143 Resenhas HEILBRONER, Robert e THUROW, Lester

Propaganda
Resenhas
HEILBRONER, Robert e THUROW, Lester. Entenda a Economia. Rio de
Janeiro: Campus, 2001, 278 pp.
Por André Modenesi *
Segundo Heilbroner e Thurow,
“coisas inquietantes estão acontecendo na economia americana dos
dias de hoje” (p. 5). “A última coisa
que queremos no mundo é convencer os nossos leitores de que
sabemos as respostas para os
desafios que nos rodeiam” (p. 7) –
garantem os autores, que têm como
objetivo proporcionar ao público
não especializado uma melhor
compreensão do processo de
“globalização”, do padrão de distribuição de renda e dos efeitos das
mudanças tecnológicas que caracterizam a economia americana. Para
tanto, eles se propõem a apresentar
o leitor à teoria econômica de forma
simples e didática, evitando a
utilização de linguagem excessivamente técnica. O livro é composto
de dezenove capítulos divididos em
quatro partes: (I)-O Passado
Econômico; (II)-A Macroeconomia
* Professor da Faculdade de Economia da
Universidade Federal Fluminense. O autor
agradece a Rui Modenesi sugestões à
primeira versão e a Márcia Barbosa Serra a
revisão do texto final, permanecendo ele
responsável por eventuais erros e omissões.
Econômica, nº 4, pp. 139-146, dezembro 2000
– Análise da Prosperidade e da
Recessão; (III)-A Microeconomia –
Anatomia do Sistema de Mercado e
(IV)-Problemas.
Na primeira parte, destaca-se um
esforço muito bem-sucedido de
resgatar os antecedentes históricos
que deram origem ao sistema
capitalista, considerando-se que “é
impossível entender o capitalismo
sem pelo menos alguma compreensão de suas raízes”. Salientando
que, “longe de representar uma
‘natureza humana’ eterna, o capitalismo surge como uma convulsão
vulcânica das rotinas da vida
consagradas pelo tempo”, os autores
descrevem o surgimento da sociedade de mercado, cuja característica
fundamental reside no fato de que
mão-de-obra, capital e terra são
fatores de produção transacionados
no mercado, isto é, mercadorias,
evidenciando-se, assim, o seu caráter
histórico e o fato de que sua origem
remonta ao cercamento dos campos
na Inglaterra e à revolução industrial.
Em seguida, é apresentado um
panorama das obras de Smith, Marx
e Keynes, sendo, ao longo do livro,
143
Resenhas
144
traçados paralelos entre as principais
idéias desenvolvidas por estes
autores e os fatos econômicos observados posteriormente. A segunda
parte visa introduzir o leitor à teoria
macroeconômica. Caracterizado
como o principal indicador da
atividade econômica, enfatizam-se
as limitações do PIB enquanto
medida do nível de bem-estar social.
Especial atenção é dedicada ao papel
do setor público, definido por
características distintas das do setor
privado: as motivações que orientam
seus gastos são essencialmente
políticas; a capacidade de arrecadar
impostos e o poder de imprimir
moeda conferem maior credibilidade à dívida pública. Assim, “os
argumentos que equiparam o
governo a uma família ou empresa
não são verdadeiros” (p. 129). Em
seguida, discute-se até que ponto os
gastos governamentais são inflacionários e se eles podem contribuir
para o crescimento do PIB. Finalmente, de maneira bastante intuitiva,
são definidas as funções da moeda
e o conceito de liquidez, ressaltandose que “qualquer moeda exige um
ato de fé da parte de seus usuários.
Se essa fé for destruída, a moeda fica
sem valor” (p. 156). Quanto ao
sistema monetário, analisa-se o papel
dos bancos como criadores de empréstimos – na medida em que
operam com reservas fracionárias –
os instr umentos de política
monetária e a estrutura do Federal
Reserve (FED), o banco central
americano.
Já a terceira parte expõe os
fundamentos da teoria microeconômica. O sistema de preços é
definido como um mecanismo de
racionamento que, se por um lado
“é altamente dinâmico e autoregulador”, por outro “é carente de
valores. Não reconhece nenhum
direito básico aos bens e serviços da
sociedade, exceto os da riqueza e da
renda” (pp. 178-9). Merece destaque
a análise das falhas de mercado, tais
como a existência de externalidades,
de informação imperfeita, a provisão
de bens públicos etc.
Enfim, traçada uma retrospectiva
do surgimento do sistema capitalista
e feita uma introdução à teoria
econômica, o leitor já está apto a
defrontar-se com os problemas que
afligem a economia americana – e
grande parte das demais. A última
parte do livro trata de três temas: o
“fantasma” da inflação, a questão da
desigualdade e a “globalização”. A
identificação da obsessão antiinflacionária – que caracteriza o
Econômica, nº 4, pp. 139-146, dezembro 2000
Resenhas
FED e grande parte dos bancos centrais – como um dos grandes
problemas da economia americana
é, certamente, a nota mais relevante
do livro. Segundo os autores, “a
inflação é a maneira pela qual o sistema capitalista reagiu aos choques e
perturbações do ambiente institucional no final do século XX” (p. 213).
Mas o fato deste ambiente ter-se
modificado, aliado ao aumento da
concorrência internacional – em
linha com o processo de globalização –, implica que “o país está sendo
privado de um crescimento potencial muito necessário devido a um
fantasma: a ameaça de uma inflação
de ocorrência muito pouco provável” (p. 220). A multiplicidade de
fatores que explicam o padrão de
distribuição de renda na economia
americana é analisada assinalandose que “não há uma razão única para
a crescente distância entre ricos e
pobres” (p. 230). Por fim, são levantadas as questões relativas ao
processo de globalização econômica, intimamente relacionado com o
avanço tecnológico, sobretudo no
setor de comunicação: o surgimento
de um mercado global e a conseqüente ampliação da concorrência,
que tende a nivelar salários, retornos
sobre capital e a qualidade dos pro-
Econômica, nº 4, pp. 139-146, dezembro 2000
dutos; a internacionalização da
produção; a redução da eficácia das
políticas econômicas nacionais –
notadamente a política monetária; a
redefinição do conceito de
soberania.
Entenda a Economia expõe os
elementos básicos da teoria econômica de maneira clara e simples,
possibilitando um entendimento das
“coisas inquietantes” que atormentam o mundo contemporâneo.
Trata-se de uma boa obra, cujos
objetivos foram alcançados.
(Lamentavelmente, porém, a qualidade do texto em português é
prejudicada por problemas de tradução e revisão. Chamar de “liberais”
os que postulam a intervenção
governamental na promoção do
crescimento econômico e de
“conservadores” os que a negam
não faz sentido, visto que, no Brasil,
estes termos chegam a ser justapostos para criar um conceito
particular: liberais-conservadores.
No presente contexto, talvez tivesse
sido melhor traduzir liberals por
intervencionistas e conservatives por
não-intervencionistas. O verbo
emprestar, que só pode ser transitivo
direto ou direto e indireto, é
empregado repetidas vezes como se
fosse transitivo indireto: “o marido
145
que empresta da mulher dele.” (p.
134). Na página 247, tanto a
“subida” quanto a “queda do dólar
aumenta o preço das mercadorias
estrangeiras”, num claro erro de
revisão.
Apesar de ser um livro introdutório, dirigido a não especialistas, os
autores não se eximem da responsabilidade de problematizar as idéias
e conceitos expostos. Pelo contrário,
cada uma das questões abordadas é
devidamente contextualizada,
apresentando-se as diferentes
opiniões a respeito. As posições
assumidas são explicitamente
definidas como tais, sem qualquer
pretensão de neutralidade ou
imparcialidade. Talvez aí resida a
mensagem – ainda que implícita –
mais expressiva da obra: não existe
resposta única, definitiva e irrefutável para as questões econômicas,
por mais elementares que sejam.
Dessa forma, por trás da simplicidade com que os temas são
tratados, encontra-se a mais
complexa das questões: quão
limitados são os resultados previstos
pela ciência econômica?
Download