Neuroplasticidade na terapia de restrição e indução do movimento em pacientes com acidente vascular encefálico Brain plasticity in the Constraint-Induced Movement Therapy after stroke in humans *Leila Diniz, **Marcia Helena Santos Abranches RESUMO Uma abordagem terapêutica para reabilitação do movimento após AVE, chamada Terapia de Restrição e Indução do Movimento (TRIM), surgiu de pesquisas iniciais emmacacosquesofreramumadesaferentação somatossensorial. A CIMT consiste de uma familía de terapias; onde seu elemento comum é que ela induz pessoas com AVE para um grande aumento no uso da sua extremidade superior mais afetada por muitas horas por dia acima de um período de 2 a 3 semanas. Estas terapias conduzem à uma significante melhora na qualidade de movimento e um substancial aumento na quantidade de uso da extremidade superior mais afetada nas atividades de vida diária. Palavras Chave: Hemiplegia; Plasticidade neuronal; Terapia por exercício; Movimento; Acidente vascular cerebral INTRODUÇÃO O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a maior causa de morbidade na maioria dos países ocidentais. Aproximadamente 80% dos pacientes de AVE sobrevivem à fase aguda, embora a maioria dos pacientes recupere sua habilidade de caminhar, 30 a 66% dos sobreviventes não são capazes de usar o braço afetado. O processo de recuperação da função da extremidade superior hemiparética é frequentemente mais lento que o processo de recuperação da extremidade inferior (1) . As técnicas de reabilitação tem sido mais bem sucedidas na restauração da função do membro inferior hemiparético que do membro superior nestes pacientes (2) . Mas, infelizmente a função do membro superior é mais importante para a vida independente e auto-estima do paciente (3) . A Terapia de Restrição e Indução do Movimento (TRIM) é uma nova intervenção que vem sendo usada principalmente para o tratamento da extremidade superior hemiparética nos pacientes com AVE (4) , constitui uma estratégia de tratamento A A rtigo Original ABSTRACT A therapeutic approach to rehabilitation of movement after stroke, termed Constraint-Induced Movement Therapy (CIMT), has been derived from basic research with monkeys givem somatosensory deafferentation. The CIMT consists of a family of therapies; their common element is that they induce persons with stroke to greatly increase the use of a more affected upper extremity for many hours a day over a 2 to 3 week period. These therapies have significantly improved quality of movement and substantially increased amount of use of a more affected upper extremity in the activities of daily living. Key Words: Hemiplegia; Neuronal plasticity; Exercise therapy; Movement; Cerebrovascular accident que promove uma melhora clínica apesar do déficit neurológico, se mostrando um método potencial para melhorar a recuperação sensoriomotora (5) . A meta deste tratamento é maximizar ou restabelecer a função motora da extremidade superior hemiparética desencorajando o uso da extremidade superior contralateral à hemiparesia e encorajando a realização de atividades funcionais usando a extremidade superior hemiparética (6) . A primeira parte do protocolo da Terapia de Restrição e Indução ao Movimento (TRIM) consiste da restrição da extremidade superior não acometida para que as atividades de vida diária do paciente sejam realizadas com a extremidade superior hemiparética, a restrição é realizada com um disposivo em forma de luva por aproximadamente cerca de 90% do tempo que o paciente permanece em vígilia durante o período de tratamento, dessa forma o paciente durante o tempo de tratamento fica impedido de compensar o uso da extremidade superior hemiparética. A segunda parte do protocolo da TRIM consiste do treinamento diário da extremidade superior hemiparética por cerca de 6 horas diárias, esse treinamento é supervisionado pelo profissional de reabilitação. O protocolo completo de tratamento é administrado durante o período de 14 dias consecutivos, sendo o treinamento somente administrado durante os 10 dias úteis de tratamento (5) . O objetivo deste estudo foi realizar um profundo levantamento da literatura sobre esta técnica de tratamento que atualmente vem sendo empregada na tentativa de reabilitar a extremidade superior parética dos pacientes com AVE e entender os mecanismos neuroplásticos envolvidos neste processo. Med Reabil 22(3): 53-5, Setembro-Dezembro, 2003. Data de recebimento do artigo 06/06/03 Data da Aprovação 24/07/03 Mestranda – Neurologia Escola Paulista de Medicina **Fisioterapeuta Hospital São Paulo Instituição da Realização do Trabalho: Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina Page 2 54 Diniz L; Abranches MHS. Neuroplasticidade na Terapia de Restrição e Indução do Movimento em Pacientes com Acidente Vascular Encefálico.Med Reabil 2003; 22(3): 53-5. DISCUSSÃO Há muito se sabe que ocorre plasticidade substancial no desenvolvimento do sistema nervoso. Com o aprimoramento dos métodos de pesquisa, está ficando claro que significante plasticidade permanece na fase adulta. A aparente facilidade com que os mapas corticais podem ser alterados por aferências periféricas tem significância especial. Depois de uma lesão ou doença central, algumas respostas plásticas favorecem a recuperação, mas outras são contraproducentes (7) . O treinamento motor é fonte de desenvolvimento cerebral pois induz à mudanças neuroplásticas, a realização de qualquer atividade motora gera padrões de estimulação sensorial proprioceptiva e pode ser fonte de modulação neuroplástica em áreas motoras e somatossensoriais (8) , o treinamento repetido de atividades motoras ajuda a reparar os danos provocados por lesões cerebrais em ratos (9) . A Terapia de Restrição e Indução ao Movimento (TRIM) é uma técnica que envolve um treinamento repetido de atividades motoras, que podem melhorar a função e o uso da extremidade superior hemiparética resultado de um AVE crônico (7) , agudo (6), e subagudo (10), acredita-se que essa melhora ocorra através de dois mecanismos separados, porém intimamente ligados: superação do “não uso aprendido” e indução de uma reorganização cortical uso-dependente. Estes mecanismos são diferentes daqueles atribuídos para as abordagens de reabilitação convencionais, que geralmente procuram alcançar compensação, recuperação “verdadeira” e/ou substituição (7) . Os príncipios da TRIM são baseados em pesquisas anteriores com primatas, nos quais as sensações somáticas de uma única extremidade superior foram abolidas cirurgicamente através de rizotomia dorsal. Os macacos cessaram o uso da extremidade superior afetada imediatamente após a desaferentação e nunca recuperaram seu uso espontaneamente. Porém o uso do braço desaferentado pôde ser induzido tanto por imobilização da extremidade superior intacta, como por treinamento em um período de dias consecutivos da extremidade superior afetada. O resultado foi uma re-utilização extensiva da extremidade superior desaferentada persistindo pelo resto da vida do animal, refletindo em ganhos motores nas atividades funcionais como por exemplo na alimentação (6) . A desaferentação somatossensória e o AVE obviamente envolvem tipos diferentes de lesão. Porém a natureza do mecanismo envolvido em “não usar a extremidade superior afetada” é tal que este entrará em operação sempre que houver um dano ao sistema nervoso resultando em um amplo déficit inicial seguido por um período de recuperação prolongada (4) .Como o paciente ou animal após o AVE se utiliza de estratégias compensatórias, para realizar suas atividades de vida diária, usando assim, a extremidade superior não afetada na maioria de suas atividades a recuperação intrínsica que ocorre é “mascarada” (5) . Portanto, embora a função motora possa retornar gradualmente como resultado da recuperação espontânea e reabilitação, o uso atual da extremidade superior hemiparética frequentemente parece ser muito menor que o uso potencial (11) . Recentes achados relacionados a neuroplasticidade e reorganização cortical poderiam explicar a relatada efetividade da CIMT em aumentar o uso da extremidade superior afetada de pacientes com AVE (12) , estudos usando Tomografia por emissão de Positrons (PET), Imagem de Ressonância Magnética Funcional (FMRI), Estimulação Focal Transcranial Magnética (TMS) e Magnetoencefalografia (MEG) fundamentam o conceito de reorganização cortical uso-dependente que resulta de um uso aumentado de partes do corpo que realizam tarefas relevantes e conduzem para uma intensificação da representação daquela parte do corpo no cótex cerebral (13)(10) . A TRIM tem mostrado ser mais efetiva que as terapias tradicionais para promover estas mudanças representacionais corticais (6) . Acredita-se que esse processo possa ser usado para melhorar sistemas patológicos e que à ele se deva parte dos resultados favoráveis obtidos com a CIMT (13) . O curto período de tempo do tratamento, 14 dias, faz a formação de novas conexões anatômicas por meio de brotamentos colaterais como um mecanismo improvável relacionado a neuroplasticidade induzida pela TRIM, porque claras evidências do crescimento axonal não tem sido encontradas até meses após ocorrência de uma lesão neurológica. O mecanismo mais provável é uma redução na atividade de interneurônios inibitórios locais, desmacarando assim conexões excitatórias pré-existentes. Um mecanismo alternativo e complementar possível é o aumento na potência das conexões sinápticas presentes (13) . Apesar do mecanismo envolvido, a reabilitação que envolve um treinamento motor intensivo parece conduzir para um recrutamento de um amplo número de neurônios adjacentes à lesão para a inervação dos músculos paréticos da extremidade superior afetada pelo AVE (13) . A CIMT tem mostrado em estudos controlados ser de grande eficácia em pacientes crônicos com AVE (13) . Neste estágio de sua doença, estes pacientes apresentam um déficit motor estável, e a curta duração da aplicação da técnica, 14 dias, minimiza a possibilidade que uma recuperação espontânea da função possa interferir com o efeito do tratamento (13) . O fator efetivo terapêutico neste tratamento tem sido atribuído à carga expressiva e repetitiva de treinamento motor focado em um único objetivo: a melhora substancial na quantidade do uso da extremidade superior hemiparética nas atividades de vida diária do paciente (13) . A CIMT hoje tem sido mensionada preferivelmente como uma técnica modelo para avaliar à neuroplasticidade usodependente em pacientes com AVE (13) . Várias linhas de raciocínio suportam a implementação na fase aguda do AVE da CIMT. Através de uma perspectiva de aprendizagem motora, a prévia implementação desta técnica poderia minimizar o “não uso aprendido”, ou seja o aprendizado do paciente em não usar a extremidade superior hemiparética devido à dificuldade existente na fase aguda do quadro para movimentá-la, acredita-se que pode ser mais fácil atenuar e prevenir um comportamento não desejado que tentar extinguílo de vez, quando já se encontra bem estabelecido (6) . Dados de primatas também sugerem que a prévia implementação do treinamento motor pode prevenir uma diminuição de áreas de representação cortical. Essa poderia ser uma oportunidade para melhora funcional do paciente após injúria cerebral (6) . A visão tradicional no campo da reabilitação, suportada por inúmeros estudos, é que os pacientes alcançam um platô na sua recuperação motora de 6 meses até 1 ano após o AVE, apartir do qual haverá pequena ou nenhuma melhora adicional para o resto de sua vida, é por este motivo que os casos crônicos de AVE são raramente encaminhados para terapias que visam uma Page 3 55 Diniz L; Abranches MHS. Neuroplasticidade na Terapia de Restrição e Indução do Movimento em Pacientes com Acidente Vascular Encefálico.Med Reabil 2003; 22(3): 53-5. melhora da função motora, pois dados evidentes indicam que se a melhora ocorrer é de pequeno valor (4) . Estudos prévios de TRIM incluiram pessoas com um quadro de hemiplegia crônica, tipicamente de 6 meses há muitos anos após o início do AVE, que mostraram uma melhora substancial na função motora quando comparada ao platô motor que cada um deles presumivelmente alcançou antes do início da TRIM , sendo assim acredita-se que até mesmo sobreviventes de um AVE em sua fase crônica são beneficiados com a TRIM e respondem ao tratamento como os indivíduos que estão muito mais próximos do tempo do início do evento focal (4) , porém as tentativas em pacientes crônicos de TRIM, representam um período de tratamento somado, visto que em sua maioria os pacientes já foram submetidos à algum tratamento de reabilitação (6) . Uma revisão sobre abordagens de tratamento conservadores na medicina de reabilitação concluiu que a TRIM representa um dos poucos métodos de reabilitação que tem demonstrado eficácia nos experimentos controlados e cujo efeitos terapêuticos transferem-se do laboratório para as atividades de vida diária do paciente (4) . CONCLUSÕES Achar uma intervenção efetiva e funcionalmente baseada na melhora do controle motor em índividuos com hemiplegia é vital para a vida social do paciente (14) . A utilização da TRIM, representa uma nova abordagem para a reabilitação física. Com investigação continuada, elaboração e aplicação clínica, a CIMT pode parecer uma grande e segura promessa para o campo da reabilitação física, porém é importante se explorar esse tipo de intervenção com maiores detalhes. Enfim, enquanto o tratamento de cura para lesões neurológicas não é conhecido, são de grande utilidade a pesquisa de procedimentos conservadores como este, que levam à uma melhora funcional do paciente. 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