorreram em 7 casos e fraturas da órbita, em 19. O índice fraturas/paciente foi de 3,6. No grupo A, este índice foi de 2,8 e no grupo B, 4,1. O intervalo de tempo entre o trauma e o tratamento cirúrgico foi em média de 7,2 dias (1 a 35 dias). Os métodos de fixação incluíram bloqueio intermaxilar em 8 pacientes, osteossíntese exclusiva com fios de aço em 11, osteossíntese com parafusos em 3, sistemas de mini-placa absorvíveis em 3 e mini-placas de titânio em 29 casos. Utilização de enxerto ósseo ou cartilaginoso foi necessária em 11 pacientes. Em relação às complicações tardias, foi diagnosticada exposição de material de síntese em 3 pacientes, osteomielite e infecção de partes moles em apenas 1 (Tabela 3). INTRODUÇÃO Fraturas da face em pacientes pediátricos são relativamente menos frequentes1-4. Isto se deve não só por suas peculiaridades anatômicas e fisiológicas, mas também pelo fato deste grupo estar menos exposto a traumas de grande impacto. A predominância do segmento craniano sobre a face (relação de 8:1 ao nascimento) oferece relativa proteção. A maior plasticidade do esqueleto, o não desenvolvimento dos seios paranasais e a existência de dentes não erupcionados também contribuem neste sentido1,2,5-8. Freqüentemente, fraturas da face em pacientes pediátricos são conduzidas de forma conservadora, quer pela menor gravidade do trauma, quer em decorrência de condições especiais da dentição, como a presença dos núcleos de crescimentos ativos e maior capacidade de regeneração e remodelação óssea. Entretanto, em um centro de trauma de referência terciária, casos de maior gravidade são rotineiros, incrementando a incidência de fraturas de maior complexidade, onde a indicação cirúrgica pode ser mais prevalente2-5. O objetivo do presente estudo foi avaliar o padrão da fraturas de face em pacientes pediátricos submetidos a tratamento cirúrgico. MÉTODO No período de janeiro de 2001 a dezembro de 2007, foram analisados, retrospectivamente, os prontuários dos pacientes atendidos em nosso serviço com diagnóstico de fratura de face e idade variando de 0 a 17 anos. Foram incluídos no estudo somente os pacientes tratados cirurgicamente. Tomografia computadorizada de face com reconstrução tridimensional foi realizada em todos os casos antes e após a cirurgia2,8. Para a análise estatística foram avaliados os seguintes dados: idade, sexo, mecanismo de trauma, ossos acometidos, intervalo de tempo entre o trauma e o tratamento cirúrgico, lesões associadas, métodos de osteossíntese e complicações tardias. Foi calculado ainda o índice fraturas/paciente que se refere ao número de ossos fraturados divididos pelo número de pacientes. Para fins comparativos, os pacientes foram divididos em 2 grupos: grupo A, constituído de pacientes com idade entre 0 e 12 anos, e grupo B, entre 13 e 17 anos. Tabela 1 - Lesões associadas. Lesão N Traumatismo Cranioencefálico 13 Face 8 Extremidade 5 Tórax 3 Abdome 3 Tabela 2 - Ossos acometidos. RESULTADOS No período de estudo, 43 pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico de fratura de face na faixa etária pediátrica (0-17 anos). A média de idade foi de 12,4 anos (2 a 17 anos), sendo 18 (41,86%) pacientes pertencentes ao grupo A e 25 (58,14%) do grupo B. Em relação ao sexo, 34 (79%) pacientes eram do sexo masculino (14 grupo A e 20 grupo B) e 9 (21%) do sexo feminino, sendo 4 do grupo A e 5 do grupo B. Em relação ao mecanismo do trauma, os decorrentes de colisão de veículos (automóveis, motos e bicicletas) foram os mais frequentes, perfazendo 18 pacientes, seguidos por quedas (11), agressões físicas (7), atropelamentos (5) e ferimentos por arma de fogo (2). Osso N Mandíbula 26 Maxila 18 Zigoma 15 Nasal 5 Frontal 5 Naso-etmóido-orbitário 7 Órbita 19 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2009; 12(2): 47-9 48 Tratamento cirúrgico das fraturas de face em pacientes pediátricos de otorrinolaringologia e não para o grupo de cirurgia crâniomaxilo-facial. Em relação ao modo de fixação das fraturas, considerando-se o potencial de crescimento desses ossos, foram utilizados fixadores semi-rígidos (fio de aço e leg screw), placas absorvíveis, quando disponíveis para uso, e bloqueios maxilomandibulares, quando as características da fratura permitiam. Placas de titânio foram empregadas com frequência, demonstrando a complexidade maior das fraturas dos ossos da face. Foram observadas poucas complicações que foram resolvidas sem maiores intercorrências1,2. Apesar do tratamento conservador das fraturas dos ossos da face ser a primeira opção na faixa etária pediátrica1,2, a opção por tratamento cirúrgico pode ser necessária, principalmente em pacientes vítimas de agressão de alto impacto. Tabela 3 - Complicações. Complicação N Exposição de material de síntese 3 Osteomielite 1 Infecção partes moles 1 DISCUSSÃO Apesar da conduta conservadora ser mais aplicada em pacientes de faixa etária pediátrica na população geral, o tratamento cirúrgico ocorre em uma frequência mais elevada quando tratamos de pacientes com traumas de maior complexidade em um centro de referência terciária1,2,4,6. De acordo com estudos de Ferreira et al. 1, da cidade do Porto, Portugal, cerca de 78,7% dos pacientes vítimas de trauma foram submetidos a tratamento cirúrgico apesar do tratamento conservador também ser a primeira opção. Lesões associadas estavam presentes em 64,5% dos casos. Nossa casuística também apresentou alto índice de traumas associados (40%)1,2,4,6. Somando-se ao nível elevado fratura/paciente, intervalo de tempo entre agressão e tratamento e a porcentagem de pacientes que necessitaram de CTI, conclui-se que são pacientes vítimas de mecanismo de trauma de alto impacto1,2,4,6. As características dos pacientes operados foram semelhantes às encontradas na literatura, com predomínio do sexo masculino2,3,6,7, aumento da incidência de fratura em adolescentes comparados aos com menor faixa etária3,6,9. A mandíbula foi o segmento mais fraturado e acidentes automobilísticos, o mecanismo mais comum de agressão1,2. Um baixo índice de fratura nasal foi justificado pelo fato desses pacientes serem encaminhados para o departamento REFERÊNCIAS 1.Ferreira PC, Amarante JM, Silva PN, Rodrigues JM, Choupina MP, Silva AC, et al. Retrospective study of 1251 maxillofacial fractures in children and adolescents. Plast Reconstr Surg. 2005;115(6):1500-8. 2.Holland AJ, Broome C, Steinberg A, Cass DT. Facial fractures in children. 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Trabalho realizado pelo Grupo de Cirurgia Craniomaxilofacial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo, SP, Brasil. Trabalho apresentado na categoria de Pôster no X Congresso Brasileiro de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial, realizado no período de 12 a 14 de junho de 2008, em São Paulo, SP. Artigo recebido: 17/2/2009 Artigo aceito: 30/3/2009 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2009; 12(2): 47-9 49