O TEATRO DOS PÁSSAROS COMO UMA FORMA DE ESPETÁCULO PÓS-MODERNO Olinda CHARONE1 Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. Atriz e professora da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA). E-mail: [email protected] Quando ouço falar em formas de espetáculo, não posso deixar de lembrar que palavras como espetáculo ou teatro são palavras que precisam ser pensadas não no plural, mas como palavras plurais. O Pássaro Junino ou Pássaro Melodrama Fantasia tem uma forma espetacular muito peculiar em sua construção. Não dramaturgicamente, mas no seu formato de encenação e, como objeto de pesquisa, suscita as seguintes questões: como se dá essa encenação? Como é essa forma? Antes de responder às indagações vamos ver o que é este Teatro dos Pássaros. No final do século XIX, estrutura-se uma importante manifestação cultural no Estado do Pará, particularmente, na capital de Belém. É uma forma de teatro popular, conhecido com o nome de Cordão de Pássaro e Pássaro Junino ou joanino e denominado, por muitos, de “ópera cabocla”, devido ao grande número de músicas e danças que integram a sua estrutura dramática. Expressão artística, tipicamente popular, da qual todos os seus participantes: compositores, diretores, atores, dançarinos e dramaturgos são oriundos e, em geral, moradores na periferia da cidade. Os espetáculos denominados de cordão de pássaros e pássaro junino realizam-se durante as festividades do mês de junho, quando são festejados os populares santos: Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal. Vejamos a diferença entre cordões de pássaros e pássaros juninos. Os cordões de pássaros têm como uma das características a permanência em cena da maioria dos brincantes, colocados em semicírculo e, no centro, se desenvolvem todas as cenas. Os brincantes, na hora de suas cenas, dirigem-se ao centro do palco, voltando, em seguida, para suas posições de origem, e podem ser apresentados em qualquer espaço. Enquanto que o pássaro junino ou pássaro melodrama fantasia – esta denominação, hoje, mais utilizada pelos grupos – requer espaço mais apropriado, com palco, camarim e cortina. Os brincantes, durante as apresentações, fazem várias trocas de roupas. As cortinas são utilizadas para a finalização de cenas e quadros. Assim, se temos uma cena da maloca e, a seguir, o bailado, o ato de abrir e fechar a cortina faz a separação imaginária dos ambientes, muitas vezes, acompanhado do comentário de um REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 narrador. É importante frisar que não há cenários. O espetáculo estrutura-se a partir de quadros. Analisarei esta forma de espetáculo – verdadeiro Teatro de revoadas – tendo como referência analítica, o quadro das características do pós-modernismo artístico, apresentado pela professora Eliana Rodrigues (SILVA, 2005), além das conceituações de Michel Maffesoli sobre a pós-modernidade (MAFFESOLI, 1995). QUADRO DAS CARACTERÍSTICAS DO PÓS-MODERNISMO ARTÍSTICO Multiplicidade de significados Multiplicidade de discursos e de temáticas Multiplicidade de processos Multiplicidade de produtos Invenção como reestruturação Referência ao passado Presença da ironia Presença da paródia Não negação de correntes anteriores Mudanças na configuração do tempo e do espaço Velocidade de criação e informação Presença da tecnologia Descontinuidade, fragmentação e multiplicação da imagem Interdisciplinaridade entre as artes e além das artes Dispersão e superficialidade Produto artístico em forma aberta e disjuntiva Rejeição da narrativa única Abolição entre as fronteiras da arte e da vida Abolição entre as fronteiras da cultura erudita e da cultura popular Nova estrutura de pensamento, sentimento e comportamento artístico e social. Liberdade de criação De acordo com este quadro e acreditando que o Teatro dos Pássaros possa ser lido como possuidor de algumas dessas características, destacarei apenas sete, para aqui esboçá-las como características e fenômeno de reflexão sobre o Pássaro, cuja forma reflete as condições do pós-modernismo. Quando a luz do teatro se apaga, começamos a mergulhar na história que este teatro quer apresentar. Então, entramos na primeira característica a ser destacada que é a MULTIPLICIDADE DE DISCURSOS E DE TEMÁTICAS. No teatro dos pássaros, todo ano, o tema é renovado, cada grupo chama um dramaturgo para escrever a REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 história ou é encenado algum texto já escrito, com as adaptações para o momento atual ou é escrito pelo proprietário do pássaro2, o qual é, também, a pessoa que desencadeia todo o processo de construção do espetáculo. O Pássaro Melodrama Fantasia, além do tema central da ave, agrega outros aspectos envolvendo os dramas e sofrimentos de uma família de nobres e fazendeiros. A trama envolve suicídio, morte, vingança, traição e incestos. Nos Pássaros Melodramas Fantasias, diferente dos cordões, o pássaro – personagem/título da história – raramente é ferido ou morto, mas é perseguido, passando, muitas vezes, a fazer parte da estruturação dos temas secundários. Atualmente, tanto a quantidade de grupos de pássaros em atividade, como o número de dramaturgos vem diminuindo, gradativamente, pela falta de uma política cultural que incentive esta manifestação. No entanto, o que se vê, quando os grupos apresentam peças escritas, do passado, por antigos autores, é que eles procuram sempre atualizar os textos, no processo de montagem. Novas cenas são introduzidas fazendo referência a fatos que estão acontecendo na cidade, como por exemplo: eleições, copa do mundo, meio ambiente e outros. Segundo Refkalefsky, “essa atualidade demonstra uma permanente renovação que se estabelece através da permuta e da influência entre o contexto social e a atividade dos dramaturgos e proprietários de pássaros” (REFKALEFSKY, 2001, p. 44). Percorrendo a encenação, chegamos à segunda característica, INVENÇÃO COMO REESTRUTURAÇÃO. Para exemplificar esta característica, lanço mão de um cordão de bicho, o Bacu. O cordão do Bacu é um dos poucos em Belém a se referir a um peixe, o Bacu e, segundo Tavares e Figueiredo, Bacu é um nome genérico de várias espécies existentes nos rios da Amazônia. O Bacu é um cordão basicamente formado por crianças, todas moradoras do bairro de Icoaracy. O cordão surgiu da necessidade que Paulo da Silva (fundador do grupo) sentiu em ocupar essas crianças com atividades lúdicas e educativas. Paulo fala sobre a sua criação Aqui é uma comunidade de pescador. E quando eu era novo, mais jovem, eu gostava de brincar de quadrilha. Eu sempre achei a quadra junina uma data bonita pra brincar. Então, eu me mudei pra cá, então aqui não tinha nada pra animar as crianças. A gente via, passava ano. E nada acontecia. E eu via muitas crianças se perder. O pessoal ficava falando sobre briga e os meninos ficavam com aquela atenção. Aí, quando foi um dia, eu tava conversando com meus familiares e eu pensei, poxa eu gostei tanto de brincar a quadra junina, a gente podia fazer alguma coisa aqui pra ocupar esses meninos, nem que seja dois mês. Aí eu fiquei analisando. O que é que a gente vai fazer? Vai fazer um boi? Um boi é difícil. Vai fazer um pássaro? Também não dá. E aqui é uma REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 colônia de pescadores. O que é que ficava bom pra gente fazer aqui? Um peixe. Ma qual peixe? O peixe que a gente pode fazer é o Bacu, que tem em abundância aqui. Existe muito Bacu. Umbora fazer o Bacu pra gente brincar. Aí o pessoal disse assim pra mim, mas num vai dar certo. Vão botar um peixe na quadra junina? Como é que o pessoal...vão aceitar um peixe. Tem pássaro, tem boi, tudo bonito, como é que o pessoal vão aceitar um peixe. Rapaz, por que aqui a gente tem que botar um peixe? Aqui é pescador. Aí eu fui. Aí conversando com a minha esposa. Aí sobrou uma fantasia do carnaval, que nós se metemos no carnaval, preparamos a fantasia. Saiu no carnaval..., teve um negócio dum boto, teve boto no carnaval, aí nos pegamos aquele boto, botamos na cabeça das menina, aí eu comecei aqui na ponte, criar (Paulo apud FIGUEIREDO; PIANI, 2006, p. 121). Percebo que houve uma invenção de um novo cordão de bicho, de acordo com a necessidade dos moradores do lugar, foi aceita e passou a fazer parte da programação da quadra junina. Ainda, segundo Figueiredo e Tavares, o diferencial, desse cordão de bicho, é que não há melodrama/comédia, mas um conjunto de músicas e coreografias apresentadas ao público, em forma de roda e meia lua (Paulo apud FIGUEIREDO; PIANI, 2006, p. 121). Paulo reestruturou a manifestação popular. A introdução do quadro do balé no Teatro dos Pássaros também pode servir de exemplo para esta característica do pós-modernismo. A inserção do balé foi iniciativa dos jovens que não queriam fazer parte da encenação do texto, como já foi falado anteriormente. Hoje, se vê o balé fazendo parte de todos os grupos, ficou integrado ao espetáculo. É um dos quadros mais importantes da encenação. Sempre, no momento de maior tensão do espetáculo, há uma interrupção para a entrada do quadro dos matutos. É neste quadro que se apresenta a terceira característica do Pós-Modernismo, a PRESENÇA DA IRONIA. Ela representa o lado cômico do espetáculo e tem por objetivo provocar na platéia um tipo de catarse, riso e gozo provocado pela irreverência, pela malícia e pela obscenidade. Tamanho acúmulo de sofrimentos próprios da nobreza tornar-se-ia insuportável para o público, não fosse a atuação orgiástica da matutagem (coletivo que designa o conjunto de matutos). Suas intervenções se dão nos momentos em que a tensão atinge patamares intoleráveis. Segundo Moura, “no plano psicológico o matuto paraense caracteriza-se pela esperteza, astúcia, agilidade de raciocínio, profundo senso de ironia e do ridículo, pela capacidade de zombar dos outros e de si mesmo” (MOURA, 1997, p. 223). O assunto mais constante na matutagem é em relação ao sexo. O sexo constitui a divertida preocupação dos matutos e os empolga bastante, falam da perda da virgindade, dos efeitos da menopausa sobre o desejo da mulher, da REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 mulher madura em busca de homem, da impotência masculina, do adultério, da anatomia do pênis, da vagina e assim por diante. São comumente usadas as palavras macaxeira, barata, cobra, como metáforas, para o confronto sexual e, com isso, se cria e se ressaltam os efeitos humorísticos. Dois exemplos de cantos que exprimem bem essa metáfora. 1. Eu vi!...Eu vi!... Uma barata atrevida Pegou uma Cobra e uma Minhoca E deixou as duas amolecidas Foi!...Foi!...Foi!... Uma admiração Uma Barata dá conta De uma Cobra e um Minhocão. 2. Esta tua macaxeira Uma vez eu já provei Mas é que tava tão mole Que eu comi e não gostei. Muitas vezes, essas cenas da matutagem estão isoladas do contexto do drama e não se ligam a nada do que veio antes e do que vem depois. O matuto pode até participar dos outros quadros, mas não existe uma explicação para ele estar lá, a não ser para proporcionar um momento de alívio, de respiração para o público oprimido pelas cenas de grandes tragédias. E é Moura que novamente afirma, “os autores não hesitam em recorrer a ditos picantes, brejeiros, à farsa, à paródia, até mesmo ao grotesco” (MOURA, 1997, p. 231). Com o texto citado acima, se identifica outra característica: A PRESENÇA DA PARÓDIA, também encontrada no quadro da matutagem. Esta é a quarta característica apresentada neste trabalho. Neste quadro dos Matutos, a PRESENÇA DA IRONIA é uma característica, que os atores realizam de maneira bem sucedida, que é o falar popular. Os brincantes imitam o falar do caboclo paraense, de maneira bem jocosa, e as transmitem com uma agilidade e inventividade impressionante. Um dos aspectos mais particulares desse falar é a troca de fonemas. Por exemplo, a letra O realiza-se foneticamente como U. Assim, se temos a palavra sonho, dita por eles, fica sunho; O L é substituído por R e aí, a palavra culpada fica curpada. Alguns casos o E é trocado por A; o então fica antão. Brincam com a inversão de todas as posições de letras ou de sílabas dentro do vocábulo. Existe uma musicalidade, uns ritmos desse falar popular, que se torna quase incompreensível aos ouvidos daqueles que não estão habituados a ouvir esta “nova” língua. É um dialeto do caboclo paraense. REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 A quinta característica a ser abordada é a REJEIÇÃO DA NARRATICA ÚNICA. Esta característica já foi, de certa maneira, tratada quando me refiro à Multiplicidade de Discursos e de Temas. No Pássaro Melodrama Fantasia é necessário falar um pouco da estrutura do melodrama, visto que o Teatro dos Pássaros se utiliza desta estrutura. O tema da perseguição é o pivô de toda intriga melodramática. O melodrama, segundo Thomasseau, “é um gênero teatral que privilegia primeiramente a emoção e a sensação. Sua principal preocupação é fazer variarem estas emoções com a alternância e o contraste de cenas calmas ou movimentadas, alegres ou patéticas” (THOMASSEAU, 2005, p. 139). No teatro dos pássaros não existe um fio condutor e sim várias narrativas que compõem um todo, no qual estão presentes os personagens da nobreza, com temas variados, como o amor, a infidelidade, a traição e, no decorrer das histórias, existe sempre uma mocinha, geralmente filha de um dos nobres, que deseja ardentemente o pássaro como seu animal de estimação. Neste momento, entra o caçador que, na maioria das vezes, é apaixonado pela mocinha e não hesita um só segundo, para trazer o pássaro para sua amada. Para proteger o pássaro, entram em cena outros personagens, com poderes mágicos, como a fada, a maloca (índios) e a cena da macumba, para impedir a perseguição do caçador. O balé e os matutos entram com outros temas, para aliviar as tensões do melodrama. E o espetáculo segue por idas e vindas de histórias que percorrem toda a sua forma dramática, na qual a principal ênfase são as variações das emoções e sensações, características melodramáticas. Com relação à sexta característica, ABOLIÇÃO ENTRE AS FRONTEIRAS DA CULTURA ERUDITA E DA CULTURA POPULAR, exemplifico com a música deste gênero de teatro, ou melhor, desta forma de teatro que engloba diversos gêneros. O Teatro dos Pássaros, enquanto forma de espetáculo, é um teatro popular musicado e assemelha-se a gêneros franceses, como a opereta, o teatro de revista e o vaudeville. O ritmo transita entre valsa, baião, bolero, canção, mambo, marcha carnavalesca, quadrilha, rumba, samba, carimbó e outros tantos, os mais variados. Como abertura do espetáculo, uma música composta pelo próprio grupo, como tema do pássaro. Esta abertura é a apresentação da ave, o personagem que leva o título do grupo e que é sempre representado por uma criança vestida de pássaro. Quando acaba a música do personagem pássaro, entra o segundo quadro, com a apresentação de todos os personagens que participam do espetáculo. Neste momento, a apresentação é acompanhada com a música “O Guarani” de Carlos Gomes. A ópera “O Guarani”, foi a primeira obra no gênero, escrita em 1871, por Carlos Gomes, com libreto italiano. Logo REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 depois, entra o quadro do balé formado por adolescentes vestidas de dançarinas. Dançam a música popular “Chuá Chuá”, de Pedro de Sá Pereira e Ari Pavão, interpretada pelo personagem que representa o caçador do pássaro. “Deixa a cidade formosa morena / Volta pro ameno e doce sertão Beber a água da fonte que canta / Que se levanta do meio do chão Se tu nasceste cabocla cheirosa / Buscando o gozo do seio da terra Volta pra vida serena da roça / Daquela palhoça do velho sertão A lua branca de cor prateada / Faz a jornada no alto dos céus Como se fosse uma pomba altaneira / Da cachoeira fazendo Quando essa lua lá na altura distante / Lira ofegante no poente a cair Dá-me essa trova que o pinho descerra / Que eu volto pra serra, que eu quero partir E a fonte a cantar: chuá...chuá / E as águas a correr: chuê...chuê Parece que alguém que cheio de mágoa / Deixasse quem há de dizer que a saudade No meio das águas rolando também.” (bis) Destaca-se, porém, nesta canção um estribilho forte “E a fonte a cantar / chuá, chuá / e a água a correr / chuê, chuê...”, fácil de cantar, residindo aí, talvez, o motivo maior de sua popularidade. “Chuá, Chuá” foi composta para a revista Coynídas, Meu Santo e encenada, com sucesso, no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, de junho a setembro de 1925. Estão inseridas, ainda, no espetáculo músicas dos personagens, música da maloca, música da matutagem, música ritual e música instrumental. A mistura de popular com erudito é comum nos Pássaros Juninos. A sétima e última característica é a LIBERDADE DE CRIAÇÃO. A princípio, na construção do espetáculo, o enlace, com conceitos tradicionalistas do pássaro junino, pode ser visto como aprisionamento do processo de criação, visto que o pássaro é, superficialmente falando, a continuidade de uma produção artística específica e muito conhecida. O papel da criação poderia até ser extinto, se aceito desta forma, apenas como cópia modificada daquilo que já foi impresso, no decorrer de séculos, nos palcos e bastidores amazônicos. Entretanto, não se pode desconsiderar que há liberdade, quando são observados os significados antigos, num processo de recombinação, em busca de nova aparência estética e de conteúdo para compor o espetáculo. A liberdade de criação está, justamente, nesta capacidade de resignificação, daquilo que poderia permanecer imutável. O pássaro junino, então, adentra no formato mais difícil e abrangente do conceito de liberdade criativa, pois sua estrutura modificada, todos os anos, encontra-se na corda bamba, entre aquilo que seriam moldes e idéias pré-fabricadas, as quais bem poderiam tolher uma expressão inovadora de criatividade, e entre os movimentos modernos (poderia se REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 falar pós-modernos?), que reformulam a concepção do espetáculo. Esses primeiros aspectos que caracterizam a imagem tradicional do pássaro junino, considerados até antiquados por alguns, são concebidos como peças-base na construção de uma apresentação que terá, então, alicerces de cunho teoricamente conservador e um ápice envolvido num universo de novidade artística, que não foge das indicações primárias do pássaro, ao contrário, acaba por integrá-las e contextualizá-las nas possibilidades da cena contemporânea. O TEATRO JUNINO SE MOVIMENTA COM OS CRITÉRIOS ÉTICO-ESTÉTICOS DE MAFFESOLI. Maffesoli aponta características da pós-modernidade com as quais o Teatro dos Pássaros poderia dialogar. Para Maffesoli, a pósmodernidade seria um momento em que o estilo do social passa por transformações profundas, observando-se o que o autor chama de "nova forma de sensibilidade” (MAFFESOLI, 1995). Seriam características desse novo estilo: - A Valorização e a defesa de territórios, quer seja em termos físicos, quer seja no plano simbólico, o que é chamado pelo autor de tribalismo; - A ênfase na cultura dos sentimentos, observando-se uma forte centralidade das atividades que promovem encontros de pessoas, com o objetivo de se sentirem juntas; - A estetização da vida, revelada numa preocupação acentuada dos indivíduos com a imagem, em todos os setores da existência em sociedade; - A intensificação da busca do supérfluo, o aumento da preocupação com o inútil e a ênfase acentuada na busca do qualitativo; - A ênfase no estilo, que se institui enquanto linguagem que, por sua vez, funciona como protocolo de agregação dos indivíduos a outros territórios e tribos diferentes dos de sua origem (MAFFESOLI, 1995). No Teatro dos Pássaros existe o encontro, a comunhão, numa ambiência comunitária. O encontro dessa comunidade junina é movido a partir de um forte sentimento coletivo, a vontade, o desejo de realizar, em conjunto, um trabalho emocional. O pássaro junino se forma através de uma emoção coletiva. Em Belém do Pará existem, aproximadamente, 20 grupos de pássaros, divididos entre Cordões de Bichos e Pássaro Melodrama Fantasia e, todo ano, no período da quadra junina, há uma efervescência entre os grupos para a realização dos seus espetáculos. Cada grupo, dentro do seu território, buscando aperfeiçoar suas REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 técnicas, seus estilos, suas formas para a melhor exibição e o fortalecimento do sentimento de pertencer àquela comunidade. A atualização dos textos escritos, buscando temas atuais; a permanência de alguns brincantes e a inclusão de outros no processo; o festejar de algumas datas; como, por exemplo, os aniversários; a alegria por estar juntos novamente; a marcação de cena e a construção de novos personagens, a nova coreografia do balé, sempre trazendo para os dias atuais; as músicas que permanecem e as novas incluídas; o novo figurino que entra; tudo aponta para um processo qualitativo de produção. Portanto, o Teatro dos Pássaros se origina num grupo determinado que é, fundamentalmente, empático, proxêmico e que possui um forte componente de sentimentos vividos em comum, que Maffesoli chama de experiência ética (MAFFESOLI, 1995). E, por toda essa fundamentação argumentativa, acredito que este teatro, esta forma de encenação possa estar inserida nas especificidades do que se denomina pós-podernidade. REFERÊNCIAS FIGUEIREDO E TAVARES, Silvio lima e Auda Piani. Mestres da cultura. Belém: EDUFPA, 2006. MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. O Teatro que o povo cria: cordão de pássaros, cordão de bichos, pássaros juninos do Pará; da dramaturgia ao espetáculo. Belém: Secult, 1997. REFKALEFSKY, Margaret. Pássaros...bordando sonhos. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2001. SILVA, Eliana Rodrigues. Dança e pós-modernidade. Salvador : EDUFBA, 2005. Não está no texto THOMASSEAOU, Jean-Marie. O melodrama. Tradução e notas: Claudia Braga e Jacqueline Penjon. São Paulo: Perspectiva, 2005. Notas: 1 Professora da disciplina “Interpretação e prática de montagem” (ETDUFPA) 2 Pessoa que tem a razão social do grupo podendo assim, responder por ele, receber ajuda e subsídios oficiais, responsável por escolher os brincantes-atores e por comandar o grupo. REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009