5. Intoxicações causadas pela ingestão de espécies vegetais

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Ciência Animal 22(3):47-56, 2012
INTOXICAÇÕES CAUSADAS PELA INGESTÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS EM
RUMINANTES
(Poisoning caused by ingestion of plant species)
Francisca Mirlanda Vasconcelos FURTADO1, Maria Socorro de Souza CARNEIRO1,
Airton Alencar de ARAÚJO2 e Carla Renata GADELHA1
1. Departamento de Zootecnia/Universidade Federal do Ceará, 2. Faculdade de Medicina Veterinária/UECE
RESUMO
As espécies de plantas tóxicas se fazem presentes em jardins, quintais, áreas de produção agrícola
e pastagens, de forma que desde o inicio das civilizações as substâncias químicas presentes nas
espécies vegetais eram utilizadas para o preparo de remédios e para a produção de venenos. Ao
longo do tempo e com o avanço da ciência, tais substâncias tornaram-se conhecidas, e assim,
melhor estudadas, e dentre os princípios tóxicos de maior importância encontram-se os alcalóides,
glicosídeos, ácido monofluoracético, cumarinas, toxalbuminas e substâncias histaminóides e
lantandenos A e B. No Brasil, a invasão de pastagens por plantas potencialmente tóxicas e prejudiciais
à saúde do rebanho é uma característica que denuncia o mau manejo e a má utilização dos recursos
forrageiros por parte dos produtores de animais destinados a produção de carne e leite. O pastejo
em uma área com baixa disponibilidade de forragem induz os animais a buscarem outras fontes
alimentares, aonde estão inseridas espécies com principios tóxicos que ao serem ingeridas provocam
danos ao organismo animal ou até mesmo o óbito, o que ressalta a necessidade de estratégias de
manejo das pastagens, bem como o fornecimento adequado de suplementação alimentar aos animais
em épocas de escassez, evitando possíveis ingestões das espécies tóxicas.
PALAVRAS-CHAVES: plantas tóxicas, substâncias químicas, pastagens
ABSTRACT
The species of toxic plants are present in gardens, yards, areas of farming and grazing, so that from
the beginning of civilization the chemicals present in plant species were used to prepare medicines
and for the production of poisons. Over time and with the advancement of science, such substances
have become known, and thus better worked and studied, and among the toxic principles of greater
importance are the alkaloids, glycosides, saponins, monofluoracetic acid, coumarin, toxalbumins,
phytotoxins, histamines and A and B lantandens. In Brazil, the invasion of pastures by potentially
toxic and herd health harmful plants is a feature that exposes the mismanagement and misuse of
forage resources by livestock producers for the meat and milk production. The grazing in an area
with low forage availability leads the animals to seek other food sources, where are inserted species
with toxicological principles which when ingested cause damage to the animal organism or even
death, underscoring the need for pasture management strategies and adequate provision of
supplementary feeding to animals in times of shortage, avoiding possible ingestion of toxic species.
KEYWORDS: toxic plants, chemicals, pastures
*Endereço para correspondência
Departamento de Zootecnia
Universidade Federal do Ceará
<[email protected]
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INTRODUÇÃO
induzem os mesmos ao consumo de plantas
tóxicas. MELO (1998a) enfatizou que animais
Desde os primórdios da humanidade, os introduzidos em regiões diferentes da sua origem
vegetais além de serem utilizados na agricultura acabam ingerindo plant as t óxicas por
para alimentação humana, também já eram desconhecer a flora local, de forma que, se faz
usados, devido aos seus efeitos tóxicos, embora necessário o conhecimento das espécies vegetais
as suas propriedades químicas fossem tóxicas com o objetivo de melhor controle e
desconhecidas.
manejo das mesmas.
Na Grécia e Roma antiga, o conhecimento
dos poderes tóxicos das plantas já era conhecido. 1.PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS TÓXICAS
Os prisioneiros condenados à morte na Grécia PRESENTES NAS PLANTAS
tomavam chás de cicuta (Conium maculatum) e
eram incentivados à movimentação física, até o 1.1 Alcalóides
veneno percorrer todo o corpo por meio da
Os alcalóides são compostosnitrogenados
corrente sanguínea e ocasionar a morte.
que oco rrem nas plantas e são
As espécies vegetais tóxicas são comuns estruturalmentediversificados dependendo da
no cotidiano e podem ser encontradas em rota biossintética que os produz. Os alcalóides
diversos ambientes, o que aumenta o risco de no organismo animal provocam ressecamento na
acidentes com pessoas e animais domésticos. boca dificultando a ingestação de alimentos,
Muitas espécies possuem substâncias tóxicas, aumentam a frequência cardíaca, causam
mas quando em pequenas quantidades não são distúrbios oculares, convulsões, depressão e
letais. Por outro lado, há espécies vegetais que colapso circulatório com diminuição da pressão
possuem alta toxicidade, são aquelas em que sanguínea, levando posteriormente ao coma e
quantidades relativamente insignificantes são morte por parada respiratória ocasionada pela
suficientes para levar a óbito (COSTA et al., paralisação dos orgãos inervados pelos neurônios
2009). MELO (1998a) ressaltou que deve-se parassimpáticos (MELO, 1998a; VITAL, 2002).
levar em consideração que alguns vegetais são
Os alcalóides podem ser divididos em:
tóxicos para determinadas espécies animais e não alcalóides pirrolizidínicos, alcalóides tropânicos,
são para outras.
alcalóides esterólicos, alcalóides piperínicos e
Fatores abióticos como clima e tipos de solo piperidínicos.
influenciam na distribuição espacial e toxicidade
das plantas, assim como, partes e estádio 1.1.1 Alcalóides pirrolizidínicos
vegetativo das mesmas (MELO, 1998b).
Os alcalóides pirro lizidínicos são
Na pecuária é comum contaminações nas considerados cancerígenos e hepatocitotóxicos,
pastagens, por plantas invasoras, e entre estas, responsáveis por tipo específico de câncer de
espécies tóxicas aos animais, que acarretam fígado, e os sintomas podem se manifestar depois
prejuízos econômicos ao produtor e danos à de até quatro anos da ingestão da dose tóxica
saúde do rebanho.
(MATOS, 2007).
Uma pastagem mal manejada acarreta a
Espécies vegetais possuidoras de alcalóides
ingestão de outras espécies vegetais, que não as pirrolizidínicos: Heliotropium indicum L.
de interesse zootécnico, assim como, a não (fedegoso), Crotalaria ssp (chocalho-de-cobra).,
satisfação nutricional dos animais em pastejo, Symphytum officinalis (confrei), Heliotropium
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lanceolatum (sete-sangrias), Auxemma
glazioviana, Auxemma oncocalyx (Pau-branco)
e Senecio brasiliensis (Flor das almas) (MATOS,
2011).
norte do globo. A sintomatologia é observada
pela presença de náuseas, sialorréia, vômitos, dor
abdominal, diarréia, co nfusão mental,
hipotensão, colapso e morte (MATOS, 2007).
Segundo Matos (2007) as especies
1.1.2 Alcalóides tropânicos
vegetais, Nicotiana tabacum (tabaco), Nicotiana
Conhecidos desde a antiguidade, os glauca, Conium maculatum (cicuta), Lobelia
alcalóides tropânicos são muito ativos e a inflata L., Punica granatum (menos tóxica,
intoxicação pode ser através da ingestão ou romãnzeira), possuem alcalóides piperínicos e
transdérmica mediante massagens com o óleo das piperidínicos.
sementes dessas plantas. Seus efeit os
Dentre outras espécies vegetais possuidoras
compreendem o aparecimento de confusão de alcalóides estão a Phytolaca america L.
mental, irritabilidade aumentada, delirios, (caruru bravo), Nerium oleander (espirradeira)
alucinações, mucosas e pele ressecadas. São e Crotalaria ssp (chocalho-de-cobra) (GUERRA
utilizados na indústria farmacêutica.
et al., 2002).
Espécies vegetais possuidoras de alcalóides
tropânicos: Brugmansia suaveolens (copo-de- 1.2.1 Glicosídeos Cianogênicos
leite), Datura stramonium (zabumba), Datura.
As plantas cianogênicas contêm ácido
stramonium var. Tatula (zabumba roxa), Datura. cianídrico (HCN), formando compost os
inoxia (zabumba brava) (MATOS, 2007).
cianogênicos, geralmente glicosídeos ou
hidroxinitrilos. O HCN é liberado pela ação de
1.1.3 Alcalóides esteroidais
enzimas existentes na própria planta cianogênica
Na forma natural os alcalóides esterólicos ou produzidas pelos microorganismos do rúmen.
não são bem absorvidos, mas produzem por O HCN é rapidamente absorvido no aparelho
hidrólise subsequente à sua ingestão, alcaminas, gastrointestinal, resultando em morte por anoxia
que ao serem absorvidas são responsáveis pela generalizada, em consequência da inibição da
intoxicação. São observados como sintomas de respiração celular, uma vez que o HCN combinaintoxicação, confusão dos sentidos, estupor e em se com o ferro trivalente em vários sistemas
do ses mais elevadas mo rte por parada enzimát icos oxidativos intracelulares,
respiratória.
especialmente o citocromo-oxidase, formando o
Espécies veget ais possuido ras de complexo cianeto-citocromo-oxidase, que não
alcalóides esterólicos: Solanum americanum mais realiza a troca de oxigênio, o que resulta
(erva-moura), Solanum paniculatum (Jurubeba em hipóxia citotóxica. A intoxicação tem
comum), Physalis angulata L. (canapum), evolução aguda, os sintomas aparecem entre 10
Solanum ambrosiacum (melancia-da-praia) a 15 minutos e a morte ocorre dois a três minutos
(MATOS, 2007).
após o início dos sintomas tóxicos (MELO,
1998a).
1.1.4 Alcalóides piperínicos e piperidínicos
O HCN é formado nas plantas por hidrólise
Estão incluídos no grupo dos alcalóides de dois tipos de compostos: os glicosídeos
piperínicos e piperidínicos a conina, lobelina, cianogênicos, que são maioria, e os cianolipídios,
nicotina e peletierina. São alcalóides encontrados mais raros. A hidrólise ocorre em seguida à
mais especificamente em plantas do hemisfério desagregação dos tecidos da planta, causada pela
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trituração, mastigação ou infestação por fungos,
o que põe em contato íntimo o composto
cianogênico com a enzima responsável pela
hidrólise (MATOS, 2007). São observados nos
animais int oxicados dispnéia, t remo res
musculares, excitação, salivação, dilatação das
pupilas, opistótono, decúbito, convulsões,
incoordenação, lacrimejamento, poliúria e
diarréia (MELO, 1998a).
Dentre as espécies vegetais relacionadas,
se encontram Crotolaria ssp (chocalho-decobra); Holocalyx gllaziovii (alecrim de
campinas); Mascagnia rigida ssp (tingui);
Nerium oleander (espirradeira); Trifolium repens
(trevo branco); Manihot groziovii (maniçoba);
Manihot utilissima (mandioca) (GUERRA et al.,
2002); Bambusa mitis (brotos de bambu),
Manihot aipi (mandioca), Passiflora ssp
(maracujá,) e Sorghum vulgare (sorgo) (MATOS,
2007).
nervoso central com tremores musculares, andar
rígido, movimento de pedalagem, letargia,
anorexia, vômitos, diarréia e presença de muco
nas fezes, poliúria e arritimias cardíacas levando
à morte (MELO, 1998a; VITAL, 2002), náuseas,
abortos devido a morte fetal, suor frio, palidez,
tontura, bradicardia, micção frequente e parada
cardíaca (MATOS, 2007).
Dentre as espécies vegetais relacionados
estão a Nerium oleander (espirradeira), Digitalis
spp (dedaleira), e plantas do gênero Strophantus
(GUERRA et al., 2002), Trevetia neriifolia
(chapéu-de-napoleão), Calotropis procera
(ciúme) e Asclepias curassavica (oficial-de-sala)
(MATOS, 2007).
1.2.3 Glicosídeos antraquinônicos
Espécies vegetais que possuem glicosídeos
antraquinô nico s, possuem toxicidade
relativamente baixa em pequenas porções. A
sintomatologia devido a intoxicação apresenta
1.2.2 Glicosídeos digitálicos
quadros de diarréia, nefrite aguda, anúria,
O termo digitálico deriva de plantas do prostação e morte (MATOS, 2007).
gênero Digitalis, as quais possuem glicosídeos
Espécies vegetais que possuem glicosídeos
com poderosa ação sobre o miocárdio. Os antraquidônicos: Aloe vera (babosa), Cassia
digitálicos têm efeito inotrópico positivo fistula (canafistula), Senna alexandrina (folha de
resultante da inibição da enzima Na+K+ ATPase, senna), Senna occidentalis (mangerioba,
com consequente aumento do Ca++ intracelular. fedegoso) e Senna obtusifolia (mato-pasto)
Esta enzima é responsável pelo influxo de íons (MATOS, 2007).
Na+, que são trocados por íons K+ ou por íons
Ca++, sendo a troca Na+K+ mais ativa que a troca 1.2.4 Saponinas
Na+Ca++ na célula cardíaca. Com a presença de
Algumas espécies de plantas possuem
digitálicos, diminui-se a atividade da enzima e, saponinas, que possívelmente são responsáveis
consequentemente, a redução da troca de Na+K+, pela fo tossensibilização hepató gena em
promovendo aumento do Na+ intracelular que, determinadas situações. As saponinas causam
por sua vez, leva a um influxo maior de Ca++ lesões hepáticas e renais. Os animais apresentam
para dentro da célula, o qual é oferecido em maior sintomas como apatia, anorexia, ressecamento
concent ração às pro teínas contráteis, do focinho, pêlos arrepiados, isolamento,
aumentando, assim, a intensidade da contração diminuição dos movimentos do rúmen,
do músculo cardíaco (VITAL, 2002).
agressividade, arritimias cardíacas, extremidades
Os sinais de intoxicação por digitálicos frias, sonolência, hipotermia, fezes escuras,
apresentam quadros de depressão do sistema fétidas e com presença de muco, sede intensa,
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poliúria, lacrimejamento, retração do globo
ocular, diminuição da frequência cardíaca e
respiratória, corrimento nasal seroso bilateral,
problemas na mucosa ocular e lesões de pele tipo
fotossensibilização (MELO, 1998a).
Dentres as espécies vegetais relacionadas
encontram-se
Stryphnodendron
spp.
(barbatimão) e Medicago sativa (alfafa)
(GUERRA et al., 2002).
1.3 Ácido monofluoracético
O ácido monofluoracético substitui a
coenzima A no metabolismo intermediário e se
combina com o ácido oxaloacético formando
fluorcitrato que, por sua vez, inibe a aconitase
no ciclo do ácido cít rico , bloqueando a
continuação do mesmo. Dessa forma, ocorre
acúmulo de ácido cítrico, bloqueando a produção
de energia celular e respiração. O coração e
cerébro são afetados em primeiro lugar e mais
severamente pelo déficit energético, causando
desequilíbrio do trem posterior, tremores
musculares, mo vimentos de pedalagem,
dispnéia, distensão de membros, taquicardia,
convulsão e morte (MELO, 1998a).
Dentre as espécies vegetais envolvidas,
estão Palicourea marcgravii (erva-de-rato) e
Mascagnia rigida ssp (tingui) (GUERRA et al.,
2002).
portadores de substâncias protéicas tóxicas.
Essas substâncias possuem estruturas químicas
complexas, capazes de causar diarréias com
grandes riscos de desidratação, e na maioria das
vezes, ainda não foram determinadas
completamente. O latéx destas espécies é rico
em substâncias altamente agressivas para a pele,
conjuntiva e mucosas, chegando a provocar
cegueira por ação dos ésteres de forbol (MATOS,
2007).
Éspecies vegetais que possuem
toxalbuminas e fitotoxinas: Ricinus comunis
(mamona), Jatropha ssp (pinhão), Euphorbia
tirucalli L. (aveloz) (MATOS, 2007).
1.6 Oxalatos de cálcio
Nas espécies vegetais há presença de
células especiais ejetoras de agulhas de oxalatos
de cálcio (rafídes) nas folhas e ramos de plantas
da família Araceae (MATOS, 2007). Quando
ingeridas, provocam séria inflamação na boca e
na garganta, edema de língua, lábios e palato.
Na sintomatologia se observa sialorréia, cólicas
abdominais, náuseas, vômitos e em contato com
os olho s provoca edema, fot ofobia,
lacrimejamento e irritação (MELO, 1998a).
1.7 Lantandenos A e B
Os principios tóxicos lantandenos A e B
agem diretamente no fígado, na área periportal e
1.4 Cumarinas
nos canalículos biliares, causando lesão grave do
As cumarinas competem com a vitamina parênquima hepático com obliteração dos ductos
K no mecanismo de coagulação sanguínea e biliares. Os hepatócitos dessa região tornam-se
devido a isso são muito utilizadas em venenos permeáveis e, em cosequência , observa-se
para roedores (MATOS, 2007).
presença de bile no seu interior e nos espaços
Éspécies vegetais: Brosimum gaudichaudii entre os hepatócitos. Promovem abortos, apatia,
(inharé) e Hipericum perfuratum (john root) fotossensibilização, icterícia, anorexia, fezes
(MATOS, 2007).
moles e com sangue, urina de coloração marrom,
mumificação da pele e inquietação (MELO,
1.5 Toxalbuminas e fitotoxinas
1998a).
São to xinas que estão envo lvidas
Espécies vegetais: Lantana camara L.
praticamente no grupo das espécies do gênero (camará) e Luffa operculata Cong (cabacinha)
das euforbiáceas. O látex e as sementes são (MATOS, 2007).
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2. PLANTAS TÓXICAS INVASORAS DE durante algumas semanas, como fonte principal
PASTAGENS
de alimento (ARAÚJO et al., 2008).
Araújo et al. (2008) comprovaram que a
2.1 Ipomoea asarifolia
planta seca mantém sua toxicidade, não podendo
Ipomoea asarifolia (salsa) é uma planta ser administrada como forragem após ser cortada
nativa da América tropical, ocorrendo em regiões ou fenada, devido ao fato de alguns produtores
da América do Sul e Central. No Brasil é muito terem observado que os animais ao ingerirem
comum na Amazônia e em todo o litoral da região folhas secas caídas ao chão, também eram
Norte até os estados do Rio de Janeiro, São Paulo intoxicados. No entanto, os mesmos autores
e na região Nordeste. É uma planta herbácea constataram que a espécie é menos tóxica na
pro strada o u trepadeira da família época das chuvas, sendo este fato importante para
Convolvulaceae, conhecida pelos nomes a não ocorrência da intoxicação durante o período
populares de “salsa” ou “batatarana”, encontrada chuvoso.
às margens de rios e lagoas, praias marítimas,
A disponibilidade de forragem pode ser um
em terrenos abandonados e nas margens das outro fator que não promova intoxicação por
estradas. No semi-árido é encontrada às margens Ipomoea asarifolia, visto que, os animais devam
de açudes e rios, em terrenos abandonados, nas recorrer a espécie somente em casos de carência
margens de estradas, em áreas de baixios e de forragem, portanto, não a consumindo no
próximos a reservatórios de água (BARBOSA período chuvoso.
et al., 2005; ARAÚJO et al., 2008).
Os animais se recuperam entre 4 a 15 dias
A sua toxicidade foi comprovada após serem retirados das pastagens invadidas por
experimentalmente em bovinos, ovinos, caprinos essa planta, ficando caracterizado, portanto, que
e em búfalos. Barbosa et al. (2005), destacaram Ipomoea asarifolia, não pertence, a exemplo das
que a partir da intoxicação experimental, os Ipomea fistulosa e Ipomea ridelii, ao grupo das
bubalinos mostraram-se tão sensíveis quantos os plantas que causam doenças do armazenamento
bovinos, mas a intoxicação natural em búfalos ou acumulat ivas, uma vez que Ipomoea
por Ipomoea asarifolia poderia estar passando asarifolia
induz
perturbações
na
despercebida. Por sua vez, Araújo et al. (2008), neurotransmissão por interferência nos seus
constataram que os ovinos são mais sensíveis que mecanismos bioquímicos (BARBOSA et al.,
os caprinos e os bovinos são tão sensíveis quanto 2005).
os bubalinos.
O ovino é a espécie mais afetada pela 2.2 Palicourea marcgravii
intoxicação por Ipomoea asarifolia, sendo os
Palicourea é um dos gêneros de plantas
animais jovens mais sensíveis. Surt os de de interesse pecuário de maior importância no
intoxicação por Ipomoea asarifolia foram Brasil, possuindo ampla distribuição no país
relatados anteriormente na ilha de Marajó e a (exceto na região Sul), boa palatabilidade e
doença foi reproduzida experimentalmente elevada toxidade (MELO, 1998a).
(TORTELLI et al., 2008).
Melo (1998a) enfatizou que os frutos são
A intoxicação ocorre, principalmente, tóxicos quando verdes e secos, sendo que a
durante as estações secas, quando os animais, toxicidade atinge um máximo na fase de
devido a pouca disponibilidade de forragem, frutificação, e que a planta seca é cerca de quatro
ingerem grandes quantidades desta planta vezes mais tóxica que a planta verde, possuindo
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efeito acumulativo (um quinto da dose letal,
administrado diariamente, leva o animal à morte).
De acordo com Barbosa et al ( 2003), os
sintomas de intoxicação, tanto nos búfalos como
nos bovinos, foram quando o animal são: andar
desequilibrado e queda ao solo, permanecendo
em decúbito lateral. Uma vez em decúbito,
movimentos desordenados na tentativa de se
levantar, movimento s de pedalagem
intermitentes, tremores musculares ocasionais,
respiração ofegante e espaçada, às vezes com a
boca aberta e a língua prot rusa. Pelos
experimentos realizados pode-se concluir que os
búfalos são, aproximadamente, seis vezes mais
resistentes à ação tóxica de Palicourea
marcgravii do que os bovinos.
O tratamento de animais intoxicados por
P. marcgravii não é viável, mesmo que se
conhecesse um tratamento, devido à evolução
superaguda da intoxicação. Por outro lado, os
únicos métodos profiláticos conhecidos são
cercar bem as áreas infestadas ou erradicar a
planta, medidas que t em t ido resultados
insatisfatórios. É preciso, portanto, procurar
outros métodos profiláticos mais eficientes para
diminuir as perdas econômicas causadas por esta
intoxicação (BARBOSA et al., 2003).
Como a morte ocorre rapidamente, muitas
vezes não se observam lesões macroscópicas. Em
algumas ocasiões, observam mucosas cianóticas,
congestão de pulmões, rins e fígado, hemorragias
na meninge e nos rins (MELO, 1998a).
exercício. Os surtos ocorrem no início do período
chuvoso, quando a planta brota antes que outras
forrageiras ou após o final desse período, quando
após secarem algumas forrageiras, a M. rigida
permanece verde. O princípio ativo da M. rigida
ainda não é conhecido, mas mediante estudo por
cromatografia em camada delgada foi sugerido
que seja o ácido mo nofluoracético
(VASCONCELOS et al., 2008a).
A condição epidemiológica para que ocorra
a intoxicação por M. rigida no semi-árido em
ovinos e caprinos, em épocas diferentes, poderia
estar ligada ao clima e ao relevo. Foi comprovado
que plantas do agreste foram mais tóxicas que
plantas do sertão (VASCONCELOS et al.,
2008b). Mas Silva et al (2008), descrevendo
surtos naturais por intoxicação de M. rígida,
relatou que a variação da quantidade letal da
substância tóxica presente na planta varia de
acordo com a espécie animal e variações
climáticas, época do ano, características do solo,
estádio do vegetal, assim como a variabilidade
genética da planta, não sendo portanto fácil
estabelecer a dose letal.
Vasconcelos et al. (2008a), estudando os
efeitos da administração de M. rigida em ovelhas
e cabras prenhes sugeriram que em ovelhas não
há passagem do princípio ativo de M. rígida pelo
colostro em doses tóxicas para os cordeiros. No
entanto, em caprinos, a morte súbita de cabritos
após a ingestão de colostro apontam para a
ocorrência da passagem do princípio ativo pelo
colostro em quantidade suficiente para causar a
2.3 Mascagnia spp
mo rte do cabrito. No entanto, novos
As plantas do gênero Mascagnia, por causa experimentos deverão ser realizados para
da boa palatabilidade, são ingeridas junto à comprovar esta hipótese.
forragem durante todo o ano. Entretanto, quando
Os sintomas apresentados pelos animais
a planta está brotando a toxicidade é maior iniciam-se entre 24 e 48 h após o último
(MELO, 1998a).
fornecimento da planta (folhas) e os sintomas
A Mascagnia rígida (tingui) é a planta apresentados consistem em queda do animal ao
tóxica mais importante para bovinos na região solo com morte dentro de poucos minutos tanto
Nordeste, causando morte súbita associada ao para caprinos como para bovinos (SILVA et al,
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2008).
A erradicação da planta nas pastagens é o
mais indicado como medida profilática. Não se
conhece tratamento, sendo que o melhor a se
fazer é não movimentar os animais por duas
semanas, ou seja, repouso absoluto, com a
finalidade de desintoxicar o animal (MELO
1998a).
quando ainda verde, embora possa ser usada
como boa forrageira depois de fenada (MATOS,
2007).
A análise fitoquímica registrou presença,
em todas as partes da planta, inclusive no óleo
fixo extraído das sementes, de compostos
antraquinônicos e naftalênicos, em forma livre
ou glicosilada, entre os quais se destacaram o
crisofanol, emodina e reina (MATOS, 2007).
Vale ressaltar que estudos com está especie
2.4 Senna ocidentallis
O fedegoso é uma leguminosa anual, com mostraram que apesar de indesejavél para o
arbustos de 40 a 80 cm de altura, possui folhas homem do campo, ela pode ser uma fonte de
elípticas verdes-escuras e flores amarelo-ouro, renda devido às propriedades medicinais
encontradas no óleo das suas sementes, as quais
encontrada nas pastagens ao longo da beira de
já estão sendo estudadas em outros países
estradas, em lavouras, em pastagens de várzea e
(MATOS, 2007).
solos ricos ou bastante fertilizados. A intoxicação
ocorre em épocas do ano em que os pastos estão
2.6 Stryphnodendron spp.
pobres e a planta se torna mais palatável, e devido
Stryphnodendron spp. é uma árvore
a ingestão de cereais ou feno contaminado por
pequena a média, de folhas compostas, bipinadas
sementes ou outras partes da planta. Os animais
com folíolos relativamente grandes. O tronco é
podem adoecer mesmo após duas semanas de
retorcido, com casca grossa e suberosa, possui
cessada a ingestão da planta (MELO, 1998a).
flores pequenas e brancas em espigas axilares,
É uma espécie rica em compost os sendo os frutos em forma de vagem de 10 a 13
antraquinônicos livres e glicosilados, que estão cm de comprimento e coloração castanho-escura.
presentes das flores às raízes, especialmente A toxicidade da planta varia ao longo do ano, e
crisofanol. As sementes são tóxicas para os de acordo com o est ado nutricio nal e a
bovinos quando ingeridas em grande alimentação dos animais (MELO, 1998a).
quantidades, fato este comprovado com a morte
de animais após a ingestão de ração acrescida 2.7 Crotalaria spp.
com 20% dessas sementes (MATOS, 2007).
Crotalaria spp. é uma espécie com folhas
com três folíolos, obovado-elíptico, as flores são
2.5 Senna obtusifolia
pequenas e pêndulas em rácemos alongados
O mata-pasto é uma planta anual, (MELO, 1998a).
Riet-Correa (2001) relatou que no Brasil
subarbustiva, lenhosa, ereta, com cheiro
desagradável, com 70 a 1,60 cm de altura, folhas em experimentos realizados com leite de cabra
compostas com três folíolos obtusos e glabros alimentadas com Crotalaria spectabilis, este leite
medindo até 4 cm. Invasora de solos cultivados, foi tóxico para ratas e suas ninhadas.
Est a planta nasce naturalmente nas
campos de pastos e terrenos baldios. No nordeste
é uma verdadeira praga, durante a estação pastagens e é muito comum no no rdeste
chuvosa, pois mesmo sendo uma leguminosa é brasileiro. Quandofenada perde a toxicidade,
desprovida de nódulos radiculares fixadores de podendo ser consumida naturalmente pelos
nitrogênio no solo. Não é aceita pelos animais animais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz-se necessário o conhecimento das
espécies tóxicas invasoras de pastagens, a fim
de evitar possíveis acidentes devido à ingestão
das mesmas pelos animais. O manejo correto das
áreas de pastejo deve ser periódico e preciso,
evitando o aparecimento de espécies invasoras,
assim como, disponibilizando níveis adequados
de forragem de qualidade prevenindo a busca dos
animais por espécies vegetais potencialmente
tóxicas.
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