A COEXISTÊNCIA COMPLEXA E TENSA DE LÓGICAS DE AÇÃO NO CAMPO DA EDUCAÇÃO BÁSICA DE ADULTOS EM PORTUGAL , TÍTULO, Luís ROTHES I [email protected] ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO POLITÉCNICO DO PORTO RESUMO Em cada entidade promotora de educação de adultos, todos os atores envolvidos, condicionados mas não determinados socialmente, desenvolvem as suas práticas reproduzindo mas também produzindo determinadas lógicas de ação, as quais, estando já incorporadas, vão sendo atualizadas com a ação e servem posteriormente para lhe dar coerência. Estas lógicas de ação apresentam algumas propriedades essenciais: 1) o modo totalizante como exprimem a ação humana, mesmo se não perfazem o conjunto dos elementos simbólicos produzidos em determinado contexto social; 2) a redundância, que se manifesta na existência de componentes simbólicas repetitivas e de significação insistida; 3) a transversalidade, ou seja, “as lógicas de ação são constituídas por elementos compósitos, frequentemente resultantes da articulação interna de sinais ideológicos contraditórios, outras vezes constituídos por constructos resultantes da construção de “denominadores comuns” (Sarmento, 2000: 170). Desta transversalidade das lógicas de ação resultam duas consequências essenciais: por um lado, diversas lógicas de ação podem coexistir em cada uma dessas instituições, tanto diacronicamente como sincronicamente, de forma sempre complexa e mais ou menos tensa; não se deve, pois, aplicar critérios de coerência de qualquer tipo, já que entre elas apenas é necessário, para que coexistam, que haja compatibilidades entre os conteúdos simbólicos que as compõem. Numa abordagem interpretativa e crítica do campo da educação básica de adultos, promoveu-se o estudo das lógicas de ação presentes em entidades promotoras de educação de adultos. Como resultado, verificou-se a possibilidade de (co)existência das seguintes lógicas de ação: serviço meritocrático; mercado assistido; prevenção social; desenvolvimento local; crescimento pessoal; transformação social. PALAVRAS-CHAVE: educação de adultos, lógicas de ação 226 INTRODUÇÃO Há um processo de recomposição do campo da educação básica de adultos que, estando a verificar-se na generalidade dos países do centro do sistema mundial, se está a verificar também, com circunstâncias próprias, na sociedade portuguesa. Desde a criação em 1999, em regime de instalação, da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA) serão dados alguns passos na redefinição do campo da educação de adultos, com alguns contornos que parecem aproximar-se das alterações que vêm marcando o conjunto dos países europeus. As novas orientações políticas para o sector reforçam a sua articulação com as políticas de emprego e tendem a estabelecer novas formas de regulação das instituições encarregadas da formação, através do desenvolvimento de um espaço comum de regulação de instituições que antes desenvolviam atividades com propósitos diversos e, simultaneamente, pela territorialização e contratualização da regulação dos meios para a concretização dos objetivos estabelecidos para a formação. Diferentes operadores, públicos ou privados, com ou sem fins lucrativos declarados, marcados por tradições e lógicas de intervenção muito distintas, são então mobilizados para este campo de formação mais unificado, em que novas demarcações se vão estabelecendo, já não tanto em função de orientações programáticas diversas, quando não mesmo opostas, mas pelas responsabilidades que a cada entidade é permitido assumir nesta preocupação prevalecente de evitar a exclusão social e garantir a empregabilidade dos trabalhadores. 1. UM PROCESSO INDUZIDO DE RECOMPOSIÇÃO DO CAMPO DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS É no quadro destas novas tendências ideológicas e programáticas que terão de ser lidas as novas orientações políticas para a educação de adultos em Portugal. A Iniciativa Novas Oportunidades (INO) é uma marca fundamental da política educativa mais recente e evidencia os modos contratualistas que estas correntes têm vindo a considerar na definição do papel do Estado na disponibilização de serviços públicos. A qualificação dos adultos foi considerada como uma prioridade política, com a intenção clara de minimizar os efeitos nefastos de uma situação educativa da população adulta verdadeiramente inquietante, que a democracia portuguesa herdara, mas que não fora ainda capaz de ultrapassar. Os méritos das iniciativas lançadas pela ANEFA e pelo Grupo de Missão que a antecedeu foram reconhecidos, mas aposta-se num reforço significativo dos meios disponibilizados e centra-se o programa em três propósitos essenciais: mobilizar a sociedade portuguesa para a educação e formação e promover a procura de serviços educativos; diversificar e flexibilizar as respostas educativas dirigidas à qualificação escolar e profissional, permitindo alargar as vias de as pessoas verem reconhecidas e validadas as suas competências; atribuir um papel central aos designados Centros Novas Oportunidades (CNO), entendidos como plataformas decisivas para o acolhimento, diagnóstico e encaminhamento dos adultos. Estamos perante um programa com intenções delimitadas e claramente assumidas. Considerados estes propósitos, os méritos desta iniciativa política estão bem patenteados nos resultados da avaliação externa realizada por uma equipa da Universidade Católica, 227 coordenada por Roberto Carneiro (Carneiro et al., 2011). Obviamente, num sistema com um crescimento tão rápido, coexistiram concretizações com orientações distintas e qualidade muito diversa. Para além disso, é bom considerar que há que considerar os desafios, ainda não respondidos, para consolidarmos um sistema plurifacetado de educação de adultos, capaz de consolidar uma revolução na aprendizagem dos adultos em Portugal (Rothes, 2009b). As reações políticas a este programa não se fizeram logo sentir, tanto mais que a educação de adultos não era tema habitual da agenda política em Portugal. Mas, perante o impacto político e mediático desta iniciativa e a sua capacidade impressionante de mobilização da sociedade portuguesa (Rothes, 2009b; Carneiro et al., 2011), assistir-se-á a uma progressiva mobilização de sectores políticos liberais e conservadores para denegrirem o trabalho que estava a ser realizado. Recorrem, para isso, aos tópicos essenciais do seu discurso político-ideológico sobre a educação: por um lado, o programa representaria mais uma manifestação de desperdício de dinheiros públicos, por parte de um Estado cujo papel na educação pretendem minimizar; por outro, numa abordagem que nem sequer cuida de se suportar em evidências empíricas sérias, reforça-se o discurso meritocrático das críticas ao “facilitismo”, que impregnaria as práticas educativas desenvolvidas, especialmente as que se desenvolviam nos processos de reconhecimento, validação e certificação de competências. Independentemente do que venha a acontecer à educação e formação de adultos em Portugal importa sublinhar que os processos que se desencadearam com a ANEFA e se prolongaram por aproximadamente uma década assumiram um propósito indutor de iniciativas sociais neste campo. Verificou-se, com efeito, uma adesão significativa às novas iniciativas e medidas por parte de promotores com diferentes orientações políticas, ainda que sustentando-se em lógicas argumentativas diferentes: a postura neoconservadora adere à possibilidade de, como noutras áreas como a da ação social, se alargar o financiamento público a entidades com tradição de uma intervenção educativa e social centrada na valorização do consenso e na construção da coesão social; a lógica neoliberal aposta no reforço da intervenção dos empregadores e das entidades que os representam, ao mesmo tempo que acolhe positivamente a oportunidade de estimular um mercado de formação que valorize os operadores que se orientam para a concorrência mercantil; as abordagens pedagógicovoluntaristas olham mais para a possibilidade de verem financiadas algumas experiências pedagógicas inovadoras que se desenvolviam na periferia do sistema; já as posições mais críticas, assinalando os riscos daquelas leituras, são mais cautelosas, mas não deixam de equacionar as possibilidades de jogar com estes programas para desenvolver algumas experiências educativas transformadoras. O documento estratégico esteve na base destas alterações (Melo et al., 1998), apesar de reconhecer três vias da educação de adultos - a pública estatal, a social solidária e a privada de fins lucrativos –,valorizou declaradamente a iniciativa social solidária, ou seja, aquela que é promovida por entidades de direito privado mas vocacionadas para a produção de um bem público (Melo et al., 1998). Assim, para o lançamento experimental das suas iniciativas e nomeadamente dos cursos EFA foi dada prioridade à “sociedade civil de natureza solidária”, com destaque para as associações de desenvolvimento local. Só que, se esta parecia ser a orientação pretendida no arranque da ANEFA, desde cedo foi claro que esta aposta no reforço da iniciativa social tinha tendência a ser lida por muitos como um mero instrumento técnico e 228 racional de solução dos problemas educativos e sociais e que consistia designadamente na generalização de uma lógica de candidatura no sistema de educação e formação de adultos. Com efeito, a par das escolas públicas, que só aderem e em massa a este processo com a INO, e de vários centros de formação profissional ligados ao IEFP, há um conjunto muito alargado de entidades locais que, nas circunstâncias sócio históricas próprias do associativismo em Portugal, explorou esta oportunidade de se implicar em atividades financiadas de educação de adultos, mesmo quando, como se verificou frequentemente, estas entidades se encontravam afastados deste campo e das suas problemáticas. Um grupo importante de promotores destes cursos EFA é constituído pelas designadas instituições particulares de solidariedade social, bem implantadas no país. Estas entidades envolvidas na ação social estão frequentemente ligadas à Igreja Católica, como acontece com os Centros Sociais Paroquiais ou as Misericórdias, mas há também os Centros Sociais e as Associações para o Desenvolvimento de inspiração laica, que resultam designadamente dos movimentos sociais pós-revolucionários e de iniciativas locais que surgiram no país com as novas possibilidades de financiamento da ação social, com base em fundos nacionais e comunitários (Hespanha et al., 2000). As associações de empresários, incluindo as agremiações que envolvem os agricultores, são um outro conjunto de promotores com um papel importante nesta formação, como acontece igualmente com um número alargado de empresas de formação, que aproveitam mais esta possibilidade de desenvolver a sua atividade privada com fins lucrativos. As entidades ligadas à promoção das escolas profissionais assumiram também um papel importante no desenvolvimento desta formação, explorando esta nova possibilidade de realizar trabalho educativo que se suporta em programas de financiamento que assentam numa lógica de candidatura. Estas entidades, na sua heterogeneidade, têm em comum o facto de terem acumulado o que designámos por capital de candidatura, que resulta essencialmente do modo como nos seus corpo diretivos e técnicos se combinam capitais culturais e sociais. As competências importantes para garantir os financiamentos passam, efetivamente, sobretudo pela aplicação de destrezas técnicas e administrativas e pela existência de uma rede de relações sociais úteis que existe para além dos contactos proporcionados por estas formações, mas que se pode ir firmando à medida que se vai consolidando a experiência adquirida neste campo. A ausência deste capital de candidatura limita as possibilidades de candidatura a muitas outras organizações sem fins lucrativos e assentes mais nas práticas voluntárias. A persistente ausência de uma política consistente de apoio à educação popular não permitiu a consolidação de boa parte do associativismo de pendor mais popular, que continua assim, na esmagadora maioria dos casos, arredado das oportunidades que vão surgindo com as novas propostas assentes em lógicas de candidatura. Assistimos então, na educação básica de adultos em Portugal, a uma recomposição do campo por afluência adjacente com origem pluricentrada (Rothes, 2009a). Um Estado constrangente na sua relação com o sector da educação de adultos tinha contribuído para que se tivesse estabelecido, na educação básica de adultos, um campo dicotómico depauperado por apartação, com uma clara polarização que demarcava a maioria esmagadora de iniciativas sociais neste campo, que não dispunha das condições mínimas de apoio por parte do Estado para se poder afirmar, de um pequeno número de entidades que, dispondo de capital de 229 candidatura, tinham tido o ensejo de usufruir das oportunidades de financiamento que, com a adesão europeia, surgiram em áreas de intervenção como as da ação social e do desenvolvimento rural, mesmo que por vezes afastando-se do campo da educação de adultos e das lógicas de intervenção que aí se tinham tradicionalmente estabelecido. Agora, como estávamos perante um campo depauperado, a forte adesão aos programas de financiamento disponibilizados vai implicar que não sejam apenas as poucas entidades que estavam nestas condições que se vão envolver e que acabem por ser muitas vezes promotores com intervenções em áreas adjacentes a este campo, com outras vinculações e lógicas de trabalho e com ligações pouco consistentes à educação de adultos, que avançam decididamente para explorar as novas oportunidades agora proporcionadas. Com esta expressiva afluência ao campo da educação básica de adultos de entidades com origem em campos diversos que lhe eram adjacentes passámos de um campo dicotómico depauperado por apartação a um campo heterogéneo por afluência adjacente pluricentrada. 2. A COEXISTÊNCIA COMPLEXA E TENSA DE LÓGICAS DE AÇÃO Este processo induzido de recomposição do campo da educação e formação de adultos irá gerar uma afluência a este campo por parte de diferentes operadores, públicos e privados, com ou sem fins lucrativos declarados, marcados por distintas conceções das políticas públicas de educação e formação de adultos, num movimento que é reforçado pela atração exercida pelos fundos europeus disponíveis para a formação. O campo da educação básica de adultos complexifica-se e passa-se, ao nível das orientações políticas para o sector, de um Estado constrangente, que apertava, impedia e dificultava os movimentos e as iniciativas sociais, para um Estado paradoxal, já que, fruto das dificuldades de afirmação de uma reforma global que interferisse de forma integrada nos diferentes sectores, serviços e modalidades, passámos a ter uma intervenção estatal marcada por hesitações, contradições e recuos, mas que permitiu que a educação básica de adultos surgisse, ao longo desta década, também no espaço local, como uma combinação diversificada de estruturas, contextos, atores e práticas sociais. Como acontece com todos os processos de formação, o trabalho desenvolvido por todas estas distintas entidades sustentaram-se em distintas lógicas de ação. Efetivamente, toda a ação humana é reflexiva e em cada contexto de interação estabelecem-se múltiplos modos e dispositivos de reflexividade coletiva, em processos que são sempre interativos, mesmo que não presenciais, e também dinâmicos, ainda que com elementos persistentes de continuidade. Produz-se assim um conhecimento prático e partilhado, mesmo quando isso não se expressa de forma manifesta. Evidentemente, a reflexividade é, nestes sentidos, uma marca de toda a ação humana, mas há também que considerar a reflexividade institucional, que constitui uma dimensão decisiva da afirmação da modernidade (Giddens, 1992). Os sistemas periciais passam a assumir, também no campo da educação e formação de adultos, um papel crescente na produção da informação e do conhecimento que orientam a ação de indivíduos e organizações, influindo de modo cada vez mais decisivo nos processos reflexivos individuais e coletivos e estabelecendo modos evidentes de dominação simbólica. Esta monitorização reflexiva da ação, nos seus diferentes níveis, concretiza-se sempre em sujeitos em ação, os 230 quais, no quadro dos seus sistemas simbólicos, estão aptos para refletirem e agirem, sendo capazes de fazerem opções e de modificarem as suas posições. Ora, esta monitorização reflexiva da ação suporta-se precisamente em determinadas lógicas de ação, as quais, também nas práticas de educação e formação de adultos, constituem os conteúdos de sentido, razoavelmente consistentes, com que os acores interpretam e monitorizam a ação, ordenando, mesmo que de modo contingente, a realidade em que se movem. Em cada entidade promotora de educação de adultos, todos os atores envolvidos, condicionados mas não determinados socialmente, desenvolvem as suas práticas reproduzindo mas também produzindo - de forma dinâmica, plural e transversal determinadas lógicas de ação, as quais, estando já incorporadas, vão sendo atualizadas com a ação, exprimindo a totalidade dessa ação e servindo posteriormente para lhe dar coerência. Assumindo como analisadores deste campo os cursos EFA, foram várias as lógicas de ação que pudemos reconhecer neste campo da educação básica de adultos em processo de recomposição. Há, desde logo, uma lógica de serviço meritocrático, que persiste como expressão explicativa e justificativa da ação que se desenvolve neste campo, inspirando-se fortemente na ideologia meritocrática em que assentou a construção dos sistemas educativos modernos. Ela valoriza essencialmente o mérito individual, que considera o critério fundamental de seleção social. Esta ideologia meritocrática está bem presente nos processos educativos dirigidos a adultos que assentam num sistema de valores que enaltece a iniciativa pessoal e que apregoa uma moral de esforço. A educação e formação de adultos é encarada como um instrumento fundamental para assegurar uma suposta igualdade de oportunidades, que permitiria mobilidades sociais ascendentes, selecionando aqueles que nela se evidenciam. Será uma ideologia com enormes responsabilidades na liquidação do sistema nacional de qualificação, que a INO tinha procurado consolidar. A lógica meritocrática coexiste entretanto com outras lógicas de ação em diversas instituições de educação e formação de adultos, sendo a lógica de mercado precisamente uma das que se tem vindo a afirmar de modo mais marcante. Esta suporta-se fundamentalmente na valorização do princípio da concorrência competitiva, para a realização de uma preconizada modernização da educação e, mais genericamente, de toda a vida social. Esta lógica de ação assenta pois no princípio do mercado e desenvolve-se com a expansão das ideologias e das políticas educativas de teor liberal. Este peso crescente da lógica de mercado nos processos de monitorização reflexiva da ação que se desenvolvem nas instituições de educação básica de adultos é bem mais evidente nas que estão mais vinculadas ao mundo empresarial, mas insinua-se também em entidades com raízes noutras tradições da educação de adultos, sendo estimulada pelas tendências para a construção de um quase-mercado na educação de adultos, alimentada pela generalização de lógicas de candidatura nos programas de desenvolvimento para este sector. Já a construção de pautas de significação e de conduta tendo por referência fundamental a transformação social, com fortes tradições na educação de adultos, por efeito da sua forte vinculação aos movimentos sociais que se desenvolveram especialmente a partir do século XIX, está relacionada com a assunção de claros compromissos sociais e políticos pelos educadores de adultos. O valor fundamental é o da igualdade social e a ação educativa é considerada como indissociável de uma militância cívica que combata as desigualdades sociais 231 que marcam a sociedade capitalista. As abordagens não formais são valorizadas e, recusandose os entendimentos consensualistas das realidades locais, privilegia-se o envolvimento da educação de adultos em iniciativas e movimentos sociais com potencial transformador, estimados como os contextos mais favoráveis para o desenvolvimento das ações educativas. Uma outra lógica de ação que tem marcado as instituições da educação de adultos é a que designámos como de crescimento pessoal. O princípio fundamental é o da autonomia do sujeito e centra-se fundamentalmente no incentivo para que, através da apropriação de saberes e da reflexão sobre os projetos pessoais e formativos, se alcance o equilíbrio da pessoa e a sua capacidade de adaptação às mudanças sociais. A ênfase pedagógica é colocada nas relações interpessoais e valoriza-se a não diretividade nas relações pedagógicas. Entretanto, tanto esta lógica do crescimento pessoal, como a lógica da transformação social, apesar da sua importante tradição de intervenção neste campo, não parecem ter encontrado um terreno tão propício à sua propagação nas novas circunstâncias de uma educação de adultos que valoriza as abordagens territoriais e contratualistas na ênfase que coloca às questões da competitividade e da coesão social. Em contrapartida, tem-se vindo a afirmar no campo da educação de adultos a lógica de ação do desenvolvimento local. O princípio fundamental é o da endogeneidade e o seu referente essencial é a comunidade local, enfatizando-se os processos de construção de uma identidade comum, com as suas dimensões históricas, presentes e prospetivas. As lógicas de desenvolvimento local que marcam estas iniciativas socioeducativas admitem entretanto uma gama ampla de possibilidades, que poderemos situar por referência a um eixo em continuum; num polo, estão perspetivas muito próximas das da transformação social, que sublinham as vantagens de uma articulação entre os processos educativos e participados de reflexão crítica sobre a realidade e a implicação na criação de realidades comunitárias mais igualitárias, sempre na consideração dos limites estruturais da ação local e da sua necessária articulação com alterações sociais mais globais; no outro extremo, existe um entendimento mais localista e defensivo nesta lógica de ação e verifica-se uma representação tendencialmente homogeneizante e fixista da comunidade, sendo os projetos locais encarados como formas de proteger a comunidade face aos riscos e às ameaças de uma realidade social cuja transformação mais global não se considera possível ou necessária. Há finalmente uma lógica de prevenção social que ganha progressivamente espaço nos processos de monitorização reflexiva da ação que se realizam nas entidades promotoras de educação e formação para adultos. Nesta lógica de ação está normalmente subjacente uma visão etnocêntrica da cultura e os processos de formação são vistos como instrumentos fundamentais para a solução dos problemas económicos e sociais, considerando-se que as necessidades educativas são objetivas e devem ser lidas pelos responsáveis pela formação. Os contextos sociais dos formandos são tendencialmente perspetivados por um ângulo que sobrestima os défices existentes e as lógicas assistencialistas de intervenção social tendem a ser vertidas para o campo educativo e para as práticas pedagógicas. O princípio fundamental é o da inserção, que se deve concretizar através da integração laboral e que se acha indissociável da promoção de valores que a amparem. Ao Estado atribuem-se certas tarefas de regulação da formação, considerando-se que lhe cabe também, num sector da formação segmentado, uma função residual de apoio social e 232 educativo aos sectores com problemas de inserção profissional e social, para precisamente prevenir a conflitualidade e assegurar a reprodução social. Este deve, por isso, disponibilizar apoios através de mecanismos seletivos de financiamento que favoreçam as instituições que promovam a coesão social, designadamente articulando a ação de assistência social com a promoção de competências para o trabalho. A recomposição que se está a dar no campo da educação básica de adultos reflete-se então nos modos como, nas instituições de educação de adultos, se concretiza a monitorização reflexiva da ação. Diversas lógicas de ação e, portanto, também de apropriação dos programas de candidatura disponíveis, marcam este campo, podendo coexistir em cada uma daquelas instituições, de modo sempre complexo e mais ou menos problemático. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Carneiro, R., ed. (2011). Accreditation of prior learning as a lever for lifelong learning: lessons learnt from the New Opportunities Initiative, Portugal. Lisboa: CEPCEP – Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa Universidade Católica Portuguesa; UNESCO; MENON Network. Giddens, A. (1992). As Consequências da Modernidade (F. L. Machado & M. M. Rocha, Trad.). Oeiras: Celta Editora. Hespanha, P., Monteiro, A., Ferreira, A. C., Rodrigues, F., Nunes, M. H., Hespanha, M. J. (2000). Entre o Estado e o Mercado. As fragilidades das Instituições de Protecção Social em Portugal. Coimbra: Quarteto Editora. Rothes, L. (2009a). A Recomposição Induzida do Campo de Educação Básica de Adultos. 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