UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA CENTRO REGIONAL DAS BEIRAS DEPARTAMENTO CIÊNCIAS DA SAÚDE REABILITAÇÃO DO DOENTE ONCOLÓGICO DA CABEÇA E PESCOÇO - CONSIDERANDOS CLÍNICOS E PROTOCOLOS DE ATUAÇÃO Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de mestre em Medicina Dentária Por Sandrine Fernandes Correia Viseu, 2013 UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA CENTRO REGIONAL DAS BEIRAS DEPARTAMENTO CIÊNCIAS DA SAÚDE REABILITAÇÃO DO DOENTE ONCOLÓGICO DA CABEÇA E PESCOÇO - CONSIDERANDOS CLÍNICOS E PROTOCOLOS DE ATUAÇÃO Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de mestre em Medicina Dentária Por Sandrine Fernandes Correia Sob a orientação do Professor Doutor Rui Amaral Mendes Viseu, 2013 Agradecimentos Em primeiro lugar quero agradecer aos meus pais pelo esforço e dedicação e por me terem possibilitado a realização deste sonho. Um agradecimento muito especial à minha mãe, que além de mãe, é a minha melhor amiga, a minha ouvinte, a minha protetora, a pessoa que mais me ajudou nos momentos de tristeza e desespero e por ter lutado sempre por mim, pois lutou para eu nascer pondo a sua vida em risco e continuou sempre a lutar e a acreditar em mim todos os dias da minha vida. E quero agradecer-lhe também por ser quem é e por ter feito de mim uma pessoa com valores e princípios muito fortes. É a minha heroína e a pessoa que mais amo. Quero agradecer à minha sobrinha Mélanie o carinho e a força que me deu sempre, pois a crianças são o melhor do Mundo, apesar da idade sabia sempre quando é que eu precisava de um beijo ou de um sorriso. Aos meus avós maternos um agradecimento muito sincero por terem acreditado em mim e por poder ser hoje o orgulho deles, em especial ao meu avô que já partiu e não pode ver a neta formada, mas tenho a certeza que onde estiver estará radiante e feliz por mim e a iluminar todos os meus passos. Quero também agradecer a uma grande amigo, de seu nome Tony, que infelizmente nos deixou no dia 15 de Setembro de 2012, e o que me deixa muita saudade, mas o qual me ajudou sempre nos momentos piores e me mostrou sempre a luz ao fundo do túnel, quando esta parecia não existir, e sei que onde estiver estará muito orgulhoso de eu ter superado mais esta etapa da minha vida. Quero agradecer ao meu irmão por me ter encorajado sempre a seguir os meus sonhos. Quero agradecer ao meu namorado pela paciência, pelas ausências e pela falta de tempo... Agradeço-lhe a força e o carinho que me deu mesmo com tantos quilómetros que nos separam! Quero agradecer ao Professor Doutor Horácio Costa e a toda a sua equipa, incluindo a sua secretária Susana, pelo grande contributo que me deu para enriquecer esta tese, pois possibilitou-me a entrada no CHVNG, dando-me a conhecer mais de perto casos de cancro oral e possibilitando-me a assistência numa cirurgia bastante complicada, o que foi uma experiencia única e bastante enriquecedora. Um agradecimento muito grande a todos os pacientes que entrevistei e que gentilmente me relataram a sua experiencia, a sua dor e a sua coragem, relatos que enriqueceram esta monografia, e me fortaleceram enquanto pessoa e me mostraram como a vida é bela todos os dias, e como pequenas coisas nos podem fazer tão felizes. Por último, quero agradecer ao meu orientador Professor Doutor Rui Amaral Mendes, por toda a sua dedicação, disponibilidade e pelo apoio incansável que me facultou, bem como por toda a sabedoria que me transmitiu. Um obrigada muito sincero. Resumo O tratamento dos tumores da cabeça e pescoço envolve a realização de cirurgias com elevada morbilidade, com o recurso concomitante, ou não, à radio e/ou quimioterapia. Os doentes submetidos a ressecções cirúrgicas da maxila e/ou da mandíbula veem a sua função mastigatória e a estética oro-facial frequentemente comprometida, pelo que é importante proceder à reabilitação dos defeitos resultantes, sob pena do tratamento induzir importantes implicações na qualidade de vida do doente. A presente dissertação de mestrado teve como objetivo conhecer e discutir, à luz do “estado da arte” os protocolos de atuação clínica aplicados em doentes com cancro da cabeça e pescoço, sendo o locus de estudo o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Para o efeito, procedeu-se à revisão de 5 casos clínicos de doentes com cancro da cabeça e pescoço e à discussão e revisão da literatura recorrendo à análise de artigos científicos publicados em revistas referenciadas no Index Medicus, utilizando para tal os motores de busca PUBMED, EMBASE e MEDLINE OVID. Durante muitos anos, próteses acomodadas diretamente sobre os tecidos remanescentes foram utilizadas na tentativa de minimizar as mutilações decorrentes do tratamento. Nos casos por analisados, todos os doentes foram submetidos a cirurgia (maxilectomia e mandibulectomia), dos quais dois deles foram sujeitos a radioterapia. Os efeitos decorrentes da radioterapia podem comprometer a reabilitação dado que a radiação reduz a vascularização e induz processos de hipóxia, interferindo no processo de cicatrização. Com efeito, os doentes sujeitos a radioterapia tiveram que ser submetidos a nova cirurgia para colocação de novo enxerto, tendo afetado a sua qualidade de vida. Ainda neste âmbito apurou-se igualmente que, em todos os doentes, houve um impacto negativo da cirurgia na sua qualidade de vida. No entanto, os seus discursos demonstraram que esse impacto, apesar de negativo, não foi tão devastador como esperavam, reconhecendo, inclusive, que esta foi uma segunda oportunidade de vida. Constatou-se que a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia são as formas terapêuticas disponíveis para o cancro da cabeça e pescoço. A sua combinação e a sua ordem dependem de vários fatores, como estádio clinico, localização anatómica, dimensão do tumor, histologia e dados do doente, como, por exemplo, a idade, a condição geral, entre outros. Como tal, um pré-operatório adequado, associado a um planeamento cirúrgico e um eficaz acompanhamento pósoperatório constitui a melhor garantia no êxito de toda a intervenção. Neste contexto, a reabilitação dos defeitos oro-faciais resultantes do tratamento oncológico são de extrema importância para minimizar a morbilidade e as implicações na qualidade de vida. Importa, por isso, que o médico dentista faça parte integrante da equipa hospitalar de forma a avaliar o protocolo de actuação mais indicado no que concerne à reabilitação destes doentes. Palavras-chave: Cancro da cabeça e pescoço; Protocolos clínicos; Qualidade de vida; Reabilitação. Abstract Treatment of tumors of the head and neck involves performing surgery with high morbidity, concomitant with the resource, or not, the radio and / or chemotherapy. Patients undergoing surgical resections of the maxilla and / or mandible see their masticatory function and aesthetics orofacial often compromised, so it is important to undertake the rehabilitation of defects arising under penalty of treatment induce significant implications for the quality of life of patients. This dissertation aimed to meet and discuss, in light of the "state of the art" protocols applied clinical performance in patients with cancer of the head and neck, the locus of the study's Hospital Centre of Vila Nova de Gaia. To this end, we proceeded to the review of 5 clinical cases of patients with cancer of the head and neck and the discussion and review of the literature and applied analysis of scientific articles published in journals referenced in Index Medicus, using such search engines PUBMED, OVID MEDLINE and EMBASE. For many years, prosthetic accommodated directly on the remaining tissues were used in an attempt to minimize mutilation from the treatment. In the cases analyzed, all patients underwent surgery (maxillectomy and mandibulectomy), of which two of them were subjected to radiotherapy. The effects of radiation can compromise the rehabilitation since the radiation induced vascularization, and reduces hypoxia processes, interfering with the healing process. Indeed, patients undergoing radiotherapy had to undergo further surgery for placement of new graft, having affected their quality of life. In this connection it was found also that in all patients, there was a negative impact of surgery on quality of life. However, his speeches have shown that this effect, although negative, was not as devastating as expected, acknowledging even that this was a second opportunity of life. It was found that the surgery, radiotherapy and chemotherapy are available therapeutic approaches for cancer of the head and neck. Its combination and their order depend on various factors such as clinical stage, anatomic location, size of the tumor histology and patient data such as, for example, age, general condition, among others. As such, a proper preoperative evaluation, associated with a surgical planning and an effective postoperative follow-up is the best guarantee for the success of any intervention. In this context, the rehabilitation of the oro-facial defects resulting from cancer treatment are of utmost importance to minimize morbidity and quality of life implications. It is therefore important that the dentist is an integral part of the hospital staff in order to evaluate the most appropriate protocol to act as regards the rehabilitation of these patients. Keywords: Cancer of the head and neck, clinical protocols, Quality of life, Rehabilitation. Índice Introdução ................................................................................................................. 9 1. Doença oncológica ................................................................................................ 11 2. Problema em estudo ............................................................................................. 25 3. Tipo de estudo....................................................................................................... 25 4. Metodologia ........................................................................................................... 26 5. Participantes/Amostra ........................................................................................... 26 6. Procedimentos de recolha de dados ..................................................................... 27 7. Resultados ............................................................................................................ 28 8. Discussão .............................................................................................................. 45 Conclusão ................................................................................................................ 49 Bibliografia................................................................................................................. 51 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Introdução As neoplasias malignas são um problema de saúde pública a nível mundial, devido à sua crescente prevalência, com grande impacto individual e social. Têmse ocorrido progressos relevantes no tratamento oncológico, aumentando a expectativa de vida dos doentes, pelo que se assume de grande importância para a sua recuperação e reintegração na sociedade e melhorar a qualidade de vida de forma holística. A doença oncológica da cabeça e pescoço representa cerca de 10% dos tumores malignos a nível mundial, comprometendo várias áreas anatómicas. Em média, 40% dos casos ocorre na cavidade oral, 25% na laringe, 15% na faringe, 7% nas glândulas salivares e 13% nos restantes locais (1). O cancro oral é uma neoplasia maligna com elevada incidência em Portugal, com uma significativa taxa de mortalidade (2). As suas taxas de cura têm aumentado significativamente, o que se deve claramente ao tratamento pela radioterapia, associada ou não com cirurgia ou quimioterapia de suporte. Contudo, podem suceder várias complicações nas áreas irradiadas, sendo as mais frequentes a mucosite, candidíase, disgeusia, cáries de radiação, osteorradionecrose, necrose dos tecidos moles, perda progressiva do ligamento periodontal, trismo e xerostomia. Estas podem manifestar-se durante ou depois de os doentes completarem o tratamento, afetando muito a sua qualidade de vida (3); (4). Os principais tratamentos disponíveis para o cancro da cabeça de pescoço são a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia, escolhidos de acordo com a sua localização, tipo histológico da neoplasia, estadiamento clínico e condições físicas do doente. Geralmente, a cirurgia é o tratamento de escolha, podendo ou não estar associada à radioterapia, sendo a quimioterapia utilizada de forma paliativa nos casos mais avançados (5). Contudo, os mesmos autores referem que, apesar dos benefícios trazidos no tratamento do cancro com o uso da radioterapia, a mesma é capaz de causar efeitos adversos nos campos de radiação, e em relação à cavidade bucal, as principais alterações ocorrem na pele, mucosa, ossos, glândulas salivares e dentes. A radioterapia ocupa um lugar importante no 9 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação tratamento dos carcinomas da região de cabeça e pescoço e destrói quer as células tumorais, quer as células normais, sobretudo as células presentes nos tecidos de mudança rápida, como é o caso do epitélio oral. O trabalho que se propôs elaborar tem como objetivo rever as diferentes hipóteses de reabilitação de doentes oncológicos da cabeça e pescoço e avaliar a evidência médica que suporta os diversos protocolos de atuação e as respetivas implicações na qualidade de vida do doente, tendo como locus de estudo o Centro Hospitalar de Vial Nova de Gaia. Assim, a justificação para a escolha do fenómeno em estudo deve-se ao facto de a oncologia oral ser uma área importante em Medicina Dentária. Deste modo, seguiu-se uma metodologia de revisão sistemática da literatura. A procura de artigos para a concretização deste trabalho foi realizada de forma cuidadosa e sistemática em várias bases de dados, nomeadamente PUBMED, EMBASE e MEDLINE OVID, tendo como ponto de partida o levantamento e análise dos protocolos de atuação clínicos em doentes com cancro da cabeça e pescoço do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Seguiuse também uma metodologia qualitativa, com recurso a estudos de caso plurais, ou seja, apresentam-se cinco casos clínicos, recolhidos na referida instituição hospitalar. No presente trabalho, estruturado em duas partes, uma onde consta a revisão da literatura, na qual se procura explicitar os conceitos chave do tema em análise, tais como: doença oncológica, doente oncológico da cabeça e pescoço, tratamento e qualidade de vida. Na segunda parte, reservada ao estudo empírico, apresenta-se o problema, tipo de estudo, metodologia, participantes/amostra, procedimentos e recolha de dados. Faz-se a apresentação dos resultados e a respetiva discussão. 10 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 1. Doença oncológica Segundo (6), cancro (do latim cancru) é um tumor sólido, maligno, caracterizado pela proliferação incessante das células que o constituem e que geralmente degenera em úlcera. Mais recentemente, o cancro é definido (7), como um tumor maligno, isto é, constituído pela proliferação anárquica de células anormais, que invade as estruturas vizinhas e que tem tendência para produzir tumores secundários à distância (processo de metastização). Através das várias definições apresentadas, constata-se surgirem vários termos associados ao cancro ou doenças oncológicas, tais como tumor e neoplasia. Tumor é considerado (8), como um aumento de volume ou “inchaço” a nível dos tecidos. Neoplasia é a formação de tecidos moles, sem finalidade útil, prejudiciais para o hospedeiro e que vão competir com células normais no que diz respeito ao consumo de energia e substrato nutritivo. Estas podem ser malignas ou benignas, consoante a sua capacidade de disseminação e invasão de outros tecidos ou não (7). O cancro foi “reconhecido em tempos antigos, por observadores competentes, que lhe chamaram «cancro» porque se estendia em muitas direções como as pernas de um caranguejo. O termo é geral e é usado alternadamente como tumor maligno e neoplasia maligna. Denota um tumor provocado pelo crescimento celular. As formas de cancro encontram-se em plantas, em seres humanos e outros animais” (9). Cancro, cujo étimo latino significa caranguejo, não é uma doença simples, pois, refere-se a muitas doenças que se caracterizam pelo crescimento incontrolável de células anormais (10). O mesmo autor refere que uma célula cancerosa consiste na célula fora de controlo. O cancro pode ser descrito como um defeito que permite às células multiplicarem-se de forma incontrolável, cuja multiplicação celular resulta numa massa tecidular denominada tumor. O cancro define-se melhor através de quatro características que descrevem como as células cancerosas atuam diferentemente das suas contrapartes normais (9). 11 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Quadro 1- Características da atuação das células cancerosas Em muitos casos o cancro tem origem numa célula única que prolifera formando clones da célula doente. Autonomia: O crescimento não é apropriadamente regulado pelas influências biológicas e físicas normais do meio ambiente. Anaplasia: Há falta da coordenação normal de diferenciação celular. Metástases: As células cancerosas desenvolvem a capacidade de crescimento descontínuo e de disseminação para outras partes do corpo. Fonte: adaptado (9, p. 249). Clonalidade: Apesar das suas diferenças individuais, todas as células cancerosas compartilham de certas características celulares comuns em relação à membrana celular, presença de proteínas especiais, os núcleos, anormalidades cromossómicas e ritmo de mitose e crescimento. As membranas celulares estão alteradas na célula cancerosa e isso afeta a movimentação hídrica para dentro e para fora da célula. A membrana celular das células malignas contém também proteínas chamadas antígenos tumores-específicos (como o antígeno carcinoembriónico e antígeno próstata-específico), que se desenvolvem à medida que ficam menos diferenciadas com o passar do tempo. Essas proteínas distinguem a célula maligna de uma célula benigna no mesmo tipo de tecido, podendo ser úteis na determinação da extensão da doença numa pessoa e no rastreio dessa doença durante o tratamento ou recidiva. As membranas das células malignas também têm menos fibronectina, um “cimento celular”; assim, elas ficam com menor aderência às células adjacentes (13). Os núcleos das células cancerosas muitas vezes são grandes e de formatos irregulares (pleomorfismo). Os nucléolos, estruturas presentes dentro dos núcleos e que armazenam o ácido ribonucléico (RNA), são maiores e mais numerosos nas células malignas, talvez por causa de uma maior síntese de RNA. Fragilidade e outras anormalidades cromossómicas (translocações, deleções, adições) são também encontradas no exame de células cancerosas (13). A mitose ocorre com mais frequência nas células malignas do que nas células normais, desse modo aumentando a fração de crescimento da população celular tumoral. As células cancerosas têm quantidades alteradas de adenosina monofosfato cíclico e guanosina monofosfato cíclico. Essas substâncias, que representam os blocos fundamentais dos ácidos nucleicos, facilitam o uso de nutrientes e síntese de RNA. Por conseguinte, o crescimento e a divisão celulares 12 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação são incentivados, exigindo altos níveis de glicose e oxigénio. Se as reservas de glicose e de oxigénio forem insuficientes, as células malignas passam a usar canais metabólicos anaeróbicos para produzir energia. O mecanismo anaeróbico de produção de energia torna a célula menos dependente da disponibilidade de um suprimento constante de oxigénio (9). A classificação do tumor é feita através de uma série de exames (físicos, subsidiários e cirúrgicos/anatomopatologia), que permitem distinguir se uma neoformação é benigna ou maligna, a sua avaliação prognóstica determina o tratamento. No estádio clínico obtêm-se os dados da classificação TNM (extensão local, regional e à distância) com base nos exames clínicos e complementares e no estádio patológico são incluídos os dados da cirurgia e da anatomopatologia (9): T – Extensão local (dimensão tumoral e invasão local) N – Extensão regional (localização e número de gânglios) M – Extensão à distância (metastização visceral). As designações cancro ou doença oncológica são utilizadas para denominar um grupo de doenças caraterizadas pela anormalidade das células e respetiva divisão excessiva. São inúmeros os tipos de cancro (14). O mesmo autor dá como exemplo, o carcinoma, que surge nos tecidos epiteliais; o sarcoma, que aparece nas estruturas de tecidos conjuntivos, como os ossos e os músculos; a leucemia que tem origem na medula óssea e afeta o sangue; o melanoma que se trata de um cancro de pele, entre outros. Certos agentes ou fatores têm sido responsabilizados pelo desenvolvimento do cancro como os vírus, agentes físicos, agentes químicos, fatores genéticos ou familiares, fatores alimentares e agentes hormonais (9). A doença oncológica da cabeça e pescoço representa cerca de 10% dos tumores malignos em termos mundiais, podendo afetar diversas áreas anatómicas. Cerca de 40% dos casos ocorrem na cavidade oral, 25% na laringe, 15% na faringe, 7% nas glândulas salivares e 13% nos restantes locais (15). O cancro oral é uma neoplasia maligna com alta prevalência em Portugal, resultando numa significativa taxa de mortalidade (15). 13 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Acrescenta-se que 5% de todos os novos cancros diagnosticados são tumores malignos de cabeça e pescoço. A sua prevalência é mais significativa nos homens, no entanto, e de acordo com a mesma autora, tem aumentado a incidência nas mulheres (15). De acordo com vários autores, este aumento na população feminina está relacionado com o aumento do consumo tabágico por parte das mulheres (15). O consumo tabágico, isolado ou associado ao consume de bebidas alcoólicas, é um dos maiores fatores de risco da maioria dos cancros da cabeça e pescoço, sendo responsável por aproximadamente um em três casos (18). Cerca de 85% das vítimas de cancro da cabeça e pescoço são ou foram fumadores (19). Acrescenta que, em Portugal, os carcinomas da cabeça e pescoço são a quarta patologia com maior incidência em indivíduos do sexo masculino, isto se se agrupar as diferentes localizações (laringe, faringe, cavidade oral e nasofaringe). O mesmo autor informa que, na Europa, há uma prevalência de cerca de 143.000 casos de cancro da cabeça e do pescoço e mais de 68 mil mortes por ano. Sublinha que os sinais de alerta são ainda ignorados. A sua incidência tem vindo a aumentar e a abordagem deve multidisciplinar, caso se pretenda melhorar a qualidade de vida destes doentes. O Estudo About Face, realizado pela Sociedade Europeia do Cancro da Cabeça e Pescoço em sete países europeus – França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha, Suécia e Reino Unido, revelou que 75% dos europeus desconhecem a doença, o número de pessoas afetadas, os fatores de risco, as regiões do corpo atingidas e a sua sintomatologia. Este desconhecimento atrasa o diagnóstico e, consequentemente, os tratamentos (19). Este é o sexto cancro mais comum a nível mundial. Como tal, os profissionais de saúde desempenham um relevante papel em termos de reconhecimento dos sintomas e de diagnóstico precoces, tornando possível o tratamento, com maior eficácia (19). No que se refere ao fator idade, tem-se verificado uma maior ocorrência em indivíduos na faixa etária dos 40 anos. Contudo, pode incidir em idades inferiores, sobretudo associado a doentes com défices imunitários (19). 14 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Os tumores malignos da cabeça e do pescoço podem acometer várias localizações anatómicas, tais como: língua, lábios, mucosa oral, faringe, laringe, porção cervical do esófago, seios paranasais, glândulas salivares, tiroide, paratiroide e pele (19). Maioritariamente, ainda em conformidade com os autores supracitados, as neoplasias da cabeça e do pescoço são classificadas anatomohistologicamente, isto é, em: tumores de origem epitelial, cuja forma mais comum é o carcinoma espinocelular (90 a 95%), relacionado com a reprodução descontrolada e virtualmente autónoma de células epiteliais estratificadas da mucosa oral, podendo igualmente surgir a partir de tecido conjuntivo, tecido linfoide, pele e glândulas salivares maiores ou menores (15, p. 7). A metastização sistémica no cancro oral não é comum, exceto em estádios avançados de carcinoma nasofaríngeo. Quando ocorrem, são mais comuns nos pulmões, no fígado e nos ossos (15). Uma formação sólida no pescoço, dor ao engolir e rouquidão ou alteração vocal são sintomas desta patologia. A congestão nasal persistente e a perda auditiva são outros dos sinais a que é preciso estar atento. Os inquiridos desconheciam igualmente que a exposição solar e idade superior a 40 anos aumentam o risco de desenvolvimento desta patologia e que o Vírus do Papiloma Humano (HPV) pode constituir um factor fundamental na oncogénese dos tumores de cabeça e pescoço. A dor é frequente nos doentes oncológicos de cabeça e pescoço, acometendo mais de 85% dos casos e diminuindo a sua qualidade de vida. Tratase de uma dor contínua, persistente e inespecífica, que se pode dever à inflamação tecidular ou isquemia ou comprometimento de um nervo, por invasão tumoral de estruturas adjacentes (pele, músculos da mastigação, osso, articulação temporo-mandibular), podendo não ser visíveis alterações dentárias ou da mucosa (22); (23). O momento de diagnóstico da doença é de extrema importância, relacionando-se também com a sobrevida dos doentes. No entanto, verifica-se que grande parte dos tumores é diagnosticada já numa fase avançada da doença, conduzindo à necessidade de tratamentos mais agressivos, comprometendo a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes (24). 15 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Neste sentido, deve ter-se em atenção os efeitos colaterais associados aos tratamentos na patologia oncológica da cabeça e pescoço, visando a otimização da qualidade de vida dos doentes (25). O tratamento das neoplasias da cabeça e do pescoço acarreta implicitamente várias sequelas funcionais, uma vez que as estruturas anátomofisiológicas que fazem parte desta região topográfica estão envolvidas no processo de respiração, na produção da voz e fala, no mecanismo de mastigação e deglutição. Para além de todas as alterações provocadas pela mutilação e pela radio e quimioterapia, os doentes também podem apresentar sequelas emocionais, devido ao impacto social da doença e às modificações estéticas ( 26). O tratamento destas neoplasias envolve a realização de cirurgias com elevada morbilidade, com o recurso concomitante, ou não, à radio e/ou quimioterapia. Os doentes submetidos a ressecções cirúrgicas da maxila e/ou da mandíbula veem a sua função mastigatória e a estética oro-facial frequentemente comprometida, pelo que é importante proceder à reabilitação dos defeitos resultantes, sob pena do tratamento induzir importantes implicações na sua qualidade de vida (4). Concomitantemente, os efeitos decorrentes da radioterapia podem comprometer a reabilitação protética, dado que a radiação reduz a vascularização e induz processos de hipóxia, interferindo no processo de cicatrização. Por outro lado, as glândulas salivares, quando incluídas no campo de tratamento radioterápico, sofrem alterações que reduzem o fluxo salivar. A escolha do tratamento das neoplasias depende da sua localização, a extensão, o estadiamento, a relação com as estruturas anatómicas vizinhas, o envolvimento da cadeia linfática e das expectativas e as condições físicas do doente (idade e cooperação), podendo variar entre a cirurgia, a radioterapia, a quimioterapia ou a combinação entre elas (27), (28); (29). É necessário ter em consideração a facilidade ou não do doente no acesso ao atendimento médico e os seus recursos económicos, sendo que a meta principal deve ser a obtenção da cura, maximizando a qualidade de vida do doente (17). As terapias para a oncologia da cabeça e pescoço dividem-se em dois grandes grupos, em conformidade com o seu objetivo: o tratamento loco-regional 16 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação ou o tratamento sistémico. Assim, no primeiro grupo incluem-se a cirurgia e a radioterapia, que são utilizadas de modo isolado ou em associação, no tratamento de cancros nos estádios iniciais (I/II). No tratamento de tumores nos estádios III/IV podem ser empregues quer as terapias do primeiro grupo, quer as do segundo, do qual fazem parte a quimioterapia e novos fármacos dirigidos contra alvos moleculares específicos. Nestes casos, deve ser escolhida a terapia que resulte em maior possibilidade de cura, tendo sempre em atenção as características do tumor e do doente (2). A cirurgia aplicada como terapêutica em oncologia tem dois objetivos fundamentais: i) a ressecção da massa tumoral e dos tecidos envolvidos (gânglios linfáticos); ii) a remoção de órgãos endócrinos que possam alterar a disseminação da doença (30). Assim, a cirurgia pode causar limitações estéticas e funcionais (23). Quando a cirurgia não é possível, nos casos mais avançados e nos quais o prognóstico é grave, é aplicada a quimioterapia associada à radioterapia (31; 32). Os agentes quimioterápicos são compostos químicos utilizados para destruir ou impedir a proliferação das células neoplásicas, contudo, causam igualmente a toxicidade nos tecidos normais com elevada taxa de renovação celular ( 33); (34). Dos compostos químicos eficazes na quimioterapia, salitram-se: o metrotrexato, a bleomicina, a cisplatina, a carboplatina, o fluoruracilo, a ifosfamda, entre outros. A cisplatina é referida como sendo dos compostos mais eficazes, sendo usualmente administrada durante 3 a 4 semanas na dose de 80 a 100mg/m2 (35). Entre os efeitos adversos mais comuns da radioterapia que atingem a cavidade oral, estão: a mucosite, a xerostomia, a candidíase e as infeções secundárias, cáries por radiação, trismo, disgeusia e osteorradionecrose, o que se deve ao uso dos agentes citotóxicos resulta em imunossupressão, que faz com que ocorram esses efeitos negativos, dependentes do tipo e dose do agente utilizado, pelo que é de extrema importância prevenir as complicações através da estabilização das condições orais prévias ao tratamento e acompanhamento durante o mesmo. Para além de agravar o estado geral dos doentes, pode fazer com que seja necessário interromper o tratamento, como consequência da sua toxicidade (36); (37); (33); (5); (34). 17 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Quando utilizada juntamente com a radioterapia, permite um melhor controlo locoregional da doença, o que tem sido verificado principalmente nos tumores da laringe e faringe, possibilitando também a preservação do órgão ( 2). A radioterapia consiste na utilização da radiação ionizante como agente terapêutico para destruir as células tumorais, sendo empregue uma dose de radiação pré-calculada num volume de tecido tumoral, por um período de tempo determinado, evitando danificar os tecidos adjacentes pois a regeneração tecidular far-se-á à custa destes (38); (31). Opta-se por este tipo de tratamento em associação à cirurgia nos estádios mais avançados da neoplasia (III/IV) ressecáveis, podendo igualmente associarse à quimioterapia nestes casos, quando os doentes apresentam fatores de risco para recorrência. Nos casos em que a cirurgia não é possível, tem indicação a aplicação de radioterapia em associação com a quimioterapia. A radioterapia pode igualmente ser aplicada de modo isolado para tumores pequenos (estádios iniciais). Tem também aplicação no pós-operatório, depois da cirurgia, para ter a certeza de que todas as células tumorais foram destruídas, como, por exemplo, margens ou gânglios linfáticos comprometidos, e como tratamento paliativo, para aliviar sintomas como dor, hemorragia, disfagia (16); (38); (31). As radiações ionizantes podem ser corpusculares (eletrões, protões e neutrões) ou eletromagnéticas (fotões [raios X e gama]), sendo as últimas as utilizadas na maior parte dos tratamentos radioterápicos (39); (38); (31). Estas radiações vão interagir com o ADN das células, direta ou indiretamente. A forma direta consiste na clivagem da molécula de ADN pela radiação, interferindo diretamente no processo de duplicação celular. A forma indireta ocorre através da hidrólise da água que leva à rutura das cadeias de ADN e, concludentemente, à morte celular ou à incapacidade de reprodução, sendo este processo mais importante, uma vez que a água representa a maior parte do conteúdo das células (38); (31). A quantidade de radiação absorvida pelos tecidos é expressa em Gray (Gy), que equivale a 1 joule de energia por quilograma (40); (38); (31). Atualmente, o tratamento convencional para patologia oncológica de cabeça e pescoço consiste numa dose total curativa de 50-70 Gy, em 5 frações 18 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação semanais, uma fração diária de 2 Gy, durante 5-7 semanas, incluindo o tumor primário, margens de segurança e campos cervicais nos casos em que há risco de metastização. No caso de tratamentos adjuvantes, são aplicadas doses de 45 Gy no pré-operatório e 55-60 Gy no pós-operatório (41); (31). De acordo com a localização da fonte de energia, a radioterapia pode ser de dois tipos: externa e interna; a opção entre os dois tipos é realizada consoante as características e localização do tumor, bem como o objetivo do tratamento ( 39); (2). Na radioterapia externa, igualmente apelidada radioterapia de raio externo (EBRT) a fonte de energia encontra-se afastada do doente (externamente ao doente) e é, por norma, um acelerador linear que só produz energia quando ligado a uma fonte de energia elétrica (42); (2); (31). A radioterapia de intensidade modulada é a técnica mais avançada, apresentando vantagens comparativamente à radioterapia 3D da qual deriva. Esta técnica permite a modulação da intensidade do feixe de radiação, possibilitando diferentes graduações de dose nos diferentes alvos, otimizando o tratamento, na medida em que o campo de radiação é menos incluído no tecido são ( 2). A radioterapia interna ou braquiterapia consiste em colocar uma pequena fonte de radiação, sendo, hoje em dia, mais utilizadas as fontes radioativas de irídio-192) no interior do doente (dentro ou perto do tumor), possibilitando que a dose de radiação no local do tumor seja elevada e diminuta nos tecidos normais afastados da fonte radioativa, isto é, obtém-se um maior controlo local. Nesta técnica são utilizados implantes, que podem ser temporários ou permanentes, de alta ou de baixa dose, intracavitários ou intraluminais. A braquiterapia de baixa dose continua a ser a mais usual no tratamento de patologia oncológica de cabeça e pescoço, sendo utilizados vetores temporários (fios de metal ou tubos de plástico) e otimizando a distribuição da dose de modo individualizado para cada caso. Por norma, este tipo de tratamento é feito durante alguns minutos ou vários dias, dependendo da dose utilizada, e o doente é isolado numa sala protegida contra a radiação até ao fim do tratamento, retirando-se nesta altura os implantes radioativos. Na braquiterapia de alta dose não é necessário o isolamento do doente, possibilitando manter as suas atividades diárias. Este 19 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação tratamento é realizado através da aplicação permanente de sementes radioativas e a radiação é distribuída em frações diárias de poucos minutos. Devido à complexidade desta técnica, é necessário um controlo rigoroso da dose e do posicionamento dos implantes para garantir a efetividade e segurança do tratamento (43); (2); (42). O tratamento através da radioterapia tem demonstrado vários efeitos terapêuticos positivos, como os altos índices de cura e maior sobrevida, e benefícios ao nível das atividades diárias dos doentes, manutenção da função e imagem corporal, Todavia, apesar de não ser invasiva, esta terapia não deixa de apresentar efeitos colaterais, dado que não distingue as células neoplásicas das células normais (49). Deste modo, ao longo do tratamento, simultaneamente à destruição das células tumorais, podem ocorrer danos irreversíveis nas células normais adjacentes ao tumor, na medida em que também estas são incluídas no campo de radiação (23). As células neoplásicas são suscetíveis aos efeitos da radiação, devido às suas mitoses sucessivas (38). As reações adversas são consequência da exposição de extensas áreas que abarcam a cavidade oral, maxila, mandíbula e glândulas salivares a elevadas doses de radiação, sendo que com o aumento da dose de radiação conduz a um aumento significativo da incidência de complicações, as quais podem ser reversíveis ou irreversíveis (45). Por conseguinte, a magnitude das complicações relaciona-se diretamente com vários fatores, a saber: a opção terapêutica, a classificação do tumor e o tipo de doente. No que concerne ao tratamento, é indispensável o tipo de radiação, a dose total e o tipo de fracionamento utilizados, na medida em que doses de radiação elevadas podem causar hipoxia, redução do suprimento sanguíneo, necrose e infeção. É igualmente necessário considerar o tipo histológico do tumor, o seu estadiamento e a localização anatómica. Contudo, tem de se avaliar o género, a idade, o estado geral de saúde, bem como a presença de doenças concomitantes, fatores psicológicos e sociais, hábitos de higiene oral e outros que possam influenciar a sua saúde (46); (23). A radioterapia, grosso modo, pode ter três objetivos distintos: curativo, remissivo e sintomático. Quando o objetivo do tratamento é extinguir todas as 20 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação células neoplásicas, diz-se que a radioterapia utilizada é de carácter curativo, quando se deseja reduzir parte do tumor ou complementar o tratamento cirúrgico ou quimioterápico, usa-se a remissiva; enquanto a finalidade sintomática das radiações é indicada nos casos de dor localizada. Nesses casos, as metástases ósseas são as mais beneficiadas no tratamento da dor, visto que as partes moles e os órgãos da cavidade peritoneal são menos favorecidos neste tipo de tratamento (5) Por causa do tratamento radioterápico, os doentes oncológicos da cabeça e pescoço podem apresentar complicações generalizadas, que consistem no malestar, náuseas e vómitos, anorexia e cansaço e ocorrem em cerca de 65 a 100% dos doentes em fase de tratamento, bem como complicações localizadas, que se manifestam por alterações quantitativas ou qualitativas, como, por exemplo, a mucosa frágil e o fluxo salivar reduzido, sendo a mucosite uma das mais frequentes (47); (48). As complicações podem igualmente ser classificadas como agudas, ou seja, mucosite ou estomatite, caso ocorram durante ou nas semanas imediatas ao tratamento (até 3 meses após a aplicação da radiação), e acometem tecidos com alta taxa de renovação celular, como é o caso da mucosa oral; ou tardias/crónicas, ou seja, xerostomia, cáries de radiação, osteorradionecrose, trismo, alterações no paladar, dermatite, necrose dos tecidos moles, caso ocorram meses ou anos após o tratamento, comprometendo tecidos e órgãos de maior especificidade celular, como os músculos e os ossos. As complicações tardias são, por norma, irreversíveis e variam de intensidade (leves, moderadas ou graves), piorando a qualidade de vida relacionada com a saúde dos doentes (49); (38); (45); (43). Havendo uma avaliação inicial dos doentes antes do tratamento radioterápico, podem prevenir-se as complicações, ou pelo menos, minimizá-las (50). Após uma correta avaliação do estádio da neoplasia e definição da doença ressecável, a excisão cirúrgica é a abordagem terapêutica mais eficaz para atingir a cura, sendo de máxima importância no controlo da mesma, a margem de recessão livre de tumor. A recessão pode ser feita através de bisturi, laser ou eletrodissecação e, em qualquer uma delas, é importante garantir margens livres 21 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação de doença através da consulta anatomopatológia intraoperatória e é necessário verificar a existência de gânglios cervicais metastizados ou tumores iniciais espessos (≥3mm), estando nestes casos indicado o esvaziamento ganglionar cervical. Quando restam dúvidas em relação às margens de recessão do tumor primário, deve ser considerado o uso da radioterapia adjuvante. As metástases são mais comuns em casos de tumores com localizações mais inferiores da cavidade oral (17); (2). Mesmo após a recessão cirúrgica completa do tumor primário, existe um risco anual de 4% destes doentes terem uma recidiva, pelo que é necessário um controlo apertado, incentivar o abandono dos principais fatores de risco (tabaco e álcool) e realizar exames de rotina para deteção precoce (51). Nos últimos anos tem surgido uma maior preocupação com a qualidade de vida dos doentes crónicos, nomeadamente dos doentes oncológicos, existindo uma maior preocupação com a redução das sequelas impostas pelos tratamentos. Quando se fala especificamente no cancro da cabeça e do pescoço, estas sequelas representam alterações a vários níveis, fisiológicas e/ou estéticas (26). Durante muitos anos, próteses acomodadas diretamente sobre os tecidos remanescentes foram utilizadas na tentativa de minimizar as mutilações decorrentes do tratamento. Contudo, as alterações anatómicas pós-cirúrgicas e fisiológicas que podem comprometer a retenção e estabilidade de próteses convencionais, dificultam a reabilitação, comprometendo o sucesso estético e funcional e conduzindo a queixas tão comuns como a insegurança ao falar em público ou o odor desagradável na boca. Estas podem manifestar-se durante ou depois de completar o tratamento, afetando significativamente a qualidade de vida dos doentes oncológicos ( 52); (53). Com os avanços tecnológicos dos últimos tempos, a sobrevida dos doentes oncológicos da cabeça e pescoço tem aumentado (53). A cirurgia radical pode prolongar o tempo de sobrevida dos doentes com cancro da cabeça e pescoço, mas é cada vez mais reconhecido que esses ganhos podem ser compensados por uma perda substancial na sua qualidade de vida, devido às deformidades e incapacidade (3). Os mesmos autores alertam 22 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação para a importância da aparência facial na autoestima dos doentes e o impacto social que a deformidade visível causa, resultando em estigmatização dos doentes, que acabam por ter mais receio da desfiguração facial do que da própria doença. Assim, poder-se-á dizer que o impacto da desfiguração influencia visivelmente a qualidade de vida destes doentes. A ressecção, reconstrução e radioterapia pós-operatória nas neoplasias face podem ter efeitos negativos significativos sobre a qualidade dos doentes. O tratamento cirúrgico destes tumores muitas vezes envolve a ressecção radical da maxila e estruturas vitais adjacentes, ou seja, a órbita, nariz e tecidos moles da faringe e facial (54). A maxilectomia altera a aparência facial e bucal, bem como algumas funções, como a fala, a deglutição e a mastigação. A estética facial e as funções orais são essenciais para a interação social e têm um impacto sobre a qualidade de vida do indivíduo. A reconstrução através da maxilectomia pode minimizar a deformidade facial, restaurar a função oral, contribuindo para o bemestar psicológico do doente (53). Recentes avanços em técnicas de planeamento pré-cirúrgicas têm facilitado a reconstrução anatómica da infraestrutura óssea da maxila ( 53). Várias opções de reconstrução têm específicas indicações e vantagens dependendo do tamanho e localização do defeito ablativo, comorbidade, tipo de tumor, estádio da doença e prognóstico. A ressecção cirúrgica de tumores da cabeça e pescoço e consequente reconstrução têm efeitos negativos na qualidade de vida dos doentes (4). Os mesmos autores realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde após maxilectomia e reconstrução com um obturador protético. Os seus resultados mostram que a terapia de radiação no pós-operatório foi a variável que afetou significativamente a qualidade de vida dos doentes sujeitos à maxilectomia e à reconstrução protética com obturador. Todavia, os mesmos autores acrescentam que há ainda a necessidade de um estudo multicêntrico com uma amostra maior, para identificar quais os fatores que afetam a qualidade de vida dos doentes após maxilectomia e de que modo podem influenciar a escolha de reconstrução. 23 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação O médico dentista deve conhecer as várias complicações decorrentes do tratamento anti-neoplásico, os seus sinais, os sintomas e as possíveis formas de prevenção e tratamento dos mesmos, promovendo a melhor qualidade de vida destes doentes, antes, durante e depois do tratamento, em colaboração com o oncologista e o radioterapeuta (39); (46); (41); (55). A avaliação da qualidade de vida nos doentes oncológicos da cabeça e pescoço pode ajudar na seleção do tipo de tratamento e servir como preditivo de prognóstico na decisão terapêutica. Deste modo, é importante compreender melhor a doença oncológica, facilitar a comunicação com o doente, permitindo delinear os cuidados oncológicos centrados no mesmo. De salientar a importância do médico dentista na sensibilização da população para este problema e na deteção precoce, através do exame clínico de rotina, reencaminhando o doente para um especialista, quando necessário, o que remete para o papel da equipa multidisciplinar no tratamento e suporte dos doentes oncológicos, particularmente nos doentes com patologia oncológica da cabeça e pescoço. 24 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 2. Problema em estudo A desfiguração facial é frequentemente nas pessoas com cancro da cabeça e pescoço, após a cirurgia e tem um impacto significativo na sua qualidade de vida. Os mesmos autores citados referem que a cirurgia radical pode prolongar o tempo de sobrevida na neoplasia da cabeça e do pescoço, mas é cada vez mais reconhecido que esses ganhos podem ser compensados por uma perda substancial na qualidade de vida, devido à deformidade e à incapacidade O importante papel da aparência facial na autoestima e em termos de impacto na sociedade, que reage com aversão à deformidade visível, significa que a sua alteração pode ter um impacto significativo na qualidade de vida, de modo que estes doentes acabam por sentir receio quanto à desfiguração facial e, em alguns casso, mais do que em relação à recorrência da própria doença (3). Face ao exposto, formula-se a questão de investigação, orientadora do trabalho: - Quais os protocolos de atuação clínica aplicados em doentes com cancro da cabeça e pescoço? 3. Tipo de estudo Com o intuito de se conhecerem os protocolos de atuação clínica aplicados no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia em doentes com cancro da cabeça e pescoço, efetuou-se, em primeiro lugar, uma revisão sistemática da literatura. Uma revisão sistemática da literatura consiste em realizar uma análise crítica a um conjunto de publicações pertinentes para o domínio da investigação (56). Desta forma, foi possível integrar a informação de um conjunto de estudos já realizados e refletir sobre os mesmos. O local de estudo é o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Importa referir que a opção por um estudo de caso múltiplo assenta na possibilidade do mesmo permitir a 25 identificação e documentação das Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação características análogas em contexto, garantindo igualmente uma maior abrangência e pluralidade. Após a justificação da estratégia de investigação adotada, passa-se a apresentar o objetivo, os participantes/amostra, os procedimentos referentes aos processos e técnicas de recolha de dados. 4. Metodologia No que se refere aos materiais e métodos utilizados, começa-se por referir que se recorreu à revisão de artigos científicos publicados em revistas referidas no Index Medicus utilizando para tal os motores de busca PUBMED, EMBASE e MEDLINE OVID. As palavras-chave foram as seguintes: a) “head and neck cancer patients”; b) “impact of appearance on quality of life”. Os critérios de inclusão foram: artigos publicados até 2012; artigos referentes à epidemiologia da neoplasia da cabeça e pescoço; artigos de revisão da fisiopatologia; artigos referentes ao tratamento; artigos relativos ao impacto da aparência, após cirurgia, na qualidade de vida dos doentes; artigos referentes à qualidade de vida após maxilectomia. 5. Participantes/Amostra Uma população ou universo é o conjunto de valores de uma variável sobre a qual pretendemos tirar conclusões, acrescentando que em ciências sociais é usual termos apenas um valor da variável para cada caso (57). Num estudo de caso, a escolha da amostra adquire um sentido muito particular. De facto, a seleção da amostra é fundamental, pois constitui o cerne da investigação. Apesar da seleção da amostra ser extremamente importante, a investigação, num estudo de caso, não é baseada em amostragem (58). A mesma autora salienta que, ao escolher o “caso” o investigador estabelece um fio condutor lógico e racional que guiará todo o processo de 26 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação recolha de dados. Não se estuda um caso para compreender outros casos, mas para compreender o “caso”. A constituição da amostra é sempre intencional baseando-se em critérios pragmáticos e teóricos, em detrimento dos critérios probabilísticos, procurando as variações máximas e não a uniformidade (59). As características da população definem o grupo de sujeitos que serão incluídos no estudo e precisam os critérios de seleção. Como tal, conta-se com 5 casos, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: ter cancro da cabeça e pescoço; ter sido sujeito a cirurgia; ter sido sujeito a maxilectomia ou mandibulectomia. Tratou-se de uma amostra por conveniência. 6. Procedimentos de recolha de dados A recolha de dados foi efetuada no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, ou seja, fez-se o levantamento dos diversos protocolos de atuação clínica aplicado no referido Hospital, como forma de se poder conhecer os protocolos de atuação clínica aplicados em doentes com cancro da cabeça e pescoço. Para se conseguir os casos clínicos, que constam desta investigação, contou-se com a participação do Professor Doutor Horácio Costa, Diretor Clínico do Serviço de Cirurgia Plástica Maxilofacial do referido Centro Hospitalar, locus de ação. 27 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 7. Resultados Neste ponto do trabalho procede-se à apresentação dos resultados, ou seja, passa-se a especificar cada caso clínico. Por uma questão de ética, não se identifica a identidade de cada doente, sendo identificados por número. Caso clínico nº1: Idade: 53 anos Data de nascimento: 22- 10- 1959 Sexo: Masculino Tipo de tumor: Tumor maligno do Seio Maxilar. Carcinoma espinocelular da parede anterior do seio maxilar direito (palato, orbita e maxilar direito). Quando foi diagnosticada a neoplasia/ Localização/ Cirurgia/ Reabilitação: Teve a peça dentária 5.3 presente na cavidade oral até aos 52 anos. Em novembro de 2012 surgiu-lhe uma infeção no palato na zona do canino para a qual foi prescrito antibiótico, havendo dois episódios destes num curto espaço de tempo. Na última vez que teve esta infeção, foi-lhe feita uma biopsia aspirativa, da qual não houve qualquer sucesso, pois não existia nada para aspirar. Através da ortopantomografia e do Rx periapical, realizado o médico dentista, verificaram que a lesão tinha 2,2 cm de diâmetro, achando melhor encaminhá-lo juntamente com uma carta para o médico de família, o qual o encaminhou de imediato para o Hospital de Gaia, isto no dia 22 de fevereiro de 2012. Foi chamado à consulta no dia 22 de março, onde lhe foi feita uma biopsia incisional da qual retiraram um pedaço de osso. No dia 13 de maio ficou a saber que tinha um carcinoma espinocelular da parede anterior do seio maxilar direito. Deu entrada no dia 27 de maio no hospital e foi submetido a cirurgia no dia 28 de maio. Foi submetido: a abordagem segundo Weber-Fergunson-Longmeyer; 28 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação deslocamento supraperiostal e com margens de massa tumural, incluindo mucosas orais peritumor; isolamento e deslocamento de maxila direita; maxilectomia direta tipo III, segundo Cordeiro e Santamaria, com extensão contralateral até alvéolo de 2.20, segundo guias de osteotomias pré moldadas; abordagem cervicaltipo Conley modificada, com prolongamento vertical; deslocamento subplastisnal; esvaziamento cervical funcional suprahomohiodeo direito, com preservação de vasos faciais; sialodenectomia da glândula submaxilar direita; colocação de drenos tubulares; encerramento com vicryl 3.0 e monocryl 4.0; modulação de retalho para defeito maxilar; osteossíntese com duas placas Synthes 2.0 e parafusos de 6 e 8 mm; modelação de oblíquo interno para obliteração seio maxilar e parede nasal direita, com colocação de tamponamento direito; anastomose entre artéria circunflexa ilíaca profunda e artéria facial intra oral e anastomose entre veia circunflexa ilíaca profunda e veia facial intra oral, com encerramento com vicryl 3.0 e monocryl 4.0. Permaneceu em coma induzido do dia 28 de maio ao dia 4 de junho. O doente relatou que não conseguia caminhar, tinha a visão turva e não conseguia pegar numa caneta para escrever, nem sentia vontade para o fazer. Passado alguns dias já conseguia pegar na caneta e a primeira coisa que escreveu foi: “Beijinhos para todos”. Viu-se, pela primeira vez, ao espelho no dia 16 de junho, tendo descrito o que sentiu da seguinte maneira: “Não senti nenhum choque, nem me senti triste ao ver-me assim, pois, para mim, foi outra oportunidade de vida que me deram, e encaro tudo isto com naturalidade e como se fosse a minha segunda oportunidade de vida.” Teve alta no dia 20 de junho. Referiu que ficou com dormência no braço esquerdo após a cirurgia, segundo o Professor Doutor Horácio, ele já teria alguma lesão anterior na coluna que agravou com a cirurgia. Fez radioterapia e vai fazer radioterapia a partir do dia 10 de julho. No entanto, ainda não se sabe durante quanto tempo. Posteriormente será reabilitado com implantes. O doente ficou com algumas sequelas em termos estéticos, nomeadamente: perda de sensibilidade do lado direito; presença de algumas 29 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação cicatrizes na face e no pescoço; olho direito caído; nariz com desvio para o lado esquerdo, bem como toda a face direita. Em termos alterações sofridas devido à doença, revelava dificuldades em falar (na pronúncia de determinadas palavras) e com dificuldade na alimentação (não pode comer alimentos duros). Autoperceção sobre a qualidade de vida: Apesar da doença considera a sua qualidade de vida boa, referiu que o incomoda mais a perna (devido à cirurgia) do que a cara, encarando este episódio da vida dele como uma segunda oportunidade de vida. Inclusive, espera vir a voltar à vida profissional, trabalhando numa oficina, onde exerce há 35 anos. 30 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 31 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Caso clínico nº2: Idade: 33 anos Data de nascimento: 04- 04-1980 Sexo: feminino Tipo de tumor: Osteomielite crónica na maxila direita Quando foi diagnosticada a neoplasia/Localização/ Cirurgia/ Reabilitação: A utente, há 4 anos, foi a uma Clínica Dentária e disseram-lhe que tinha um quisto, o qual foi retirado por cirurgia e levou enxerto ósseo. A partir daí andou sempre com abcessos e fístulas purulentas, tendo sido feita a drenagem das mesmas bem como algumas endodontias. Foi diagnosticada osteomielite crónica na maxila direita em novembro de 2012. A partir do mês de abril começou a ter dores e surgiu-lhe uma grande infeção, tendo sido adiada a primeira cirurgia. Deu entrada no hospital no dia 13 de maio, onde foi submetida a cirurgia no dia 14 do mesmo mês. Foi sujeita a uma incisão cutânea, segundo Weber-Fergunson, à direita; maxilectomia tipo IIb até 2.3; abordagem intra-oral com identificação de artéria facial; abordagem submandibular para identificação de veia facial e seu trajeto ascendente; incisão cutânea paralela ao ligamento inguinal esquerdo; dissecação e identificação dos vasos circunflexos ilíacos profundos e seu ramo ascendente; levantamento de retalho de crista ilíaco com músculo oblíquo interno; colocação de dois drenos na região dadora e sutura a pele com seda; sutura por planos com Vicry 3-0 e Monocryl 3-0; remodelação do retalho oral e osteossíntese com placas e parafusos. Em relação às anastomoses microcirúrgicas, anastomose termino-terminal (TT) artéria facial – artéria circunflexa ilíaca profunda e TT veia facial – veia circunflexa ilíaca profunda. Foi-lhe colocado um dreno microtubular na região recetora, com sutura com Vicryl 4-0 e Monocryl 4-0. Permaneceu em coma induzido desde o dia 14 ao dia 19 de maio. Saiu dos Cuidados Intensivos no dia 23 de maio, dia em que se viu pela primeira vez ao espelho, tendo testemunhado: “Senti um choque muito grande quando me vi ao espelho, pois estava muito inchada e com a cara bastante deformada e eu preso 32 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação muito a estética, pois faço atendimento ao público.” Teve que voltar ao bloco operatório no dia 14 de junho, dado que o músculo que lhe colocaram estava muito grande e teve que ser cortado. Teve um pós-operatório muito complicado devido à traqueostomia, com muitas dificuldades respiratórias. Teve alta no dia 20 de junho. O doente vai reabilitar a cavidade oral, passado um ano, com implantes. No que se refere às sequelas em termos estéticos, ficou com o lábio superior descaído, do lado direito. Apresentou alterações sofridas devido à doença, como dificuldades em falar e alimentar-se, bem como alteração do paladar. Autoperceção sobre a qualidade de vida: A doente referiu que se sente mais nervosa, mais cansada e sem forças para fazer as suas atividades de vida diárias. Trabalha na restauração e pretende retomar a sua profissão quando estiver reabilitada. Referiu que se desloca muitas vezes ao banco e faz o atendimento ao público, sendo muito importante a sua autoimagem. 33 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Caso clínico nº3: Idade: 37 anos Data de nascimento: 24-05-1976 Sexo: masculino Tipo de tumor: Neoplasia benigna do osso da mandíbula. Fibroma ossificante do mento e da mandíbula com extensão bilateral aos hemicorpos mandibulares. 34 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Quando foi diagnosticada a neoplasia/ Localização/ Cirurgia/ Reabilitação: Fez uma biopsia aspirativa num médico dentista, a qual não foi possível de ser feita, tendo sido depois feita uma biopsia incisional e da análise anatomopatológica veio como sendo um ameloblastoma, fazendo depois uma TAC da qual surgiu um resultado diferente. Dirigiu-se ao Hospital no final de março de 2013, tendo feito uma terceira biopsia com corte de osso da qual resultou o diagnóstico de Fibroma ossificante do mento e da mandíbula com extensão bilateral aos hemicorpos mandibulares. Foi internada no dia 2 de maio e submetida a cirurgia no dia 21 de maio. O doente foi submetido a traquiotomia temporária segundo Bjork; abordagem submandibular com dissecação dos vasos faciais bilateralmente; submandibulectomia bilateral e seu envio para AP juntamente com adenopatia cervical jugulocarotidea direita; mandibulectomia segmentar de corpo mandibular com exérese em bloco de lesão de acordo com guias cirúrgicas; levantamento de retalho ósseo livre de crista ilíaca esquerda com cerca de 11x2 cm; laqueação de artéria circunflexa ilíaca e veia correspondente na sua origem; encerramento de zona dadora por planos com vicryl 2.0; colocação de drenos aspirativos subturados à pele; encerramento cutâneo com monocryl 3.0; modelação de retalho ósseo livre de crista ilíaca de acordo com guia com osteotomia única; modelação de placa de osteossíntese 2.0 para retalho e para osteossíntese a corpos mandibulares; osteossíntese rígida com parafusos de 10 a 12 mm e parafuso de 8 mm na região de sínfise mentoniana; anastomoses microcirúrgicas; TT artéria circunflexa ilíaca profunda – artéria facial esquerda; TT veia circunflexa ilíaca profunda – veia facial; drenos microtubulares cervicais; encerramento por planos com vicryl 3 e 4.0 e monocryl 3.0 e pensos adequados. Permaneceu em coma induzido desde o dia 21 até dia 26 de maio. No dia 28 e maio já se encontrava na enfermaria e foi quando se viu pela primeira vez ao espelho. Contudo, como estava à espera do pior, não ficou traumatizada, alegando: “Eu achava que ia ter a cara do tamanho de uma bola, 35 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação que ia ter a cara roxa e preta, por isso a forma como estou é muito melhor que aquela que eu esperava. O que me custa mais é a perna”. Teve alta no dia 17 de junho. Acrescenta-se que a doente não fez radioterapia nem quimioterapia, antes e depois da cirurgia. A mesma será, posteriormente, reabilitada com implantes. Em termos estéticos, a doente tem a presença de cicatrizes por baixo do queixo e o lábio inferior intruído. Em termos de alterações sofridas por cuada da doença, resultou em muita dificuldade em falar, com dificuldade de perceção das suas mensagens verbais, bem como dificuldade e medo acrescido em alimentarse. Autoperceção sobre a qualidade de vida: Em termos de qualidade de vida, de acordo com o relato da doente, esta encontra-se bastante limitada para as atividades de vida diárias, alegando que, no início, não queria ver ninguém devido ao seu aspeto, ou seja, sofreu muito com o impacto da transformação da sua autoimagem. Contudo, a mesma deixou claro que era melhor do que o que esperava. Em termos profissionais, sendo a doente professora, espera retomar a sua profissão quando se sentir em condições para tal e com uma autoimagem restabelecida, dentro dos possíveis. 36 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 37 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Caso clínico nº4: Idade: 56 anos Data de nascimento: 04-09-1956 Sexo: Masculino Tipo de tumor: Tumor maligno do Seio Maxilar Tumor adenoide cístico invasor da maxila direita Quando foi diagnosticado/ Localização/ Cirurgia/ Reabilitação: Foi-lhe diagnosticada a neoplasia em abril de 2011. Deu entrada no dia 24 de maio no hospital e foi submetido a cirurgia no dia 25 de maio. O doente foi submetido a: abordagem segundo Webber-Ferguson-Longmayer à direita; abertura em livro nas partes moles da hemiface direita; isolamento ósseo da face anterior da maxila, com prolongamento para arcada zigomática, ossos próprios do nariz e frontal; isolamento do pavimento órbita; hemimaxilectomia com excisão no palato mole, infiltrado por lesão; deslocamento das fossas nasais até à base do crânio, até aos limites definidos por lesão tumoral; ressecamento da peça completa de lesão (maxila + pavimento órbita+ etmoide + fossa nasal direita + septo + lesão tumoral) sem invasão aparente intracraniana, com prolongamento intracraniano, após observação e discussão por ORL + NeuroC, a traduzir padrão inflamatório, não relacionado com lesão tumoral; levantamento enxerto ósseo crista ilíaca esquerda; remodelação e fixação para reconstrução do pavimento da órbita; levantamento de retalho reto abdominal; incisão do pescoço à direita, com isolamento da artéria e da veia facial; anastomose termino-terminal da artéria e da veia; remodelação de retalho para preenchimento de defeito; encerramento por planos; colocação de dreno tubular e encerramento com monocryl 4.0 Teve alta no dia 24 de junho. Após a cirurgia, fez radioterapia e o enxerto colocado retraiu. Como tal, foi submetido a nova cirurgia no dia 4 de junho de 2013, devido às sequelas da maxilectomia direita tipo IIIa e da reconstrução com retalho livre de reto abdominal 38 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação e enxerto da crista ilíaca para pavimento da órbita. Permaneceu em coma induzido desde o dia da cirurgia até ao dia 11 de junho. Ainda se encontra hospitalizado em recuperação. Posteriormente será reabilitado com implantes Em termos estéticos, apresenta perda de sensibilidade do lado direito, presença de algumas cicatrizes na face, olho direito caído e nariz com desvio para o lado esquerdo, bem como toda a face direita. O doente apresenta dificuldades em falar, sobretudo, na pronúncia de determinadas palavras e dificuldade na alimentação (não pode comer alimentos duros). Primeira cirurgia 39 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Segunda cirurgia 40 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 41 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 42 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Caso clínico nº5: Idade: 32 anos Data de nascimento: 24-09-1980 Sexo: Feminino Tipo de tumor: Osteossarcoma na mandíbula esquerda Quando foi diagnosticado/ Localização/ Cirurgia/ Reabilitação: Foi diagnosticado à doente um osteossarcoma na mandíbula esquerda, resultando em cirurgia, onde foi feita mandibulectomia esquerda há 9 anos e reconstrução com retalho livre de perónio há 8 anos, que necrosou. Cobertura com enxerto de pele total da mama após desbridamentos e plastias (no Hospital de Santo António) não motivada, na altura, para nova tentativa recorre agora para reconstrução mandibular com crista ilíaca. Foi submetida a uma abordagem cervico-facial, segundo cicatrizes prévias; identificação e isolamento da artéria carótida comum e veia jugular interna para realização das anastomoses microcirúrgicas; libertação dos topos ósseos, nomeadamente corpo da mandíbula à esquerda e ramos à direita; levantamento de retalho livre e ramo à direita; 43 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação levantamento de retalho livre de crista ilíaca; colocação de dois drenos aspirativos suturados à pele na zona dadora; encerramento por planos com Vicryl 3.0 e com monocryl 3.0; modelação do retalho livre ao defeito ósseo mandibular com osteotomias e osteossíntese com placa e parafusos; anatomoses vasculares microcirúrgicas: TL artéria carótida comum esquerda – artéria circunflexa ilíaca profunda; TL: veia jugular interna esquerda – veia circunflexa ilíaca profunda; colocação de dois drenos tubulares na região cervico-facial; sutura por planos com vicryl 3.0 e monocryl 3.0 e penso. Deu entrada no dia 17 de Junho no hospital e foi submetida a cirurgia no dia 18 de junho. Permaneceu em coma induzido do dia 18 ao dia 25 de junho. Encontrando-se agora em recuperação, não tendo sido possível falar com a paciente devido ao seu estado. Posteriormente será reabilitada com implantes. 44 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação 8. Discussão Dos casos clínicos observados no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, pôde concluir-se que o método mais usado para reabilitação do paciente oncológico é o enxerto com perónio ou o enxerto com a crista ilíaca, o que corrobora o referido por alguns autores consultados (60). Este método é bastante invasivo e requer muitas horas de cirurgia, pois ao mesmo tempo que é feito o retalho do perónio ou da crista ilíaca é feita a cirurgia na face, requerendo, para isso, muitas horas de trabalho. Os casos em análise e os protocolos aplicados corroboram o que a literatura específica refere. A ressecção, reconstrução e radioterapia pósoperatória nas neoplasias da cabeça e pescoço podem ter efeitos negativos significativos sobre a qualidade dos doentes. O tratamento cirúrgico destes tumores envolve frequentemente a ressecção radical da maxila e estruturas vitais adjacentes (54). A maxilectomia altera a aparência facial e bucal, bem como algumas funções, como a fala, a deglutição e a mastigação. A estética facial e as funções orais são essenciais para a interação social e têm um impacto sobre a qualidade de vida do indivíduo. A reconstrução através da maxilectomia pode minimizar a deformidade facial, restaurar a função oral, contribuindo para o bemestar psicológico do doente (61), conforme os casos analisados. Como se pode ver a reabilitação destes doentes torna-se cada vez mais relevante e, à medida que a sobrevida aumenta, tem de se procurar uma melhoria da sua qualidade de vida. Neste caso, as maxilectomias resultam em defeitos estéticos e funcionais importantes, exigindo, como tal, o planeamento préoperatório da reabilitação e realização da prótese cirúrgica imediata, a fim de se minimizar essas sequelas, de modo a evitar-se maiores consequências negativas na qualidade de vida destes doentes (39). A ressecção cirúrgica de tumores da cabeça e pescoço e consequente reconstrução têm efeitos negativos na qualidade de vida dos doentes (4). Como se pôde constar, todos os pacientes que são submetidos a esta técnica permanecem em coma induzido durante pelo menos uma semana, isto 45 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação para que a sintomatologia dolorosa não seja tão percetível e para que não tenham um choque tão grande, devido ao edema presente na face. Todos são traqueostomizados e referem que têm grandes dificuldades em respirar e que a recuperação da zona traqueostomizada é muito lenta e dolorosa. A alimentação, no primeiro mês, é feita através de sonda para que não haja infeção na cavidade oral e para que os tecidos possam cicatrizar e devido à sintomatologia dolorosa. Os pacientes referem que não sentem qualquer tipo de dor na cavidade oral nem na face. No entanto, a recuperação das zonas usadas para fazer o enxerto demoram muito tempo a cicatrizar e eles sentem muitas dores nessas zonas e tem dificuldade em caminhar durante muito tempo, tendo como ajuda o uso de canadianas. É de referir também alguma perda de sensibilidade na face após a cirurgia, na medida em que os pacientes não conseguem sentir a saída de secreções nasais, o que, para eles, é bastante incómodo, como se pôde observar e através das conversas com os mesmos. É de referir que se obtêm excelentes resultados com esta técnica em termos estéticos. Contudo, a fala fica algo limitada. Esta técnica, por vezes, falha havendo necrose da zona enxertada, o que leva a que os pacientes tenham que passar novamente por outra cirurgia e por outro pós-operatório bastante doloroso, o que a nível emocional os debilita bastante. A desfiguração facial é frequentemente experimentada por estes doentes e tem um forte impacto na sua qualidade de vida. Esta é uma evidência que corrobora o postulado por vários autores (3, 4), cujos resultados dos seus estudos também comprovaram esta evidência. Estas consequências são acentuadas pelo papel central da face na comunicação social e na expressão. A cirurgia reconstrutiva visa aliviar estes efeitos, mas os benefícios de uma boa reconstrução são difíceis de quantificar. Nos casos em estudo, o que surpreendeu de forma positiva foi o facto de os pacientes encaram o seu problema e a parte estética com uma postura de certa positividade, ainda que com um impacto negativo. Ou seja, ainda que com algumas deformações e dificuldades na fala e na alimentação, bem como na 46 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação realização de outras atividades de vida diária, os pacientes afirmaram que esta foi uma segunda nova oportunidade de vida. No geral idealizaram um estado, em termos estéticos, muito pior do que a realidade, o que fez com que, aquando da primeira observação ao espelho, eles tivessem pensado que não estavam tão desfigurados quanto isso e encaram a parte estética de uma forma mais serena e com menos sofrimento. É de salientar que a recuperação leva cerca de um ano e só depois é que estes pacientes podem ser reabilitados com implantes ou próteses removíveis para terem a sua função mastigatória e a sua estética restabelecidas. No caso de neoplasias malignas, os pacientes necessitam de radioterapia e/ou quimioterapias após a cirurgia o que faz com que, em algumas situações, haja insucesso no enxerto usado e o paciente tenha que refazer novamente toda a face e sujeitar-se a uma nova cirurgia e a um novo sofrimento, o que corrobora o exposto por vários autores (39); (46); (41); (55). Em termos de protocolos clínicos, nos casos em análise, salienta-se que, para além da cirurgia, os doentes nº 1 e nº 5 fizeram radioterapia. A este propósito, o tratamento através da radioterapia tem provado efeitos terapêuticos positivos, como os altos índices de cura e maior sobrevida, bem como benefícios ao nível das atividades diárias dos doentes, manutenção da função e imagem corporal (49). A radioterapia tem sido uma opção entre as terapias disponíveis para o tratamento das neoplasias malignas. Contudo, apesar da sua eficácia, essa modalidade terapêutica promove igualmente alguns efeitos adversos que podem atingir a cavidade oral, no caso concreto de cancro da cabeça e pescoço. Nesses casos, conforme alguns autores (63), é necessário um acompanhamento contínuo por um estomatologista ou médico dentista, para que sejam dadas as orientações adequadas capazes de prevenir e atenuar esses efeitos. Os autores supracitados referem que a prevalência e a intensidade das complicações orais causadas durante o tratamento radioterápico vão depender da dose aplicada e do campo de incidência da radiação. As complicações orais decorrentes do tratamento antineoplásico ocorrem em aproximadamente 90% dos doentes com cancro da cabeça e pescoço, estando relacionadas, entre outros 47 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação fatores, com as doses e o poder de penetração das radiações, para além das respostas individuais de cada doente (25). As células presentes na mucosa da cavidade oral, faringe e laringe possuem uma alta capacidade mitótica e baixa radio-resistência, por isso tornam-se alvos fáceis ao desenvolvimento de efeitos adversos causados pela exposição à radiação, levando a que haja necrose do tecido enxertado, como nos casos clínicos analisados nº 1 e nº 5 (63). Além disso, de acordo com os autores citados, é muito importante que os radioterapeutas envolvidos no processo multidisciplinar, tenham conhecimento das sequelas da radioterapia e estabeleçam um fluxo de encaminhamento desses doentes para centros odontológicos de referência, procurando minimizar e tratar os efeitos adversos que poderão surgir na cavidade oral, para além de promover um acompanhamento contínuo que possa resgatar as condições ideais de saúde, contribuindo para a qualidade de vida e autoestima desses doentes. Apesar de em nenhum dos casos clínicos os doentes terem sido sujeitos a quimioterapia, poder-se-á dizer, de acordo com a bibliografia consultada, que este protocolo de atuação clínico tem finalidades curativa, adjuvante, neoadjuvante e paliativa (25); (26). Nos casos em análise, poder-se-á justificar a não aplicação de quimioterapia, uma vez que este é um protocolo clínico aplicável em tumores nos estádios III/IV, ainda que possam ser empregues a radioterapia e a cirurgia, bem como fármacos dirigidos contra alvos moleculares específicos (2). Há a salvaguardar que se deve ter sempre em consideração a escolha da terapia, ou seja, aquela que resulte numa maior possibilidade de cura, tendo em atenção as características do tumor e do doente. . 48 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Conclusão Com esta Monografia foi possível contactar de perto com a realidade do doente oncológico, pois conseguiu-se aperceber do seu sofrimento, das suas angústias, das suas tristezas, das suas dúvidas, do valor que dão à vida naquele momento, da importância que dão a coisas que nos passam ao lado no nosso diaa-dia, da sua coragem e da sua força de viver... Foi uma experiência única, apesar do sentimento de pena que é impossível não ter e da tristeza que nos invade por dentro, reconforta-nos a força que aquelas pessoas têm e a coragem com que enfrentam uma doença que, para além de os destruir por dentro, os destrói por fora, deixando sequelas e marcas impossíveis de esconder nos seus rostos. Dos cinco casos observados e da bibliografia analisada pôde concluir-se que os protocolos usados no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia possibilitam ao doente com cancro da cabeça e pescoço uma vida mais digna e com uma estética menos comprometida, possibilitando-lhes uma esperança e qualidade de vida superior. É verdade que são técnicas muito invasivas e também têm implicações no paciente, pois para corrigir uma parte do corpo “mutila-se outra”, ficando os doentes com autoimagem baixa. Dos casos observados, pode concluir-se que há implicações decorrentes da radioterapia ou do tempo, tais como, necrose dos enxertos realizados e alterações na forma e tamanho do enxerto devido à radioterapia, como se pôde observar nos casos clínicos nº 5 e nº 4, respetivamente. São tratamentos que requerem uma recuperação muito lenta, levando muito tempo até o paciente estar completamente reabilitado, pois, para além da recuperação pós-operatória, por vezes é necessária uma nova cirurgia para reduzir um enxerto que tenha ficado muito grande e que impossibilite a reabilitação quer com prótese parcial removível, quer com implantes. Do observado no Centro Hospitalar de Vila Nova de gaia, a reabilitação total do paciente demorará cerca de um ano ou mais, ficando os pacientes limitados durante esse tempo. 49 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Como qualquer outro trabalho, também este teve as suas limitações. Assim, começa-se por dizer que o fator o tempo se constituiu numa delas, pois num mês de observação não foi possível obter mais casos clínicos, se tivesse havido mais tempo pensa-se que o estudo empírico teria ficado muito rico. Outra limitação teve a ver com a escassa bibliografia na área. Contudo, tudo foi ultrapassado e pode dizer-se que se alcançaram os objetivos delineados. Como proposta futura, seria interessante fazer um estudo da qualidade de vida dos pacientes analisados após a reabilitação total, ver como ficaram a nível estético, como se inseriram novamente na sociedade, como foi retomar a sua atividade profissional, ou seja, avaliar a sua qualidade de vida recorrendo a um inquérito por questionário. A avaliação da qualidade de vida nos doentes oncológicos da cabeça e pescoço pode auxiliar na seleção do tipo de tratamento e servir como preditivo de prognóstico na decisão terapêutica, compreender melhor a doença oncológica, facilitar a comunicação com o doente, possibilitando delinear os cuidados oncológicos centrados no doente, de forma holística. 50 Reabilitação do doente oncológico da cabeça e pescoço - considerandos clínicos e protocolos de atuação Bibliografia 1 - Freitas, D. A. et al. (2011). Sequelas bucais da radioterapia de cabeça e pescoço. Revista CEFAC, 13: 1103-1108. 2 - Santos, L.L. & Teixeira, L.M. (2011). Oncologia Oral. Lisboa: Lidel. Saúde. Lisboa: Climepsi Editores. 3 - Djan, Radhianie & Penington, A.(2013). A systematic review of questionnaires to measure the impact of appearance on quality of life for head and neck cancer patients. Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery, 20: 1-13. 4 - Chigurupati, R.; Aloor, N.; Salas, R. & Brian, S. (2013). 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