CARACTERIZAÇÃO FARMACOGNÓSTICA DA RAIZ DE EUCLEA

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Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008
Caracterização farmacognóstica da raiz de Euclea Natalensis
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CARACTERIZAÇÃO FARMACOGNÓSTICA DA RAIZ DE EUCLEA
NATALENSIS
Filipe M., Gomes E.T., Serrano R. e Silva O
iMed.UL, Universidade de Lisboa, Faculdade de Farmácia
Av. Prof. Gama Pinto, 1649-019 Lisboa, Portugal
[email protected]
Resumo
As raízes de Euclea natalensis A.DC. (Ebenaceae) são muito utilizadas na África Austral na higiene oral,
e em Moçambique vendem-se nos mercados, com essa finalidade, sendo conhecidas em Maputo pelo
nome de “mulala”. Estudos de actividade anti-infecciosa confirmaram a sua eficácia contra vários
microrganismos da flora bucal. Esta actividade está correlacionada com a presença de naftoquinonas,
nomeadamente 7-metiljuglona e diospirina. Neste material vegetal foram ainda identificados triterpenos
pentacíclicos.
O trabalho desenvolvido tem por objectivo estabelecer parâmetros identificativos da raiz de E. natalensis,
uma vez que, em Moçambique, as raízes de outras espécies da família Ebenaceae são também
comercializadas como “mulala”. Os parâmetros usados incluem a análise botânica macroscópica e
microscópica do material fragmentado e pulverizado e técnicas analíticas químicas como a cromatografia
em camada fina (TLC). Os resultados obtidos permitem a correcta identificação de E. natalensis raiz
enquanto fármaco vegetal.
Palavras-chave: Euclea natalensis, farmacognosia, análise botânica, microscopia, lupa, TLC,
naftoquinonas, taninos
1. INTRODUÇÃO
A espécie vegetal Euclea natalensis A.DC. pertence à família Ebenaceae e ao
género Euclea Murray. Tem como sinonímia científica E. multiflora Hiern., E. fructosa
e Royena macrophylla E.Mey. ex A.DC. Prodr. (DC.). Esta espécie encontra-se dividida
em 8 subespécies (WHITE, 1983).
São vários os nomes atribuídos a E. natalensis, dependendo da zona geográfica e do
povo/língua em questão. Assim, e uma vez que esta planta se distribui e é utilizada na
zona Este da África Austral, existem vários nomes pela qual é conhecida [em
Moçambique é conhecida como: mulala (nome por que é mais conhecida), kitana,
mcriparipa, uchangula (DA SILVA, 2004); em Inglês: hairy guarri (LOFFLER, 2005),
Natal gwarri, Natal ebony (PALMER, 1973), large-leaved guarri, Natal guarri
(HUTCHINGS, 1996; SETSHOGO, 2003), large-leaved euclea (PALGRAVE, 1977);
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em Afrikaans: Natalghwarrie (HUTCHINGS,
1996),
bergghwarrie,
swartbashoom
(PALMER, 1973); em Zulu: ichitamuzi,
isinzimane,
umshekisane
(HUTCHINGS,
1996),
ilizimane
indungamuzi
(ANON., 2004), iDungamuzi, umZimane,
inKunzane,
inKunzi
emnyama,
umHlalanyamazane, uManyathi (PALMER,
1973);
em
Siswati:
nkunzemnyama,
indvodzemnyama,
inchitsamuzi
(LONG,
2005a), umChitamuzi, iNdlelayenyamatanelemnyama, umDlelanyamatane (LOFFLER,
Figura 1 – Euclea natalensis A.DC.
2005); em Sotho (do Norte): mohlakola (ANON., 2004); em Setswana: motlhakola,
motlhakola-o-montsho, motlhakola-wa-kgomo, mosasawane (SETSHOGO, 2003); em
Venda: mutangule-thavha (STEENKAMP, 2003); em Nyamwezi: msaguneda (MOSHI,
2006); no dialecto Swahili do continente: mdaa mke, wiza (LEGÈRE, 2003); no
dialecto Swahili de Tumbatu: msiliza, mtundamabwe, muviza, mvuvuru (LEGÈRE,
2003); e em ChiKaranga: mushangura (CAVENDISH, 1999)].
Os indivíduos pertencentes à espécie Euclea natalensis A.DC. são arbustos ou pequenas
árvores de 0,5-18 m de altura com folhagem verde muito escuro. Ocorre desde o Quénia
e República Democrática do Congo para sul até à África do Sul, desde o nível do mar
até aos 1525 m de altitude (WHITE, 1983).
Esta espécie apresenta um complicado padrão de variação ecogeográfica, tendo sido
sugerido o reconhecimento de várias subespécies alopátricas, mas a sua delimitação
exacta seria arbitrária devido à ocorrência de espécimes intermédios. No entanto, com
trabalho de campo mais recente, associado a estudos experimentais, demonstrou-se que
os espécimes intermédios são suficientemente localizados e raros para não causarem
problemas na prática, e que as características diferenciadoras da forma da folha e do
indumento são constantes no cultivo. Assim, esta espécie foi dividida em 8 subespécies
(WHITE, 1983).
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A lavagem dos dentes usando a raiz de E.
natalensis é feita por vários povos africanos,
sendo a principal planta usada para esse fim em
Moçambique (MANGUE, 1999). No caso da
comunidade zanzibar da África do Sul (arredores
da cidade de Durban, província de KwaZuluNatal) o hábito de lavar os dentes usando esta raiz
é praticado uma vez por dia, de manhã depois do
pequeno-almoço, pelas mulheres casadas (LALL,
2000). A casca da raiz é retirada e o interior
mastigado até ficar desfeito, sendo depois
Figura 2 – Raiz acabada de colher
esfregado contra os dentes e as gengivas. Este
processo deixa a boca e os dentes com uma coloração laranja temporária, desaparecendo
ao fim de algumas horas. No final do processo de limpeza dos dentes o pedaço desfeito
é cortado e o resto da raiz é armazenado para posterior uso (STANDER, 1991).
Também se pode usar a raiz com casca (KHAN, 2000).
Para o tratamento de cáries dentárias e hemorragia gengival descascam-se as raízes,
deixam-se secar e depois pulverizam-se em almofariz até obter um pó fino. Este pó é
usado para escovar os dentes (MARTINS, 2006). Também pode ser usada apenas a
casca da raiz para tratar a hemorragia gengival (KHAN, 1991).
Nas dores de dentes podem ser usadas as cascas das raízes (KHAN, 1991) ou então as
raízes queimadas e pulverizadas (LONG, 2005b).
Para além do uso no tratamento de afecções bucais, a raiz de E. natalensis é utilizada
tradicionalmente nas dores de cabeça (LONG, 2005b), na framboésia (WATT, 1962),
em várias parasitoses (HUTCHINGS, 1996; KHAN, 1991; MARTINS, 2006; WATT,
1962; WHITE, 1983), na malária e febre-amarela (MOSHI, 2006), na gonorreia
(KHAN, 1991), em problemas de estômago (HUTCHINGS, 1996), nas diarreias e
disenteria (KHAN, 1991), como emético nos distúrbios gástricos e úlceras no geral
(HUTCHINGS, 1996), como purgante (WATT, 1962), nas lesões cutâneas da lepra
(WATT, 1962), em chagas e feridas (HUTCHINGS, 1996), como abortivo e no
tratamento da infertilidade, amenorreia e dismenorreia (STEENKAMP, 2003), como
estimulante sexual (LONG, 2005b) e em algumas doenças venéreas (HUTCHINGS,
1996).
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As espécies do género Euclea são ricas em naftoquinonas, nomeadamente na raiz, o que
pode ajudar a justificar a sua actividade terapêutica, uma vez que estes compostos
apresentam
propriedades
fungicidas,
anti-bacterianas,
insecticidas,
fitotóxicas,
citostáticas e anti-carcinogénicas (EVANS, 2002).
Estão descritas apenas duas classes
A
de compostos químicos na raiz da E.
B
natalensis, os terpenos pentacíclicos
[lupeol, betulina (LOPES, 1973),
20(29)-lupene-3β-
isoferulato
(WEIGENAND, 2004) e β-sitosterol
(LALL, 2006)] e as naftoquinonas
[simples:
4,8-di-hidroxi-6-metil-1-
tetralona
(KHAN,
1985),
shinanolona (WEIGENAND, 2004);
natalenona
D
7-
metiljuglona (MCGAW, 1997) e
diméricas:
C
Figura 3 – Alguns terpenos (A: lupeol; B: β-sitosterol)
e naftoquinonas (C: diospirina; D: 7-metiljuglona)
existentes na raiz de E. natalensis
(KING,
1976), 8′-hidroxidiospirina, euclanona (FERREIRA, 1977), diospirina (MCGAW,
1997), octa-hidroeucleína (WEIGENAND, 2004), isodiospirina, mamegakinona e
neodiospirina (VAN DER KOOY, 2006) e triméricas: galpinona (FERREIRA, 1977)].
Para além da raiz, já foram identificados compostos terpénicos nas folhas e nos ramos,
não tendo sido ainda identificadas naftoquinonas noutras partes desta planta.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Material vegetal
O material vegetal utilizado teve duas proveniências: amostras comerciais de raiz de
mulala compradas no mercado central de Maputo e raiz de Euclea natalensis A. DC.
colhida por nós na região de Maputo e identificada por M. A. Diniz (Herbário LISC,
Jardim Botânico Tropical, Lisboa).
A análise efectuada neste trabalho foi efectuada com 12 amostras comerciais (cerca de
25% do total) contra a amostra autenticada.
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2.2 Análise morfológica
A análise macroscópica foi efectuada com uma lupa Olympus SZ61 e a microscópica
com um microscópio Olympus CX40. Ambos os aparelhos tinham acoplado o sistema
fotográfico Olympus ColorView IIIu. As imagens foram processadas com o software
cell^D (Olympus Soft Imaging Solutions).
Para a análise microscópica as secções das amostras de raiz e a raiz pulverizada foram
preparadas por técnicas convencionais de preparação de amostra para microscopia.
Os testes de histoquímica foram efectuados em secções de raiz, utilizando soluto de
Lugol para o amido (positivo: castanho/roxo); reagente de Bornträger para as quinonas
(positivo: vermelho); Negro de Sudão III para os lípidos (positivo: laranjaavermelhado); vermelho de ruténio para as mucilagens (positivo: vermelho); dicromato
de potássio para os polifenóis (positivo: castanho-escuro); e 2,4-dinitrofenilhidrazina,
anisaldeído sulfúrico e reagente de Liebermann-Burchard para os terpenóides (positivo:
castanho/laranja-avermelhado).
2.3 Perfil em TLC
O extracto alcoólico a 96º da raiz pulverizada foi analisado por cromatografia em
camada fina (TLC) em placas de TLC em alumínio (Merck, Silica gel 60 F254)
utilizando hexano:acetato de etilo (3:1) como fase móvel. As placas eluídas foram
observadas na luz visível e na luz ultravioleta (254 e 366 nm), antes e após pulverização
com reagente de Liebermann-Burchard. O padrão de 7-metiljuglona utilizado foi
gentilmente cedido por N. Lall.
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3. RESULTADOS
3.1 Análise macroscópica
A análise macroscópica das raízes de mulala revelou que estas são direitas e longas, de
superfície externa crenada e com alguns pêlos epidérmicos. São comercializadas como
fragmentos de 30-40 cm de comprimento e 0,5-1,5 cm de secção. A superfície externa é
castanha escura a preta e a medula castanha clara a alaranjada. Tem uma fractura
fibrosa, um odor a terra/aromático característico, e tem sabor amargo e adstringente que
causa dormência na língua.
A
B
C
Barra B e C = 10 mm
Figura 4 – A) secção transversal com notória separação entre medula e córtex (notar a superfície
externa crenada); B) superfície da medula; C) superfície externa
3.2 Análise microscópica
A análise microscópica das secções da raiz revelou, nas secções transversais, a presença
de medula com células do parênquima medular de parede espessada repletas de grãos de
amido (Figura 5A); raios medulares bem visíveis (setas na Figura 5B e 5C);
proeminentes vasos de xilema (15-158 μm de diâmetro; Figuras 5B e 5C); parênquima
cortical com escleritos, grãos de amido (3-16 μm de diâmetro) e cristais prismáticos de
oxalato de cálcio (12-42 μm de diâmetro, Figura 5D e 5E); e espessa camada de súber
(Figura 5F), composto por células de parede muito espessa.
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Nas secções longitudinais tornou-se evidente a presença de vasos xilémicos e raios
medulares com padrão axadrezado característico (Figura 5G); de raios medulares com
grãos de amido (Figura 5H); e de cristais prismáticos de oxalato de cálcio alinhados nas
fibras e nas células do parênquima cortical (bainha cristalífera; Figura 5I).
A
D
G
B
E
H
C
F
I
Figura 5 – Secções da raiz de mulala (A-F: secções transversais; G-I: secções longitudinais)
Na análise da raiz pulverizada foram identificados os caracteres identificativos já
identificados na análise das secções da raiz. Assim, conseguiu-se reconhecer células do
parênquima cortical (Figura 6A), cristais prismáticos de oxalato de cálcio (tanto soltos
pela preparação, Figura 6B, como alinhados nas células de parênquima cortical, Figura
6C), fragmentos de vasos de xilema (Figura 6D), fragmentos de raios medulares (Figura
6E), células de parede espessada do parênquima medular (Figura 6F), feixes de fibras
com cristais prismáticos de oxalato de cálcio (Figura 6G), fragmentos de súber (Figura
6H), grãos de amido (Figura 6H) e células da medula (Figura 6I).
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A
C
B
E
D
G
H
F
I
Figura 6 – Aspectos da raiz pulverizada
3.3 Histoquímica
Os resultados obtidos nos testes histoquímicos revelaram:
- amido na medula, nos raios medulares e em algumas células corticais;
- quinonas nos raios medulares;
- ausência de lípidos;
- ausência de mucilagens;
- polifenóis nos raios medulares e em algumas células corticais;
- ausência de terpenóides.
Estes resultados vêm completar a informação química já existente com a sua
localização na estrutura vegetal. No entanto, é de notar a presença de polifenóis e a
ausência de terpenóides. Para os primeiros, faz-se assim a identificação de uma nova
classe de compostos químicos neste fármaco vegetal. Para os segundos, a sua presença
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não foi detectada provavelmente devido à intensa coloração e opacidade das secções
desta raiz.
3.4 Perfil em TLC
Pela análise do cromatograma característico do
extracto alcoólico da raiz de E. natalensis (Figura 7)
7MJ
T
pode-se confirmar a presença da 7-metiljuglona (Rf:
0,90). Para além desta naftoquinona existem outras
2 representadas no cromatograma como bandas
T
N
castanhas (Rfs: 0,43 e 0,60).
Os
triterpenos
existentes
aparecem
no
T
N
cromatograma como 3 bandas esverdeadas (Rfs:
0,58; 0,67 e 0,88). Embora não tivessem sido
detectados nos testes de histoquímica, a sua
presença é bastante notória no perfil em TLC.
P
P
P
Para além destas duas classes químicas já descritas,
foi identificada outra, a dos polifenóis, confirmandose
os
resultados
histoquímica.
Os
já
obtidos
polifenóis
nos
testes
aparecem
de
no
cromatograma como 3 bandas azuis de Rf baixo
Figura 7 – Perfil em TLC do
extracto alcoólico da raiz de mulala
(esquerda: padrão de 7-metiljuglona,
7MJ; direita: extracto com
triterpenos, T, naftoquinonas, N, e
polifenóis, P, assinalados)
(Rfs: 0,05; 0,10 e 0,20).
4. CONCLUSÕES
Com este trabalho conseguiu-se estabelecer alguns parâmetros (macroscópicos,
microscópicos e químicos), com utilidade na identificação da raiz de Euclea natalensis.
Assim, os caracteres observados mais úteis para a diagnose botânica deste fármaco
vegetal incluem vasos xilémicos proeminentes; raios medulares de 1-5 células; cristais
prismáticos; bainha cristalífera com cristais prismáticos e secções longitudinais dos
raios medulares com padrão axadrezado.
Através das análises histoquímica e química pôde confirmar-se a presença de compostos
pertencentes às classes químicas anteriormente descritas. Para além disso, conseguiu-se
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ainda revelar a existência de outra classe, os polifenóis. O perfil em TLC obtido é
característico deste fármaco vegetal.
Os caracteres botânicos e o perfil em TLC descritos deverão ser considerados
como garante da identidade deste fármaco vegetal, devendo ser tidos em conta na
realização de uma possível monografia de Farmacopeia para a raiz de Euclea natalensis.
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