NOTA Barreiras e Limitações à Implementação da Prática Baseada em Evidências na Reabilitação Após AVE Limitations and Barriers to Implementation of Evidence-Based Practice in Rehabilitation after stroke Aline Alvim Scianni¹ Clínicos e responsáveis pela elaboração de políticas de saúde têm como objetivo a melhora da qualidade e eficiência do cuidado à saúde. Para que este objetivo seja alcançado, evidências de pesquisa constituem a ferramenta necessária. A demanda e o interesse na implementação da evidência na prática da fisioterapia após Acidente Vascular Encefálico (AVE) tem crescido significativamente nas últimas décadas. Isto tem sido demonstrado, em parte, pelo crescente número de publicações de revisões sistemáticas registradas na base de dados de evidências em fisioterapia PEDro (Physiotherapy Evidence Database). Mais de 300 revisões sistemáticas relacionadas à reabilitação após AVE foram publicadas até os dias de hoje[1]. A integração da experiência clínica individual com a melhor evidência clínica de pesquisa sistemática disponível define a Prática Baseada em Evidências. É desejável que o clínico considere a evidência de uma forma natural e consistente[2]. Clínicos utilizam as evidências em pesquisa para selecionar ferramentas de avaliação padronizadas, para interpretar os resultados dos escores dessas ferramentas avaliativas e para selecionar intervenções terapêuticas ou preventivas adequadas. A aplicação da técnica apropriada com resultados comprovados pode ter grande influência na adesão do paciente ao tratamento. Além da recuperação física, a satisfação do paciente está associada à adesão às diretrizes clínicas baseadas em evidências por parte dos fisioterapeutas[3]. Para que a aplicação da evidência na prática clínica seja efetiva, além de habilidades na coleta da história, condução da avaliação e execução de testes, determinação do diagnóstico e estabelecimento de opções apropriadas de intervenções, outras habilidades são necessárias para o sucesso na condução do tratamento fisioterápico. Estas habilidades incluem a capacidade de identificar lacunas no conhecimento, formular perguntas clinicamente relevantes, conduzir uma revisão da literatura eficiente, aplicar regras de evidência, incluindo uma hierarquia de evidência para determinar a validade dos estudos, aplicar os achados da literatura de forma apropriada ao problema do paciente, compreender como os valores do paciente afetam o equilíbrio entre as vantagens e desvantagens das opções de tratamento disponíveis, além de envolver o paciente na decisão de maneira apropriada[4]. Nos últimos dez anos, vários países têm publicado diretrizes clínicas ao cuidado de indivíduos após AVE para atender às demandas impostas pelos sistemas de saúde vigentes[5-8]. Evidências sugerem um impacto positivo da utilização destas diretrizes na qualidade e efetividade do serviço de saúde. Além disso, a adesão dos profissionais de saúde à PBE reduz desigualdades a respeito do acesso à saúde. No Brasil, a elaboração das diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com AVE foi indicada pelo Ministério da Saúde como necessidade para a qualificação do cuidado em reabilitação desses indivíduos no âmbito do Sistema Único de Saúde[6]. Pesquisadores têm enumerado vários benefícios da utilização da PBE, incluindo melhora do ambiente de trabalho, da credibilidade do profissional, garantia do futuro da profissão, aumento da eficiência da oferta do 1. Professora Adjunta, Departamento de Fisioterapia – EEFFTO/UFMG E-mail: [email protected] Rev Fisioter S Fun., 2014 Jan- Jun; 3(1): 8-10 Recebido: 10/05/2014 Aprovado: 20/06/2014 Prática Baseada em Evidências na Reabilitação Após AVE serviço e melhora da relação com as agências reguladoras do serviço de saúde[9]. Contudo, algumas dificuldades na implementação dessas diretrizes durante a prática clínica são encontradas em diferentes contextos. Alguns fatores relacionados incluem o comportamento dos profissionais de saúde, qualidade das diretrizes e características organizacionais do local de prática[9]. Uma recente revisão sistemática sobre adesão dos profissionais de saúde às diretrizes clínicas após AVE ressalta a necessidade de entendimento dos fatores associados à implementação efetiva de diretrizes. Estes autores sugerem que a efetividade da implementação pode ser melhorada avaliando-se o conhecimento, atitudes e comportamento dos profissionais perante tais diretrizes clínicas. Para uma adesão adequada, deve-se conhecer, concordar e adotar as diretrizes clínicas propostas[10]. Hoje, os profissionais têm uma necessidade diária de informação válida e confiável sobre diagnóstico, prognóstico e intervenção. Contudo, há um excesso de fontes inadequadas, errôneas, inefetivas e confusas de informação (livros textos, especialistas em excesso), levando a uma disparidade entre a habilidade de julgamento clínico do fisioterapeuta e sua capacidade de se manter atualizado diante de tanta informação, principalmente devido ao tempo escasso e falta de preparo para leitura e atualização científica[11]. Estudos sobre as barreiras para a implementação da Fisioterapia Baseada em Evidências após AVE têm sido conduzidos na Inglaterra, EUA, Canadá e Austrália. Diferenças no treinamento, sistemas de saúde e prática profissional nestes países, contudo, limitam a generalização dos resultados destas pesquisas para o contexto brasileiro[11-14]. Pollock et al.[12] identificaram barreiras percebidas por 86 profissionais de saúde no cuidado de indivíduos após AVE e as classificaram como barreiras de capacidade, de oportunidade e de implementação. Segundo estes autores, a maioria dos profissionais entrevistados concordava com a necessidade de atualização do conhecimento para a melhora da qualidade do cuidado aos pacientes, contudo, a disponibilidade de tempo para esta atualização era escassa. Além disso, os profissionais ressaltaram uma necessidade de treinamento específico para a transferência do conhecimento científico para a prática clínica diária12. Jette et al.[13] descreveram as crenças, atitudes, conhecimentos e comportamentos de fisioterapeutas membros da Associação Americana de Fisioterapeutas (APTA) em relação à PBE. Os profissionais reportaram em questionário que concordam com a necessidade do uso da evidência científica na prática clínica e apresentam interesse em melhorar as habilidades necessárias para sua implementação. Salbach et al.[11] desenvolveram um questionário para identificação dos fatores relacionados ao fisioterapeuta e ao ambiente organizacional na implementação da PBE (Practitioner and Organizational Barriers to Evidence-based Stroke Rehabilitation questionnaire). O objetivo destes autores era identificar características organizacionais e pessoais que pudessem impossibilitar a PBE, para o desenvolvimento de intervenções educacionais visando uma melhor integração da pesquisa e prática fisioterápica. Resultados demonstraram que falta de conhecimento, percepções negativas sobre as pesquisas e o papel dos fisioterapeutas na PBE, baixa auto-eficácia, além de provisão insuficiente de recursos de bases de dados representam barreiras importantes para a utilização da pesquisa na prática clínica11. Finalmente, McCluskey e Middleton[14] identificaram como principais barreiras à implementação da evidência de pesquisa à prática clínica, a influência social de pessoas com AVE e seus familiares, como expectativas do paciente em relação ao tratamento, além de crenças dos profissionais acerca de suas capacidades. Está claro, portanto, que a implementação de diretrizes clínicas baseadas em evidências científicas no cuidado de sobreviventes após AVE é dependente da interação de fatores complexos, como a natureza da diretriz clínica, elementos estruturais e logísticos dos serviços de saúde e atitudes dos profissionais. Existe uma tendência em superestimar a carência de recursos como uma barreira à implementação dessas diretrizes. Contudo, uma mudança comportamental para a implementação de maiores níveis de colaboração interdisciplinar constitui um desafio importante. Torna-se imperativo o estudo das barreiras organizacionais e práticas à Rev Fisioter S Fun., 2014 Jan- Jun; 3(1):8-10 9 Prática Baseada em Evidências na Reabilitação Após AVE implementação da PBE na reabilitação após AVE no Brasil, para que o trajeto desde a geração da evidência por meio da pesquisa até a tomada de decisão clínica compreenda os passos da síntese da evidência, desenvolvimento de políticas de saúde baseadas em evidência e aplicação dessas políticas de saúde. REFERÊNCIAS 1. Centro de Fisioterapia Baseada em Evidências (CEBP). [acesso em 07 abr. 2014]. Disponível em:.http://www.pedro. org.au/portuguese/about-us/cebp/) 2. Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA, et al. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. British Medical Journal . 1996;312:71–72. 3. Reker DM, Duncan PW, Horner RD, Hoenig H, Samsa GP, Hamilton BB, Dudley TK. Postacute stroke guideline compliance is associated with greater patient satisfaction. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation. 2002;83:7506. 4. Guyatt GH, Haynes RB, Jaeschke RZ, et al. Users’ guide to the medical literature, XXV: evidence-based medicine- principles for applying the users’ guides to patient care. Journal of the American Medical Association. 2000;284:1290–1296. 5. National Clinical Guideline Centre Stroke Rehabilitation Long term rehabilitation after stroke. Clinical guideline 162 Methods, evidence and recommendations 29 May 2013. 6. Oda, AL, Scianni, A, Ourique AAB, et al. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com acidente vascular cerebral. Brasília : Editora MS, 2013, v.1. p.74. 7. National Stroke Foundation. Clinical Guidelines for Stroke Management 2010. Melbourne Australia. 8. Bates B, Choi JY, Duncan PW, Glasberg JJ, Graham GD, Katz RC, Lamberty K, Reker D, Zorowitz R; US Department of defense; Department of Veterans Affairs. veterans affairs/Department of defense clinical practice guideline for the management of adult stroke rehabilitation care-executive summary. Stroke. 2005 Sep;36(9):2049-56. 9. Gale BV, Schaffer MA. Organizational readiness for evidence-based practice. Journal of Nursing Administration. 2009 Feb;39(2):91-7. 10. Donnellan,C, Sweetman S., Shelleyb E. Health professionals’ adherence to stroke clinical guidelines: A review of the literature C. Health Policy 2013;111 245– 263. 11. Salbach NM, Jaglal SB, Korner-Bitensky N, Rappolt S, Davis D. Practitioner and organizational barriers to evidence-based practice of physical therapists for people with stroke. Journal of Physical Therapy. 2007 October;87(10): 1284-303. 12. Pollock AS, Legg L, Langhorne P, Sellars C. Barriers to achieving evidence-based stroke rehabilitation. Clinical Rehabilitation ,2000 ; 14:611–617. 13. Jette DU, Bacon K, Batty C, et al. Evidence based practice: beliefs, attitudes, knowledge, and behaviors of physical therapists. Journal of Physical Therapy. 2003;83:786–805. 14. McCluskey A. & Middleton S. Delivering an evidence-based outdoor journey intervention to people with stroke: Barriers and enablers experienced by community rehabilitation teams. BMC Health Services Research 2010, 10:18. Rev Fisioter S Fun., 2014 Jan- Jun; 3(1):8-10 10