HIV e Doenças Associadas Abordagem por Sistemas desde uma Perspectiva Africana D r a M a r ia R ua n o D r a Pa u l a B r e n t l i n g e r ITECH Mocambique 2015 Ficha Técnica TÍTULO: HIV e Doenças Associadas SUBTÍTULO: Abordagem por Sistemas Desde uma Perspectiva Africana Autores Drs: Dra Maria Ruano Dra Paula Brentlinger Redacção e Revisão Técnica: Maria Ruano Layout: Daniela Cristofori Imagem de Capa: ©iStockphoto ITECH Mocambique 2015 Í n di ce Capítulo 1 Índice 1. Resistência aos Medicamentos Antiretrovirais, Falência Terapêutica e Mudança de linha de TARV 3 Introdução.......................................................................................................................................................... 5 Replicação do Vírus HIV............................................................................................................................. 5 Selecção de estirpes mutantes pelos Medicamentos Antiretrovirais (MARVs)................................................................................................................................................................. 7 Detecção de Resistência aos MARVs: Genotipagem............................................................ 10 Estudos sobre Resistências em Moçambique........................................................................ 11 Teste de Genotipagem......................................................................................................................... 12 Mutações Mais Relevantes que Afectam os MARVs.............................................................. 15 Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR)............................................... 15 Inibidores não Nucleosideos da Transcriptase Reversa (INNTR)................................. 16 Inibidores da Protease (IP).................................................................................................................. 17 Falência Terapêutica.................................................................................................................................... 18 Definição de Carga viral............................................................................................................................ 20 Estudos que Mostram a Baixa Confiabilidade do Critério Imunológico para Detectar Falência ao Tratamento Antiretroviral......................................................... 21 Monitoria Virológica para a Prevenção de Resistências................................................... 22 Segunda Linha Padrão em Moçambique................................................................................. 24 Problemas de Adesão devidos à Falha nos Sistemas de Saúde: Indicadores para a Avaliação............................................................................................................ 25 Pontos-Chave da Sessão........................................................................................................................... 26 Referências......................................................................................................................................................... 27 2. Alterações hepáticas no Paciente HIV+: Diagnóstico e Manejo 29 Introdução............................................................................................................................................31 Conteúdos da Sessão........................................................................................................................31 Causas Importantes de Doença Hepática no Contexto do HIV em Moçambique.......................................................................................................................................32 5 Í n di ce Hepatite B..............................................................................................................................................33 Definições................................................................................................................................................................. 33 Importância da Hepatite B em Moçambique.................................................................................... 33 Transmissão de VHB........................................................................................................................................... 34 Marcadores Laboratoriais da Infecção pelo VHB e Estadio da Doença.............................. 34 Co-infecção HIV/VHB......................................................................................................................................... 39 Complicações da Co-infecção HIV / VHB.............................................................................................. 39 Prevalência de Hepatite B em Pacientes Africanos infectados pelo HIV........................... 40 Diagnóstico da Infecção pelo VHB............................................................................................................ 41 Tratamento da VHB em Pacientes HIV-negativos............................................................................ 43 TARV para o Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB.......................................................................... 43 Limiar de CD4 para Iniciar TARV no Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB............... 43 Quanto tempo dura o tratamento da Hepatite Crónica por VHB?............................... 45 Selecção de antiretrovirais com actividade anti-VHB............................................................ 45 Outras medidas para prevenir as complicações derivadas da infecção pelo VHB em pessoas infectadas pelo HIV........................................................................................... 47 Medidas para prevenir a transmissão de contactos não infectados............................ 47 Vacina da Hepatite B.................................................................................................................................. 48 Tubeculose Hepática/Abdominal.................................................................................................49 Sinais e Sintomas de TB Abdominal......................................................................................................... 49 Diagnóstico de TB hepática/Abdominal............................................................................................... 51 Diagnóstico Diferencial da TB hepática.......................................................................................... 52 Co-infecção TB/HIV: Apresentação da TB como Síndrome de Imuno -reconstituição (SIR).................................................................................................................................... 52 Tratamento da TB Hepática/Abdominal................................................................................................52 Normas Nacionais Moçambicanas para o Tratamento da Co-infecção TB/HIV:.................................................................................................................................... 53 Tratamento da TB em Pacientes com Doença Hepática..................................................... 53 Prevenção da TB Abdominal/Hepática.................................................................................................. 55 Toxicidade Hepática por Medicamentos.............................................................................................. 55 Apresentação clínica das Reacções Adversas Envolvendo o Fígado................................... 58 Alteração Assintomática das Transaminases............................................................................... 58 Hepatite............................................................................................................................................................. 58 Diagnóstico da Hepatotoxicidade por Fármacos............................................................................ 60 Manejo da Hepatotoxicidade por Fármacos...................................................................................... 63 Medicamentos Antiretrovirais (MARVs).......................................................................................... 63 Medicamentos antituberculose (MAT)........................................................................................... 64 Schistosomiase Hepato-esplénica...............................................................................................67 Quadro Clínico....................................................................................................................................................... 67 Diagnóstico............................................................................................................................................................. 68 Tratamento.............................................................................................................................................................. 68 Malária Severa e Alterações Hepáticas.......................................................................................70 Alcoolismo............................................................................................................................................71 Hepatite Sifilítica.................................................................................................................................71 Outras Causas de Doença Hepática em Pessoas Infectadas pelo HIV.............................72 Pontos-Chave da Sessão..................................................................................................................72 Referências............................................................................................................................................73 3. Patologia do SNC e Neuropatia Periférica em Pacientes com o HIV: Perspectiva dos Locais com Recursos Limitados 77 Introdução.......................................................................................................................................... 79 Epidemiologia da Patologia do SNC nos pacientes HIV+ no Nosso Contexto........... 80 Infecções Oportunistas após a Introdução de TARV: Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune (SIR) e Sistema Nervoso Central..........................82 Patologia do Sistema Nervoso Central Causada pelo Próprio HIV.......................................82 Neuropatia Periférica........................................................................................................................................84 Diagnóstico Diferencial das Síndromes que Afectam o SNC no Paciente HIV+.............85 O Exame Neurológico..................................................................................................................... 86 Nível de consciência.........................................................................................................................................86 Nervos Cranianos................................................................................................................................................89 Teste de força (Teste Motor).........................................................................................................................90 Tom Muscular........................................................................................................................................................90 Teste Sensorial......................................................................................................................................................91 Sinais de Inflamação no Cérebro.......................................................................................................91 Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos..................................................................... 91 Causas mais Importantes de Meningite em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV...........................................................................................................................................91 Meningite Criptocócica...........................................................................................................................93 Meningite tuberculosa28.........................................................................................................................101 Outras Causas Diagnosticáveis e Tratáveis de Meningite..................................................104 7 Í n di ce Capítulo 1 Í n di ce Diagnóstico das Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos em pacientes HIV+.....................................................................................................................................................105 Patologias que Cursam com Sinais Focais............................................................................... 109 Causas mais Importantes de Patologias que se Apresentam com Sinais Focais em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV.....................................................................................109 Malária Cerebral...........................................................................................................................................112 Toxoplasmose Cerebral...........................................................................................................................113 Tuberculose do SNC que se Apresenta com Sinais Focais28.............................................116 Linfoma primário do SNC (LPSNC)...................................................................................................118 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva causada pelo Virus JC..............................119 Diagnóstico dos Quadros que Cursam com Sinais Focais em Pacientes HIV+............................................................................................................................ 119 Trastornos Neurocognitivos e Sinais/sintomas Psiquiáticos em Pacientes HIV+................................................................................................................................... 120 Transtornos Neurocognitivos Associados ao HIV (HAND).........................................................120 Sinais e Sintomas Neurológicos Causados por Medicamentos.............................................123 Neuropatia Periférica...................................................................................................................... 125 Pontos-Chave da Sessão................................................................................................................ 128 Referências.......................................................................................................................................... 129 4. Manifestações Cardiovasculares em Pacientes HIV+: Infecção por HIV e Risco Cardiovascular 133 Introdução.......................................................................................................................................... 135 Conteúdos da Sessão...................................................................................................................... 136 Epidemiologia da Doença Cardíaca Isquémica e do AVC na População Geral.......... 137 Factores de Risco para a Doença Cardiovascular............................................................................137 Estudos sobre Factores de Risco Cardiovascular em Moçambique....................................139 Avaliação de Risco Cardiovascular: OMS................................................................................. 142 Acidente Vascular Cerebral: Particularidades Epidemiológicas no Contexto Africano.......................................................................................................................................147 Contribuição da HTA para o Risco Cardiovascular na África Subsaariana................149 Risco Cardiovascular em População HIV Positiva................................................................. 150 Estudos que Demonstram Aumento do Risco Cardiovascular em Pacientes HIV+.............................................................................................................................................151 Causas que Explicam o Aumento do Risco Cardiovascular em pacientes com HIV.............................................................................................................................................153 Escala de Risco Cardiovascular em Pacientes com HIV...............................................................156 Intervenções Destinadas a Reduzir o Risco Cardiovascular.....................................................156 Considerações......................................................................................................................................................160 Outras doenças cardíacas nos pacientes infectados pelo HIV......................................... 161 Cardiomiopatia Associada ao HIV.............................................................................................................161 HIV e Pericardite...................................................................................................................................................164 Pontos-Chave da Sessão................................................................................................................ 166 Referências.......................................................................................................................................... 167 5. Reacções Adversas em Pacientes com HIV 169 Introdução.......................................................................................................................................... 171 Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possíveis Efeitos Adversos........................... 172 Abacavir (ABC)......................................................................................................................................................172 Estavudina (d4T)..................................................................................................................................................173 Lamivudina (3TC)................................................................................................................................................173 Tenofovir (TDF).....................................................................................................................................................174 Zidovudina..............................................................................................................................................................175 Efavirenz...................................................................................................................................................................176 Nevirapina...............................................................................................................................................................177 Lopinavir/ritonavir..............................................................................................................................................178 Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo TARV........................180 Anemia e Neutropenia em pacientes em uso de AZT (Zidovudina)..................................180 Neuropatia Periférica Causada por Medicamentos antiretrovirais.......................................181 Insuficiência Renal..............................................................................................................................................183 Acidose Láctica....................................................................................................................................................184 Reacção de Hipersensibilidade..................................................................................................................184 Lipodistrofia...........................................................................................................................................................185 Pontos-Chave da Sessão................................................................................................................ 185 Referências.......................................................................................................................................... 186 6. Sarcoma de Kaposi 187 Introdução............................................................................................................................................ 189 Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi...................................... 190 Prevalência da Infecção por VHH-8 em África....................................................................................190 9 Í n di ce Capítulo 1 Í n di ce Prevalência da Infecção por VHH-8 em Moçambique...................................................................191 Epidemiologia do SK em Pacientes com HIV/SIDA em África..................................................191 Sarcoma de Kapose e Mortalidade.............................................................................................. 192 Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KS-SIR)............................. 193 Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma de Kaposi............... 194 Início Atempado de TARV nos pacientes com HIV..........................................................................194 Identificação e Estadiamento dos Pacientes com Sarcoma de Kaposi...............................195 Diagnóstico de SK Pulmonar.................................................................................................................196 Diagnóstico Diferencial do Sarcoma de Kaposi Pulmonar..................................................198 Estadiamento do Sarcoma de Kaposi..............................................................................................199 Tratamento do Sarcoma de Kaposi.............................................................................................. 202 Tratamentro antiretroviral e Sarcoma de Kaposi...............................................................................202 Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi.............................203 Tratamento da Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi.................205 Outras considerações no Manejo do Sarcoma de Kaposi Pulmonar...................................208 Tratamento Paliativo em Pacientes com Sarcoma de Kaposi...................................................212 Outras complicações da infecção por VHH-8........................................................................... 213 Doença Multicêntrica de Castleman........................................................................................................213 Linfoma Efusivo Primário (LEP).....................................................................................................................214 Pontos-Chave da Sessão.................................................................................................................. 215 Referências............................................................................................................................................ 216 7. Desafios no Diagnóstico da Co-infecção Tuberculose e HIV 219 Introdução.............................................................................................................................................221 Epidemiologia da TB em Moçambique: O Problema do Subdiagnóstico.......................221 Erros na Avaliação de Sinais e Sintomas da Tuberculose..............................................................223 Falhas em Avaliar Sinais e Sintomas da Tuberculose...............................................................223 Demora na Avaliação de TB....................................................................................................................224 Baixa Sensibilidade dos Meios Diagnósticos Disponíveis.....................................................224 Epidemiologia da TB em Crianças: Problemas Específicos no Diagnostico da TB Pediátrica....................................................................................................................................225 Subdiagnóstico e Subtratamento de TB Resistente às Drogas...........................................227 Estudos que Mostram uma Prevalência de TB Resistente em Moçambique..................228 Causas da Tuberculose Droga Resistente....................................................................................... 229 Consequencias de TB-MDR.............................................................................................................................232 Mortalidade.......................................................................................................................................................232 Custo......................................................................................................................................................................233 Teste de Gene Xpert: Vantagens no Diagnóstico de TB (vs outros métodos de diagnóstico habituais).................................................................................................................235 Vantagens científicas...........................................................................................................................................235 Gene Xpert: Vantagens Operacionais......................................................................................................239 Gene Xpert: Desafios Operacionais............................................................................................................240 Introdução de Gene Xpert e Resultados do Tratamento da TB.........................................243 Revisão das Directrizes Moçambicanas sobre Gene-Xpert.................................................244 Resultados do Teste GeneXpert e Contuda..........................................................................................248 Diagnóstico de TB em Crianças: Particularidades....................................................................250 Pontos-Chave da Sessão...................................................................................................................252 Referências.............................................................................................................................................253 11 Í n di ce Capítulo 1 Í n di ce d e Quadros Índice de Quadros 1. Possíveis mutações do gene da enzima transcriptase reversa e resistência associadas dos INTR e INNTR........................................................................9 2. Ecrã proveniente da Stanford University Database sobre resistência a MARVs...................................................................................................................13 3. Resultados da análise das mutações presentes...............................................................14 4. Parâmetros virológicos no plasma.......................................................................................20 5. Escolha da 2ª Linha em Adultos e Crianças ≥ 5 anos (e com peso ≥35Kg)...................................................................................................................24 6. Incidência de infecções oportunistas estratificadas segundo a contagem de CD4.................................................................................................81 7. Diagnósticos em pacientes HIV+ internados e taxa de letalidade por patologia. Costa de Marfim........................................................................81 8. Causa de deterioração neurológica em pacientes HIV+ no ano que seguiu à introdução de TARV (n=75)...........................................................83 9. Prevalência de neuropatia periférica em diversas séries de pacientes HIV+.............................................................................................................................84 10. Avaliação do nível de consciência em pacientes HIV+.................................................86 11. Escala de Coma de Glasgow...................................................................................................87 12. Escala de Coma de Blantyre para crianças pequenas....................................................88 13. Exame dos Nervos Cranianos.................................................................................................88 14. Resumo das prevalências de diversas causas de Meningite nos estudos apresentados (Zimbabwe e RSA)...........................................92 15. Sinais, sintomas e doenças concomitantes pressentem em pacientes internados com diagnóstico de criptococose (vigilância epidemiológica, Gauteng, RSA, 2002-2004)................................................93 16. Pacote mínimo para a prevenção da toxidade por anfotericina B, Monitoria e Manejo......................................................................................96 17. Probabilidade cumulativa de sobrevivência consoante ao tempo até a introdução de TARV..........................................................................................99 18. Critérios de elegibilidade para a profilaxia de meningite criptocócica e manejo...............................................................................................................101 19. Proporção de casos de meningite com cultura positiva produzidos por criptococo, vs meningite bacteriana, estratificado por idade (Queen Elisabeth Central Hospital, Blantyre, Malawi 2000-2012).....................................................................................................................104 20. Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em pacientes com diferentes tipos de meningite (Siber et al.).........................................106 21. Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em pacientes com diferentes tipos de meningite (Cohen et al.)......................................107 22. Algoritmo Cefaleia intensa e persistente...........................................................................108 23. Comparativa, segundo o seroestado, sexo, idade, factores de risco, resultados de provas complementares e diagnostico final, em 98 pacientes com sinais focais de início recente (Blantyre, Malwi)................................110 24. Resultados das causas de Lesões ocupantes de espaço em pacientes com HIV. Resumo dos resultados de 3 estudo. ...........................................111 25. Cefaleia intensa e persistente................................................................................................114 26. Manejo de pacientes HIV+ que se apresentam com sinais focais, na ausência de provas de neuroimagem (RSA) ..............................................................116 27. Sinais e achados laboratoriais em 284 pacientes com TB da coluna vertebral .........................................................................................................................117 28. Proporção de casos de TB da coluna, distribuídos segundo o nível vertebral..............................................................................................................................118 29. Categorias de HAND segundo os critérios de Frascati..................................................121 30. Escala internacional de demência (IHDS)..........................................................................122 31. Efeitos adversos neuro-psiquiátricos associados ao uso de MARVs........................124 32. Neuropatia periférica................................................................................................................125 33. Incidência de neuropatia periférica ao longo do tempo e com diversos MARVs...........................................................................................................................126 34. Taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares em países de renda elevada e baixa.........................................................................................................138 35. Factores de risco associados com a ocorrência de infarto de miocárdio, em homens e mulheres após ajuste para idade, género e região geográfica.....................................................................................................138 36. Factores de risco cardiovascular em pacientes africanos vs controles....................139 37. Prevalência, conhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial na população moçambicana com idades entre 25 e 64 anos......................................................................................................................140 38. Prevalência de consumo de tabaco diário entre homens e mulheres de zonas rurais e urbanas segundo o grau de educação e idade.............................141 39. Gráfico de predição de risco OMS /ISH, para uso em locais onde o colesterol no sangue pode ser medido ..............................................................142 40. Recomendações para a prevenção da doença cardiovascular em população com factores de risco cardiovascular.....................................................143 13 Í n di ce d e Quadros Capítulo 1 Í n di ce d e Quadros 41. Prevalência global de risco cardiovascular entre os moçambicanos com idades compreendidas entre os 40-64 anos, de acordo com o local de residência, sexo e idade...........................................................................................147 42. Caracteristicas dos pacientes que apresentaram AVC. Maputo ...............................148 43. Causas principais de morte intrahospitalar (2009-2011 Hospital Bugando, Tanzania)..........................................................................149 44. Risco de AVC isquémico em população HIV+ (California 1996-2001; N=24.768)...............................................................................................................152 45. Taxas brutas de AVC isquémico atendendo ao seroestado (linha continua HIV+; Linha de pontos HIV-).....................................................................153 46. Principais ARVs (por classe) e seu impacto nos níveis de glicemia e lípidos, e na ocorrência de cardiopatia isquémica....................................155 47. Mortalidade global (todas as causas) e cardiovascular em população seropositiva...................................................................................................................................156 48. Algoritmo para a prevenção da doença cardiovascular...............................................159 49. Resumo das intervenções baseadas em evidencias para a redução da morbimortalidade pelas principais doenças não comunicáveis...............................160 50. Causas de patologia cardíaca atendendo ao seroestado. Landmark Heart of Soweto, KwaZulu-Natal, África do Sul...........................................161 51. Características clínicas da cardiomiopatia associada ao HIV em pacientes africanos.............................................................................................................162 52. Leque de patologia cardíaca atendendo ao seroestado para HIV em 179 pacientes com cardiomegalia........................................................................163 53. Causas de derrame pericárdico massivo em pacientes Africanos e em séries de pacientes fora de África...........................................................164 54. Os 4 estadios da TB pericárica................................................................................................164 55. Causas de patologia do pericárdio em população HIV+ atendendo à contagem de CD4..................................................................................................................165 56. Incidência cumulativa de SK antes e depois do início de TARV (RSA).....................194 57. Achados clínicos mais comuns no SK em diversas séries (Aboulafia).....................196 58. Achados radiográficos do Sarcoma de Kaposi pulmonar............................................197 59. Sobrevivência media em pacientes com SK diagnosticados na era do TARV, comparando aqueles com e sem afectação pulmonar.................198 60. Sistema de Estadiamento para Sarcoma de Kaposi. Clinical Trials Group Oncology Committee.......................................................................199 61. Ficha clínica de Sacroma de Kaposi.....................................................................................200 62. Sobrevivência media em 469 pacientes em função do estadio de SK....................203 63. Características na apresentação de casos de Doença Multicêntrica de Casttleman associada ao HIV................................................................213 64. Características do LEP a partir de 6 séries publicadas...................................................214 65. Nº Estimado de Casos de TB POR 10.000 Habitantes e por Ano (2012) .................222 65. Percentagem de processos clínicos com registo de informação sobre rastreio de TB em 30 US................................................................................................223 66. Sensibilidade e especificidade da baciloscopia de escarro em pacientes com TB/HIV (TB confirmada por cultura).......................................................225 67. Descrição da coorte pediátrica TB/HIV. Malawi...............................................................226 68. Taxa de incidência e intervalo de confiança (95%) de TB em crianças HIV+, de acordo com o tempo transcorrido desde o início do seguimento.............................................................................................................................226 69. Risco relativo (ajustado e não ajustado) e intervalo de confiança de 95% de apresentar diagnóstico de TB após o início do seguimento................................................................................................................227 70. Distribuição de isolados de M. Tuberculose provenientes de 279 pacientes, de acordo com os padrões de resistência a isoniazida, rifampicina, etambutol e estreptomicina .........................................................................228 71. Factores de risco ajustados para desenvolver TB-MDR e TB-XDR.............................230 72. Analise dos factores de risco associados com TB-MDF.................................................230 73. Casos de Tuberculose notificados no bairro de Khayelitsha em 2008 (Cape Town)........................................................................................231 74. Resultados do tratamento em pacientes com TB-MDR por regiões (2009 OMS)....................................................................................................................232 75. Custo total e custo unitário da 1ª e 2ª linha de Tratamento para TB em 99 países (2009-2013), segundo o nível de renda dos países.............................233 76. Curva de sobrevivência (Kaplan-Meier) de casos de TB, atendendo ao padrão de resistência entre 2005 e 2007..............................................234 77. Sensibilidade da baciloscopia vs GeneXpert em amostras de escarro, e do teste LAM (detecção Ag em urina) vs GeneXpert em amostras de urina, estratificada segundo a contagem de CD4................................237 78. Sensibilidade do GeneXpert aplicado a diferentes tipos de amostras...................238 79. Demora até o início de tratramento para TB desde a realização do teste GeneXpert....................................................................................................................239 80. Proporção de pacientes em tratamento para TB ao longo do tempo (linhas vermelhas GeneXpert; linhas azuis baciloscopia)..............................243 81. Tomada de decisão com base no resultado do teste GeneXpert (Rascunho)....................................................................................................................................249 82. Carga de doença TB crescente em crianças conforme aumenta a incidência de TB.45.................................................................................................................250 83. Diagnóstico de TB em crianças menores de 14 anos.....................................................251 15 ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO Í n di ce d e Quadros Capítulo 1 C apítulo 1 Resistência aos Medicamentos Antiretrovirais, Falência Terapêutica e Mudança de linha de TARV Índice Capítulo 1 Introdução........................................................................................5 Replicação do vírus HIV...........................................................5 Selecção de estirpes mutantes pelos Medicamentos Antiretrovirais (MARVs).......................7 Detecção de Resistência aos MARVs: Genotipagem.................................................................................10 Estudos sobre resistências em Moçambique.......11 Teste de Genotipagem.......................................................12 Mutações mais relevantes que afectam os MARVs...........................................................................................15 Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR)............................................15 Inibidores não Nucleosideos da Transcriptase Reversa (INNTR).................................16 Inibidores da Protease (IP)................................................17 Falência Terapêutica..................................................................18 Definição de Carga viral..........................................................20 Estudos que Mostram a Baixa Confiabilidade do Critério Imunológico para Detectar Falência ao Tratamento Antiretroviral............................................................................21 Monitoria Virológica para a Prevenção de Resistências................................................................................22 Segunda linha padrão em Moçambique................24 Problemas de Adesão devidos à Falha nos Sistemas de Saúde: Indicadores para a Avaliação......................................................................25 Pontos-Chave da Sessão.........................................................26 Referências.......................................................................................27 Capítulo 1 1. Resistência aos Medicamentos Antiretrovirais, Falência Terapêutica e Mudança de linha de TARV Introdução Esta sessão visa abordar a falência do tratamento antiretroviral, a resistência aos antiretrovirais e a 2a linha de TARV. Em Moçambique, estes temas são oportunos, pelas seguintes razões: • Agora que o programa de tratamento do SIDA está a atingir a maturidade, há uma crescente população de pacientes que já não estão a responder à 1a linha de TARV; • Moçambique está a introduzir testes de carga viral de HIV em todo o país, o que irá facilitar a identificação de pacientes com falência genuína do TARV; • Moçambique recentemente revisou as suas normas nacionais para a selecção da segunda linha de tratamento antiretroviral; • Moçambique está a começar a descentralizar o processo de mudança para a 2a linha de TARV e os comités terapêuticos provinciais serão os responsáveis por este processo no futuro. Replicação do vírus HIV O HIV é um vírus RNA, mas a sua replicação também requer uma fase DNA. Quando o HIV entra e infecta uma célula hospedeira (humana), o RNA do HIV sofre “transcrição reversa” (pela transcriptase reversa do HIV) para DNA, que é então incorporado no DNA hospedeiro humano. Até ao momento em que o DNA do HIV é incorporada no DNA do hospedeiro, o vírus HIV não se pode reproduzir. A enzima transcriptase reversa do HIV é necessária para que o RNA do HIV seja incorporado no DNA do hospedeiro. Portanto, os antiretrovirais que interferem com a transcriptase reversa (RT) do HIV podem impedir a replicação do vírus.14 Os antiretrovirais das classes Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (INTR) e Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (INNTR) se assemelham fisicamente ao RNA do HIV que a RT deve traduzir para DN, e ligamse a RT no lugar do RNA viral, interferindo assim, com o processo da transcrição reversa do RNA em DNA, e consequentemente previnem a replicação viral. ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 5 Capítulo 1 A figura abaixo, a partir de Madrid et al. mostra um medicamento antiretroviral (amarelo) ocupando o local de ligação dentro da proteína RT (vermelho, azul e verde).15 Madrid e outros observaram que a RT tem a forma de uma mão com o polegar e os dedos estendidos; a droga está ligada na região correspondente à sua "palma". O que é que isso tem a ver com a mutação e o aparecimento da resistência? A capacidade da RT para ligar-se ao RNA viral e fazer a transcrição reversa para DNA depende em parte da sua forma, que depende da ordem específica de aminoácidos na sua estrutura, a qual depende, por sua vez, da ordem em que aparecem os nucleótidos específicos no DNA. Cada grupo de três núcleótidos numa cadeia de DNA representa um códon genético, que determina um aminoácido específico que será então adicionado a outros aminoácidos, a fim de criar novas proteínas virais de HIV. Seguidamente, a protease do HIV montará novas cópias de vírus HIV.17,18 Se a ordem de nucleótidos no DNA viral de HIV é alterada por alguma mutação, um aminoácido errado pode ser introduzido na proteína que resulta do produto do gene (por exemplo, a transcriptase reversa ou a protease). Em alguns casos, isso não fará diferença nenhuma para a função da proteína (uma mutação "silenciosa"); em outros casos, a mutação vai causar resistência a um ou vários antiretrovirais específicos. Você verá na figura abaixo (extraído de Menendez-Arias) que as mutações que conferem resistência afectam o ponto físico de contacto entre a protease do HIV e o medicamento inibidor da protease que deve ligar-se à enzima, de modo a interferir (inibir) com a sua função. 6 Capítulo 1 Selecção de estirpes mutantes pelos Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) Por que as mutações ocorrem? Resumidamente, todos os pacientes infectados com o HIV cuja carga viral (CV) não está totalmente suprimida, transportam milhões de cópias do vírus HIV em replicação activa. A replicação ocorre constantemente, e cada vez que o vírus replica, existe a possibilidade de ocorrer um erro de replicação. A transcriptase reversa do HIV tem sido descrita como "uma enzima relativamente desleixada, criando um erro de transcrição a cada 3000 à 4000 pares de bases (pb) transcritos. Devido a que o HIV é um vírus de 9000 pb, em média, um a dois erros de transcrição ocorrem em cada ciclo de replicação. Com a geração de 10 bilhões de viriões por dia, uma vasta variedade de mutantes genéticos são teoricamente produzidas diariamente"17 (Dolin, p 369). Quando um erro de replicação ocorre, significa que o aminoácido errado é inserido no genoma viral. Como observado acima, os vírus são portadores de mutações diversas: 1. Mutações que não fazem diferença nenhuma para a sobrevivência do vírus; 2. Mutações que são fatais para o vírus, e assim, favoráveis ao paciente; 3. Mutações não são fatais para o vírus, mas tornam o vírus mais susceptível aos anti-retrovirais, e também são favoráveis ao paciente; 4.Finalmente, as mutações que são de maior interesse são as que tornam o vírus do HIV mais resistentes aos anti-retrovirais, permitindo assim que a CV aumente e a doença progrida apesar do TARV. 7 Capítulo 1 É importante destacar que quanto maior for a carga viral de um paciente, mais rápido o vírus pode mutar! O paciente com a carga viral totalmente suprimida é o paciente menos vulnerável à mutação genética do vírus, e, por conseguinte, com menor probabilidade de que o vírus que o infecta, desenvolva resistência às drogas. Assim, os pacientes com baixa adesão são mais propensos a desenvolver mutações por causa da carga viral não suprimida. Os pacientes que são tratados com regimes inadequados (por exemplo, 3 fármacos da mesma classe, apenas duas drogas ou doses insuficientes no caso das crianças) têm maior probabilidade de não atingir a supressão da replicação viral e por tanto ter cargas virais detectável e elevadas. MAS - se o paciente não está a tomar qualquer medicamento, as mutações que conferem resistência não terão uma vantagem de sobrevivência em relação às outras mutações, e assim as cepas de HIV resistentes aos medicamentos não serão seleccionadas. "A probabilidade da selecção de cepas do vírus resistentes aos medicamentos entre as pessoas em TARV é determinada por: • O número de fármacos activos no esquema (o nível de actividade para cada fármaco varia de 0 a 1, com excepção para os inibidores da protease potenciados, que se assume terem potência dupla, com base na sua eficácia demonstrada em monoterapia) e é determinado pela presença de mutações de resistência relevantes • A carga viral • A adesão actual individual.19 Muitas mutações foram identificadas. As mutações no genoma do vírus HIV são descritas utilizando um código que especifica qual aminoácido é substituído por qual, como resultado da mutação, e onde é que esse aminoácido se encontra no produto do gene de HIV. Assim, a mutação chamada PR V32I é uma mutação que afecta a protease do HIV (o alvo dos MARVs inibidores de protease); na posição 32 no gene da protease, o aminoácido isoleuceina (I) substitui ao aminoácido normal nessa posição, que é a valina (V).17 32= posicao do aminoacido V32i V= Aminoacido do tipo selvagem V= Aminoacido do tipo mutante No quadro 1 da Sociedade Internacional de Antiretrovirais (IAS; anteriormente chamada Sociedade Internacional de SIDA), mostrando todas as mutações específicas que conferem resistência a INTRs e INNTR e que tinham sido 8 Capítulo 1 reconhecidos até 2013. As suas posições sobre o gene TR (gene que codifica para a síntese da transcriptase reversa) também são indicadas, e são nomeadas usando o código descrito acima.20 Quadro 1: Possíveis mutações do gene da enzima transcriptase reversa e resistência associadas dos INTR e INNTR 9 Capítulo 1 Exercício: Olhe para o gráfico da IAS com atenção. (na pagina seguente) Faça uma lista dos medicamentos antiretrovirais que são afectados pelas seguintes mutações: 1) K65R 2) M184V 3) e o complexo de inserção 69 (para INTRs) Note: A maioria das mutações afectam múltiplos (ou mesmo todos) os INTRs! Isto é conhecido como "resistência cruzada" ou "resistência de classe". Ou seja, uma mutação que confere resistência ao INTR que o paciente está actualmente a tomar também confere resistência a outros INTR na classe, porque eles são muito semelhantes quimicamente, pelo que a mutação lhes afecta da mesma maneira. Agora olhe para as mutações dos INNTR e descreva semelhanças e diferenças entre as mutações que afectam a NVP e o EFV. Detecção de Resistência aos MARVs: Genotipagem O teste chamado “genotipagem” procura por mutações de resistência já conhecidas do vírus, a partir do sangue de um paciente individual (só pode ser feito em pacientes nos quais a CV é detectável). Onde este teste está disponível, e onde os resultados podem ser interpretados por alguém com experiência em resistência aos medicamentos antiretrovirais, os resultados da genotipagem podem ser usados para fazer um desenho individualizado da 2a de linha para um paciente que falhou à 1a linha de TARV. Onde este teste não está disponível, os Ministérios da Saúde e os clínicos devem seleccionar regimes de 2a linha baseados nos seguintes critérios: • Os padrões prováveis de resistência a medicamentos antiretrovirais, • A disponibilidade local de medicamentos antiretrovirais específicos e • Outras características do paciente (por exemplo, gravidez, TB, anemia, hepatite). O teste de genotipagem deve ser feito enquanto os pacientes estão a fazer o tratamento, com o objectivo de identificar as populações de vírus resistentes aos medicamentos (aquelas cuja replicação os MARVs não conseguem suprimir). 10 Capítulo 1 Os pacientes podem desenvolver resistência a drogas (resistência adquirida) durante o tratamento (seja por causa da baixa adesão, ou porque o regime inicial foi mal escolhido, ou simplesmente por causa da passagem do tempo), ou podem ser infectados com um vírus HIV que já é resistente aos fármacos (resistência transmitida). Qual é a magnitude do problema da resistência aos medicamentos antiretrovirais? Um estudo de 7 países (Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Senegal, Togo, Tailândia e Vietnã, que avaliou cerca de 4,000 pacientes) concluiu que: • 11,1% tinham falha virológica (definida como CV> = 1000 cópias/mL) aos 12 meses da introdução do TARV de 1ª linha • 12,4% tinham falha virológica aos 24 meses. Daqueles com falência virológica: • 71,0% tinham evidência de resistência às drogas aos 12 meses e • 86,1% aos 24 meses, com base nos resultados de genotipagem.21 Na província de KwaZulu-Natal, na África do Sul, 459 pacientes com falência virológica foram submetidos a genotipagem do HIV; deles, 88,6% tinham pelo menos uma mutação associada a resistência maior, e foi recomendada a mudança de esquema.9 Estudos sobre resistências em Moçambique Poucos estudos têm abordado a prevalência da resistência aos medicamentos antiretrovirais em Moçambique, mas existem alguns dados: • 144 pacientes de Maputo, virgens às drogas (pacientes naive) foram avaliados em 2002-2004. Um total de 4 pacientes, dos 68 pacientes com genotipagem adequada (5,9%) tinham mutações que conferiam resistência a INTR e/ ou INNTR. Nenhuma resistência aos inibidores da protease foi detectada. Isto sugere que a resistência transmitida dos medicamentos já existia em Moçambique, mesmo antes da expansão nacional do TARV.22 • Entre 2007 e 2009, um grupo de mulheres grávidas virgens ao tratamento foram avaliadas na Beira e Maputo, através de um processo de amostragem que permite estimar a prevalência das mutações de resistência aos medicamentos. Na Beira foi calculada uma prevalência de mutações para os INTR de 5-15% em 2007 e para os INNTR a prevalência foi de 5-15% em 2009. Uma mutação para IPs também foi observada na Beira, embora os IPs eram raramente usados em Moçambique na época. A existência de resistência transmitida aos medicamentos sugeriu que a eficácia dos regimes de PTV, bem como o próprio TARV poderiam estar comprometidos.23 11 Capítulo 1 • Em 2007-8, a prevalência de resistência a antiretrovirais foi avaliada em crianças em Maputo.24 Antes do início de TARV, 5,4% tinham resistência que se pensava, pudesse estar associada com a profilaxia prévia com nevirapina (PTV). Após 1 ano de TARV, 10,3% das crianças da coorte tinha resistência aos medicamentos. Os Factores associados à resistência aos medicamentos neste caso foram: • Exposição prévia à regimes de PTV; • Resistência às drogas no início do estudo, e • Baixa adesão. Teste de Genotipagem A realização de testes de genotipagem e posterior interpretação por um perito (por um médico ou até mesmo um programa de computador) é o ideal. Ainda não está disponível em Moçambique, e por isso não vamos discutir a interpretação dos resultados dos genótipos em detalhes, mas vamos mostrar-lhe um exemplo, para que esteja familiarizado com o conceito quando a genotipagem se torne disponível. Abaixo, vamos dar resultados reais de testes de genotipagem, por exemplo a partir desta tabela por Bartolo et al.22, e pedir ao aplicativo da Universidade de Stanford para interpretá-los para nós através do seu Web-site interactivo (sierra2@stanford. edu, serviço gratuito). Paciente X: paciente masculino de 38 anos, HIV+ e em TARV há 3 anos com AZT+3TC+NVP. Antecedentes de fraca adesão durante o segundo ano de tratamento (toma irregular dos comprimidos). Actualmente aderente e com resultado de Carga Viral de 13.234 cópias/ml. Mutações presentes no teste de genotipagem: • Mutações que afectam INTR: M41L, M184V, T215F, • Mutações que afectam INNTR: K103N O ecrã de entrada de dados de Stanford é reproduzida abaixo para o paciente descrito acima. O usuário digita as mutações de resistência detectadas pelo teste de genotipagem, e em seguida instrui o programa para analisá-las. O resultado da análise de Stanford (também reproduzido em baixo, para o mesmo paciente) descreve as implicações que as mutações de resistência têm no que diz respeito à susceptibilidade ou resistência às drogas da mesma classe. Como você pode ver pelo resultado, esse paciente já “queimou” a maior parte das opções possíveis de INNTR e INTR. 12 Capítulo 1 Quadro 2: Ecrã proveniente da Stanford University Database sobre resistência a MARVs 13 Capítulo 1 QUADRO 3: Resultados da análise das mutações presentes Na ausência de genotipagem, a selecção do regime da segunda linha padrão pelos programas nacionais de HIV/SIDA depende de um entendimento básico da evolução e significado clínico das mutações de resistência relevantes, tanto isoladamente como em combinação com outras. Os princípios importantes neste caso incluem: • A resistência a qualquer ARV individual pode também conferir resistência a um ou vários outros agentes na mesma classe (conceito de resistência cruzada de classe). • As combinações de mutações de resistência podem aumentar ou diminuir o efeito de uma mutação individual, por isso, é preciso olhar para os padrões de mutações e não apenas para as mutações de forma isolada. • Nunca substituir menos de duas drogas em um esquema em falência. 14 Capítulo 1 Mutações mais relevantes que afectam os MARVs 17,18,26,27 Agora, vamos olhar para as mutações importantes (e padrões de mutações) por cada classe de antiretrovirais, começando com os INTRs. Para esta secção inteira, seria útil referir para o gráfico de mutação da IAS. A não ser que você precise de interpretar relatórios de genotipagem, não tem que aprender todos os detalhes. Contudo, é importante ter uma compreensão geral dos principais padrões de mutações e suas associações com os ARVs específicos e com a história de tratamento do paciente. Este conhecimento deve ajudar a compreender quais as combinações de medicamentos de segunda linha têm maior probabilidade de manter a sua eficácia num paciente com falência à primeira linha. Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR) Os INRTs estão associados com muitas mutações que conferem resistência aos medicamentos ARV. Algumas das mais relevantes incluem as mutações dos análogos da timidina (TAMs), assim como as mutações K65R, Q151M e M184V. • As TAMs são seleccionadas com frequência em pacientes que recebem TARV com esquemas contendo AZT ou d4T. Esta família de mutações inclui todas as seguintes: M41L, L210W, T215YF, D67NG, K70R, K219QE. No geral, essas mutações diminuem a susceptibilidade do vírus a todos os INTRs; quanto mais TAMs o vírus do paciente acumular ao longo do tempo, maior a resistência aos INTRs como classe. A presença de TAMs reduz a susceptibilidade ao AZT mais do que a susceptibilidade a TDF. No geral, há uma redução da susceptibilidade ao TDF na presença de 3 ou mais TAMs. • Outra mutação importante que afecta os INTRs é a K65R. A presença de esta mutação reduz a susceptibilidade a TDF, mas aumenta a susceptibilidade ao AZT. A selecção desta mutação, quando é usado o TDF no regime de primeira linha garante a eficácia do AZT no regime de segunda linha (este é um dos motivos pelos quais a OMS aconselha o uso de TDF na primeira linha e a reserva de AZT para a segunda linha. Ao contrário, corre-se o risco de selecção de TAMs, que quando são numerosas reduzem a susceptibilidade a todos os INTR, limitando a eficácia de esta classe na segunda linha). • O complexo Q151M produz altos níveis de resistência ao AZT (e também ao d4T, ABC, e ddI), assim como níveis intermediários de resistência ao TDF (com resistência de nível inferior ao 3TC e FTC). • Quando a mutação K65R e o complexo Q151M acontecem em simultâneo a resistência a AZT e TDF é elevada. Geralmente a mutação K65R e as TAMs não acontecem em simultâneo. 15 Capítulo 1 • Finalmente, a mutação M184V/I diminui a susceptibilidade a 3TC e FTC. Contudo, esta mutação aumenta a susceptibilidade a AZT e TDF e reduz a capacidade e velocidade de replicação viral do HIV, chamada fitness viral (é uma mutação favorável neste sentido). Por estes motivos, é aconselhado manter o fármaco 3TC (ou FTC) na segunda linha de TARV após a ocorrência de falência à 1ª linha. A presença do fármaco no esquema de 2ª linha permite manter a pressão sobre o vírus, diminuindo assim sua capacidade de replicação viral (fitness) e aumentando a susceptibilidade a AZT ou TDF, presentes no novo esquema. • Outra mutação chamada complexo de inserção T69, provoca altos níveis de resistência a todos os INTRs. Inibidores Não Nucleosideos da Transcriptase Reversa (INNTR) Duas mutações-chave, a K103N e a Y188L, conferem resistência a múltiplos INNTR. EFV e NVP estão ambos comprometidos por muitas das mesmas mutações (resistência cruzada de classe) pelo que se houver falência com um regime contendo algum deles, o outro não deve ser escolhido para a substituição no novo esquema. Em vez disso, deve-se passar para uma nova classe de ARVs, geralmente IPs. Por conseguinte, uma vez que um paciente desenvolve resistência a NVP ou EFV, os INNTR não são mais úteis como classe. O INNTR mais recente, a Etravirina, tem um padrão de resistência de algum modo diferente e pode ser um candidato para substituição no futuro, mas não deve ser utilizado sem teste de genotipagem prévia para mutações. DeLuca resume os principais aspectos de resistência dos INTR e INNTR da seguinte forma: “As TAMs são muitas vezes seleccionadas por regimes que incluem análogos da timidina, nomeadamente a zidovudina (AZT) e a estavudina (d4T). Estas mutações continuam a acumular-se ao longo do tempo, quando o regime que está em falência é mantido, e eventualmente conferem crescente resistência cruzada de classe, reduzindo grandemente a actividade de todos os INTRs e, assim, tornam mínimas as opções de utilização da classe no futuro. A mutação K65R é seleccionada quando o tenofovir (TDF) é utilizado sem AZT (e também, em algumas ocasiões, quando são utilizados outros fármacos, tais como o abacavir ou a didanosina), e é única na medida em que, embora comprometa a actividade dos outros INTRs, não influencia negativamente a actividade do AZT, que parece aumentar. Portanto, o TDF poderá não estar activo em pacientes que sofreram falência com um regime contendo AZT e tenham acumulado várias TAMs, enquanto os pacientes que tiveram falha com um regime contendo TDF e apresentarem a mutação K65R poderão ainda beneficiar de AZT no regime de segunda linha. Finalmente, a lamivudina (3TC) e a emtricitabina (FTC) 16 Capítulo 1 são drogas com uma baixa barreira genética à resistência: uma única mutação como a M184V/I é suficiente para suprimir a actividade in vitro destas drogas. No entanto, esta mutação tem um benefício clínico devido a que sua presença provoca uma redução na capacidade de replicação viral (diminui o fitness viral), e também, aumenta a susceptibilidade a TDF e AZT, tornando a sua escolha durante a terapia de primeira linha útil para obter uma melhoria da actividade dos INTRs na terapia da segunda linha. A acumulação de TAMs eventualmente eliminará o benefício da mutação M184I/V , reduzindo a susceptibilidade a TDF, enquanto a presença de K65R irá inibir a selecção de TAMs e, como resultado, irá aumentar a probabilidade de que o AZT mantenha a sua actividade. Portanto, com base nestas observações in vivo, é preferível o esquema com TDF na primeira linha de TARV e a reserva do AZT para o esquema de segunda linha, combinado em ambos casos com 3TC ou FTC.”28 Inibidores da Protease (IP) Os IPs em geral, são menos susceptíveis às mutações de resistência do que os INTR s e os INNTR (veja abaixo). Em pacientes que recebem um regime contendo IPs, existem 3 mutações principais que conferem resistência a LPV/r: 32I, 47V/A e 82A/F/T/S, Per DeLuca: “Os Inibidores da protease potenciados com Ritonavir (IP/r) têm uma maior barreira genética à resistência do que outros medicamentos antiretrovirais. O conceito de barreira genética para a resistência (ou barreira de resistência) está relacionado a 2 variáveis, nomeadamente, as características moleculares do medicamento e a exposição ao mesmo. Os fármacos com uma elevada barreira genética para a resistência seleccionam as mutações mais lentamente. Além disso, a barreira genética elevada implica também que os IP/r mantêm-se activos apesar da presença de um número limitado de mutações. Os resultados de ensaios levados a cabo em locais com recursos limitados, confirmam os dados de ensaios clínicos nos Estados Unidos e na Europa, que mostram que o desenvolvimento de mutações de resistência para IP/r é extremamente raro nos casos de falência de um regime de primeira linha contendo IP/r” [6, 7]. É útil relembrar a experiência da África do Sul: Em seu recente lançamento da genotipagem, eles descobriram que mais de 74% dos pacientes com falência virológica respondeu ao regime padrão de segunda linha; a realização de teste de genotipagem para a escolha do novo esquema não alterou as recomendações de tratamento na maioria dos casos.9 17 Capítulo 1 Falência Terapêutica Define-se como falência terapêutica, a incapacidade do tratamento anti-retroviral para atingir o objectivo de suprimir a replicação viral. Nesta secção vamos discutir a prevalência e importância da falência terapêutica e os critérios específicos para diagnosticá-la. A falência terapêutica é normalmente causada por falta de adesão ao TARV (ao nível do paciente e/ou do sistema de saúde, iremos abordar este assunto mais tarde nesta sessão), pela presença de mutações que fazem com que o vírus seja resistente ao esquema de TARV, ou por ambos. Existem 3 grupos diferentes de critérios para identificar a falência terapêutica (independentemente do mecanismo da falência): falência clínica, falência imunológica e falência virológica. A primeira definição de falência terapêutica baseia-se exclusivamente na evolução clínica do paciente após o início do TARV e é chamada “falência clínica”. A actual definição para Moçambique de falência clinica é dada abaixo (Guião Nacional de TARV). Suspeita-se da falência clínica quando um paciente desenvolve uma nova infecção ou condição oportunista depois de iniciar o TARV. Mas como aponta o Guião Nacional, pode ser difícil saber, baseando-se apenas na evolução clínica, se a causa da deterioração clínica deve-se ao facto do regime do TARV não estar a funcionar, ao aparecimento da síndrome de imuno-reconstituição ou simplesmente existe uma nova condição oportunística em curso antes do paciente ter atingido a reconstituição imune. A falência clínica de forma isolada já não é considerada um critério suficiente para se chegar à conclusão da existência de falência terapêutica devido as razões descritas acima. 18 Capítulo 1 Desde a ampla disponibilidade de CD4, uma nova definição de falência terapêutica foi elaborada baseada na análise da evolução de CD4. A falência terapêutica determinada pela análise da evolução do CD4 é chamada de falência imunológica. A definição de falência imunológica extraída do Guião Nacional esta descrita abaixo: Como notado no Guião Nacional, a evolução da contagem de CD4 pode ser difícil de interpretar, particularmente em pacientes com infecções oportunística ou outras infecções não tratadas e em pacientes que tenham iniciado o TARV com uma contagem muito baixa de CD4. Moçambique agora prefere definir a falência terapêutica usando o critério de falência virológica (isto é, baseado na evolução da carga viral após o início de TARV): 19 Capítulo 1 Definição de Carga viral Então, o que é o teste de carga viral? Basicamente é a medição da concentração do vírus HIV no sangue do paciente. Os resultados são expressos de duas maneiras: o número bruto de cópias do vírus por mililitro ou milímetro cúbico (ml ou mm3) de sangue e, o logaritmo (log) base 10 daquele número (o logaritmo de base 10 de um certo número aumenta 1 com cada adição de um múltiplos de 10. Assim, log de 10 é 1, log de 10 x 10 [100] é 2, log 10 x10 x10 [1000] é 3 etc). Segue-se a tabela do Guião Nacional para comparar as duas diferentes formas de expressar os resultados de carga viral: Quadro 4: Parâmetros virológicos no plasma Carga Viral Logaritmo Correspondente 300 (3 x 102) 2,5 500 (5 x 102) 2,7 800 (8 x 102) 2,9 1.000 (1 x 10 ) 3 3.000 (3 x 103) 3,5 3 10.000 (1 x 104) 4 30.000 (3 x 104) 4,5 100.000 (1 x 105) 5 300.000 (3 x 10 ) 5,5 5 1.000.000 (1 x 106) 6 Note que a carga viral pode ser reportada como “ indetectável” ou “abaixo de um certo número de cópias” (por exemplo: 30 ou 50). Estes resultados dizem-nos que a carga viral é tão baixa que o teste laboratorial não a pode detectar. O limiar de 1.000 cópias de vírus/ml para a definição da falência terapêutica foi escolhido pela OMS porque pensase que a transmissão de HIV abaixo de este limiar é reduzida. Em países com mais recursos o objectivo do tratamento é manter a CV abaixo de 50 cópias/ml, com a finalidade de prevenir a replicação viral e o desenvolvimento de resistências. Contudo, quando se usa o sistema de gota seca de sangue (DBS ou dried blood spot em inglês) para a recolha de amostras com fins de medição de carga viral, o limite de 1.000 cópias/ml não é prático devido ao facto do sistema DBS não ser suficientemente sensível para detectar baixos níveis da viremia. Sendo assim a OMS recomenda um limite mais alto (3000-5000 cópias/ml). Moçambique agora esta no processo de estabelecer capacidades para CV em algumas províncias. A política para o uso do teste de carga viral está resumida no guião nacional de TARV: A confiabilidade do método usado para a detecção da falência terapêutica importa por 2 motivos principais: a)Se falharmos ao detectar a verdadeira falência terapêutica, o paciente terá um risco aumentado de morbilidade e mortalidade por complicações de HIV/SIDA. Os contactos sexuais do paciente e outros (p ex recém-nascidos) estarão em risco acrescido de adquirir o HIV, incluída a transmissão de vírus resistente a MARVs. 20 Capítulo 1 b)Se diagnosticarmos erradamente falência terapêutica antes que realmente tenha ocorrido, e trocarmos desnecessariamente o paciente para a 2a linha, os custos, a possibilidade de reacções adversas e a quantidade de comprimidos irão aumentar, e o paciente pode esgotar todos os regimes disponíveis antecipadamente. Estudos que Mostram a Baixa Confiabilidade do Critério Imunológico para Detectar Falência ao Tratamento Antiretroviral Vamos descrever os resultados de alguns estudos que avaliam a confiabilidade das definições da falência clínica e imunológica para detectar falência terapêutica: Uma das definições de falência imunológica da OMS é a incapacidade do CD4 aumentar até 100 cels/mm3 apesar do TARV. Um estudo na África do Sul avaliou a evolução da contagem do CD4 em pacientes que iniciaram TARV com CD4 <200 cels/mm3 e mantinham uma supressão viral persistente (a nível de CV <50 copias/ ml) nas primeiras 48 semanas após o início do tratamento. Dos 428 pacientes cuja CV foi indetectável aos 12 meses, 163 (37%) ainda tinham CD4 <200 cels/mm3. Em média o aumento de CD4 foi de 8.66 células/mês em TARV. Neste estudo os factores associados com a recuperação inadequada ou lenta de CD4 foram: • A idade avançada e; • A baixa contagem de CD4 no início do TARV. Nesta coorte, a avaliação imunológica isolada iria classificar muitos destes pacientes como tendo falência, mesmo se os investigadores tivessem usado o limiar de 100 cels/mm3 da OMS.3 No Quénia, os investigadores avaliaram pacientes cuja contagem de CD4 tinha diminuído em 25% ou mais, após a introdução de TARV. Dos 149 pacientes com um declínio de CD4 ≥25% , 86 (58%) haviam atingido uma supressão de carga viral (definida como CV <400 copias/ml) e poderiam ter sido mal classificados como falência se somente o critério imunológico tivesse sido usado.4 Num estudo retrospectivo realizado em 5 CS da cidade de Maputo, com apoio da organização MSF, foram avaliados com carga viral 1.045 pacientes que cumpriam critérios de falência imunológica. Somente 40% destes pacientes apresentaram um resultado de CV acima de 1.000 cópias/ml (46% dos pacientes tinham carga viral indetectável e 15% tinha uma CV entre 50 e 1000 cópias/ml). Este estudo ainda não foi publicado. Numa coorte de Uganda, incrementos de CD4 abaixo do ideal (<50 células/ml aos 6 meses, <100 células/ml aos 12 meses, e <200 células/ml aos 24 meses) na presença de supressão viral, poderiam ter classificado mal, 21%, 45% e 54% dos pacientes como falência imunológica aos 6, 12 e 24 meses de TARV, respectivamente.5 21 Capítulo 1 Monitoria Virológica para a Prevenção de Resistências Será que a fraca sensibilidade e especificidade de monitoria imunológica para a detecção de falência virológica causa resultados adversos aos pacientes? • Um Ensaio clínico randomizado e controlado realizado na Tailândia comparou os resultados clínicos dos pacientes monitorados virologicamente (CV) vs os monitorados imunologicamente (CD4). A falência virológica foi definida como CV >400 copias/mL (confirmada) e a falência imunológica foi definida como a queda de CD4 de mais de 30% na contagem de CD4 em relação ao valor máximo atingido. A falência clínica foi definida como óbito, nova condição do estágio IV or CD4 < 50 cels/mm3. Aos 3 anos, 8.0% dos pacientes monitorados com CV tinha falência vs 7.4% dos pacientes monitorados apenas com CD4 (diferença não estatisticamente significativa). No entanto, os pacientes no braço de CD4 ficaram cerca de um ano com a viremia do HIV não suprimida antes de trocar para a 2a linha. Por este motivo, houve uma tendência maior para a acumulação de mutações de resistência no braço com monitoria imunológica.7 • Por último, um estudo realizado em Uganda comparou directamente os resultados de CV em 2 grupos de pacientes: um grupo foi monitorado com CV e CD4 e o outro somente com CD4. Aos 36 meses ambos grupos foram testados com CV. A falência virológica foi definida como CV >400 cópias/ ml e ocorreu em 8% dos pacientes do grupo que fazia monitoria virológica vs 10% no grupo com monitoria imunológica. Este estudo mostrou grandes diferenças no aparecimento de mutações de resistência entre os grupos. Dos pacientes com CV não suprimida no grupo monitorado com CV, 59% tinha desenvolvido mutações virais que conferem resistência aos INNTRs e 5% tinham mutações que conferem resistência aos INTRs, vs. 90% e 49% no grupo monitorado com CD4 respectivamente. A conclusão foi de que a monotoria da CV reduziu taxa de desenvolvimento de resistência aos antiretrovirais nesta coorte. Vamos retornar a este assunto mais tarde nesta sessão.8 (Figure 2). Então parece que os resultados clínicos de curto prazo (<3 anos) são semelhantes em pacientes monitorados com CV vs CD4, mas o nosso objectivo é de preservar opções TARV efectivas para toda vida! Nos locais sem acesso ao teste de CV de forma rotineira, devem ser usados os critérios clínico e imunológico para identificar pacientes que realmente devem ser referidos para mais aconselhamento sobre adesão, para a realização de teste de CV e finalmente para indicação de troca para a 2a linha. O primeiro passo no manejo da falência terapêutica suspeita ou confirmada, é a avaliação da adesão ao nível do paciente e do sistema de saúde. 22 Capítulo 1 Se a CV for elevada apenas porque o paciente não tomou TARV de forma regular recentemente, ou porque a farmácia teve ruptura de stock, melhorar a adesão resolve o problema. Numa parte dos casos pode-se conseguir de novo a supressão da replicação do vírus apenas com a melhora da adesão, mesmo em pacientes com algum grau de resistência aos medicamentos. Por este motivo, tanto a OMS como o algoritmo Nacional aconselham o reforço da adesão após o resultado de uma primeira carga viral detectável: 23 Capítulo 1 Num programa piloto Sul Africano para a introdução do teste de genotipagem, 11.4% de 438 pacientes com a falência virológica NÃO tinham evidência de mutações de resistência (o seu problema era apenas de adesão).9 No ensaio clínico DART em Uganda, de um total de 70 pacientes com CV >1000 cópias/ml na semana 48 de tratamento, 17 (27%) conseguiram suprimir de novo a replicação viral na semana 96 sem trocar de regime. Mais da metade destes indivíduos (10/17) apresentava pelo menos uma mutação de resistência relevante.10 Este fenómeno também foi notado num outro estudo realizado na África de Sul, onde 41% de todos pacientes com falência virológica voltou a suprimir a replicação do vírus apenas com reforço da adesão e sem necessidade de trocar de regime.11 Assim sendo, a OMS recomenda reforço adicional da adesão para todos pacientes com carga viral detectável e suspeita de falência ao tratamento. Segunda linha padrão em Moçambique Abaixo, estão os regimes aprovados para a 2a linha em Moçambique. Os actuais guiões Nacionais requerem que os clínicos considerem a presença de TB e a elegibilidade para TDF (função renal). Outras considerações podem incluir a existência de coinfecção com o vírus da hepatite B (ver a Sessão de hepatite neste manual). Até a data da elaboração deste documento, o regime de 3a linha ainda não estava disponível em Moçambique. Sendo assim o regime de 2a linha pode ser a última linha para um paciente em falência. Quadro 5: Escolha da 2ª Linha em Adultos e Crianças ≥ 5 anos (e com peso ≥35Kg) Nos adultos: Se o esquema em falência é TDF + 3TC + EFV, muda para: • 1ª opção: AZT + 3TC+ LPVr • 2ª opcção: ABC + 3TC + LPVr para situações de intolerância a AZT • 3ª opção: AZT/ABC + 3TC + LPV/r hiperpotenciados (para doentes com TB necessitando de 2ª linha, durante o tempo que dure o tratamento específico) Se o esquema em falência é AZT (ou d4T) + 3TC + NVP (ou EFV), muda para: • 1ª opção: TDF + 3TC + LPV/r • 2ª opção: ABC + 3TC + LPV/r: para situações de contra-indicação de TDF • 3ªopção: TDF/ABC + 3TC + LPV/r hiperpotenciados (para doentes com TB necessitando de 2ª linha, durante o tempo que dure o tratamento específico) Nas crianças ≥ 5 anos: Se o esquema em falência é AZT/d4T + 3TC + LPV/r muda para: • TDF + 3TC+ EFV Se o esquema em falência é AZT/d4T + 3TC + NVP (ou EFV) muda para: • TDF + 3TC+ LPVr 24 Capítulo 1 Os clínicos devem tomar uma decisão inteligente acerca de quando trocar. Devem ser tomadas todas as medidas possíveis para garantir a adesão (pelo paciente e sistema de saúde) ao regime da 2a linha, logo que o paciente começar. A melhor maneira para manejar a resistência aos antiretrovirais e a falência terapêutica é a sua prevenção! Um regime certo de primeira linha deve ser prescrito logo que o paciente tornar-se elegível, deve-se monitorar de perto a adesão ao TARV e todos os problemas de adesão devem ser abordados prontamente. É crucial reconhecer que os problemas de adesão podem ter origem no sistema de saúde (as rupturas de stock a nível central ou a nível das unidades sanitárias, assim como as quantidades reduzidas de medicamentos disponíveis que obrigam os pacientes a aproximarem à US para procurar medicamento com elevada frequência, são causa de resistência aos MARVs); a monitoria da adesão deve incluir o sistema de saúde (padrões de prescrição dos ARVs, a disponibilidade de antiretrovirais) assim como os factores dependentes do paciente. Problemas de Adesão devidos à Falha nos Sistemas de Saúde: Indicadores para a Avaliação A OMS também reconhece a contribuição que os problemas dos sistemas de saúde têm na adesão e na ocorrência de falência terapêutica. Em 2006, a Organização Mundial da Saúde (OMS) formulou os HIV Drug Resistance Early Warning Indicators ou indicadores de alerta precoce para resistência aos ARVs (EWIs HIVRD). Desde 2004, 2.017 unidades sanitárias em 50 países tem monitorado os EWIs. Das 907 clínicas monitoradas em África até 2010, 74% atingiu a meta de 100% dos pacientes em TARV de acordo com as normas nacionais ou da OMS, 61% manteve os pacientes em regimes apropriados de terapia12 meses após o início do TARV, 15% tinha os pacientes a levantarem os ARVs na hora e 96% cumpriu com a meta de mais de 85% dos pacientes com supressão viral aos 12 meses.12 A seguir apresentamos uma tabela onde se compara o desempenho de 2 unidades sanitárias que implementam a monitoria de alguns dos EWIs. Neste estudo observa-se claramente como o melhor desempenho da unidade sanitária em relação a estes indicadores está associado com uma redução da ocorrência de falência virológica.12 Neste caso, a unidade sanitária A teve melhor desempenho nos 4 indicadores (1 a 4) e consequentemente também teve uma taxa de supressão viral mais elevada. Os indicadores monitorados foram: • • • • • 25 Levantamento atempado Retenção em cuidados Rupturas de stock a nível da farmácia Práticas de dispensação Supressão virológica Capítulo 1 Desempenho de 6 EWIs EM 2 US ao longo de 1 ano: Pontos-Chave da Sessão • O objectivo do TARV é suprimir a replicação viral, permitindo assim a recuperação imunológica e clínica dos pacientes • Após mais de 10 anos de acesso a TARV no país, o número de pacientes que não tem resposta aos esquemas de primeira linha é cada vez maior. • A falta de supressão viral completa pode acontecer em paciente que recebem TARV por motivos diversos, principalmente a fraca adesão, mas também outros, como interacções farmacológicas, problemas de absorção ou simplesmente o aparecimento de mutações de resistência após terapia prolongada. • A replicação viral em presença de MARVs permite a selecção de aquelas estirpes do vírus que possuem mutações de resistência vantajosas para o vírus, isto é, aquelas que conferem resistência aos MARVs. • A prevenção de esta situação passa pelo reforço da adesão individual e por garantir o abastecimento de MARVs nas US • O uso do critério imunológico para detectar falência ao tratamento é fraco. • A detecção de falência terapêutica a partir do critério virológico (avaliação da carga viral) permite detectar os verdadeiros casos de falência. 26 Capítulo 1 Referências 1. 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C apí tulo 2 Alterações hepáticas no Paciente HIV+: Diagnóstico e Manejo Índice Capítulo 2 Introdução...................................................................31 Conteúdos da Sessão...............................................31 Diagnóstico Diferencial da TB hepática.......................................................................52 Causas Importantes de Doença Hepática no Contexto do HIV em Moçambique...............32 Co-infecção TB/HIV: Apresentação da TB como Síndrome de Imuno -reconstituição (SIR)..............................................52 Hepatite B.....................................................................33 Tratamento da TB Hepática/Abdominal....52 Definições...........................................................................33 Normas Nacionais Moçambicanas para o Tratamento da Co-infecção TB/HIV:..............................................53 Importância da Hepatite B em Moçambique....................................................................33 Transmissão de VHB.....................................................34 Tratamento da TB em Pacientes com Doença Hepática........................................53 Marcadores Laboratoriais da Infecção pelo VHB e Estadio da Doença..............................34 Prevenção da TB Abdominal/Hepática............55 Co-infecção HIV/VHB...................................................39 Toxicidade Hepática por Medicamentos........55 Complicações da Co-infecção HIV / VHB.............................................................................39 Apresentação clínica das Reacções Adversas Envolvendo o Fígado.............................58 Prevalência de Hepatite B em Pacientes Africanos infectados pelo HIV................................40 Alteração Assintomática das Transaminases..........................................................58 Diagnóstico da Infecção pelo VHB......................41 Hepatite.......................................................................58 Tratamento da VHB em Pacientes HIV-negativos...................................................................43 Diagnóstico da Hepatotoxicidade por Fármacos....................................................................60 TARV para o Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB....................................................................43 Manejo da Hepatotoxicidade por Fármacos.............................................................................63 Limiar de CD4 para Iniciar TARV no Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB.........43 Medicamentos Antiretrovirais (MARVs)....63 Medicamentos antituberculose (MAT).....64 Quanto tempo dura o tratamento da Hepatite Crónica por VHB?........................45 Schistosomiase Hepato-esplénica......................67 Selecção de antiretrovirais com actividade anti-VHB..............................................45 Diagnóstico.......................................................................68 Quadro Clínico.................................................................67 Tratamento........................................................................68 Outras medidas para prevenir as complicações derivadas da infecção pelo VHB em pessoas infectadas pelo HIV.....47 Malária Severa e Alterações Hepáticas..............70 Medidas para prevenir a transmissão de contactos não infectados..........................47 Hepatite Sifilítica........................................................71 Vacina da Hepatite B............................................48 Tubeculose Hepática/Abdominal........................49 Alcoolismo...................................................................71 Outras Causas de Doença Hepática em Pessoas Infectadas pelo HIV...........................72 Sinais e Sintomas de TB Abdominal...................49 Pontos-Chave da Sessão.........................................72 Diagnóstico de TB hepática/Abdominal.........51 Referências...................................................................73 Capítulo 2 2. Alterações hepáticas no Paciente HIV+: Diagnóstico e Manejo Introdução Nos indivíduos seropositivos, muitas condições relacionadas com o HIV e outras condições não relacionadas podem causar sinais e sintomas de doença hepática. As categorias mais importantes que podem causar doença hepática ou se apresentar como patologia hepática são: • • • • Infecções (incluindo vírus, micobactérias e parasitas); Toxicidade (reacções adversas a medicamentos, álcool); Neoplasia (carcinoma hepatocelular) e Patologia das vias biliares (colecistite, colangite) geralmente atribuível a infecções como CMV, criptosporidium, o próprio HIV. Nos contextos sem limitação de recursos, a patologia hepática é a primeira causa de morte não relacionada com a SIDA em pacientes com HIV. Os clínicos devem suspeitar doença hepática em pacientes que apresentam os seguintes sinais ou sintomas: • Sinais: icterícia, hepatomegalia e/ou hipersensibilidade no fígado, massa hepática, ascite, eritema palmar, angioma estelar, hemorragias gastrointestinais, alterações do estado mental; • Sintomas: fadiga, náuseas, vómitos, perda de apetite, aumento da circunferência abdominal, dor no quadrante superior direito do abdómen; • Alterações laboratoriais: HBsAg +, elevações de ALT, AST, bilirrubina, ou fosfatase alcalina; carga viral do VHB detectável. Conteúdos da Sessão Nesta unidade serão abordados os seguintes conteúdos: • • • • Co-infecção HIV/VHB, diagnóstico e tratamento em Moçambique Tuberculose abdominal/hepática, diagnóstico diferencial e tratamento Toxicidade hepática por fármacos, diagnóstico e manejo Outras causas de alterações hepáticas (malária, schistosomiase hepatoesplénica, abuso de álcool) ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 31 Capítulo 2 Causas Importantes de Doença Hepática em Paciente com HIV em Moçambique As apresentações clínicas mais comuns que o clínico irá provavelmente encontrar são: • Alteração assintomática das transaminases: testes da função hepática alterados num paciente sem queixas; • Hepatite clínica: náuseas, vómitos, fadiga, icterícia, desconforto abdominal, aumento do tamanho do fígado e/ou febre ou erupção cutânea, acompanhada por anormalidades nos testes de função hepática; a hepatite pode ser aguda ou crónica. Se crónica, pode evoluir para cirrose (procure por sinais de hepatopatia crónica como eritema palmar, ascite, fígado duro ao exame físico). Em pessoas infectadas pelo HIV, a hepatite clínica pode ser consequência da síndrome de imuno-reconstituição (SIR) que por vezes por vezes acontece após a introdução do TARV. • Doença hepática/insuficiência hepática descompensada: ascite, encefalopatia hepática, icterícia. Neste caso a apresentação pode ser aguda ou crónica. • Outras apresentações menos comuns são a hipertensão portal isolada (ascite, varizes esofágicas com ou sem hemorragia), a esplenomegalia sem evidência de afectação do parênquima hepático, a esteatose hepática (fígado gorduroso), o carcinoma hepatocelular (cancro do fígado, geralmente causado por hepatite crónica B ou C), e abdómen agudo (causado por colecistite ou obstrução das vias biliares). Em pacientes infectados pelo HIV, é frequente a coexistência de mais de uma condição afectando o fígado. O ambiente clínico em Moçambique está a mudar de tal forma que pode permitir uma melhor avaliação e tratamento das doenças do fígado. Mais importante ainda, o teste da hepatite B está a ser introduzido, alguns dos medicamentos anti-retrovirais com actividade contra a hepatite B já estão disponíveis no País e Moçambique mudou recentemente as suas recomendações para a selecção da primeira e segunda linha de TARV. Vamos dedicar uma parte importante desta sessão à hepatite B (com ênfase na coinfecção HIV/VHB), mas também vamos discutir outras condições que podem afectar o fígado em pacientes infectados pelo HIV, ou que podem complicar o diagnóstico diferencial como: tuberculose, reacções adversas a medicamentos, malária grave, esquistossomiase, alcoolismo, sífilis. Vamos colocar uma ênfase especial sobre o seguinte: • Prevenção: A vacina contra hepatite B e outros meios de prevenção da transmissão da hepatite B; 32 Capítulo 2 • Diagnóstico: testes disponíveis para o diagnóstico da infecção crónica pelo VHB, interpretação dos testes de função hepática, uso do ultra-som, uso de GeneXpert; • Tratamento: selecção dos medicamentos antiretrovirais para o tratamento da co-infecção do HIV/VHB, quando e como parar os antiretrovirais e/ou medicamentos de TB em caso de toxicidade; quando e como substituir ou reintroduzir os antiretrovirais e/ou medicamentos de TB em caso de reacção adversa ao medicamento. Hepatite B Definições O vírus da Hepatite B (VHB) é um vírus DNA que provoca a infecção e inflamação do fígado. Em pacientes nos quais a infecção não é eliminada espontaneamente ou não é tratada, esta pode progredir para a insuficiência hepática e/ou o cancro do fígado. O tratamento adequado pode evitar (ou às vezes inverter) as suas complicações. Tal como o HIV, o VHB utiliza a transcriptase reversa para se reproduzir. 1 Importância da Hepatite B em Moçambique A Hepatite B é uma importante causa de doença hepática tanto em pessoas infectadas pelo HIV como em seronegativos em África, e está presente em Moçambique. Veja o mapa abaixo onde se mostra a distribuição mundial dessa infecção2: 33 Capítulo 2 A prevalência de hepatite crónica B em África Subsaariana é elevada (≥8% da população). A hepatite B, conforme determinado pela presença de antígeno de superfície do VHB (HBsAg), foi encontrada em 10,6% dos homens e 4,5% das mulheres doadores de sangue avaliados em Maputo (1.578 doadores avaliados).3 Em comparação, apenas 1,2 e 1,0% tinham evidência de exposição prévia ao vírus da Hepatite C. Dos doadores com HBsAg +, 16,4% também tinham HBeAg+. Nem este estudo, nem o estudo de Tete mencionado abaixo, reportaram a prevalência de co-infecção VHB/HIV nestas populações de doadores de sangue. Um estudo similar, com 679 doadores de sangue em Tete, encontrou uma prevalência de HBsAg de 10,6% (em comparação, nenhum caso de hepatite C foi encontrado neste estudo)4. Voltaremos a abordar a epidemiologia da infecção por VHB em África mais adiante. Transmissão de VHB O VHB infecta centenas de milhões de pessoas em todo o mundo.1 A transmissão é percutânea (picadas de agulhas, transfusão, tatuagem), sexual, perinatal (transmissão vertical) e directa (de pessoa para pessoa, especialmente entre os contactos domiciliares e particularmente entre crianças). Marcadores Laboratoriais da Infecção pelo VHB e Estadio da Doença O VHB contém várias proteínas que podem ser detectadas em testes de laboratório e que ajudam a caracterizar o estadio da doença e a resposta ao tratamento da mesma. Os mais importantes (para a tomada de conduta clínica) são: • Antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg), • Antígeno do núcleo da hepatite B (HBcAg) e • Antígeno e da hepatite B (HBeAg). Estas proteínas são produzidas pelo próprio vírus da hepatite B. A presença de HBeAg traduz uma replicação viral do VHB aumentada, com carga viral elevada e maior risco de progressão da doença e de transmissão da mesma. Em resposta à exposição a estes três antígenos, as pessoas imunocompetentes podem criar anticorpos, que também podem ser identificados pelo laboratório: • Anticorpo de superfície da hepatite B (HBsAb), • Anticorpo do núcleo da hepatite B (HBcAb) e • Anticorpo e da hepatite B (anti-HBe). Como a carga viral de HIV, a carga viral da hepatite B pode também ser medida em laboratórios adequadamente equipados. 34 Capítulo 2 Após a infecção inicial, os pacientes podem apresentar diferentes padrões em termos da evolução da infecção. O padrão vai depender em grande parte, da idade em que a infecção é contraída: • Em crianças infectadas no período perinatal, a hepatite aguda sintomática não ocorre, e 90% desenvolve infecção crónica, o que poderá resultar em doença e morte muito mais tarde ao longo da vida, devido a problemas hepáticos (cirrose, carcinoma hepatocelular). Este é o caso de até 40% dos homens infectados (o risco é menor em mulheres). A progressão da doença é mais rápida quando a replicação viral é mais activa (altas cargas virais de VHB, HBeAg+). • Quando a infecção ocorre na idade adulta, frequentemente provoca uma resposta imune forte, associada a hepatite clínica, e mais de 90% eliminam a infecção pelo VHB.1 Veja abaixo o resumo das fases de infecção pela hepatite B e a terminologia associada5: 35 Capítulo 2 A evolução dos marcadores de infecção aguda da hepatite B com e sem resolução é descrita nos gráficos seguintes6: 36 Capítulo 2 Nos casos em que a infecção inicial não é eliminada espontaneamente, o paciente desenvolve infecção crónica, que pode passar por quatro fases:fase de imunotolerância, fase imunoactiva, fase de portador assintomático (inactivo) e fase de reactivação).2 A seguir descrevemos as quatro fases de Hoffman: 1.Fase de imunotolerância: nos casos de infecção perinatal, a fase de imunotolerância pode durar décadas e é caracterizada por uma carga viral do VHB elevada, enzimas hepáticas normais e baixa actividade inflamatória a nível do fígado. Esta fase pode ser mais curta em pessoas que se infectam durante a infância (ao invés do período perinatal), e está ausente nos casos de infecção durante a idade adulta. 2.Fase imunoactiva: esta fase é caracterizada pela elevação das enzimas hepáticas, flutuação da carga viral do VHB e uma actividade necroinflamatória importante. Nesta fase, há uma correlação entre o dano hepático e a duração e grau de elevação das enzimas hepáticas. Nos casos de coinfecção entre HIV e VHB acontece um paradoxo, uma vez que os pacientes podem apresentar menor elevação de transaminases mas a extensão do dano hepático pode ser maior e o risco de progressão para cirrose também. 3.Fase de portador assintomático: esta é uma fase de duração indefinida na qual os pacientes têm anticorpos contra o antígeno e (Anti HBe) e carga viral indetectável. A seroconversão para este estado (significa desaparecimento do antígeno e junto com o aparecimento de Anti HBe) nos indivíduos adultos acontece em 8-15% dos casos a cada ano que transcorre e é menos frequente nos indivíduos co-infectados com HIV. 37 Capítulo 2 4 Fase de reactivação: implica o reaparecimento do HBeAg em pacientes que já tinham entrado na fase de portador assintomático. Além de uma menor probabilidade de seroconversão, é também mais provável que os pacientes co-infectados com HIV e Hepatite B apresentem reactivação da hepatite B, com reaparecimento do HbeAg e retorno para a fase imunoactiva. Alguns adultos com VHB crónica podem eliminar o HBsAg sem tratamento, mas isso não é comum, especialmente em pessoas infectadas na infância. O desaparecimento do HBsAg do sangue nem sempre indica cura durável, porque o DNA do VHB persiste nas células hepáticas do hospedeiro e pode voltar a reemergir, por exemplo, na sequência da imunossupressão associada ao HIV. Se a infecção pelo VHB não resolver espontaneamente, ou se não for tratada de forma eficaz, pode evoluir para a insuficiência hepática, insuficiência renal, e/ou o carcinoma hepatocelular (CHC). A infecção pelo VHB não controlada também pode levar à transmissão para outras pessoas. Na África subsaariana, pensa-se que o carcinoma hepatocelular seja ainda mais comum do que o sarcoma de Kaposi; veja a tabela abaixo (eixo horizontal: milhares de novos casos/ano)7: O objectivo do tratamento da hepatite B é o de limitar a progressão da doença a nível do fígado e prevenir a mortalidade devido a complicações, suprimindo a replicação viral do VHB ao longo do tempo (a eliminação é o desejável, mas muitas vezes não é atingida).1 Certos medicamentos anti-retrovirais são activos contra o HIV e também contra o VHB (discutido em mais detalhe abaixo). Os mais importantes para os nossos propósitos são o tenofovir (TDF), a lamivudina (3TC) e a emtricitabina (FTC). 38 Capítulo 2 Co-infecção HIV/VHB A co-infecção HIV/VHB não é incomum, uma vez que os mecanismos de transmissão das duas infecções sobrepõem-se (ex: transmissão sanguínea, perinatal, sexual). Contudo, a sua prevalência varia de umas regiões geográficas para outras. Há uma década pensava-se que cerca de 3 milhões de pessoas (dos 35 milhões com a infecção pelo HIV) tivessem co-infecção com o VHB.8 As maiores prevalências de co-infecção (até 30% em alguns locais)9 ocorrem no sudeste da Ásia e África Subsaariana. Os indivíduos adultos infectados pelo HIV que são expostos ao VHB são mais propensos a evoluir para a infecção crónica pelo VHB quando comparado com os indivíduos sem HIV (20% contra menos de 10%).9 Os pacientes infectados pelo HIV com infecção crónica pelo VHB têm maior risco de apresentar cargas virais do VHB elevadas e progressão mais rápida para estadios finais da doença hepática, assim como de desenvolver carcinoma hepatocelular (CHC).8 Complicações da Co-infecção HIV/VHB Os pacientes infectados pelo HIV apresentam um maior risco de adoecer e morrer por patologia hepática. Este risco aumenta de forma progressiva com a diminuição da contagem de CD4.9 Veja a figura abaixo, de Koziel e Peters. 39 Capítulo 2 Nos Estados Unidos e em alguns locais da Europa, a doença hepática crónica (incluindo a hepatite B, a cirrose e o carcinoma hepatocelular) é actualmente a principal causa de morte não relacionada com a SIDA em pacientes infectados pelo HIV.6 Nos indivíduos seropositivos observa-se também um aumento da probabilidade de apresentar doença renal crónica (definida como uma diminuição da depuração de creatinina igual ou superior a 25% ou a morte por causas renais) quando estes estão co-infectados pelo VHB, quando comparado com os pacientes sem hepatite crónica (OR 2,26 [1,15, 4,44]). Veja a figura abaixo.10 Em pacientes infectados pelo HIV, a hepatite B crónica pode também apresentar-se como SIR. Voltaremos a este assunto mais tarde. Prevalência de Hepatite B em Pacientes Africanos infectados pelo HIV • Num estudo com 202 mulheres grávidas infectadas pelo HIV na Cidade do Cabo, África do Sul, 12 (5,9%) foram identificadas como sendo positivas para o HBsAg. 5 dessas 12 mulheres também foram HBeAg positivo. Quase a metade (42,1%) das mulheres com resultado negativo para HBsAg era portadora de anticorpos contra o antígeno de superfície (HBs Ab), sugerindo que a exposição ao vírus da hepatite B é muito frequente nesta população.11 40 Capítulo 2 • Num estudo feito na província do Limpopo, África do Sul, 20% de 380 indivíduos infectados pelo HIV eram HBsAg +, e adicionalmente 61 (33,7%) de 181 indivíduos HbsAg negativo tinham virémia para VHB (infecção oculta pelo VHB). Em geral, 60% dos pacientes neste estudo mostrou evidência de exposição ao VHB (com base nos resultados de HBsAg, HBsAb, ou HBcAg).12 A prevalência da infecção pelo VHB, assim como a proporção de pacientes infectados e com critérios para iniciar tratamento médico (níveis elevados de viremia do VHB, doença hepática associada ao VHB) são muito variáveis de um local para outro. • Na África do Sul, em duas populações pequenas de indivíduos adultos coinfectados com HIV/VHB, a prevalência de HBeAg foi de 88,2% num local vs 41,9% noutro; a percentagem de indivíduos com carga viral do VHB abaixo de 2,000 cópias/ml (muitas vezes considerado o limite para indicar tratamento) foi de 5,9% num local vs 30,0% noutro, por exemplo.13 • Num outro estudo com 2.048 mulheres infectadas pelo HIV no Malawi, 103 (5%) eram HBsAg+, sendo que a maioria delas (70; 68%) tinha virémia detectável (VHB DNA+) e cerca de um terço (39; 38,2%) tinha HBeAg +. Adicionalmente 16 mulheres (0,8%) apresentaram viremia na ausência de HBsAg. Dos 51 recém-nascidos a partir de mulheres infectadas e com HBsAg + ou virémia positiva, 5 (9,8%) foram infectados com VHB dentro das primeiras 48 semanas de vida.14 • Num estudo feito na Suazilândia com 1.282 indivíduos HIV+, a prevalência de HBsAg foi de 3,7% (1,4% de crianças, 5,1% dos adultos). A prevalência foi maior em homens (9,8%) do que em mulheres (4,2%). Os níveis das transaminases foram geralmente normais (ALT média 25 em HbsAg+ vs 19 em adultos HbsAg negativo).15 • Na Tanzania, 7,0% das crianças infectadas pelo HIV apresentou evidência sorológica de infecção crónica pelo VHB, contra 1,3% de crianças não infectadas pelo HIV. Este estudo não detectou evidência de infecção por vírus de hepatite C nas 546 crianças avaliadas.16 Diagnóstico da Infecção pelo VHB A infecção pelo VHB deve ser suspeita em todos os casos seguintes: • Pacientes com infecção pelo HIV (por causa dos factores de risco comuns); • Pacientes com qualquer estado serológico para HIV e com alteração assintomática das transaminases (ALT, AST); • Pacientes com sinais e sintomas de hepatite (náusea, vómitos, fadiga, icterícia, dor abdominal, prurido) 41 Capítulo 2 • Pacientes com sinais e sintomas de cirrose (eritema palmar, circulação colateral abdominal, fígado firme à palpação, esplenomegalia) ou quando há evidência de doença hepática descompensada (ascite, encefalopatia hepática, hemorragia digestiva) ou carcinoma hepatocelular. Em pacientes infectados pelo HIV, o aparecimento de hepatite aguda após a introdução de TARV, pode indicar síndrome de imuno-reconstituição relacionada ao VHB; da mesma forma, o aparecimento de hepatite aguda após a interrupção de TARV contendo antivirais com eficácia contra o VHB pode ser devido a um episódio de recrudescência da hepatite B. Em Moçambique, o diagnóstico da infecção activa pelo VHB é feito a partir da detecção de HBsAg (geralmente por meio de testes rápidos). Outras condições que se podem assemelhar clinicamente à infecção pelo VHB incluem todas as seguintes: • Outras hepatites virais (hepatites A, C, E, CMV, etc); • Consumo excessivo de álcool; • Reacções adversas a medicamentos (principalmente alguns anti-retrovirais e medicamentos para TB); • Tuberculose abdominal/hepática; • Schistossomiase hepato-esplênica; • Algumas neoplasias (cancro do ovário, cancro do trato biliar, linfoma etc); • Colecistite inflamatória/infecciosa; • Sífilis secundária com envolvimento hepático (pouco frequente). É importante notar que várias destas condições podem estar presentes em simultâneo e por isso, a presença de HBsAg nem sempre é a melhor ou a única explicação para os sinais/sintomas encontrados. Nos pacientes com resultado positivo para o HBsAg, devem ser solicitados os seguintes testes: ALT/AST, bilirrubina, hemograma, creatinina e ecografia abdominal/hepática para os casos com alguma evidência clínica de doença hepática. Idealmente deveriam ser também solicitados HBeAg e carga viral do VHB, contudo, estes testes não estão disponíveis no SNS. Na presença de sinais e sintomas de tuberculose (ver secção seguinte) deve ser procurada evidência de TB pulmonar e/ou extrapulmonar. Também é fundamental colher uma boa história de medicação prévia, com destaque para os antiretrovirais e medicamentos anti-TB, e obter informações sobre o uso de álcool. Quando pensa-se que a infecção é de longa duração, ou quando existem sinais e sintomas sugestivos de hepatopatia crónica, outros testes que geralmente são recomendados (quando disponível) incluem a alfa-fetoproteína e a ecografia abdominal/hepática para avaliar a presença de carcinoma hepatocelular (CHC) e a endoscopia digestiva alta (EDA) para detectar varizes esofágicas. 42 Capítulo 2 Tratamento da VHB em Pacientes HIV-negativos Todos os pacientes com infecção pelo VHB documentada devem, também, ser testados para HIV. Actualmente não existe um protocolo moçambicano para o manejo de pacientes com monoinfecção por VHB. TARV para o Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB O objectivo do tratamento da hepatite B, como o objectivo do TARV é o de suprimir a replicação viral, como indicado pela diminuição da carga viral do VHB ou pelo desaparecimento de HBeAg e/ou HBsAg (o desaparecimento destes antígenos é menos provável em pacientes co-infectados com HIV, quando comparado com os pacientes sem HIV).9 A Supressão mantida da virémia pode prevenir ou (às vezes) reverter as complicações hepáticas da infecção crónica pelo VHB, pode também prevenir a transmissão para os contactos e pode até mesmo eliminar a infecção por VHB. O VHB emprega a transcriptase reversa para a sua replicação, por este motivo, certos INTR são activos contra ambos os vírus. Limiar de CD4 para Iniciar TARV no Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB Um estudo feito na África do Sul, estimou que o início de TARV com um limiar de CD4 de 500 cels/mm3 (vs. o limiar actual de 350 cels/mm3) nos pacientes co-infectados com HIV/VHB resultaria num aumento de 9% nos “benefícios para a saúde” (prevenção da progressão da doença hepática, incluindo cirrose descompensada e carcinoma hepatocelular e prevenção da mortalidade). O início mais precoce de TARV nesta população iria permitir a prevenção de 28% de mortes e 32% das hepatites de transmissão vertical nesse país.18 (mais sobre este tema abaixo). Apesar dos resultados do estudo apresentado acima, em 2013 a OMS concluiu que não existem evidências suficientes que suportem o início de TARV em pessoas co-infectadas pelo HIV/VHB, independentemente do valor de CD4.19 Segundo a OMS, o início de TARV a partir de níveis de CD4 mais altos, pode conferir um risco maior de hepatotoxicidade, SIR e aparecimento de episódios de hepatite aguda. A OMS recomenda iniciar o TARV em pessoas co-infectadas com HIV/VHB, apenas quando se cumprem critérios para tal devido à infecção pelo HIV, ou em pacientes ainda sem critérios mas com “evidência de doença hepática avançada”, usando pelo menos dois agentes com actividade contra o VHB (TDF + 3TC / FTC). A definição de “doença hepática avançada” inclui a cirrose e a doença hepática terminal e é classificada como sendo compensada e descompensada. A cirrose descompensada é definida pelo desenvolvimento das complicações clinicamente evidentes de hipertensão portal (ascite, hemorragia varicosa ou encefalopatia hepática) ou de insuficiência hepática (icterícia). 43 Capítulo 2 No entanto, as novas directrizes moçambicanas recomendam começar antiretrovirais apropriados em todos os pacientes co-infectados, a fim de evitar essas complicações (mais sobre a política moçambicana abaixo). Em resumo: o paciente com sinais e sintomas de doença hepática crónica, nem sempre tem hepatite B. O diagnóstico diferencial inclui a hepatite C, o alcoolismo, as reacções adversas a medicamentos (nevirapina, isoniazida, outros), a tuberculose abdominal/hepática, o cancro (vários tipos), a schistossomiase hepatoesplénica crónica e outras condições ainda menos comuns. Em Moçambique, o protocolo nacional recomenda testar para hepatite A, B e C, antes de iniciar a terapia antiretroviral (ver abaixo, a partir do Guião Nacional de TARV): 10.2. Exames Laboratoriais Recomendáveis para o Diagnóstico, Introdução e Seguimento do Tratamento Antiretroviral • • • • • • • • • • • • • • Hemograma completo*: se não disponível, pedir Hgb Contagem de Linfócitos T CD4* – número absoluto e percentual Carga viral** – RNA HIV quantitativo e Logaritmo da carga viral Transaminases*: ALT (GPT) Fosfatase alcalina e GGT (Gama Glutamil Transferase) Glicemia Ureia e creatinina* Colesterol e Triglicéridos Amilase Teste de gravidez RPR* Hepatite A, B e C Urina II* Rx torax * altamente recomendados ** A carga viral passa a ser um exame disponível em Moçambique, em alguns laboratórios de Unidades Sanitárias a selecionar. A introdução deste exame tem como objetivo, por um lado, monitorar a resposta ao tratamento e a adesão ao 6º mês e, por outro, a detecção precoce de falência terapêutica, assim como para evitar o uso de esquemas de segunda linha desnecessariamente. Ver algoritmo do uso da carga viral no Capítulo 11. 44 Capítulo 2 A política actual em Moçambique prioriza a mudança para o esquema contendo TDF +3TC+EFV em pacientes co-infectados pelo VHB/HIV: Quanto tempo dura o tratamento da Hepatite Crónica por VHB? Na ausência de capacidade laboratorial para confirmar o desaparecimento do HBeAg e HBsAg, e para confirmar se a carga viral do VHB continua totalmente suprimida, o tratamento VHB deve ser mantido de forma indefinida. A suspensão prematura do tratamento para hepatite B pode provocar a recrudescência da infecção, que por vezes pode ser grave (hepatite fulminante). Em alguns estudos europeus, observa-se uma maior supressão viral do VHB (91,9% vs 82,6% com CV inferior a 2.000 IU/mL) e uma menor incidência observada de carcinoma hepatocelular (0,7% vs 4,7%) em pacientes co-infectados HIV/VHB vs pacientes infectados pela hepatite B e sem HIV.21 A explicação para estas diferenças pode estar relacionada com o maior tempo de uso de antivirais eficazes nos pacientes co-infectados, em comparação com os pacientes com monoinfecção pelo VHB. Este é um argumento importante para o início mais precoce do TARV com regimes contendo antivirais eficazes contra ambos os vírus, em pacientes co-infectados HIV/VHB. Selecção de antiretrovirais com actividade anti-VHB É a lamivudina sozinha adequada? Nos países desenvolvidos, a lamivudina foi um dos primeiros antiretrovirais utilizados para tratar a hepatite B; mas a monoterapia com lamivudina resultou no desenvolvimento de resistência (até 90% depois de 4 anos de tratamento).9 Já foram identificadas múltiplas mutações do VHB que 45 Capítulo 2 conferem resistência à lamivudina e a outros agentes anti-VHB. Pela mesma razão que o HIV é tratado com múltiplos fármacos em simultâneo, as directrizes existentes recomendam o tratamento de todos os pacientes co-infectados pelo HIV/VHB com pelo menos 2 fármacos ARVs que sejam activos contra a hepatite B. As mutações que conferem resistência à lamivudina frequentemente conferem resistência cruzada à emtricitabina (FTC), mas não ao tenofovir (TDF).8 Na Tanzania, as respostas a diferentes regimes de TARV foram comparadas em três grupos de pacientes (estudo não randomizado): • Grupo de pacientes infectados pelo HIV sem infecção pelo VHB, • Grupo de pacientes co-infectados com HIV/VHB, em tratamento com 3TC ou FTC, mas não com o tenofovir, • Grupo de pacientes co-infectados com HIV/VHB em tratamento com tenofovir (além de 3TC ou FTC). Um total de 1.079 doentes co-infectados foi inscrito (numa coorte total de 17.539 pacientes). A mortalidade foi maior nos grupos de co-infectados (7,74 vs 6,16 mortes /100 pessoas-ano), e a resposta imunológica foi mais lenta neles (aumento de CD4 médio de 143 vs 158 aos 12 meses), mas essas diferenças não foram estatisticamente significativas. Os pacientes co-infectados eram significativamente mais propensos a ter elevações de ALT (>200 UI/L; HR 2,30). No entanto, não houve diferença de mortalidade entre os pacientes monoinfectados com HIV e os 46 Capítulo 2 pacientes co-infectados HIV/VHB com os esquemas contendo TDF. Foi observado um aumento da mortalidade no grupo de pacientes co-infectados e que receberam terapia com 3TC ou FTC sem TDF. A ocorrência de hepatotoxicidade (elevação de transaminases) não esteve relacionada com o esquema recebido pelos pacientes.23 Um segundo estudo também comparou a eficácia do regime contendo TDF versus regimes sem TDF (apenas com 3TC) em pacientes africanos co-infectados HIV/ VHB na Zâmbia e na África do Sul.25 Após 12 meses de seguimento, os valores de CD4, a redução da carga viral do VHB, e a negativação do HBsAg foram semelhantes em ambos os grupos (não houve diferenças estatisticamente significativas). Contudo, a emergência de resistência aos medicamentos foi significativamente mais frequente no grupo que recebia só 3TC (50% de resistência detectada no grupo que só recebida 3TC versus nenhum caso no grupo que recebia TDF+3TC). Assim, hoje são aconselhados esquemas contendo TDF para tratar pacientes com co-infecção VHB/HIV. Uma vez iniciado o TARV com estes esquemas nestes pacientes, o tratamento não deve ser interrompido, pois pode provocar “elevações graves das enzimas hepáticas e até mesmo insuficiência hepática fulminante”.8 Outras medidas para prevenir as complicações derivadas da infecção pelo VHB em pessoas infectadas pelo HIV • Evite práticas que também podem causar danos ao fígado (especialmente a ingestão de álcool e o uso do paracetamol e certos remédios de ervas); • Sempre que os pacientes não estejam imunizados, deve ser oferecida vacina contra a hepatite A; • Evite a partilha de seringas, transfusão de sangue não testado, sexo desprotegido, e outras actividades que podem aumentar o risco de aquisição da hepatite C. (Não existe ainda nenhuma vacina contra a hepatite C). Medidas para prevenir a transmissão de contactos não infectados Os pacientes HBsAg-positivo devem5: • Permitir a vacinação dos seus contactos sexuais; • Usar métodos de barreira ao praticar sexo com parceiros não vacinados ou sem evidência de ter imunidade frente a hepatite B; • Não partilhar escovas e láminas; • Cobrir feridas; • Lavar salpicos de sangue com lixívia ou sabão; • Não doar sangue, esperma ou órgãos. 47 Capítulo 2 As crianças e adultos HBsAg-positivo: • Devem participar em todas as actividades incluindo desporto de contacto; • Não devem ser excluídos das actividades escolares ou isolados de outras crianças; • Podem partilhar alimentos, utensílios e beijar os outros. Vacina da Hepatite B A África do Sul tem rotineiramente vacinado crianças contra hepatite B desde os anos 90. Em 2014, 13% da população para a qual a vacina de hepatite B não esteve disponível, teve evidência serológica de imunidade frente ao VHB, contra 57% dos nascidos após a introdução da vacina do VHB.26 No entanto, a evidência da imunidade foi menos comum em indivíduos infectados pelo HIV, como mostrado na Tabela 2 abaixo.26 No Quênia, 603 adultos (51,4% infectados pelo HIV) foram imunizados contra o VHB. 35,8% dos participantes infectados pelo HIV não conseguiu responder às imunizações iniciais versus 14,3% dos participantes não infectados (OR de nãoresposta 3.33). A maioria dos não-respondedores infectados pelo HIV (88/102) respondeu a uma segunda ronda de três doses da vacina contra VHB (como já tinha sido mostrado por outros estudos). A ausência de resposta esteve associada a uma menor contagem de CD4.27 Moçambique recebeu fundos para imunizar as crianças contra a hepatite B em 2001; a vacina é administrada (como parte de uma combinação de vacinas que inclui DTP e Hib) na semana 6, 10, e 14 após o nascimento. 48 Capítulo 2 Tubeculose Hepática/Abdominal A elevada incidência de TB, os seus meios de transmissão e a elevada proporção de casos de TB extrapulmonar (vs pulmonar) na população infectada pelo HIV já deve ser do seu conhecimento. A TB pode disseminar-se (causando TB extrapulmonar) em qualquer lugar do corpo humano. A tuberculose extrapulmonar pode afectar o fígado directamente ou pode simular doença do fígado por causa da ascite ou outros sinais/sintomas abdominais. A TB abdominal representa mais de 10% de todos os casos de TB extrapulmonar.30 A TB abdominal é difícil de diagnosticar, mas pode representar uma importante causa de morbilidade e mortalidade em pessoas infectadas pelo HIV. Por exemplo, num estudo de autópsias de pacientes que morreram de SIDA na Índia, 41% (de 171) tinha evidência de tuberculose hepática. (outras causas de alterações hepáticas nesta série foram a infecção hepática causada por Cryptococcus, CMV, hepatite B, candidíase, malária, cirrose ou linfoma).31 Da mesma forma, numa série espanhola de 161 pacientes infectados pelo HIV e que apresentavam fosfatase alcalina e/ou transaminases elevadas, hepatomegalia e/ ou icterícia, foi realizada biópsia hepática e foi encontrada uma prevalência de TB hepática de 26,6%.32 Sinais e Sintomas de TB Abdominal Num estudo realizado na Zâmbia, 22 de 31 adultos HIV+ hospitalizados com febre, perda de peso e sinais e sintomas abdominais, foram diagnosticados com TB abdominal. Os sinais e sintomas incluíram dor abdominal (86%), linfadenopatia (41%), diarreia crónica (36%), suores nocturnos (36%), icterícia (14%), ascite (72,7%), linfadenopatia intra-abdominal (54,5%), hepatomegalia (36,4%) e massa (27,3%) no ultra-som.33 A presença de ascite deve sempre sugerir doença hepática primária (mas também pode ser causada por doença peritoneal primária ou intra-abdominal ou mesmo por TB do pericárdio). Assim, a TB deve ser sempre uma opção a considerar no paciente com ascite. A TB abdominal também pode se apresentar como uma emergência cirúrgica. Num estudo realizado na Tanzania, 49,6% dos pacientes com tuberculose abdominal apresentou obstrução intestinal e 6,6% apresentava massas abdominais (tuberculoma); 82,6% necessitou de intervenção cirúrgica por este ou outros motivos.30 Os sinais e sintomas presentes são descritos na tabela a seguir: 49 Capítulo 2 Além da TB abdominal, a TB miliar poder também afectar o fígado.35 A TB pode cursar com granulomas no fígado, abcessos, ou tuberculomas (que podem assemelhar-se ao carcinoma ou doença metastática no ultra-som).35 Uma revisão recente de sinais e sintomas da TB hepatobiliar resumiu as características clínicas da doença com base na revisão de sete estudos diferentes36: Na tuberculose hepática localizada, os seguintes são os achados clínicos mais comuns 36: • A febre é o sinal mais comum (50-90%); • Dor abdominal no quadrante superior direito (45-66%); • Hepatomegalia (até 55%); • A icterícia não é frequente (menos de um terço) e é obstrutiva. 50 Capítulo 2 As anormalidades nos parâmetros bioquímicos do fígado confirmam a presença de envolvimento hepático, mas seus níveis não têm correlação com o grau de afectação do parênquima. A presença de granulomas tuberculosos, mesmo sendo massiva, não resulta directamente na extensa destruição dos hepatócitos, e é por isso que não é frequente um declínio significativo da função hepática. O fígado pode estar massivamente alargado pela presença de granulomas, e mesmo assim, a função metabólica hepática permanece normal. Este facto traduz-se numa elevação moderada das transaminases. A fosfatase alcalina e outras enzimas das vias biliares podem estar muito elevadas, particularmente nos casos em que se apresentam com icterícia obstrutiva. A confirmação do diagnóstico de TB abdominal (incluindo hepática) é difícil sem biópsia e/ou cultura. (Veja tabela acima onde aparece o rendimento da baciloscopia e cultura feitas a partir da biópsia). A TB abdominal pode coexistir com a TB pulmonar. Num estudo sul-africano, 37,7% dos pacientes com TB extrapulmonar (abdominal ou em outra localização) também tinha tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva. Assim, quando há suspeita de TB abdominal, é importante procurar evidência de tuberculose pulmonar.34 Diagnóstico de TB hepática/Abdominal Devemos suspeitar TB hepática perante um paciente com sinais e sintomas gerais (febre, emagrecimento, sudorese, perda de apetite) e que apresenta um quadro abdominal com um ou vários dos seguintes sinais/sintomas: dor abdominal, hepatomegalia, ascite. Com menor frequência, pode apresentar icterícia. Nos testes laboratoriais poderá apresentar elevação de transaminases (geralmente leve ou moderada) com uma elevação importante das enzimas das vias biliares (Fosfatase alcalina, GGT). A ecografia pode mostrar a presença de hepatomegália homogénea sem alteração da ecoestrutura hepática, ou bem pode mostrar lesões hipoecóicas de tamanho e número variáveis (tuberculomas) e/ou calcificação focal hepática. Diagnóstico: Paracentece: líquido ascítico de cor amarelo-citrino, pode ser turvo ou sanguinolento. O fluido e um exsudado com predomino de linfócitos. Se possível a ECO abdominal deve ser feita e poderá evidenciar ganglios mesentericos ou retroperitoneais aumentados. ADA no liquido perintoneal pode ser útil bem como GeneXpert (PCR). Diagnóstico bacteriológico: Exame directo/cultura do BK no liquido ou fezes. Nota Pratica: A TB e a primeira causa de ascite nos países em vias de desenvolvimento. 51 Capítulo 2 Diagnóstico Diferencial da TB hepática Nos pacientes que iniciam tratamento antituberculose (ou TARV) e apresentam posteriomente um quadro clínico de hepatite (hepatomegália, dor abdominal, ascite, icterícia..), é necessária uma pesquisa aprofundada na tentativa de chegar a uma conclusão sobre a causa do problema hepático. Neste sentido, o diagnóstico diferencial da TB hepática/abdominal deve ser feito com a toxicidade hepática por fármacos (MAT ou TARV). Algumas das principais diferenças apresentam-se na seguinte tabela: TB Hepática Hepatotoxicidade por fármacos Dor abdominal (hipocôndrio direito) Dor abdominal (hipocôndrio direito) Hepatomegalia Geralmente sem hepatomegalia Elevação ALT/AST leve Importante elevação FA Elevação ALT/AST importante Com/sem icterícia (geralmente sem ou leve) Mais frequentemente com icterícia e outros sinais de insuficiência hepática Pode associar outras manifestações de SIR (em HIV+) Sem manifestações de SIR Co-infecção TB/HIV: Apresentação da TB como Síndrome de Imuno-reconstituição (SIR) Nos pacientes HIV+ que iniciam TARV, a TB abdominal pode apresentar-se como SIR a este nível, acompanhada ou não de sintomas de TB em outras localizações anatómicas (pulmões, gânglios linfáticos).39 Como já foi explicado acima, e por causa da associação temporal entre a SIR e o início recente de TARV ou de tratamento para TB, a SIR por TB a nível abdominal deve ser diferenciada das reacções adversas a medicamentos. Tratamento da TB Hepática/Abdominal O regime de tratamento para a tuberculose abdominal é o mesmo que para a tuberculose pulmonar. No caso de TB hepática, o risco de hepatotoxicidade é maior, e assim, a ALT deve ser meticulosamente monitorizada durante o tratamento. 52 Capítulo 2 Normas Nacionais Moçambicanas para o Tratamento da Co-infecção TB/HIV: 6.1. Tratamento Antiretroviral No Adulto Com Tuberculose O TARV deve ser prescrito para todos os doentes adultos co-infectados TB/HIV. Os regimes que podem ser utilizados em pacientes adultos que recebem tratamento para Tuberculose são os seguintes: ESQUEMA ARV INDICADO: TDF/AZT/ABC + 3TC + EFV OU TDF/AZT/ABC + 3TC + LPVr hiperpotenciado Importante: 1. O tratamento da TB é prioritário em relação ao início do TARV; 2. Os pacientes que desenvolvem TB e já recebem TARV com NVP devem ser trocados para um regime que não contenha NVP (substituição de NVP por EFV ou por LPV/r hiperpotenciado, dependendo do caso). Se estes pacientes vinham recebendo TARV há mais de 1 ano, não poderão ser trocados para a linha TDF/3TC/EFV, para permitir a preservação do TDF para a segunda linha de TARV. •• Se houver insuficiência renal deve ser escolhido o AZT no lugar do TDF. •• Se insuficiência renal e hemoglobina< 8 g/dl deve ser escolhido o ABC no lugar do TDF ou AZT. 3. Associar sempre piridoxina 50mg/dia em todos os pacientes em tratamento para TB para prevenir o risco de neuropatia periférica associado ao uso de isoniazida; 4. Dever-se-á utilizar o esquema com LPVr em doses maiores durante o período de uso da Rifampicina, nos casos em que o EFV esteja contraindicado (doente com intolerância ao EFV ) ou nos casos de resistência ao EFV. No fim do tratamento da TB o LPVr deverá ser ajustado à dose normal.); 5. Indicação do uso de corticosteróide no tratamento da Tuberculose: o TB pericárdica o TB SNC 53 Capítulo 2 Tratamento da TB em Pacientes com Doença Hepática Dada a elevada prevalência de hepatopatia crónica no nosso contexto, os clínicos irão se deparar com pacientes que precisam receber tratamento antituberculose (TAT) e que apresentam patologia hepática de base. Nestes casos, os guiões nacionais aconselham que seja seleccionado um regime de TAT com menor potencial hepatotóxico. Abaixo segue um resumo das directrizes nacionais moçambicanas para a selecção do regime de TB para os pacientes com TB e com doença hepática de base: 54 Capítulo 2 A rifampicina, um dos principais medicamentos antituberculose (MAT) usados no esquema de primeira linha, apresenta interacções com diversos MARVs. A seguir, as recomendações de esquemas de TARV para pacientes que recebem TAT contendo rifampicina: Recomendações do Uso dos ARV com a Rifampicina INIBIDORES DA PROTEASE Associações Possíveis com a Rifampicina: • Lopinavir 200mg/ritonavir50mg 3 comp 12/12h + Ritonavir 100 mg 1 comp 12/12h. Usar com cautela e monitorização clínica e laboratorial regular devido ao alto risco de hepatite tóxica → NÃO associar com a Rifampicina nenhum outro IP excepto o descrito acima. INIBIDORES NÃO NUCLEOSIDIOS DA TRANSCRIPTASE REVERSA Associações Possíveis com a Rifampicina: • Efavirenz Prevenção da TB Abdominal/Hepática As medidas de prevenção para TB Abdominal são as mesmas que para a prevenção da TB pulmonar e devem ser bem conhecidas pelos participantes: • Diagnóstico precoce e tratamento eficaz da tuberculose pulmonar; • Medidas de protecção respiratória para os trabalhadores de saúde e contactos domiciliares dos pacientes; • Início precoce do TARV em co-infectados TB/HIV para evitar o comprometimento imunológico que aumenta o risco de TB extrapulmonar e de recaída/reinfecção; • Profilaxia com INH. Toxicidade Hepática por Medicamentos Vamos interromper aqui a nossa discussão de causas infecciosas de patologia hepática em pacientes infectados pelo HIV para discutir as reacções adversas medicamentosas que afectam o fígado, porque esta questão está intimamente ligada ao tratamento da TB e da hepatite B. Concentrar-nos-emos nas reacções adversas causadas por medicamentos antiretrovirais e medicamentos antituberculose. 55 Capítulo 2 As reacções adversas a medicamentos envolvendo o fígado são conhecidas pelas siglas em inglês DILI (drug induced liver injury). Os clínicos devem suspeitar toxicidade hepática perante pacientes que se apresentam com elevação da fosfatase alcalina/ALT/bilirrubina, icterícia, dor abdominal, e/ou outros sinais ou sintomas abdominais, após a introdução de algum dos medicamentos seguintes: isoniazida, pirazinamida, rifampicina, nevirapina, efavirenz, lopinavir, ritonavir. Se não for tratada, a toxicidade hepática por medicamentos pode ser fatal. O diagnóstico de toxicidade hepática está confirmado se os sinais, sintomas e alterações laboratoriais resolverem após a retirada do medicamento ou medicamentos suspeitos. O diagnóstico diferencial da toxicidade hepática inclui outras complicações infecciosas do HIV; veja a tabela abaixo a partir de um estudo feito na Uganda sobre causas de icterícia, dor no quadrante superior direito, ascite e hepatomegalia em pacientes infectados pelo HIV40: 56 Capítulo 2 Este estudo descreve as causas de patologia hepática em pacientes HIV+ que eram seguidos periodicamente. De um total de 8.715 pacientes, 77 (0.8%) apresentou sintomas de patologia hepática ao longo do período de observação. As patologias ou problemas encontrados nestes pacientes foram os seguintes: • • • • • • Toxicidade por fármacos (Nevirapina e/ou Isoniazida): 23 (30%); Infecção por hepatite B: 11 (14%); Hepatocarcioma: 5 (7%); Tuberculose hepática: 7 (9%); Outros: 21 (28%); Nenhuma patologia encontrada: 13 (17%). Nesta série, a toxicidade por fármacos foi a primeira causa de problemas hepáticos em pacientes com HIV. A probabilidade de desenvolver toxicidade hepática depende das características individuais do paciente, da existência de comorbilidades e dos medicamentos ou combinações de medicamentos usados. De um modo geral, pode afectar até 10% dos pacientes que recebem TARV com inibidores da protease (IPs), mas pode ser muito maior nos pacientes com co-infecção TB/HIV ou em pacientes que recebem lopinavir/ritonavir hiperpotenciado.41 Num estudo, a nevirapina foi associada a toxicidade hepática em cerca de 1 a 18,6% do total dos doentes, mas o risco pode ser ainda mais elevado em subgrupos específicos. As mulheres com contagens de CD4 elevadas apresentam maior risco de hepatotoxicidade por Nevirapina.42 A hepatotoxicidade é mais comum em pacientes HIV+ com infecção concomitante por VHB. 57 Capítulo 2 A OMS recomendou recentemente substituir a NVP pelo EFV nos esquemas padrão de primeira linha de TARV nas mulheres grávidas, em grande parte por causa do elevado risco de hepatotoxicidade neste grupo.20 Assim, a avaliação de risco de toxicidade hepática após o início de TARV e/ou do tratamento da tuberculose (ou de ambos tratamentos) deve incluir a avaliação dos riscos inerentes às próprias drogas (isoladamente ou em conjunto), assim como a avaliação da presença de comorbilidades importantes, especialmente tuberculose, VHB e alcoolismo. Vamos tentar abordar todas essas questões abaixo. A toxicidade hepática pode ser leve e auto-limitada, mas o reconhecimento precoce e o tratamento são importantes, porque os casos graves podem levar à morte do paciente. Por exemplo, num estudo realizado na Índia, 22,7% dos pacientes com tuberculose e que apresentou toxicidade hepática por fármacos, morreu.43 Neste estudo, a presença de ascite, encefalopatia hepática, bilirrubina elevada ou disfunção renal foi associada com a morte. Num estudo realizado num hospital sulAfricano, a toxicidade hepática relacionada com o TARV ou com o tratamento para TB foi a causa de 27% dos internamentos hospitalares por problemas hepáticos,44 e a mortalidade aos 3 meses foi de 35%. Apresentação clínica das Reacções Adversas Envolvendo o Fígado A toxicidade hepática por fármacos pode se apresentar de todas as seguintes formas: • Elevação assintomática das transaminases; • Hepatite clínica (incluindo a hepatite colestática, que pode se apresentar como bilirrubina ou fosfatase alcalina marcadamente elevadas na ausência de elevação de ALT importante); • Outras formas de toxicidade hepática, que incluem a acidose láctica associada a esteatose hepática. Este conteúdo será discutido na sessão sobre efeitos adversos. Alteração Assintomática das Transaminases É definida como a elevação assintomática de ALT/AST. É uma situação frequente e que pode representar uma adaptação fisiológica perante a introdução de certas drogas. Hepatite O quadro clínico da hepatite já foi descrito em secções anteriores do presente documento. De modo a diagnosticar uma reacção adversa ao medicamento, deve-se determinar se os sinais e sintomas iniciaram ou pioraram antes ou após a introdução do(s) medicamento (s) em questão. 58 Capítulo 2 A hepatite causada por fármacos e a alteração assintomática das transaminases podem ocorrer mais cedo ou mais tarde no decurso do tratamento. No caso dos medicamentos contra a tuberculose, define-se como lesão hepática “precoce” induzida por drogas aquela que ocorre dentro das primeiras duas semanas de tratamento da TB. Todavia, a toxicidade hepática pode ocorrer muito mais tarde no decurso da terapia. • Um estudo realizado na Tanzania mostrou que a toxicidade hepática apareceu num intervalo médio de 2 semanas após o início do TARV com EFV em pacientes com HIV e sem TB; em pacientes com TB e HIV, o tempo médio foi de cinco semanas após o início do tratamento da TB (normalmente uma semana após a adição de TARV ao tratamento da tuberculose). Neste estudo não foram observados casos de toxicidade após 12 semanas.45 Neste estudo, a incidência de toxicidade hepática foi de 7,8% (5,9% no grupo que recebia só TARV e 10,0% no grupo que recebia TARV e tratamento para TB). • Outros estudos também têm observado que a toxicidade hepática é mais comum em pacientes co-infectados com TB/HIV do que em pacientes que apenas têm TB. Num estudo realizado no Reino Unido, 35% dos pacientes HIV positivos desenvolveu hepatotoxicidade frente aos medicamentos contra a tuberculose, contra 7% dos pacientes HIV negativo.46 59 Capítulo 2 • Além do HIV, a existência de infecção por hepatite B também confere um maior risco de toxicidade hepática relacionada aos medicamentos contra a TB. • Num estudo na Coreia do Sul, 8% dos pacientes TB/VHB (sem infecção pelo HIV, e com transaminases normais no momento da inclusão) desenvolveu toxicidade hepática, contra 4% dos pacientes que apresentavam somente a TB. Neste estudo, todos os casos de toxicidade hepática associados à infecção pelo VHB foram moderados/graves vs apenas 20% dos casos em que só havia TB.47 • O efeito negativo da co-infecção pelo VHB na hepatotoxicidade em pacientes infectados pelo HIV (com ou sem TB) também foi confirmado em um estudo sul-africano. Durante o primeiro ano de TARV, a incidência de hepatotoxicidade grave foi de 7,7 por 100 pessoas-anos de observação global, mas o risco foi 8,5 vezes maior no grupo de pacientes que recebiam tratamento da tuberculose concomitante, e 3 vezes superior nos pacientes com infecção concomitante por VHB.48 Estas informações são mostradas no seguinte gráfico: Diagnóstico da Hepatotoxicidade por Fármacos As directrizes moçambicanas recomendam a avaliação regular de ALT em todos os pacientes infectados pelo HIV, antes e após o início de TARV. Veja abaixo as tabelas relevantes do Guião Nacional de TARV: 60 Capítulo 2 10.3. Periodicidade do Controlo Clínico-Laboratorial do Doente antes de Iniciar o TARV Quadro 27: Seguimento clínico e laboratorial preTARV (para adulto e criança ≥5 anos) Depois De 1 Ano De Seguimento MESES DE SEGUIMENTO 0 1 Atendimento Clínico x x 2 3 x 4 5 6 x 7 8 9 10 11 12 3/3m* x x x 6/6m Aconselhamento x x x x x x x Hemograma x x x x Contagem de Linfócitos T CD4+ x x x x ALT x x x x Urina II x x x x x * As crianças ≥5 anos deverão manter um seguimento clínico de 3/3 meses. O Levantamento de medicamentos profilácticos (CTZ, INH) deve ser feito de acordo com as normas descritas neste guia. Após a introdução de TARV, aconselha-se a monitoria da função hepática a partir da determinação de ALT a cada 12 meses. 10.4.1 Seguimento Clínico e laboratorial do Adulto após o Início de TARV Quadro 28: Controlo Clínico – Laboratorial do adulto após início TARV Meses de tratamento 0 1/2 1 1 ou 1 1/21 Atendimento clinico x x x Aconselhamento x x x Farmácia x x x Hemograma x Contagem de Linfócitos T CD4+2 x x Carga viral (se for possivel) 2 3 4 5 x x x 6 7 8 1º ano de TARV 9 10 11 12 6/6m x x x x x x x x x Sempre que necessário x trimestralmente x x x x x x x x x 12/12m x x ALT x x Glicemia3 x x x x x Creatinina4 x x x x Colesterol total e triglicéridos3 x x Urina II x x x Amilase5 x x x x x x Os pacientes que iniciam TARV com a linha TDF+3TC+EFV são reavaliados 1 mês após o início de tratamento. Os pacientes que iniciam TARV com AZT+3TC+NVP são reavaliados aos 15 dias e aos 45 dias 2 A carga viral irá ser introduzida de forma faseada e passará a ser o teste de referência para monitorar a resposta ao TARV. Até a introdução da CV rotineira o CD4 continua a ser o exame de referência para monitorar a resposta ao TARV. 3 Nos esquemas contendo IPs 4 Nos esquemas contendo TDF 5 Nos esquemas contendo d4T 1 61 Capítulo 2 Embora as directrizes moçambicanas para o tratamento da TB não requeiram a medição de ALT ou bilirrubina antes do início (excepto em pacientes com suspeita ou diagnóstico de doença hepática crónicas), é aconselhável avaliar todos os pacientes com TB na procura de sinais e sintomas de doença hepática, antes da introdução do tratamento. É aconselhável testar para VHB e avaliar ALT, bem como o estado de HIV em todos os pacientes antes de iniciar tratamento da tuberculose. Embora haja uma discussão internacional aberta sobre o melhor esquema para monitorar a função hepática durante o tratamento da TB, há um consenso geral sobre a necessidade de avaliar com maior frequência os pacientes com maior risco de reacções adversas. Uma vez identificada uma reacção adversa, esta deve ser classificada segundo o grau de gravidade. Para reacções adversas produzidas por medicamentos antiretrovirais, é usada a escala da OMS. O grau da reacção determina a conduta. Veja as tabelas abaixo do Guião Nacional de TARV: 11. 2. Estabelecimento da Graduação do Efeito Adverso Para facilidade do controlo dos efeitos adversos, definiram-se 4 graus de sinais e sintomas clínicos e biológicos: Grau 1: Ligeiro Mal estar ligeiro ou transitório; não limitação das actividades; não requer tratamento médico; Grau 2: Moderado Limitação ligeira a moderada na actividade – alguma assistência pode ser necessária; nenhuma ou mínima intervenção terapêutica é requerida; Grau 3: Severo Marcada limitação na actividade – alguma assistência é habitualmente necessária; requer tratamento médico e possível hospitalização; Grau 4: Risco De Vida Extrema limitação na actividade que requer assistência importante; requer cuidados médicos sob hospitalização e eventualmente em serviço de urgência. Serão considerados eventos clínicos graves ou pondo em risco de vida, portanto grau 4, os seguintes: apoplexia, coma, tetania, cetoacidose diabética, coagulação intravascular disseminada, petéquias difusas, paralisia, psicose aguda, síndrome de Stevens Johnson, síndrome de Lyell, etc. 62 Capítulo 2 Manejo da Hepatotoxicidade por Fármacos Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) Em pacientes HIV+ com início recente de TARV contendo alguns dos ARVs com potencial hepatotóxico, nomeadamente Nevirapina, Efavirenz ou Lopinavir/ ritonavir, e que apresentem um quadro de hepatite sintomática, e sempre que a hipótese da toxicidade por fármacos seja a mais provável, deverá ser avaliado o grau da reacção adversa. EFEITOS SECUNDÁRIOS COM RISCO DE VIDA HEPATITE Agente NVP, EFV, LPV/r, RTV Sinais e sintomas Os sinais e sintomas variam de acordo com o grau de dano ao fígado e incluem: •• náusea, vômitos, dor abdominal •• perda de apetite •• diarréias •• fraqueza ou fadiga •• icterícia •• hepatomegalia Diagnóstico diferencial Hepatite viral (Hepatite A, B, C) Toma de medicamentos (Tuberculostáticos, ARVs, Amoxicilina+Ácido Clavulânico, Fluconazol, Paracetamol em alta dosagem, etc.) Uso de álcool Malária Outros (TB, EBV, CMV, sífilis, hepatite auto-imuno, etc.) Grau Sexo Feminino Sexo Masculino Conduta 1 2 3 4 43.75 – 87.5 U/L 88 – 175 U/L 175.5 – 350 U/L > 350 U/L 56.25 – 112.5 U/L 113 – 225 U/L 225.5 – 450 U/L > 450 U/L Continuar TARV. Repetir os testes 2 semanas mais tarde e reavaliar. É importante sempre excluir outros diagnósticos que podem estar provocando tais alterações. Por exemplo: Anemia – suspeitar de Tuberculose e Malária ALT elevado: suspeitar de hepatite viral Suspender TARV imediatamente. Repetir as análises semanalmente e reavaliar. Substituir o ARV específico causador do quadro por outro ARV após normalização das análises. Na presença de hepatite sintomática de grau 4 (e por vezes também 3), todo o esquema de TARV deve ser interrompido. As directrizes nacionais sugerem uma interrupção gradual dos esquemas contendo Nevirapina, a fim de evitar ou reduzir o risco de desenvolvimento de resistência a este medicamento. A suspensão gradual consiste na interrupção de Nevirapina na altura do diagnóstico da reacção adversa, mantendo os INTRs do esquema durante mais 7 dias. Esta abordagem evita que a Nevirapina, com uma semivida muito prolongada, circule no sangue do paciente de forma isolada após a interrupção do esquema. 63 Capítulo 2 11.1. Diagnóstico e Conduta Alguns princípios a observar em caso de aparecimento de um efeito adverso: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Assegurar-se que o efeito adverso é devido a um ARV ou a outra medicação; Se houver necessidade de interromper o TARV, todos os medicamentos ARV devem ser interrompidos em simultâneo, excepto os esquemas contendo Nevirapina; Nas reacções adversas a NVP, deve-se interromper primeiro este ARV e manter por mais 7 dias os outros 2 ARVs, devido a meia-vida longa da Nevirapina; evitar-se-á assim uma monoterapia com a Nevirapina; O TARV deve ser mantido se o efeito adverso for Grau 1 ou 2, exceptuando a neuropatia por estavudina, a toxicidade renal por TDF e a acidose láctica por INTR. Em caso de efeito adverso Grau 3, dever-se-á considerar a interrupção do TARV, e este será obrigatoriamente interrompido se a reacção for de Grau 4; Os efeitos adversos devem ser registados e de comunicação obrigatória regular para: ▶ Centro de Informação sobre Medicamentos (CIMed) Sector de Farmacovigilância. Departamento Farmacêutico Av. Salvador Allende/ Agostinho Neto, Maputo, Moçambique E-mail: [email protected] ▶ Comité Nacional de TARV E-mail: [email protected] Tel: (21) 32 08 31 ou cel: 82 318 4200 Medicamentos antituberculose (MAT) 3 dos 4 medicamentos da primeira linha de tratamento para TB são potencialmente hepatotóxicos, nomeadamente Isoniazida, Rifampicina e Pirazinamida. Além de hepatite, a Rifampicina pode também produzir um quadro isolado de colestase (elevação de bilirrubina e fosfatase alcalina que se manifesta como icterícia, sem outros sintomas de hepatite e com transaminases normais). A colestase induzida por rifampicina é benigna e não requer de nenhuma conduta. As directrizes moçambicanas para o tratamento de TB recomendam parar todos os medicamentos anti-TB se o doente desenvolver hepatite com icterícia ou confusão (sugerindo encefalopatia hepática), uma vez que a icterícia e a encefalopatia hepática são sinais de falha hepática. A maioria dos protocolos internacionais aconselham a suspensão de todos os medicamentos, se o paciente apresentar sinais e sintomas de hepatite acompanhados de elevação de ALT ou bilirrubina ≥ 3 vezes 64 Capítulo 2 o limite superior da normalidade, ou nos casos de elevação assintomática, se esta for ≥ 5 vezes o limite superior da normalidade. Após a interrupção dos medicamentos anti-TB, existem várias maneiras de reintroduzir o tratamento da tuberculose. Uma vez que os sinais, sintomas e testes de função hepática do paciente tenham normalizado, os MAT são reintroduzidos um de cada vez. O processo é descrito a seguir (a partir da directriz do American Thoracic Society50): De salientar que em Moçambique, só é possível a reintrodução progressiva de MAT, em centros de saúde que têm disponíveis MAT individuais (além das combinações de dose fixa que normalmente são usadas no programa de TB). Na maioria dos centros de saúde em Moçambique não há MAT individuais. Uma forma alternativa de reintroduzir a primeira linha de tratamento da tuberculose com os MAT disponíveis na maioria das US é a seguinte: • Reintroduzir isoniazida primeiro (a partir do stock de isoniazida utilizado para prevenir a tuberculose); • Se é tolerado, avançar para 2DFC (INH + RIF) 3-7 dias mais tarde; e • Se é tolerado, então introduzir 3DFC (INH + RIF + ETB, utilizado na fase de manutenção do retratamento de TB). 65 Capítulo 2 Segundo esta abordagem deve-se evitar a reintrodução de pirazinamida em pacientes que tiveram hepatotoxicidade grave. Note-se que a abordagem varia dependendo se o doente se encontrava na fase intensiva ou de manutenção, quando a reacção adversa ocorreu: Se a as alterações hepáticas persistirem mesmo depois de interromper os medicamentos contra a tuberculose, e também em doentes com problemas hepáticos de base, pode ser necessário reiniciar o paciente com um regime que não envolva nenhum fármaco hepatotóxico: E se a doença hepática não resolver depois de se interromper os medicamentos contra a tuberculose, o médico também deve procurar outras causas de doença hepática. Em resumo: a toxicidade hepática por medicamentos pode acontecer com alguns antiretrovirais e também com vários dos medicamentos usados para tratar tuberculose. O risco é maior na presença de certas comorbilidades, tal como a infecção pelo VHB. Pode ser fatal, se não for reconhecido prontamente. Os clínicos devem avaliar todos os novos pacientes com HIV e/ou tuberculose na procura de sinais e sintomas de doença hepática, e devem compreender e utilizar as normas padrão que definem a avaliação clínica e solicitação de exames laboratoriais em pacientes que iniciam estes tratamentos. 66 Capítulo 2 Schistosomiase Hepato-esplénica Patologia crónica derivada da infecção prolongada e massiva por Schistosoma mansoni. Outras espécies como S. haematobium produzem principalmente patologia urinária (e genitourinária), mas também está descrita a afectação intestinal e hepática por esta espécie.64 A infecção é endémica em Moçambique: a prevalência nacional de S. haematobium nas crianças foi de 47% num inquérito nacional, e foi alta em todas as províncias. A prevalência nacional de S. Mansoni foi de 1%, mas foi maior em algumas províncias (7.2% em Maputo, e 3.8% em Tete).52 No entanto, a verdadeira prevalência da Schistossomiase pode ser maior, porque o método usado para o despiste massivo (teste de Kato-Katz) é sensível apenas se a carga de ovos for de pelo menos 50-100 ovos/grama da amostra de fezes.53 De forma geral, o rastreio massivo é feito em crianças, contudo, em algumas populações (por exemplo, comunidades de pescadores) a prevalência em adultos pode ser mais elevada do que em crianças. Por exemplo: num estudo realizado numa comunidade pesqueira do Uganda, a maior intensidade da infecção foi encontrada em pessoas adultas que exerciam actividades de pesca.54 A maioria de indivíduos infectados não irá desenvolver sintomas por esta causa. Contudo, uma parte dos indivíduos que adquirem a infecção durante a infância poderá ter manifestações crónicas após várias décadas. Após 5 a 10 anos da infecção, as formas adultas de Schistosoma irão produzir ovos a nível dos tecidos infectados. A reacção inflamatória secundária vai dar lugar ao aparecimento de granulomas. A presença de granulomas a nível dos espaços porta do fígado é responsável pelas manifestações clínicas da schistosomiase hepatoesplénica. Quadro Clínico Os pacientes com schistosomiase hepatoesplénica podem apresentar hepatomegalia, com ou sem esplenomegalia. O fígado também pode ter um tamanho normal. Ecograficamente, o fígado pode ser liso ou regular, ou pode apresentar uma morfologia granular ou nodular. Tipicamente os testes de função hepática (bilirrubina, tempos de coagulação, transaminases) estão minimamente alterados ou até são normais (não se trata de uma cirrose hepática, apenas da obstrução da circulação portal, com o parênquima hepático relativamente conservado). Os sintomas derivam da hipertensão portal secundária à obstrução dos espaços porta: ascite, esplenomegalia, que pode ser gigante (diagnóstico diferencial com a esplenomegalia malárica tropical, as síndromes linfoproliferativas ou a leishmaniose visceral). Pode haver pancitopenia secundária ao hiperesplenismo. 67 Capítulo 2 Finalmente os pacientes podem apresentar sangramentos digestivos pela presença de varizes esofágicas produzidas pela hipertensão portal. Os pacientes não apresentam outros sintomas característicos da cirrose (ginecomastia, icterícia, eritema palmar), uma vez que não há insuficiência hepática nestes casos. Diagnóstico O diagnóstico é feito a partir da detecção dos ovos nas fezes. Também podem ser feitos testes serológicos para a detecção de anticorpos ou antígenos específicos para Schistosoma (ainda não disponíveis de forma geral em Moçambique). Para confirmar a presença de complicações hepáticas/esplénicas, é necessário avaliar através de ecografia. Para a detecção de varizes deve ser feita endoscopia.55 Tratamento Para casos de infestação massiva, deve ser administrado Praziquantel 50-60 mg/ kg de peso. A dose total deve ser dividida em 2 tomas, separadas por 4 ou 6 horas. De forma geral, o tratamento é muito bem tolerado. As vezes os pacientes podem apresentar mal-estar, náuseas, diarreia, flatulências, tonturas, cefaleia, febre, rash e prurido, sendo todos estes sintomas auto-limitados. A hemorragia digestiva baixa auto-limitada foi descrita em alguns pacientes.62 O Tratamento atempado com praziquantel pode diminuir a fibrose do fígado, se não estiver avançada. Por exemplo: num estudo com pacientes com diagnóstico de schistosomiase hepática realizado na Etiópia, o espessamento periportal/ fibrose resolveu completamente em 69/199 pacientes (34,7%). Os factores associados à melhoria ou resolução estão descritos na tabela abaixo56. Pode observar a partir da tabela que a co-infecção hepatite B/schistosomiase implica um pior prognóstico. 68 Capítulo 2 A imagem ecográfica que se segue mostra a resolução de fibrose periportal num dos participantes do estudo56: As campanhas de tratamento em massa para Schistosomiase podem resultar em diminuições substanciais da prevalência da infecção e da expressão clínica da mesma. Um recente documento da OMS observa que a China conseguiu reduzir a carga de S. japonicum através do controlo do caracol, tratamento em massa com praziquantel, tratamento selectivo das pessoas identificadas como infectadas, com uma diminuição de 50% na prevalência; o Egipto usou o controlo de caramujos e a administração massa de praziquantel, resultando numa importante redução da prevalência (de 168 aldeias com prevalência da schistosomiase > 30% em 1996, para apenas 20 aldeias com prevalência> 3% em 2010; em Uganda, o tratamento social e a educação sanitária permitiram a redução da prevalência de fibrose hepática avaliada através de ecografia em crianças, de 39,4% para 1,7%).57 69 Capítulo 2 Em resumo, os sintomas abdominais como a hepatoesplenomegalia e a distensão abdominal podem também ser causados pela infestação massiva e crónica por Schistosoma. Quando o exame físico e particularmente, quando os achados ecográficos sugerem a existência de fibrose periportal e/ou hipertensão portal isoladas, é pouco provável que o tratamento com praziquantel cause dano, e é uma das poucas intervenções que podem reverter a hipertensão portal. Malária Severa e Alterações Hepáticas Todos devem estar familiarizados com o diagnóstico e tratamento da malária grave. Sobre este assunto, enfatizaremos apenas três pontos: • Em primeiro lugar, a incidência da malária aumenta a medida que os níveis de CD4 diminuem em pacientes infectados pelo HIV. Este aumento na incidência de malária pode ser evitado através do uso de redes mosquiteiras, pulverização intradomiciliar, profilaxia com o cotrimoxazol e (em gestantes HIV negativas) com tratamento preventivo intermitente com Fansidar. • Quando a malária ocorre, é mais provável que seja grave nos pacientes infectados pelo HIV. • A malária pode apresentar-se com insuficiência hepática (uma das complicações da malária grave) A tabela abaixo descreve as características da malária grave em crianças e adultos na Beira58: 70 Capítulo 2 Um outro estudo realizado em Maputo mostrou resultados similares59: Alcoolismo Os participantes já devem estar familiarizados com esta condição. Iremos apenas mencionar questões que são relevantes no contexto do HIV, tuberculose e hepatite B. Quanto maior é o número de condições clínicas activas afectando o fígado, maior a probabilidade de progressão para a insuficiência hepática num certo paciente. Assim, os doentes com hepatite B crónica são aconselhados a abster-se do álcool, a fim de protegerem a função hepática. O consumo de álcool também pode estar associado à falta de adesão ao tratamento da TB e HIV. Hepatite Sifilítica Embora raro, a sífilis pode causar hepatite em pessoas infectadas pelo HIV. Porque esta é uma causa tratável de hepatite, é importante verificar o RPR nos pacientes infectados pelo HIV e que se apresentam com um quadro de hepatite aguda.61 71 Capítulo 2 Outras Causas de Doença Hepática em Pessoas Infectadas pelo HIV Há muitas outras possíveis causas de doença aguda e crónica do fígado, mas muitas são difíceis de diagnosticar ou tratar em Moçambique. Outros tipos de hepatites virais incluem a hepatite A, a hepatite C, a hepatite E e a infecção disseminada por citomegalovírus. Outras causas incluem malignidades (por exemplo, cancro do ovário) e cirrose alcoólica. O próprio HIV (em casos de doença avançada) pode causar colangiopatia relacionada com o HIV. A infecção por micobactérias atípicas como MAC pode também afectar o fígado. Os pacientes infectados pelo HIV também podem sofrer de cálculos biliares, colecistite aguda, abcesso hepático amebiano e outras doenças comuns, não ligadas ao HIV. Pontos-Chave da Sessão • As alterações hepáticas são frequentes na população geral e mais frequentes ainda na população HIV+ • As causas de patologia hepática em pacientes com HIV são diversas e por vezes o diagnóstico diferencial pode ser complexo. As principais causas de problemas hepáticos em pacientes com HIV são: • Toxicidade por fármacos • Co-infecção HIV/VHB e suas consequências • Abuso de álcool, consumo de medicamentos tradicionais • Infecções com afectação hepática (sépsis, malária, TB) • Os pacientes HIV+ apresentam com maior frequência toxicidade por medicamentos, quando comparado com os pacientes seronegativos. A toxicidade por TAT e TARV é frequente, potencialmente grave e deve ser gerida correctamente, tendo em conta a necessidade de tratar estes pacientes. • A hepatite crónica por VHB é critério para iniciar TARV, particularmente nos casos de doença hepática avançada. O início precoce de TARV com fármacos com actividade anti-VHB reduz a progressão da doença hepática e melhora do prognóstico destes pacientes. 72 Capítulo 2 Referências 1. Dienstag JL. Hepatitis B virus infection. New England Journal of Medicine. 2008;359(14):1486-1500. 2. Hoffman CJ, Thio CL. Clinical implications of HIV and hepatitis B co-infection in Asia and Africa. Lancet Infect Dis. 2007;7:402-409. 3. Cunha L, Plouzeau C, Ingrand P, et al. Use of replacement blood donors to study the epidemiology of major blood-borne viruses in the general population of Maputo, Mozambique. J Med Virol. 2007;79:1832-1840. 4. Stokx J, Gillet P, De Weggheleire A, et al. 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Manson´s tropical disease 21st edition Capítulo 3 Patologia do SNC e Neuropatia Periférica em Pacientes com o HIV: Perspectiva dos Locais com Recursos Limitados Índice Capítulo 3 Introdução...................................................................79 Toxoplasmose Cerebral......................................113 Epidemiologia da Patologia do SNC nos pacientes HIV+ no Nosso Contexto............80 Tuberculose do SNC que se Apresenta com Sinais Focais28................................................116 Infecções Oportunistas após a Introdução de TARV: Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune (SIR) e Sistema Nervoso Central............82 Linfoma primário do SNC (LPSNC)..............118 Patologia do Sistema Nervoso Central Causada pelo Próprio HIV.......................82 Neuropatia Periférica...................................................84 Diagnóstico Diferencial das Síndromes que Afectam o SNC no Paciente HIV+..............................................85 O Exame Neurológico..............................................86 Nível de consciência....................................................86 Nervos Cranianos...........................................................89 Teste de força (Teste Motor)....................................90 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva causada pelo Virus JC................119 Diagnóstico dos Quadros que Cursam com Sinais Focais em Pacientes HIV+.....................................................119 Trastornos Neurocognitivos e Sinais/sintomas Psiquiáticos em Pacientes HIV+............................................................120 Transtornos Neurocognitivos Associados ao HIV (HAND).......................................120 Sinais e Sintomas Neurológicos Causados por Medicamentos................................123 Neuropatia Periférica...............................................125 Tom Muscular...................................................................90 Pontos-Chave da Sessão.........................................128 Teste Sensorial.................................................................91 Referências...................................................................129 Sinais de Inflamação no Cérebro..................91 Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos......................................................91 Causas mais Importantes de Meningite em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV......................................................91 Meningite Criptocócica......................................93 Meningite tuberculosa28....................................101 Outras Causas Diagnosticáveis e Tratáveis de Meningite.......................................104 Diagnóstico das Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos em pacientes HIV+................................................................105 Patologias que Cursam com Sinais Focais........109 Causas mais Importantes de Patologias que se Apresentam com Sinais Focais em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV................................................................................109 Malária Cerebral......................................................112 Capítulo 3 3. Patologia do SNC e Neuropatia Periférica em Pacientes com o HIV: Perspectiva dos Locais com Recursos Limitados Introdução A maioria das complicações do sistema nervoso central (SNC) relacionadas com o HIV/SIDA são graves e definem estádio 4 da classificação da OMS. A presença destas condições confere um risco muito elevado de morte e invalidez crónica, mesmo quando o melhor tratamento disponível é instituído. Nos pacientes com HIV/SIDA os clínicos devem seguir duas condutas principais: iniciar e manter todas as pessoas infectadas pelo HIV e elegíveis em regimes de TARV eficazes antes que ocorra a imunossupressão grave e fornecer profilaxia específica com cotrimoxazol, fluconazol, rede mosquiteira tratada com insecticida, a fim de evitar complicações devastadoras. Por outro lado, a neuropatia periférica, embora não confira o mesmo risco de mortalidade que a doença do SNC, é importante porque pode ser severamente incapacitante e também porque muitas vezes pode ser evitada através do início atempado de TARV ou tratada com a retirada de medicamentos causadores de neuropatia periférica. A neuropatia periférica não é um problema que envolve o SNS contudo, será abordada nesta unidade por se tratar de um problema nervoso e porque por vezes deve ser feito o diagnóstico diferencial com outras patologias centrais. Em geral, as patologias afectam o sistema nervoso central em pacientes infectados pelo HIV, incluem infecções bacterianas, virais, infecções causadas por fungos, infecções parasitárias, doenças não transmissíveis como o cancro, o acidente vascular cerebral, as reacções adversas a medicamentos e as consequências directas do HIV a nível do SNC.1,2,3 Na abordagem deste conteúdo serão enfatizadas as seguintes causas de doenças do SNC associadas ao HIV nomeadamente, Cryptococcus neoformans, Toxoplasma gondii, Mycobacterium tuberculose, malária, sífilis, vírus JC, reacção adversa a medicamentos, meningite bacteriana e o próprio HIV. Também serão abordadas outras doenças que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial, como é o caso da patologia tumoral e do acidente vascular cerebral. É importante referir que muitas destas patologias podem se apresentar antes da introdução do TARV, ou podem ser evidentes após a introdução do TARV, como ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 79 Capítulo 3 manifestação da reconstituição immune (SIR). As apresentações clínicas, ou seja, as síndromes que serão descritas e abordadas nesta sessão são: • • • • Meningite; Défices neurológicos focais; Alterações cognitivas/declínio da função cognitiva e Neuropatia periférica. Epidemiologia da Patologia do SNC nos pacientes HIV+ em África Para iniciar a abordagem deste tópico coloca-se a seguinte questão: Quão comuns são as complicações do SNC relacionadas com o HIV, especialmente na África subsaariana, e particularmente em Moçambique? Para maior entendimento da questão primeiro serão descritas as infecções oportunistas do SNC na era préTARV na África subsaariana, onde as últimas estimativas sugerem que a infecção por criptococo foi subdiagnosticada (vide os detalhes em outras unidades). Segundo um estudo realizado no Malawi, as taxas de incidência, (expressas em casos/100 pessoas/ano de observação) de infecções importantes que podem causar doença do SNC são: • • • • • Malária grave 0,3 casos/100 pessoas/ano; Meningite bacteriana confirmada 0,3 casos/100 pessoas/ano; Suspeita de meningite bacteriana 0,3 casos/100 pessoas/ano; Meningite criptocóccica confirmada 1.5 casos/100 pessoas/ano; Meningite provavelmente tuberculosa 0.9 casos/100 pessoas/ano.4 No entanto, estas observações correspondem à população geral, e não apenas aos casos de pacientes seropositivos, pelo que podem subestimar as taxas de incidência nos pacientes mais imunocomprometidos. Uma antiga revisão realizada na África subsaariana e publicada em 2003 sobre infecções oportunistas, constatou que a incidência de infecções oportunistas em pacientes com HIV é muito variável, dependendo dos valores de CD4 dos pacientes5: • Doença criptocóccica: 0-10,3 casos/100 pessoas/ano de observação; • Toxoplasmose do SNC: 0-1,2 casos /100 pessoas/ano. Num outro estudo, a incidência de diversas infecções oportunistas em pacientes HIV+ na Cidade do Cabo em diferentes estratos de CD4, foi estimada durante a era pré-TARV6 e os resultados são apresentados na figura abaixo. Nota: Observe o importante aumento na incidência de infecções oportunistas nos grupos de pacientes que têm valores mais baixos de CD4. 80 Capítulo 3 Quadro 6: Incidência de infecções oportunistas estratificadas segundo a contagem de CD4 Mais um estudo7 avaliou a prevalência e mortalidade por várias infecções oportunistas na era pré-TARV. Este estudo foi realizado na Costa de Marfim com pacientes seropositivos hospitalizados. Os resultados são apresentados na tabela abaixo, repare na elevada mortalidade de pacientes com meningite e toxoplasmose do SNC. Quadro 7: Diagnósticos em pacientes HIV+ internados e taxa de letalidade por patologia. Costa de Marfim 81 Capítulo 3 Nesta sessão, serão abordadas as doenças do SNC que mais afectam os pacientes HIV+ em Moçambique. Porém, é provável que esta lista de patologias subestime a complexidade real do problema. Por exemplo, um estudo recente realizado na Zâmbia, usou métodos laboratoriais mais avançados, que actualmente não estão disponíveis em Moçambique, para identificar as causas da patologia do SNC em pacientes HIV hospitalizados. Dois terços dos pacientes ainda não estavam em TARV.Neste estudo foi encontrada evidência da existência de 11 patógenos diferentes onde 18,5% dos pacientes teve mais de um patógeno identificado e 35,3% não sobreviveu.8 Infecções Oportunistas após a Introdução de TARV: Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune (SIR) e Sistema Nervoso Central O aparecimento de SIR a nível do SNC após a introdução do TARV não é incomum. Por exemplo, num estudo realizado na Cidade do Cabo9, a incidência de SIR com envolvimento do SNC foi de 23,3 casos/1000 pacientes/ano, e as causas mais comuns de deterioração neurológica após a introdução do TARV foram: • Tuberculose do SNC (36%); • Meningite criptocócica (24%); • Lesões ocupantes de espaço (13%); • Outras causas (15%). O prognóstico dos pacientes que apresentam SIR do SNC é mau, com uma mortalidade de 23% aos 6 meses. Os resultados deste estudo estão representados no quadro 8. Quadro 8: Causa de deterioração neurológica em pacientes HIV+ no ano que seguiu à introdução de TARV (n=75) 82 Capítulo 3 Patologia do Sistema Nervoso Central Causada pelo Próprio HIV Além das infecções oportunistas, o próprio HIV pode causar doença do sistema nervoso central. O conjunto de alterações produzidas pelo HIV a nível do SNC são conhecidas como transtornos neurocognitivos associados ao HIV (HAND ou HIV Associated Neurocognitive Disorders, das siglas em Inglês). Estima-se que a metade dos pacientes infectados pelo HIV possam sofrer de HAND, embora as formas mais graves sejam muito menos comuns agora, em relação à era pré-TARV. A introdução de TARV pode deter ou até mesmo melhorar o estado neurocognitivo dos pacientes. Infelizmente, a maior parte do que se sabe sobre HAND é baseado em estudos realizados em países sem limitação de recursos, e não na África. Estes conteúdos serão aprofundados mais adiante nesta unidade. 83 Capítulo 3 Neuropatia Periférica A neuropatia periférica (NP) é um quadro clínico comum em pacientes infectados pelo HIV, quer estejam em TARV ou ainda não tenham iniciado. Os pacientes seropositivos e que ainda não recebem TARV estão em risco de desenvolver neuropatia periférica provocada pelo próprio HIV; os pacientes em TARV estão em risco tanto de apresentar neuropatia periférica associada ao HIV assim como induzida pela medicação. Veja a tabela abaixo, de Centner11 com a descrição da prevalência de neuropatia periférica em vários locais de estudo: Quadro 9: Prevalência de neuropatia periférica em diversas séries de pacientes HIV+ 84 Capítulo 3 Embora a neuropatia periférica causada pela estavudina não seja actualmente tão comum em Moçambique devido à eliminação progressiva deste medicamento que vem acontecendo desde 2014, a neuropatia periférica causada por outros medicamentos e pelo próprio HIV persistem e ainda são clinicamente importantes (vide os detalhes mais afrente nesta unidade). Diagnóstico Diferencial das Síndromes que Afectam o SNC no Paciente HIV+ O diagnóstico diferencial das síndromes que afectam o sistema nervoso central é muitas vezes orientado pela presença ou ausência de três tipos principais de sinais/ sintomas: • Aqueles que sugerem a meningite; • Os que sugerem lesão ocupante de espaço; • Aqueles que indicam declínio da função cognitiva. Contudo, para alguns casos as apresentações podem se sobrepor, apresentando características ou sinais/sintomas de diversas categorias no mesmo paciente. O Guião Nacional de TARV recomenda a seguinte avaliação quando se suspeita da existência de doença do SNC no paciente infectado pelo HIV: A seguir é apresentada uma breve revisão da história clínica e do exame neurológico traduzido de “Onde não há neurologista”.12 85 Capítulo 3 O Exame Neurológico “Acredite ou não, você provavelmente já deve ter examinado o sistema nervoso dos seus pacientes. Quando você diz “Olá” a um paciente, observa-o a entrar na sala e escuta-o a falar, neste momento você está examinando o funcionamento do sistema nervoso do paciente”. Geralmente não é necessário, e nem é possível, completar todo o exame neurológico aqui apresentado para cada paciente que entra na consulta. A seguir será apresentada a descrição do exame neurológico completo. Os clínicos podem fazer apenas as partes mais importantes do exame para cada paciente, com base na sua queixa. Uma das coisas mais valiosas que você pode oferecer como clínico com habilidades especiais em neurologia, é a realização de um bom exame neurológico e uma boa história. Quando um paciente tem um problema neurológico, o exame pode mudar e as suas primeiras observações são muito importantes. O registo dos achados do exame no processo clínico permitirá avaliar se a condição do paciente está a melhorar, piorar ou permanece estável. Isso pode ser importante para determinar se deve ou não enviar o paciente a um hospital de referência para avaliação e cuidados especializados. Nível de consciência A primeira parte do exame neurológico avalia o nível de consciência do paciente. Há muitas formas diferentes de descrever o nível de consciência. quadro 10: Avaliação do nível de consciência em pacientes HIV+ 86 Nível de Consciência Apresentação clínica Normal Adultos: Acordado, alerta, sabem quem eles são, porque estão a ser observados por um clínico e reconhecem os familiares. Se estiverem a dormir, eles devem acordar rapidamente ao som da sua voz ou com um toque suave, e não devem precisar de ser acordados várias vezes. Crianças: Acordada, alerta, olha ao seu redor, se assustada, podem se agarram à sua mãe. Se estiver a dormir, devem acordar de maneira bastante fácil. Letárgico Sonolento, exigindo algum esforço para despertá-lo. Se você deixa de estimulá-lo, pode voltar a dormir. Pode estar um pouco confuso. As crianças podem parecer irritadas e chorar muito quando estão letárgicas. Obnubilado Em sono profundo, só acorda com dor induzida por um aperto ou agitação vigorosa. Uma vez que a dor para, ela volta a dormir. Coma Sono profundo com pouca ou nenhuma resposta à dor ou à voz Capítulo 3 Quando um clínico descreve o nível de consciência dum paciente, deve usar frases que definem o estado e não apenas usar uma única palavra como “coma”. Os pacientes podem estar letárgicos devido à medicação, sobretudo se recebem analgésicos narcóticos. Os pacientes podem até parecer um pouco apáticos, se eles estiverem muito cansados e não tiverem dormido por algum tempo. Os pacientes obnubilados ou em coma, estão geralmente muito doentes e precisam de cuidados de emergência. Uma das formas de atribuir um valor numérico ao nível de consciência do paciente é através da Escala de Coma de Glasgow (GCS). A GCS pode ser um meio muito útil para comunicar rapidamente a condição dum doente, mas o valor numérico por si só não fornece informação suficiente. Registar o valor numérico da GCS junto com uma breve descrição “de como o paciente se apresenta” é a melhor forma de descrever e registar a informação relativa ao nível de consciência do mesmo. quadro 11: Escala de Coma de Glasgow Escala de Coma de Glascow Resposta motora l = nenhum movimento; os membros permanecem flácidos mesmo com estímulos dolorosos intensos 2 = Extensão do antebraço 3 = Flexão anormal dos antebraços 4 = Reflexo de retirada a estímulo doloroso 5 = localiza os estímulos dolorosos 6= obedece aos comandos simples Resposta ocular l = Não abre os olhos 2 = Abre os olhos em resposta a estímulo de dor 3 = Abre os olhos em resposta a um chamado 4 = Abre os olhos espontaneamente Resposta verbal l = Não emite sons 2 = Emite sons incompreensíveis 3 = Pronuncia palavras inapropriadas 4 = conversa, mas confuso e desorientado 5 = orientado e conversa normalmente Escala de coma de Glascow = (resposta motora) + (resposta verbal) + (resposta ocular) Passos seguintes: • Depois de observar o nível de consciência, preste atenção à forma como o paciente olha e fala. O seu discurso é claro? faz sentido? Observe quaisquer problemas com a fala. Se o paciente pode engolir e sorrir normalmente, mas não pode falar, ou o seu discurso é muito lento, pode ter afasia. • Para além disso, observe se existem movimentos estranhos. Será que ele se contorce? Será que ele geme ou tem tremores? Estes são aspectos importantes a considerar e serão discutidos em capítulos posteriores. 87 Capítulo 3 Um problema com a Escala de Coma de Glascow é que não é aplicável às crianças pequenas que ainda não falam. Para estas crianças a melhor escala a ser usada é a Escala de Coma de Blantyre. Quadro 12: Escala de Coma de Blantyre para crianças pequenas Resposta Descobertas Resposta motora Localiza os estímulos dolorosos 2 Retira o membro a estímulos dolorosos 1 Sem resposta ou resposta inadequada 0 Grita de forma adequada com estímulos dolorosos, ou, se verbal, fala 2 Geme ou chorar de forma anormal a estímulos dolorosos 1 Sem resposta verbal a estímulos dolorosos 0 Observa ou acompanha 1 Falha ao observar ou acompanha 0 Resposta verbal Resposta ocular Pontuação Escala de Coma de Blantyre = (resposta motora) + (resposta motora verbal) + (resposta ocular) Nervos Cranianos Os nervos cranianos são os nervos que saem do cérebro para a cabeça, face e pescoço. Existem 12 nervos cranianos. Ás vezes, apenas um nervo tem problemas e outras vezes, muitos nervos cranianos podem estar afectados ao mesmo tempo. A patologia que afecta os nervos cranianos muitas vezes causa anomalias em apenas a metade da cabeça ou face. Quadro 13: Exame dos Nervos Cranianos Nervo Craniano Como testar o nervo Se o nervo estiver afectado ou danificado 1 (primeiro) Para o nariz nervo olfactivo O paciente sente o cheiro de ervas fortes? O paciente não pode sentir o cheiro de nada e não é capaz de saborear a comida. 2 (segundo) Para os olhos Nervo Óptico O paciente consegue contar os seus dedos e dizer quantos dedos você está amostrar? Paciente perde a visão em um ou ambos os olhos sem catarata ou lesão. Continua >> 88 Capítulo 3 >> Continua Quadro 13 Nervo Craniano Como testar o nervo Se o nervo estiver afectado ou danificado 3 (terceiro), 4 (quarto), e 6 (sexto) 3(terceiro) Nervo Oculomotor 4(quarto) Nervo Troclear 6(sexto) Nervo abducente O clínico deve pesquisar se: o paciente consegue abrir os olhos, olhar para cima e para baixo e para cada lado? queixa de visão dupla? As pupilas são do mesmo tamanho? Os pacientes podem ter uma pálpebra caída ou uma pupila grande que não fica menor, ainda que você projecte uma luz no olho. Se uma pupila for maior do que a outra, um dos olhos pode ter um nervo lesionado. Os pacientes podem queixar-se de visão dupla. 5 (quinto) Para a face (sensibilidade) 5- Nervo Trigémeo Toque no rosto do paciente levemente com pano macio de cada lado. 7- Nervo Facial (para a face, motor) Peça ao paciente para fechar os olhos. 8 (oitavo) Nervo Vestíbulo coclear Avalie a audição e o equilíbrio do paciente As lesões do oitavo nervo não são susceptíveis de causar problemas de audição, já que temos dupla inervação (2 ouvidos!), mas podem se manifestar com náuseas, vómitos e vertigem 9 (nono) e 10 (décimo) Para a parte posterior da boca e garganta 9 - Nervo Glossofaríngeo 10 - Nervo Vago Peça ao paciente para abrir a boca e dizer: "AAAHHH. Observe o palato. Deve subir em ambos os lados. Se o clínico tiver uma espátula ou um zaragatoa, pode tocar levemente na parte posterior da garganta do paciente. Isto deve provocar arcadas ou náuseas. Observe o paciente a beber um gole de água. O paciente pode engasgar ao beber água. O seu palato pode subir apenas num lado. Eles podem não sentir náuseas ou arcadas aotocar na parte posterior da garganta. 11 (décimo-primeiro) Para os ombros 1 1 - Nervo Acessório Peça ao paciente para encolher os seus ombros. Um ombro pode apresentar fraqueza 12 (décimo-segundo) – Para a língua 12 – Nervo hipoglosso Peça ao paciente para abrir a boca, mantendo a língua dentro. Examine enquanto a língua estiver dentro da boca. Peça ao paciente para tirar a sua língua para fora. A língua pode estar fraca e caída para um lado. Procedimento para o diagnóstico: projecte uma luz no olho do paciente e verifique se as pupilas reagem à iluminação, ficando mais pequenas Ele consegue sentir o toque suave em ambos os lados? Peça ao paciente para sorrir. Peça-lhe para levantar as suas sobrancelhas como se eles estivessem surpreendidos por algo. Se a visão dupla for causada por um problema dos nervos cranianos, ficará melhor quando você cobrir um dos olhos !! Às vezes você pode notar que um olho não está se movendo muito bem. Isto pode ser um problema dos nervos cranianos 3,4 e/ou 6. Os pacientes podem ter dormência de um lado da face, talvez apenas em uma pequena área. Às vezes, os pacientes podem ter dores fortes na face, sem qualquer outro problema. O paciente pode ter um lado da face fraca. Ele pode não ser capaz de sorrir de um lado ou fechar um olho. Ele pode babar num lado da boca. A sobrancelha também está fraca Nota: devido ao facto de os nervos cranianos estarem juntos, muitas vezes se lesionam juntos. * Se o clínico suspeita da existência de um problema num nervo craniano de qualquer tipo, é muito importante examinar todos os nervos cranianos!! 89 Capítulo 3 Teste de força (Teste Motor) Muitas pessoas se queixam de fraqueza. Os problemas neurológicos motores geralmente causam fraqueza apenas num dos lados do corpo ou em ambas as pernas. A fraqueza corporal generalizada quase nunca é um problema neurológico e pode ser causada por infecções sistémicas ou generalizadas ou por depressão. A maioria das pessoas com febre sente-se fraca. É importante certificar se alguém tem fraqueza focal, isto é, fraqueza numa das partes do corpo, ao invés de generalizada. Para cada tipo de fraqueza atribui-se diferente designação: • Monoparesia: fraqueza limitada a um único braço ou perna. • Hemiparesia: fraqueza num dos lados do corpo, o braço e a perna desse lado estão fracas. Por vezes, um dos lados da face pode também estar fraca. • Paraparesia: fraqueza de ambas as pernas. A hemiparesia e paraparesia são sinais de um problema neurológico e precisam ser examinados com cuidado. Paresia refere-se à fraqueza, mas se um paciente é totalmente incapaz de mover uma parte do corpo estamos perante de um caso de plegia. Quando um paciente tem plegia, pode ter também hemiplegia ou paraplegia. Para testar a força do braço, peça ao paciente para estender os seus braços e verifique se qualquer um dos braços não pode ser mantido no ar. O melhor teste para a força das pernas é pedir ao paciente para caminhar. Se o paciente pode andar, peça-lhe para se levantar e ficar com as pontas dos seus dedos e depois sobre os calcanhares. Em seguida, peça-lhe para ficar de cócoras. Se paciente pode fazer estes movimentos, provavelmente não esteja muito fraco. Às vezes não há fraqueza, mas os pacientes têm dor que os impede de andar ou de ficar de cócoras. Nestes pacientes, pode ser difícil testar a força. Se o paciente queixa-se de fraqueza em ambas as pernas, certifique-se e pergunte se tem alguma dificuldade para urinar ou defecar. Tom Muscular Para verificar os reflexos/tom muscular num paciente é necessário um martelo de reflexos, mas o clínico pode verificar o tom muscular do paciente simplesmente movendo passivamente os seus braços e pernas. Para pacientes conscientes, peçalhes para que fiquem relaxados antes de examinar o tom muscular. Faça um teste de comparação verificando o tom muscular dos seus colegas e pacientes sem problemas neurológicos ou queixas para ter uma ideia do que é “normal”. Em lesões agudas do SNC, o tom muscular muitas vezes diminuiu. As lesões ou problemas crónicos são mais propensos a estar associados com o aumento do tom muscular (hipertonia). 90 Capítulo 3 Teste Sensorial A maioria dos pacientes com alteração da sensibilidade irá se queixar de dormência ou dor, mas se se queixam de fraqueza, é importante perguntar sobre a existência de dormência ou dor. Pode-se testar a sensibilidade com um pedaço de pano macio e uma vara afiada ou agulha. Sinais de Inflamação no Cérebro Um dos sinais de inflamação no cérebro que os clínicos devem ser capazes de reconhecer é o meningismo. O meningismo é a rigidez e dor no pescoço devido à inflamação das meninges. As meninges são o revestimento espesso ao longo do cérebro e da medula espinal. As meninges são importantes porque ajudam a proteger o cérebro das lesões, mas elas também podem apresentar infecção/ inflamação vulgarmente conhecida comomeningite. Para verificar se há meningismo, você deve examinar o paciente deitado. Tente fazer com que o paciente relaxe e, em seguida, delicadamente flexione o pescoço, colocando a cabeça para a frente para fazer com que o queixo toque o peito. Se o paciente tiver meningismo, ele vai sentir dor intensa ao realizar esta manobra, e poderá gritar ou arquear as costas. Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos Nesta secção será abordado o diagnóstico diferencial da meningite. Em geral, devese suspeitar da existência de meningite em todos os pacientes com febre, cefaleia e rigidez de nuca, acompanhado ou não de sinais focais. Note-se que a febre e os sinais meníngeos podem estar ausentes em certos casos de meningite, especialmente em pacientes gravemente imunodeprimidos. Nestes casos, a cefaleia pode ser o único sintoma clínico ou o mais importante. Causas mais Importantes de Meningite em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV Num estudo realizado no Zimbabwe, 326 pacientes infectados pelo HIV com sinais e sintomas sugestivos de meningite foram avaliados em 170 deles foi confirmado o diagnóstico de meningite. As causas da meningite foram as seguintes: • • • • • 91 Meningite por Cryptococco: 80 casos (47%); Meningite linfocitária ou asséptica, provavelmente viral: 43 (25%); Meningite Bacteriana: 25 (15%); Meningite tuberculosa: 21 (12%); Meningite de causa não identificada (1). Capítulo 3 Nos restantes pacientes, nos quais não foi confirmado o diagnóstico de meningite, foram encontradas as seguintes patologias: sépsis (31), pneumonia (32) e malária (11). As taxas de mortalidade intra-hospitalar para todos os tipos de meningite confirmada foram elevadas (39% para os casos de meningite por criptococo, 35% para os casos de meningite linfocitária, 70% nos casos de meningite bacteriana e tuberculosa).13 No estudo acima descrito 7% dos pacientes com meningite criptocócica, 7% com meningite bacteriana, e 5,3% com meningite tuberculosa também apresentavam défices neurológicos focais. Mais adiante nesta sessão, irá se abordar o conteúdo relativo a défices focais. O clínico deve saber que nestes casos não precisa procurar uma segunda causa que explique os sinais focais, a menos que o paciente não responda ao tratamento apropriado para a infecção para a qual esta sendo tratado. Um estudo realizado na África do Sul identificou as causas de meningite clínica em 41 adultos infectados pelo HIV. As causas mais comuns foram meningite tuberculosa/tuberculoma (11 casos; [27%]), meningite asséptica (9 [22%]), meningite criptocócica (8 [20%]), meningite meningocócica (4 [10%]) e complexo de demência do SIDA (4 [10%]).14 Note-se que a importância da meningite criptocócica pode ter sido subestimada nos estudos citados acima (vide os detalhes mais afrente ainda nesta unidade). quadro 14: Resumo das prevalências de diversas causas de Meningite nos estudos apresentados (Zimbabwe e RSA) Zimbabwe13 RSA14 Cripotococose 47% 20% Meningite bacteriana 15% 10% Meningite viral 25% 22% Meningite TB 12% 27% Em suma, as principais contribuições históricas para a síndrome meníngea em pacientes HIV + são a meningite bacteriana, a meningite viral, a meningite criptocócica e a meningite tuberculosa. Como distingui-lás? As três principais causas tratáveis de meningite no contexto moçambicano são, meningite bacteriana, meningite criptocócica e meningite tuberculosa. A seguir vai-se enfatizar a descrição da meningite criptocócica e tuberculosa; também mencionar-se-á a meningite bacteriana e, finalmente a meningite sifilítica, que é rara mas tratável. 92 Capítulo 3 Meningite Criptocócica Cryptococcus neoformans é um fungo que provoca infecções do sistema nervoso central, pulmões, pele e outros órgãos, apenas em pessoas imunocomprometidas. A meningite criptocócica é uma importante causa de morbilidade e mortalidade em pacientes Africanos com HIV/SIDA. Até os finais da década 90 (na era pré-TARV), pensava-se que fosse a causa de 17% de todas as mortes por SIDA segundo os resultados de um estudo realizado com uma coorte de 1.372 pacientes em Uganda, onde a taxa de incidência foi de 40,4 casos/1000 pessoas/ano de observação. Em média, o antígeno criptocócico (CrAg) apareceu no sangue 22 dias antes do início dos sintomas. A sobrevivência média após o diagnóstico de meningite criptocócica foi de apenas 26 dias.16 Na província de Gauteng, África do Sul, a doença por criptococo, predominantemente na forma de meningite, teve uma incidência de 14 casos/1000 pessoas/ano de observação num estudo realizado entre 2002 e 2004 e a mortalidade intra-hospitalar foi de 27%.17 A apresentação clínica da infecção por criptococo está descrita na tabela abaixo; a contagem média de CD4 neste estudo, na altura do diagnóstico foi de 37 cels/mm3. Observe que alguns pacientes também apresentavam défices neurológicos focais, e note que quase um em cada quatro teve também diagnóstico de tuberculose pulmonar. quadro 15: Sinais, sintomas e doenças concomitantes presentes em pacientes internados com diagnóstico de criptococose (vigilância epidemiológica, Gauteng, RSA, 2002-2004) 93 Capítulo 3 Alguns modelos matemáticos estimam que a infecção por criptococo seja a causa mais comum de morte em pacientes com HIV/SIDA na África subsaariana, causando mais de 500.000 mortes por ano portanto, uma causa ainda mais comum de morte que a tuberculose. A taxa de letalidade aos 90 dias na África Subsaariana é estimada em 70%.18 Infecção por Criptococo e SIR A infecção por criptococo é uma importante causa de SIR em pacientes que iniciam TARV.20 Um estudo realizado em Uganda demonstrou que 23% dos pacientes infectados pelo HIV, que foram positivos para o CrAg e com CD4 <100 cels/mm3 na altura do início do TARV morreu durante as primeiras 12 semanas de TARV; uma taxa de mortalidade 6,6 vezes superior à dos pacientes com CrAg negativo nessa mesma coorte.19 A doença causada por criptococo é pouco provável quando os valores de CD4 estão acima de 100 cels/mm3. Por isso, a OMS recomenda a testagem com CrAg no sangue em todos os pacientes infectados pelo HIV com CD4 ≤100 cels/mm3. Naqueles com resultado positivo deve ser iniciado o tratamento com fluconazol para prevenir o desenvolvimento de meningite criptocócica. Outros cientistas sugerem um limite superior de CD4 para realizar despiste com CrAg(vide mais informação adiante). No entanto, além do estudo da Uganda mencionado acima, há alguns outros estudos sobre a prevalência do CrAg no momento do diagnóstico do HIV na África Subsaariana. Num estudo realizado na Tanzânia, 3,6% de 801 pacientes virgens de tratamento e com CD4 <150 cels/mm3 teve CrAg positivo em amostras de plasma, (6,1% com CD4 ≤ 50, 2,3% 50-100, 2,0% 101-150). Durante o ano subsequente, foi diagnosticada meningite criptocócica em 34% dos pacientes que tinham CrAg positivo; 72,4% deles morreu, contra 47,2% dos pacientes com CrAg negativo. Na análise multivariada, foram definidos os seguintes riscos (Odd ratio): • • • OR de morte para CrAg positivo: 3,2; OR de morte para CD4 <100 cels/mm3: 1.6; OR de morte para o grupo que não recebeu TARV: 7.7. Entre os pacientes CrAg+, a profilaxia com fluconazol diminuiu a mortalidade. Não houve mortes em doentes que receberam 800 mg de fluconazol por dia. Ao contrário, mais de 80% daqueles que não receberam qualquer profilaxia morreu.21 94 Capítulo 3 • Um estudo realizado em Durban, África do Sul, entre 2011 e 2013, rastreou 773 pacientes recentemente diagnosticados de infecção por HIV com teste CrAg na urina. 10,1% teve resultado positivo para CrAg, e não houve diferença estatisticamente significativa entre os pacientes com valores de CD4 ≤ 100 (8,7%) e aqueles com CD4 mais elevado (9,9%).22 Os autores deste estudo propunham a testagem com CrAg na urina de forma rotineira em todos os pacientes HIV+ que ficam internados na enfermaria. O diagnóstico da meningite criptocócica é feito através da análise de liquor obtido a partir de punção lombar, com confirmação laboratorial de CrAg, de tinta da China positiva ou através de cultura. A pressão alta de saída do LCR na punção lombar também apoia no diagnóstico de meningite criptocócica. Quando a punção lombar não pode ser efectuada, por vezes, o diagnóstico é feito com base nos sintomas típicos e teste CrAg positivo no sangue.23 Os sinais e sintomas típicos de meningite por criptococo são: • • • • Cefaleia; Febre; Perturbação visual ou estado mental alterado (mais tarde); As vezes meningismo, edema da papila, paralisia dos nervos cranianos (6º par, mostrando o aumento da pressão intracraniana) e diminuição do nível de consciência. Tratamento O tratamento padrão para a meningite criptocócica é a anfotericina B associada a flucitosina. Estes medicamentos eliminam o criptococo do sistema nervoso central mais rápido do que outros antifúngicos. Com o uso de Anfotericina a taxa de mortalidade foi de menos de 10% nalgumas séries em países sem limitação de recursos.23 No entanto, esses medicamentos só devem ser manuseados por profissionais preparados e em locais onde exista capacidade laboratorial e clínica para monitorar de forma rigorosa os pacientes. O acompanhamento ideal inclui a avaliação periódica de hemoglobina, eletrólitos, magnésio, cálcio, e níveis de creatinina durante o tratamento. Nos pacientes que se apresentam com um quadro avançado e com pressão intracraniana muito elevada (pressão de saída do LCR elevada) o tratamento é acompanhado por punções lombares frequentes para reduzir a pressão intracraniana. Esta prática é importante porque a hipertensão intracraniana condiciona o prognóstico. As directrizes moçambicanas para o uso seguro de anfotericina e flucitosina, e para a punção lombar terapêutica, estão descritos a seguir24: 95 Capítulo 3 quadro 16: Pacote mínimo para a prevenção da toxidade por anfotericina B, Monitoria e Manejo Muitas vezes, a anfotericina e a flucitosina não estão disponíveis em locais com recursos limitados e assim, o fluconazol em doses elevadas é a opção alternativa. No entanto, um estudo em Malawi observou uma taxa de mortalidade inaceitavelmente elevada com monoterapia com fluconazol (800 mg/dia) (mortalidade de 43% às 4 semanas; 58% óbitos ou falência ao tratamento às 10 semanas).25 96 Capítulo 3 As directrizes moçambicanas para o diagnóstico e tratamento da meningite criptocócica são dadas abaixo, a partir do Guião Nacional de TARV24: 97 Capítulo 3 A meningite criptocócica é uma infecção que define estadio 4 da classificação da OMS pelo que todos os pacientes devem iniciar o TARV. No entanto, o início do TARV não deve ser imediato. As recomendações moçambicanas actuais são: Moçambique aconselha adiar o início do TARV entre 4-6 semanas após o início do tratamento da meningite criptocócica, para diminuir o risco de aparecimento de SIR do SNC.24 A OMS faz a mesma recomendação: 98 Capítulo 3 Um estudo recente26 com pacientes infectados pelo HIV e com meningite criptocócica em Uganda e na África do Sul reportou que a mortalidade era muito maior em pacientes que iniciaram o TARV de forma precoce: 45% dos pacientes que iniciou o TARV entre 1 e 2 semanas após o diagnóstico de meningite criptocócica morreu. A mortalidade no grupo dos que adiavam o início até pelo menos 5 semanas após o diagnóstico da meningite criptocócica foi de 30%. Veja as curvas de sobrevivência reproduzidas abaixo: quadro 17 : Probabilidade cumulativa de sobrevivência consoante ao tempo até a introdução de TARV 99 Capítulo 3 Profilaxia Secundária para Meningite Criptocócica Depois de finalizar o tratamento para meningite criptocócica, a profilaxia com fluconazol deve ser iniciada para evitar a recorrência. As directrizes moçambicanas para a profilaxia da infecção por criptococo são descritas a seguir.24 Note a diferença entre a profilaxia primária e secundária: • A profilaxia primária evita o desenvolvimento de meningite criptocócica em pacientes que nunca apresentaram infecção sintomática por criptococo mas que têm um teste positivo CrAg no plasma. • A profilaxia secundária impede a recorrência da meningite criptocócica num paciente que já tratou esta patologia. A seguir apresentam-se as recomendações actuais da OMS e de Moçambique, relativas à testagem com CrAg e ao uso da profilaxia primaria.27 100 Capítulo 3 Profilaxia primária para meningite criptocócica em Moçambique24 Neste momento Moçambique esta iniciando o piloto da profilaxia primária para meningite criptocócica em 3 províncias. Em 2015 esta profilaxia será implementada a nível nacional. quadro 18: Critérios de elegibilidade para a profilaxia de meningite criptocócica e manejo Infecção Critérios De Elegibilidade Meningite criptocócica Doente HIV+ adulto (> 15 anos) excluídas as grávidas, com contagem de CD4 ≤ 100cels/mm3 e com resultado do teste de antígeno para criptococo em soro positivo (CrAg +) Profilaxia Profilaxia da meningite criptocócica: • Fase de indução com Fluconazol 800 mg/dia durante 2 semanas • Fase de consolidação com Fluconazol 400mg/dia durante 8 semanas • Fase de manutenção com Fluconazol 200 mg/dia até atingir CD4 > 200 cel/mm3 por, pelo menos 6 meses (2 medidas consecutivas). Meningite tuberculosa28 As formas extrapulmonares e disseminadas de TB são mais comuns nos pacientes HIV+. Num estudo publicado na era pré-TARV, 10% dos pacientes com coinfecção TB/HIV tinham TB meníngea. Neste mesmo estudo 2% dos pacientes seronegativos com TB apresentava TB meníngea.29 O reconhecimento da TB do SNC em pacientes HIV+ é um grande desafio, particularmente naqueles pacientes com imunodepressão avançada, devido ao elevado risco que estes pacientes têm de apresentar outras condições oportunistas do SNC que se assemelham à TB ou mesmo que se apresentam em simultâneo. Apresentação Clínica da TB do SNC A forma mais comum de TB no SNC é a TB meníngea. No adulto, a história natural da TB do sistema nervoso central tem 3 fases, sem o concurso do tratamento específico: • Fase prodrómica: os sintomas são inespecíficos (febre, anorexia, perda de peso, mal-estar) ao longo de 1 a 3 semanas. • Fase meníngea: cefaleia, náuseas, vómitos, confusão mental e paralisia de pares cranianos. Muitas vezes os sinais meníngeos estão ausentes nesta fase • Fase paralítica: hemiplegia, paraplegia, convulsões, coma. Sem tratamento a morte acontece geralmente em 6 a 8 semanas após o início do quadro. 101 Capítulo 3 Diagnóstico da Meningite Tuberculosa em Pacientes com HIV A presença de infecção por HIV não altera a apresentação da meningite tuberculosa. Contudo, o principal desafio do diagnóstico da TB meníngea nos pacientes com HIV e que apresentam imunodepressão avançada, é o número elevado de outras condições oportunistas, incluindo infecções e tumores, que estes pacientes podem também apresentar. O diagnóstico diferencial nestes casos inclui a infecção por criptococo, a meningite bacteriana parcialmente tratada, as meningo-encefalites virais (CMV, herpes), a neurossífilis e os tumores com extensão meníngea (carcinomatose meníngea). Nos pacientes com CD4 baixos, estas entidades podem se apresentar em simultâneo com a TB meníngea, complicando ainda mais o diagnóstico destes casos. Apesar da maioria das vezes a TB do SNC apresentar-se como uma síndrome meníngea, nos casos de diagnóstico tardio ou mais avançados, a TB meníngea pode cursar com sinais focais (fase paralítica). Por último, a TB do SNC pode-se apresentar como um quadro que cursa desde o início com sinais/sintomas focais (vide mais informação adiante). O diagnóstico é um desafio, devido ao quadro clínico inespecífico nos primeiros momentos da doença e também à baixa sensibilidade dos testes diagnósticos disponíveis. É necessário um elevado índice de suspeita e nesse caso o tratamento empírico deve ser iniciado sem demora, mesmo quando os resultados dos testes não confirmam a suspeita. A análise do LCR obtido a partir de punção lombar mostra geralmente um aumento dos leucócitos com predomínio dos linfócitos; elevação das proteínas (100-500 mg/ dl) e diminuição dos níveis de glicose (com um ratio glicose LCR:glicose plasma <0.5). A pressão de saída do liquor é frequentemente elevada. Todas estas alterações podem não estar presentes em pacientes com HIV e particularmente naqueles com contagens de CD4 menores. A baciloscopia da amostra de LCR deve sempre ser solicitada, contudo a sensibilidade é muito baixa nos casos de TB meníngea (10-20%). Em alguns estudos que utilizaram amostras centrifugadas de LCR para realizar a baciloscopia30 a sensibilidade foi maior. A cultura da amostra de LCR é o teste padrão mundial, mas em Moçambique está disponível apenas em alguns hospitais de referência. A demora dos resultados (semanas a vários meses) torna inviável o uso deste teste para fins de diagnóstico e de tomada de conduta. Finalmente, os testes que detectam material genético do bacilo da tuberculose através de técnicas moleculares (PCR) são bons instrumentos diagnósticos. Em particular, o teste Xpert MTB/RIF® (mais conhecido como GeneXpert) é um teste 102 Capítulo 3 rápido baseado em técnicas de PCR que esta validado para o diagnóstico de TB em amostras de escarro. Alguns estudos recentes mostram uma elevada sensibilidade do teste GeneXpert em amostras de LCR quando comparado com a baciloscopia (62% versus 12%; p= 0.001), particularmente quando se utilizam amostras centrifugadas de LCR.31,32 Por tanto, este teste poderá ajudar no diagnóstico da TB meníngea no futuro. São necessários mais estudos para a validação do teste GeneXpert em amostras diferentes do escarro. O clínico deve lembrar-se de procurar evidência de TB pulmonar em todos os pacientes com suspeita de meningite tuberculosa. Se a TB pulmonar for confirmada através da baciloscopia do escarro (ou alternativamente através do teste GeneXpert), e não for encontrada evidencia de outra causa de meningite, pode ser razoável assumir que o quadro neurológico é devido à TB, e tratar apenas esta patologia. Contudo, não devemos esquecer que o criptococo, assim como outras causas de meningite podem ocorrer em simultâneo com a TB pulmonar no mesmo paciente, de modo que a confirmação da TB pulmonar não deve ser uma desculpa para a não realização de uma punção lombar num paciente com sinais e sintomas neurológicos. Uma vez obtido o LCR através da punção lombar deverão ser solicitados todos os seguintes testes: análise citobioquímico da amostra, coloração de Gram, RPR, CrAg ou alternativamente teste de tinta-da-China e culturas. Tratamento da Meningite Tuberculosa Nos pacientes adultos, o protocolo nacional em Moçambique aconselha o tratamento da TB meníngea com Isoniazida, Rifampicina, Pirazinamida e Etambutol durante 2 meses (fase intensiva) para continuar com 7 meses de tratamento com Isoniazida e Rifampicina, totalizando 9 meses de tratamento.24 Nas crianças, o tratamento segundo o protocolo nacional é de 12 meses (2 meses com 4DFC e 10 meses com HR). Com base nos resultados de alguns estudos, os quais mostram uma redução da mortalidade observada com o uso de corticóides associados ao tratamento para tuberculose em pacientes HIV negativos com meningite tuberculosa, aconselha-se o seu uso também nos pacientes HIV+ com TB meníngea: prednisolona 1 mg/Kg/ dia em adultos e 2 mg/Kg/dia em crianças, com desmame progressivo. Introdução do TARV em Pacientes com TB Meníngea A introdução do TARV em pacientes co-infectados com TB meníngea e HIV deve ser precoce (entre 2 e 8 semanas após a introdução do tratamento específico). Diversos estudos mostram que inícios mais precoces (antes de 2 semanas) do TARV estão associados com um aumento da mortalidade relacionada com a síndrome de imuno-reconstituição.33 103 Capítulo 3 Resultados do Tratamento da Meningite Tuberculosa Em geral, o prognóstico é pior em pacientes com HIV. O prognóstico da tuberculose do sistema nervoso central depende de vários factores. Todos os seguintes são factores de mau prognóstico: • Pacientes com Score de Glasgow inferior a 10 ao diagnóstico; • Contagem de CD4 baixa; • TB resistente aos medicamentos. A síndrome de imuno-reconstituição é frequente nos casos de TB meníngea, e geralmente apresenta-se nas 2 semanas que seguem à introdução do TARV. Outras Causas Diagnosticáveis e Tratáveis de Meningite Meningite Bacteriana A meningite bacteriana também ocorre em indivíduos HIV+. O diagnóstico e o tratamento devem ser já bem conhecidos pelos clínicos. Um estudo realizado no Malawi34 entre 2000 e 2012 observou que a meningite criptocócica era mais comum nos pacientes HIV+ do que todos os diferentes tipos de meningite bacteriana combinados, especialmente em adultos (veja a figura abaixo). Contudo, em indivíduos adultos, cerca de 30% dos casos de meningite foram causados por bactérias (este estudo não reportou a prevalência de meningite tuberculosa), e assim, é obrigatória a pesquisa através de testes como a coloração de GRAM do LCR. Este estudo foi realizado em pacientes hospitalizados com diagnóstico de meningite, sem ter em conta o seroestado dos pacientes. Contudo, em Malawi estima-se que 70% dos adultos hospitalizados esteja infectado pelo HIV. Na figura que segue, apresenta-se a distribuição das causas de meningite do estudo acima mencionado: Quadro 19: Proporção de casos de meningite com cultura positiva produzidos por criptococo, vs meningite bacteriana, estratificado por idade (Queen Elisabeth Central Hospital, Blantyre, Malawi 2000-2012) 104 Capítulo 3 Quando é diagnosticada atempadamente, a meningite bacteriana pode ser tratada com sucesso com os antibióticos preconizados nos protocolos existentes em Moçambique. Neurossífilis As complicações neurológicas da sífilis são mais comuns em pessoas infectadas pelo HIV do que em pacientes sem HIV e podem se apresentar como meningite (cefaleia, confusão, náuseas, vómitos, sinais meníngeos, paralisia de nervos cranianos). Contudo, a meningite sifilítica é uma forma de neurossífilis pouco frequente (estima-se que possa representar 6% dos casos de neurossífilis66). A meningite sifilítica tende a aparecer nos primeiros meses após a infecção por sífilis por vezes, enquanto o rash cutâneo da sífilis secundária ainda está presente. O teste de eleição para o diagnóstico de neurossífilis em Moçambique é RPR da amostra de LCR. A neurossífilis é tratada com penicilina parenteral (penicilina G 3-4 x 106 unidades IV de 4/4 horas, durante 10 a 14 dias).35 A neurossífilis deve ser considerada no diagnóstico diferencial da meningite porque é uma patologia diagnosticável e tratável e porque em Moçambique a sífilis e uma ITS prevalente. Malária Cerebral A malária cerebral pode ser confundida com meningite porque os pacientes podem apresentar febre acompanhada de alteração do nível de consciência e outros sinais neurológicos. A definição da OMS de malária cerebral36 não inclui a presença de meningismo, uma vez que este quadro não apresenta sinais de irritação meníngea (rigidez da nuca, fotofobia ou sinal Kernig). Porém, os pacientes com malária cerebral podem apresentar opistótonos, o que pode ser confundido com outros sinais de irritação meníngea. Tal como a meningite bacteriana não tratada, a malária cerebral é quase sempre fatal sem tratamento. Assim, a avaliação do paciente com febre e alteração do estado mental deve incluir o teste da malária e a punção lombar para descartar a presença de meningite. Mais adiante nesta sessão abordaremos à questão da malária cerebral. Diagnóstico das Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos em pacientes HIV+ É importante tentar determinar a causa mais provável de meningite por duas razões. Em primeiro lugar, o facto de não administrar o tratamento para a patologia que o paciente apresenta quase certamente irá resultar em morte ou grave incapacidade. Em segundo lugar, a confirmação de um diagnóstico específico poupa o paciente de terapias prolongadas com agentes desnecessários e possivelmente tóxicos utilizados para tratar doenças que o paciente, realmente não tem. 105 Capítulo 3 Vários grupos publicaram comparações entre as características clínicas e laboratoriais dos diferentes tipos de meningite, com o objectivo de tentar desenvolver regras e algoritmos para o diagnóstico clínico. Silber et al.14 reportaram as características de pacientes com 4 tipos diferentes de meningite na África do Sul (os resultados estão apresentados natabela abaixo): quadro 20: Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em pacientes com diferentes tipos de meningite (Siber et al.) 106 Capítulo 3 E, Cohen et al.38 criou uma tabela semelhante para uma série maior de casos: quadro 21: Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em pacientes com diferentes tipos de meningite (Cohen et al.) Note que os sinais e sintomas de diferentes causas da meningite se sobrepõem substancialmente. Até o momento, ninguém foi capaz de encontrar uma maneira confiável para confirmar a causa da meningite sem recurso aos testes de laboratório. Além da história clínica, do exame físico e do teste de malária, a punção lombar é imperativa,embora não haja nenhuma justificativa para realizá-la, onde não há capacidade de analisar o LCR na procura de tuberculose, criptococo, bactérias e sífilis. Uma vez realizada a punção lombar, há algumas características do liquor que podem por vezes ser sugestivas de uma certa etiologia. A meningite por criptococo geralmente apresenta uma pressão de saída do LCR muito elevada (por exemplo, mais de 200 mmH2O), embora a tuberculose e a meningite bacteriana possam também ter estas características (ver tabela de Cohen acima). A menigite criptocócica está associada com uma menor contagem de leucócitos no LCR em comparação com a meningite tuberculosa ou bacteriana. Por sua vez a meningite tuberculosa apresenta geralmente contagens de linfócitos maiores no LCR do que a meningite bacteriana. Entretanto, há uma sobreposição considerável destes parâmetros nas diversas patologias referidas acima, pelo que é necessário realizar testes diagnósticos específicos antes de descartar/confirmar qualquer destas causas. 107 Capítulo 3 A abordagem diagnóstica em Moçambique para determinar a causa da cefaleia intensa acompanhada de febre em pacientes com HIV (com ou sem sinais meníngeos) é apresentada a seguir, a partir do Guião Nacional de TARV: No algoritmo nacional sugere-se a testagem para malária e sífilis nos pacientes HIV+ que apresentam cefaleia intensa e persistente. quadro 22: Algoritmo Cefaleia intensa e persistente IMPORTANTE Este algoritmo deve ser aplicado em pacientes HIV+ com imunodepressão avançada e que apresentem cefaleia persistente ou que não responde ao tratamento habitual, uma vez excluídas as causas comuns de cefaleia. 108 Capítulo 3 Patologias que Cursam com Sinais Focais A patologia do SNC pode-se apresentar como um quadro que cursa com sinais focais. Todos os seguintes achados são considerados como sinais ou défices focais: • • • • • Paralisia dos nervos cranianos; Convulsões; Hemiparesia; Afasia e Paraparesia. As principais causas de sinais neurológicos focais em pacientes HIV+ são: • • • • • • • • Acidente vascular cerebral; Encefalite por Toxoplasma gondii; Tuberculoma do SNC; Linfoma primário do SNC; Leucoencefalopatia multifocal e progressiva (LEMP); Malária cerebral; Neurossífilis e Neurocisticercose. Cada uma delas exige uma abordagem diferente. Causas mais Importantes de Patologias que se Apresentam com Sinais Focais em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV Um estudo realizado em Blantyre, Malawi2, avaliou as causas de défice neurológico focal agudo (menos de 7 dias de evolução) em 2 grupos de indivíduos adultos (HIV positivo vs HIV negativo). A apresentação clínica foi a seguinte: • • • • Hemiparesia (92/98 pacientes); Paralisia facial (6/98); Afasia (49%) e Convulsões (16%). Estes sintomas estavam associados à presença de sinais meníngeos em 16% dos casos e de cefaleia em 51%. O acidente vascular cerebral isquémico foi o principal diagnóstico em ambos os grupos, também no grupo de pacientes infectado pelo HIV, representando mais da metade dos casos. No grupo de pacientes HIV+ as outras causas incluíram tuberculose do SNC, criptococose meníngea, toxoplasmose cerebral, neurocisticercose, abcesso cerebral e leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP). Veja a tabela, apresentada abaixo. 109 Capítulo 3 quadro 23: Comparativa, segundo o seroestado, sexo, idade, factores de risco, resultados de provas complementares e diagnostico final, em 98 pacientes com sinais focais de início recente (Blantyre, Malwi) 110 Capítulo 3 Um estudo realizado na África do Sul com pacientes infectados pelo HIV que apresentavam lesões ocupantes de espaço a nível cerebral observadas através de TAC, mostrou a seguinte distribuição das causas3: • • • • • • • Tuberculose (14); Toxoplasmose do SNC (4); Criptococose meníngea (1); Leucoencefalopatia multifocal progressiva (1); Neurossífilis (1); Linfoma (4) e Tuberculose e/ou toxoplasmose (1). Um segundo estudo Sul-Africano utilizou a biópsia cerebral para confirmar a causa das lesões intracranianas ocupantes de espaço em pacientes infectados pelo HIV. 93,5% desses pacientes apresentava défices neurológicos focais, e 45,5% teve convulsões. A toxoplasmose foi o diagnóstico mais comum (15/38 pacientes), seguido por encefalite (não especificada, 7 casos), abcesso cerebral (6), TB (4), Criptococose junto com toxoplasmose (2), infarto (1), e sem diagnóstico (3).40 Um estudo publicado em 2000, com pacientes sul-africanos infectados pelo HIV e que apresentavam convulsões, detectou lesões ocupantes de espaço em 53% dos pacientes (32 casos) e meningite em 22% deles. Nos 32 pacientes com lesões ocupantes de espaço, 53% tinha tuberculoma ou meningite tuberculosa, 3% teve toxoplasmose, 17% tinha neurocisticercose, 27% tinha várias causas ou outros achados incluindo sífilis, LEMP, linfoma e infartos.41 Na tabela seguinte estão apresentados os resultados dos 3 estudos descritos anteriormente, sobre as causas de lesões ocupantes de espaço em pacientes com HIV. Ainda que os resultados sejam por vezes contraditórios, pode-se observar que a Toxoplasmose e a TB do SNC são as principais causas tratáveis de lesões ocupantes de espaço no SNC em pacientes com HIV na nossa região, e geralmente se apresentam como quadro de sinais focais. quadro 24: Resultados das causas de Lesões ocupantes de espaço em pacientes com HIV. Resumo dos resultados de 3 estudo. RSA3 111 RSA40 RSA41 TB do SNC 56% 10% 53% Toxoplasmose 16% 39% 3% Linfoma 1º do SNC 16% Neurocisticercose 17% Outros 27% Capítulo 3 A importância relativa da toxoplasmose e da tuberculose do SNC, pode não ser a mesma em Moçambique (vide mais informação adiante nesta sessão). Note que a malária não aparece no diagnóstico diferencial dos estudos sul-africanos apresentados, em parte porque a malária cerebral não causa lesões ocupantes de espaço e também porque não é uma patologia frequente na África do Sul. Assim, há uma sobreposição entre a lista de doenças do SNC que se apresentam com sinais focais e aquelas que se apresentam com sinais meníngeos. Contudo, é pouco frequente que os quadros clínicos que mais habitualmente se apresentam com sinais focais nomeadamente, toxoplasmose do SNC, AVC, linfoma, neurocisticercose, cursem também com sinais meníngeos. Inversamente, e como foi explicado anteriormente, se um paciente com diagnóstico de meningite, por exemplo tuberculosa, apresentar também sinais focais, não significa necessariamente que tenha outra doença distinta, uma vez que o primeiro diagnóstico pode explicar também os sinais focais que o paciente apresenta. A seguir, são descritas algumas dessas doenças de forma mais detalhada, com ênfase na toxoplasmose do SNC, na tuberculose do SNC com sinais focais, na malária cerebral, na leucoencefalopatia multifocal e progressiva e no linfoma primário do SNC. Malária Cerebral A malária é mais frequente e mais grave em pacientes com HIV. Num estudo realizado na Beira, em pacientes com malária grave e que apresentavam sinais de malária cerebral, cerca de 75% deles (tanto adultos como crianças) estava infectado pelo HIV.43 Num outro estudo realizado no Hospital Central de Maputo, 13,0% dos pacientes com malária infectados pelo HIV morreu. A taxa de mortalidade por malária grave em pacientes sem HIV foi apenas de 1,7%.42 Apresentação Clínica da Malária Cerebral A malária cerebral se apresenta com coma.37 As outras manifestações neurológicas possíveis são descritas pela OMS37como se segue: “As convulsões e alterações na retina são comuns; a presença de papiledema é rara. Uma variedade de alterações transitórias do movimento dos olhos, especialmente o olhar descoordenado, tem sido descrita. É comum a presença de trismo e de bruxismo. A rigidez do pescoço pode estar presente, mas os verdadeiros sinais de irritação meníngea (sinal de Kernig, Brudzinski e fotofobia) estão ausentes. As alterações motoras, como as posições de descerebração e decorticação ocorrem. A hepatomegalia é comum e a esplenomegalia infrequente. Os reflexos abdominais estão, invariavelmente ausentes; este é um sinal útil para distinguir pacientes adultos histéricos com febre devido a outras causas, nos quais esses reflexos estão presentes. 112 Capítulo 3 A pressão de saída do LCR na punção lombar é geralmente normal (média de 160 mmH2O), mas está elevada em 20% dos casos; o LCR é geralmente claro, com menos de 10 leucócitos por ml; as proteínas podem estar ligeiramente elevadas. A TAC e Ressonância magnética podem mostrar edema cerebral, atribuível ao aumento do fluxo sanguíneo cerebral.” Em Moçambique, a malária deve ser descartada em todo paciente com sintomas neurológicos a saber, alteração do nível de consciência, febre com cefaleia e convulsões. Também recomenda-se testar para HIV a todos os pacientes adultos que se apresentam com um quadro de malária grave. Toxoplasmose Cerebral A infecção cerebral por Toxoplasma gondii é uma causa importante de afectação neurológica em pacientes com infecção avançada pelo HIV. A infecção primária por toxoplasma pode acontecer através do consumo de carne pouco cozinhada ou crua ou de leite não pasteurizado incluindo o leite de cabra. Também pode ser adquirida através do contacto próximo com animais infectados ou com as suas fezes. A toxoplasmose cerebral não ocorre na altura da infecção inicial, trata-se de uma reactivação da infecção adquirida anteriormente. Alguns estudos mostram a existência deste parasita em animais na região. Um estudo multicêntrico realizado em Zimbabwe e publicado em 2005, mostrou uma prevalência de anticorpos anti-T.gondii em 45-96% dos caprinos, dependendo da região, e em 10-80% das ovelhas.44 A exposição humana ao toxoplasma varia dependendo da região geográfica, mas parece ser comum em Moçambique, segundo os dados dos estudos apresentado a seguir: • Num estudo com mulheres grávidas em Maputo, 31,3% das mulheres infectadas pelo HIV apresentava evidências de infecção previa por toxoplasma (IgG antitoxoplasma positiva), contra 10,9% das não infectadas pelo HIV.45 • Um segundo estudo, também realizado em Maputo, revelou que 39,3% dos homens e 50,9% das mulheres infectados pelo HIV apresentava anticorpos IgG anti-T.gondii.46 Neste estudo, foi possível estabelecer uma associação entre o consumo de carne de gado, a criação de gatos/cães, o trabalho em contacto com o solo e a presença de anticorpos contra toxoplasma. A toxoplasmose do SNC é evitável, através da profilaxia com cotrimoxazol e do início atempado do TARV. A toxoplasmose do SNC ocorre geralmente em pacientes com contagens de CD4 ≤ 100 cels/mm3. O quadro clínico da toxoplasmose cerebral pode incluir febre, 113 Capítulo 3 cefaleia, confusão e défices neurológicos focais. O diagnóstico é baseado na existência de sinais e sintomas sugestivos junto à presença de lesões características nos exames de neuroimagem (TAC ou RNM). A presença de duas ou mais lesões ocupantes de espaço com efeito de massa e captação de contraste radiológico, em pacientes HIV+ com imunodepressão avançada, sugerem fortemente o diagnóstico de toxoplasmose cerebral. Contudo, e como foi mencionado acima, outras doenças podem se apresentar de maneira semelhante. O algoritmo moçambicano actual para a orientação diagnóstica dos casos de pacientes com cefaleia, acompanhada ou não de febre, é apresentado abaixo, a partir do Guião nacional de TARV.24 quadro 25: Cefaleia intensa e persistente IMPORTANTE: Este algoritmo deve ser aplicado em pacientes HIV+ com imunodepressão avançada e que apresentem cefaleia persistente ou que não responde ao tratamento habitual, uma vez excluídas as causas comuns de cefaleia. 114 Capítulo 3 O esquema de tratamento de primeira escolha é a associação de pirimetamina e sulfadiazina. Contudo, altas doses de cotrimoxazol podem ser igualmente eficazes e estão mais frequentemente disponíveis.48 Os regimes de tratamento especificados no Guião de TARV24 aparecem abaixo: Nos pacientes com toxoplasmose cerebral e que iniciam um tratamento adequado, espera-se que aconteça a resposta ao mesmo entre 7 e 10 dias após o início da terapia. Por isso, deve ser mantida a terapia no mínimo uma semana, antes de concluir se há resposta ao mesmo. O Guião de TARV desaconselha o uso sistemático de corticosteróides quando se trata empiricamente a Toxoplasmose do SNC. Da mesma forma que acontece com a criptococose meníngea, a toxoplasmose cerebral define estadio 4 da OMS (SIDA) e todos os pacientes devem iniciar o TARV. Ao contrário do que acontece com a criptococose, a SIR por Toxoplasmose é extremamente infrequente pelo que o TARV pode ser introduzido após a confirmação do diagnóstico através de prova terapêutica, provavelmente 2 semanas após a introdução do tratamento. 115 Capítulo 3 Tuberculose do SNC que se Apresenta com Sinais Focais28 Além da TB meníngea, outras formas de TB do SNC incluem o tuberculoma e o abcesso tuberculoso do SNC. Nestes casos o quadro clínico é secundário à existência de lesões ocupantes de espaço, sendo os sintomas uma combinação dos seguintes: cefaleia, convulsões, sinais focais, acompanhados ou não de febre e outras manifestações gerais de tuberculose, assim como sintomas derivados da presença de hidrocefalia secundária à obstrução mecânica da drenagem do LCR (sintomas de hipertensão intracraniana). Na África do Sul, devido à alta prevalência de tuberculose, e mesmo admitindo que a tuberculose do SNC se apresenta mais frequentemente como meningite, na ausência de técnicas de imagem cerebral (em caso de pacientes seropositivos com quadro neurológico com sinais focais), opta-se por tratar em simultâneo para TB do SNC e para toxoplasmose cerebral, segundo esta descrito no seguinte algoritmo: quadro 26: Manejo de pacientes HIV+ que se apresentam com sinais focais, na ausência de provas de neuroimagem (RSA) Em Moçambique, e perante um paciente com sinais neurológicos focais, o algoritmo nacional já apresentado anteriormente preconiza o tratamento para toxoplasmose em primeiro lugar, e o início do tratamento para a TB do SNC, somente se o tratamento da toxoplasmose falhar e nenhuma outra causa que explique os sintomas do paciente for encontrada. No entanto, alguns clínicos iniciam ambos os tratamentos em simultâneo. TB da Coluna Vertebral: Doença de Pott Lembre-se que a tuberculose pode também ocorrer na coluna vertebral ou na medula espinal, na forma de osteomielite, discite, abcesso, ou tuberculoma. McLain 116 Capítulo 3 et al.49 resumiram a apresentação clínica da tuberculose vertebral, conhecida como doença de Pott, da seguinte forma: “A maioria dos pacientes apresenta sintomas gerais como perda de peso, febre, etc. Estes sintomas associam-se a uma dor localizada nas costas, que pode ser leve ou intensa. Haverá geralmente aumento da sensibilidade à palpação ao nível da região da coluna afectada, e o movimento da área afectada pode exacerbar a dor. Se a doença estiver muito avançada, a deformidade das vértebras afectadas pode causar cifose. Os sintomas neurológicos da TB vertebral são os seguintes: os primeiros sintomas incluem dormência e formigueiro das extremidades inferiores, dormência ou formigueiro da parede torácica com distribuição radicular e sensação de fraqueza/paresia nos membros inferiores. Os défices neurológicos focais desenvolvem-se mais tarde e variam dependendo da localização do foco de tuberculose ao nível da coluna. Se a tuberculose afectar à coluna cervical, os pacientes podem desenvolver fraqueza, dor e dormência das quatro extremidades, com progressão final para tetraplegia. Se a tuberculose estiver confinada à região torácica ou lombar, não deve haver défices das extremidades superiores, mas sim paraparesia dos membros inferiores e pode evoluir para a paraplegia, hiperreflexia e sinal de Babinski positivo. O colapso de um ou vários corpos vertebrais pode desencadear dor radicular ou fraqueza localizada semelhante à produzida por uma hérnia discal. Se houver compressão da cauda equina, os pacientes podem ter diminuição ou ausência dos reflexos osteotendinosos, em vez de hiperreflexia. quadro 27: Sinais e achados laboratoriais em 284 pacientes com TB da coluna vertebral 117 Capítulo 3 Wang et al.50 descreveram os sinais e sintomas presentes em 284 pacientes com TB vertebral na China; a tabela resumo é apresentada abaixo: quadro 28: Proporção de casos de TB da coluna, distribuídos segundo o nível vertebral Wang et al.50 também publicaram um gráfico que mostra a distribuição da TB vertebral atendendo à frequência da localização da mesma: Numa revisão da literatura sobre a tuberculose espinal publicada por Pigrau et al. 51 observava-se que entre 2,3% e 65% dos pacientes com TB vertebral também tinha TB pulmonar concomitante, com as percentagens mais elevadas reportadas em séries onde a prevalência de HIV era mais alta. A confirmação da TB da coluna vertebral, geralmente, requer biópsia óssea. O tratamento pode necessitar de cirurgia para além de medicamentos anti-tuberculose, nos casos com comprometimento extenso ou afectação medular. Linfoma primário do SNC (LPSNC) Trata-se de um tipo de linfoma não Hodgkin que afecta o sistema nervoso central. Na era pré-TARV a incidência de LPSNC era de 2-6% nos pacientes com HIV nos EUA (Bartlett)52. Sua incidência reduz em cerca de 70% com a introdução do TARV (Biggar.)53, mas ainda é causa de morbilidade e mortalidade, sobretudo nos contextos onde o TARV é iniciado tardiamente. Os sinais e sintomas mais comuns do LPSNC são: confusão, cefaleia, perda de memória, afasia, hemiparesia com ou sem febre, todos estes podem ser progressivos, evoluindo ao longo de alguns meses52. O valor de CD4 é geralmente menor de 50 cels/mm3 no momento do diagnóstico52. O LPSNC pode ser clinicamente confundido com a toxoplasmose cerebral. O diagnóstico definitivo é feito a partir da biópsia cerebral. Na era préTARV, o prognóstico era mau, mesmo com acesso a quimioterapia e radioterapia, com uma sobrevivência média após o diagnóstico de cerca de 4 meses. Na era de TARV, a sobrevivência melhorou mas, os melhores regimes de quimioterapia para o LPSNC, não estão habitualmente disponíveis na África subsaariana. 118 Capítulo 3 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva causada pelo Vírus JC O vírus JC, é um vírus que infecta a indivíduos com e sem HIV. Na ausência de imunodepressão não é capaz de produzir patologia. Em pessoas com imunodepressão avançada pode causar uma condição conhecida como Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP). A LEMP é uma doença desmielinizante de curso progressivo e evolução fatal em poucos meses quando não é revertida a imunosupressão através da instauração do TARV. A nível microscópico pode-se observar a presença de inclusões virais no núcleo dos oligodendrócitos e astrócitos. As apresentações clínicas mais comuns consistem em alterações cognitivas e do nível de consciência e/ou défices neurológicos focais subagudos e progressivos: • • • • • Défice motor focal (50-70%); Distúrbios da marcha (30-65%); Alterações visuais (hemianopsia, cegueira cortical) (20-50%); Distúrbios da linguagem (20-50%); Disfunção cognitiva, perda de memória e demência (30-60%). O diagnóstico é por ressonância magnética do cérebro e a confirmação é através da biópsia. A LEMP não tem tratamento específico. Tal como para outros casos de infecções oportunistas, o melhor tratamento é a prevenção através do início atempado do TARV. A LEMP pode-se apresentar antes da introdução do TARV, mas também pode-se manifestar como síndrome reconstituição imune após a introdução do TARV. Diagnóstico dos Quadros que Cursam com Sinais Focais em Pacientes HIV+ Como determinar a causa dos défices neurológicos focais no paciente infectado pelo HIV? O algoritmo do Guião de TARV dado acima começa por “considerar a malária e outras causas comuns”. Outras causas comuns de défice neurológico focal em Moçambique podem ser o traumatismo craniano (com hemorragia intracraniana ou edema), o acidente vascular cerebral (procure história prévia de hipertensão), a neurocisticercose (5,8% de prevalência nacional de infecção por Taenia spp em crianças em idade escolar de Moçambique),.54 e a neurossífilis. Se os testes para malária forem negativos e os valores de CD4 forem ainda altos, é mais lógico pensar em causas não relacionadas com a infecção por HIV. Se os testes para malária forem positivos e a contagem de CD4 for baixa, lembre-se que a parasitemia assintomática de malária pode ocorrer simultaneamente com uma infecção oportunista; Neste caso deverá ser tratada a malária, mas o clínico deverá também considerar a possibilidade de existência de outras doenças oportunistas. Se 119 Capítulo 3 o teste da malária for negativo e os valores de CD4 forem baixos, as considerações mais importantes são a toxoplasmose cerebral, a tuberculose do SNC e o acidente vascular cerebral. O algoritmo do Guião Nacionalde TARV assume que a maioria dos clínicos não têm acesso aos testes de diagnóstico por imagem cerebral em Moçambique. No entanto, a RNM e a TAC já estão disponíveis em alguns locais do País. Trastornos Neurocognitivos e Sinais/sintomas Psiquiáticos em Pacientes HIV+ Todas as condições discutidas acima, nas secções sobre meningite e défices neurológicos focais, podem causar alterações no estado mental do paciente, e devem sempre ser consideradas no diagnóstico diferencial dos quadros que cursam com alterações cognitivas ou neuropsiquiátricas. No diagnóstico diferencial dos transtornos neurocognitivos em pacientes com HIV devem ser considerados 3 quadros nomeadamente, a doença neurológica causada pelo próprio HIV, a LEMP, e os sinais/sintomas neurológicos causados por reacções adversas a medicamentos. A LEMP já foi descrita na secção anterior. Transtornos Neurocognitivos Associados ao HIV (HAND) O termo HAND (do inglês HIV Associated Neurocognitive Disorders) agrupa todos os diversos graus de alterações cognitivas que acontecem em pacientes com HIV e que são directamente atribuíveis à infecção do SNC pelo próprio vírus. O HAND pode ocorrer mesmo nos pacientes estáveis e em TARV, e tem sido associado à idade avançada, longa evolução da infecção pelo HIV e baixo nadir de CD4. Esta patologia pode ser diagnosticada através dos chamados “critérios de Frascati” (Antinori).55 O HAND tem três subcategorias (veja a tabela abaixo, reproduzida a partir de Clifford)10: • Alterações assintomáticas neurocognitivas (ANI); • Desordem Cognitiva Leve (MCD) e ; • Demência Associada ao HIV (HAD). 120 Capítulo 3 quadro 29: Categorias de HAND segundo os critérios de Frascati A prevalência das alterações neurocognitivas é elevada entre pacientes com HIV, segundo alguns estudos realizados em outros contextos. Diferentes estudos mostram que a prevalência de demência associada ao HIV (HAD) tende a diminuir em relação à prevalência nos anos prévios à introdução de TARV. Um estudo realizado na Itália com 1,375 pacientes encontrou uma prevalência de HAND de 41,4%, O período do estudo compreendia os anos 1996-2010. Nesse período a prevalência desceu lentamente de 46.4% em 1996-1998 a 44,4% em 19992001, 39,4% em 2001-2004 y 38,2% em 2008-2009.64 Deve-se suspeitar HAND em pacientes que apresentam alterações em 1 ou vários dos seguintes domínios: Diminuição na velocidade de processamento, perda de memória, dimunição da capacidade de aprendizagem, da atenção/concentração, das funções executivas, da velocidade motora e psicomotora.65 A seguir é apresentada uma ferramenta simples desenvolvida em Uganda (Sacktor)56, para o despiste de demência associada ao HIV (HAD) ou de formas mais leves de deterioração neurocognitiva. Este teste pode ser um método prático e simples para o despiste deste problema em Moçambique, onde o encaminhamento para um psicólogo ou um neurologista treinado não é sempre possível. 121 Capítulo 3 quadro 30: Escala internacional de demência (IHDS) Memória (Retenção) Dizer quatro palavras para recordar (cão, chapéu, feijão, vermelho); Em seguida, pedir ao paciente para que repita todas as quatro palavras. Repita as palavras se o paciente não se lembrar de todas imediatamente. Explique ao paciente que você vai perguntar pelas palavras de novo, um pouco mais tarde. 1. Velocidade Motora Peça ao paciente que estale o mais rapidamente possível, os dois primeiros dedos da mão não dominante. Pontue segundo o resultado: 4 = 15 em 5 segundos 3 = 11-14 em 5 segundos 2 = 7-10 em 5 segundos 1 = 3-6 em 5 segundos 0 = 0-2 em 5 segundos 2. Velocidade Psicomotora Peça ao paciente que execute os seguintes movimentos com a mão não dominante o mais rapidamente possível: 1) ponha a mão em punho contra uma superfície plana; 2) Coloque a mão com a palma para baixo sobre uma superfície plana; 3) Coloque a mão em perpendicular sobre à superfície plana do lado do quinto dedo. Demonstre, e peça ao paciente que repita duas vezes, para praticar. Pontue segundo o resultado: 4 = 4 sequências em 10 segundos 3 = 3 sequências em 10 segundos 2 = 2 sequências em 10 segundos 1 = 1 sequências em 10 segundos 0 = incapaz de realizar 3. Memória (Evocação) Peça ao paciente para recordar as quatro palavras mencionadas no início do exercício. Caso o paciente não se lembre alguma/as das palavras, dê pistas semânticas da seguinte forma: animal (cão); peça de roupa (chapéu); vegetal (feijão); cor (vermelho). Pontue segundo o resultado: Dê um ponto para cada palavra lembrada espontaneamente. Dê 0,5 pontos para cada resposta correcta após a solicitação Máximo - 4 pontos Pontuação Total Escala Internacional de Demência: é a soma das pontuações nos itens 1-3. A pontuação máxima possível é de 12 pontos. Um paciente com uma pontuação ≤ 10 deve continuar a ser avaliado para pesquisar a existência de demência N. Sacktor et al Department of Neurology Johns Hopkins University Baltimore, Maryland 122 Capítulo 3 A existência de HAND pode ter um grande impacto negativo na adesão ao tratamento. Em caso de suspeita da existência de HAND, deve ser procurado apoio de um confidente/familiar para garantir a adesão ao TARV. Até o momento não há consenso sobre como tratar o HAND. Pensa-se que o aparecimento de HAND pode ser evitado com a supressão viral completa e atempada. Numa coorte de pacientes57, o declínio neurocognitivo foi mais rápido em pacientes que sempre tiveram carga viral (CV) detectável, em comparação com aqueles que tinham CV sistematicamente suprimida. Em Moçambique, quando um clínico se depara com um paciente no qual suspeita da existência de alterações neurocognitivas, aconselha-se que proceda da seguinte forma: • Certificar se o paciente recebe um esquema de TARV eficaz (carga viral suprimida); • Avaliar a adesão ao tratamento; • Procurar outras causas tratáveis que possam se apresentar com sinais ou sintomas neurocognitivos (neurossífilis, depressão, infecção por criptococo); • Se o paciente recebe TARV contendo Efavirenz, tentar saber se os sintomas apareceram depois da introdução deste medicamento (vide a seguir o desenvolvimento do conteúdo referente aos efeitos adversos dos medicamentos). Sinais e Sintomas Neurológicos Causados por Medicamentos O MARV (Medicamento Anti-Retroviral) que mais se associa com toxicidade do SNC é o Efavirenz (EFV). Numa revisão recente (Abers)58, a neurotoxicidade do EFV foi descrita e classificada como: 1. Efeitos iniciais; 2. Efeitos tardios. • Na fase inicial (primeiras 2 à 4 semanas após o início do EFV), os pacientes podem se queixar de tonturas, desmaios, problemas de sono, sonhos estranhos, nervosismo e irritabilidade. Na maioria dos pacientes, estes sintomas desaparecem entre 6 a 8 semanas, sem qualquer alteração no regime, embora possam persistir por períodos mais longos em outros pacientes. • Outros pacientes apresentam sintomas mais tardios (cerca de 6 meses após o início do EFV) e podem incluir cefaleia, alterações do humor (depressão), dificuldades de concentração e défices cognitivos. Os Efeitos adversos do EFV podem assemelhar-se aos trastornos neurocognitivos do HIV (HAND). A principal diferença é que os transtornos por EFV aparecem após a introdução do medicamento e melhoram rapidamente (2 semanas a 3 123 Capítulo 3 meses) após a suspensão do efavirenz.59 Outros MARVs podem também ser causa de efeitos adversos do SNC, ainda que muito menos frequente (Abers et al).58 Foram reportados quadros de mania e alucinações relacionados com a introdução de zidovudina, especialmente em altas doses, mas estes reportes têm sido raros. A emtricitabina tem sido associada pontualmente com a ocorrência de quadros de confusão, irritabilidade e insónia. Também estão descritos de forma pontual os quadros psiquiátricos tais como depressão, pesadelos, alucinações mania, ansiedade, psicose, ideação suicida, em pacientes que tomam abacavir, assim como quadros de alucinações, delírios, alterações do humor e problemas de sono após o início de terapia com nevirapina. A tabela de Abers58 abaixo,resume estes achados: quadro 31: Efeitos adversos neuro-psiquiátricos associados ao uso de MARVs Quando há suspeita de efeitos colaterais no SNC causados pelos MARVs, é importante confirmar que os sintomas não estavam presentes antes do início do TARV com o medicamento suspeito, e considerar outras possíveis causas dos sinais e sintomas, especialmente criptococose meníngea e outras infecções do sistema nervoso central. 124 Capítulo 3 A seguir apresenta-se a tabela que classifica os efeitos adversos neurológicos por Efavirenz (guião nacional de TARV)24: Neuropatia Periférica A neuropatia periférica é o quadro clínico que deriva da afectação dos nervos periféricos a nível dos membros superiores e inferiores. As principais causas de neuropatia periférica em pacientes com HIV são: • Neuropatia periférica por HIV; • Neuropatia periférica causada por medicamentos; • Neuropatia periférica associada a desnutrição/défices vitamínicos; • Neuropatia periférica de outras causas como insuficiência renal, diabetes, sífilis. Em todos os casos de neuropatia acima listados, o quadro clínico é semelhante. A distribuição clássica da neuropatia periférica é descrita como “em luva ou meia”, como se mostra na imagem seguinte61: A Neuropatia Periférica é bilateral, simétrica, e de predomínio sensitivo. Se um paciente apresenta queixa unilateral de formigueiro, dor de tipo neuropático, ou se o quadro associa sintomas motores (diminuição da força muscular), devese procurar outra causa que explique os sintomas. O único sinal objectivo e precoce de neuropatia é a diminuição ou abolição dos reflexos osteo-tendionosos (ROT). 125 quadro 32: Neuropatia periférica Capítulo 3 O diagnóstico de neuropatia periférica em outros contextos é feito a partir de testes funcionais como a electromiografia. Estes testes não estão disponíveis em Moçambique. Cettomai et al.62 concluíram recentemente que a neuropatia periférica pode ser identificada com sucesso a partir da seguinte pergunta: Tem formigueiro, dor de tipo queimadura ou diminuição da sensibilidade nos pés ou mãos? Como foi referido anteriormente, as causas de neuropatia periférica em pacientes infectados pelo HIV incluem: o próprio HIV (sobretudo se tiver baixos valores de CD4 < 200 cels/mm3), as reacções adversas a medicamentos (envolvendo MARVs ou Isoniazida), a deficiência de vitamina B, a diabetes, a doença da tiróide, a sífilis, a doença crónica do fígado ou dos rins (Gonzalez).61 O clínico que suspeitar de neuropatia periférica associada ao HIV ou produzida por fármacos deve também avaliar outras causas possíveis. Em muitas unidades sanitárias de Moçambique deve ser possível testar para sífilis, diabetes e doença hepática e renal. A neuropatia periférica causada pelo próprio HIV pode ser prevenida através do início atempado do TARV. Todos os pacientes com neuropatia periférica e HIV devem ser estadiados e avaliada a contagem de CD4. Se estes pacientes estiverem em TARV e chegar-se à conclusão de que a neuropatia é produzida pelo HIV, deve ser solicitado o teste de carga viral para confirmar ou descartar a suspeita de falência terapêutica. Deve-se suspeitar de reacção adversa aos medicamentos se os sintomas de neuropatia aparecerem ou piorarem após o início do d4T, outros INTR, IPs (especialmente ritonavir) ou Isoniazida. Os IPs podem potenciar o efeito tóxico dos INTR em relação à neuropatia periférica (Abers).58 Veja a tabela de Evans et al.63 em relação à incidência de neuropatia periférica produzida por diferentes ARVs: quadro 33: Incidência de neuropatia periférica ao longo do tempo e com diversos MARVs (d) 126 Capítulo 3 Veja a tabela abaixo do Guião nacional de TARV24, em relação à classificação e manejo da neuropatia periférica: A Isoniazida (INH) é também uma causa conhecida de neuropatia periférica. A INH deve ser administrada junto com piridoxina (vitamina B6) para prevenir o aparecimento de neuropatia por este medicamento. 127 Capítulo 3 Pontos-Chave da Sessão • Perante um paciente seropositivo que se apresenta com sinais neurológicos o clínico deve classificá-lo tendo em conta a presença de sinais focais ou de sinais meníngeos. • A realização de um exame de imagem (TAC ou RNM) é chave para o manejo correcto de doenças neurológicas, particularmente aquelas que se apresentam com sinais focais. • As doenças com sinais focais mais importantes são: a tuberculose do SNC, a toxoplasmose cerebral, a leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP), o linfoma primário do SNC (LPSNC). • Outras patologias que cursam com sinais focais a malária cerebral, a neurossífilis e a neurocisticercose. Estas últimas não são específicas dos pacientes seropositivos. • As doenças mais importantes que cursam com sinais meníngeos são: a meningite criptocócica, a meningite tuberculosa, a meningite bacteriana, a sífilis meníngea. • Devido à falta de recursos diagnósticos, o diagnóstico das doenças oportunistas do SNC nos locais com recursos limitados requer de um bom raciocínio clínico. • O tratamento correcto e atempado destas doenças pode melhorar o prognóstico, mesmo quando há poucos recursos diagnósticos. 128 Capítulo 3 Referências 1. Walker M, Kublin JG, Zunt JR. Parasitic central nervous system infections in immunocompromised hosts: malaria, microsporidiosis, leishmaniasis, and African trypanosomiasis. CID. 2006;42:115-125. 2. Kumwenda JJ, Mateyu G, Kampondeni S, van Dam AP, van Lieshout L, Zijlstra EE. Differential diagnosis of stroke in a setting of high HIV seroprevalence in Blantyre, Malawi. Stroke. 2005;36:960-964. 3. Smego RA, Orlovic D, Wadula J. 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New York: Oxford 1946 C apí tulo 4 Manifestações Cardiovasculares em Pacientes HIV+: Infecção por HIV e Risco Cardiovascular Índice Capítulo 4 Introdução...................................................................135 Conteúdos da Sessão...............................................136 Epidemiologia da Doença Cardíaca Isquémica e do AVC na População Geral..........137 Factores de Risco para a Doença Cardiovascular.................................................................137 Estudos sobre Factores de Risco Cardiovascular em Moçambique.........................139 Avaliação de Risco Cardiovascular: OMS..........142 Acidente Vascular Cerebral: Particularidades Epidemiológicas no Contexto Africano..................................................147 Contribuição da HTA para o Risco Cardiovascular na África Subsaariana........149 Risco Cardiovascular em População HIV Positiva..................................................................150 Estudos que Demonstram Aumento do Risco Cardiovascular em Pacientes HIV+........................................................151 Causas que Explicam o Aumento do Risco Cardiovascular em pacientes com HIV........................................................153 Escala de Risco Cardiovascular em Pacientes com HIV................................................156 Intervenções Destinadas a Reduzir o Risco Cardiovascular................................................156 Considerações.................................................................160 Outras doenças cardíacas nos pacientes infectados pelo HIV..............................161 Cardiomiopatia Associada ao HIV........................161 HIV e Pericardite..............................................................164 Pontos-Chave da Sessão.........................................166 Referências...................................................................167 Capítulo 4 4. Manifestações Cardiovasculares em Pacientes HIV+: Infecção por HIV e Risco Cardiovascular Introdução Historicamente, as doenças cardiovasculares não têm sido consideradas importantes na África Subsaariana. Neste contexto, a maior carga de doenças tem sido atribuída às doenças infecciosas e à desnutrição. A evidência mais recente sugere que o peso da doença cardiovascular na região tem sido subestimado. Os mapas abaixo (Reproduzidos da OMS 2013s1) atribuem a Moçambique uma das taxas mais elevadas de mortalidade por doença cardíaca (infarto de miocárdio) e por acidente vascular cerebral. MAPAS: Globalmente a doença cardiovascular é responsável por aproximadamente 17 milhões de mortes por ano (1). Destas, as complicações derivadas da hipertensão são responsáveis por 9,4 milhões de mortes no mundo a cada ano (2). A hipertensão é responsável por pelo menos 45% das mortes por doença cardíaca (a mortalidade global da doença isquémica do coração é mostrada na Figura 1.), e 51% das mortes por acidente vascular cerebral (mortalidade global do AVC é mostrada na figura. 2). (1) ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 135 Capítulo 4 Tanto os indivíduos seropositivos como os seronegativos, podem desenvolver cardiopatia isquémica ou acidente vascular cerebral (AVC), se tiverem factores de risco convencionais, como tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, obesidade, níveis elevados de colesterol ou sedentarismo. As pessoas infectadas pelo HIV apresentam um risco aumentado de cardiopatia isquémica ou AVC, por motivos que serão explicados ao longo desta sessão. Contudo, nas pessoas infectadas pelo HIV, a doença cardíaca directamente associada ao HIV, em particular a cardiomiopatia pelo HIV, é muito mais comum do que a doença isquémica do coração, como mostra a figura a seguir (a partir de Thienemannet al.,2 com base em dados do estudo Heart of Soweto3, na África do Sul): Conteúdos da Sessão Nesta sessão, serão discutidos ambos os factores de risco gerais e específicos associados ao HIV para a cardiopatia isquémica e acidente vascular cerebral em Moçambique, bem como o uso de escalas para avaliação do risco cardiovascular de modo a identificar às pessoas em maior risco de apresentar doença cardiovascular, e a partir desta avaliação, elaborar um plano de redução do risco. 136 Capítulo 4 Nesta sessão também serão discutidas as três grandes categorias clínicas de doença cardíaca no paciente com HIV, a saber: • Cardiopatia isquémica (doença isquémica do coração) que pode causar infarto do miocárdio (IM) ou angina instável; • Insuficiência cardíaca (que pode ser secundária à cardiopatia isquémica ou pode ter outras causas, particularmente o da cardiomiopatia por HIV) e • Pericardite tuberculosa. Todas as três categorias de doença cardíaca podem ser fatais. A epidemiologia, os factores de risco e o manejo das três categorias de doenças cardíacas são diferentes. Epidemiologia da Doença Cardíaca Isquémica e do AVC na População Geral A cardiopatia isquémica é a principal causa de morte na população geral nos países ocidentais. Na década de 1950, por exemplo, cerca de 1/3 de todos os homens nos Estados Unidos desenvolveu cardiopatia isquémica.4 A cardiopatia isquémica inclui a angina de peito e o infarto de miocárdio e deve ser considerada em qualquer paciente que se apresenta com dor torácica (em particular dor do lado esquerdo anterior no peito). Não serão revistos os sinais e sintomas relevantes desta patologia nesta sessão, pois já devem ser sobejamente conhecidos pelos clínicos. O infarto do miocárdio (IM) é uma das consequências mais graves da cardiopatia isquémica. A incidência de infarto do miocárdio não tem sido bem documentada em África no geral, (Hertz)5 nem em Moçambique em particular. Contudo, a OMS (2013)1 estima que Moçambique tenha uma das mais altas taxas de mortalidade cardiovascular no mundo (considerando o infarto de miocárdio e o acidente vascular cerebral) veja quadro 34. Factores de Risco para a Doença Cardiovascular Um estudo de caso e controle realizado em 52 países (“Interheart”, Yusuf 2004)6 que envolveu cerca de 30.000 indivíduos, incluindo moçambicanos, determinou os nove factores de risco, nomeadamente, tabagismo, diabetes, hipertensão, obesidade abdominal, stresse, dietas não saudáveis, exercício físico inadequado, consumo de álcool e níveis de apolipoproteína A/B elevados que contribuíram para mais de 90% dos casos de cardiopatia isquémica a nível global. (veja a tabela abaixo). Mais da metade de todos os infartos de miocárdio em todo o mundo esteve associado a apenas 3 destes factores de risco: tabagismo, diabetes e hipertensão (quadro 35). 137 Capítulo 4 QUADRO 34: Taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares em países de renda elevada e baixa QUADRO 35: Factores de risco associados com a ocorrência de infarto de miocárdio, em homens e mulheres após ajuste para idade, género e região geográfica 138 Capítulo 4 Uma sub-análise dos indivíduos africanos que participaram do estudo Interheart (Steyn)7, confirmou que o infarto de miocárdio em África esta associado aos mesmos factores de risco que em qualquer outro lugar, e que a hipertensão arterial foi o factor de risco mais importante em África (associado com 41,9% dos eventos). Veja abaixo a tabela que descreve as características dos pacientes africanos vs. os controles neste estudo. A infecção por HIV não foi uma variável considerada neste estudo (vide mais informação adiante nesta sessão). QUADRO 36: Factores de risco cardiovascular em pacientes africanos vs controles Comparison of CVD Risk Factor Profile Estudos sobre Factores de Risco Cardiovascular em Moçambique A prevalência de alguns factores de risco importantes para a cardiopatia isquémica tem sido documentada em Moçambique, embora a maioria dos dados existentes, tenha quase uma década. 139 Capítulo 4 Damasceno et al.8 reportaram os resultados de uma pesquisa nacional (realizada em 2005) sobre os factores de risco cardiovascular em mais de 3.000 moçambicanos. 33,1% foram identificados como tendo hipertensão, definida como pressão arterial ≥ 140/90 mmHg. Apenas 7,7% das pessoas com hipertensão identificadas neste estudo tinha sido tratada. Veja a figura abaixo: quadro 37: Prevalência, conhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial na população moçambicana com idades entre 25 e 64 anos. *O número de moçambicanos com hipertensão, consciente, tratada e controlada, foi estimado multiplicando os números da prevalência da população com idade entre 25 e 64 anos, projectada para 2005 A prevalência da hipertensão arterial observada em Moçambique foi semelhante à reportada em outros países africanos.9 Não tem sido fácil identificar estudos sobre a prevalência de hipertensão arterial em moçambicanos infectados pelo HIV, mas a hipertensão tem sido identificada como sendo comum em outros pacientes africanos infectados pelo HIV. Por exemplo, num estudo com mais de 5.000 ugandeses seropositivos, 27,9% foi diagnosticado como sendo hipertenso durante o período de seguimento. 140 Capítulo 4 Esta alta prevalência de hipertensão arterial foi semelhante à prevalência de hipertensão nos EUA e noutros países ocidentais considerados de alto risco. Neste estudo, a maioria tinha níveis normais de colesterol.10 Padrao et al.11 descreveram a prevalência de tabagismo na mesma amostra de pacientes moçambicanos da pesquisa de 2005. Eles descobriram uma disparidade urbana/rural muito elevada (veja quadro 38 abaixo), particularmente na população masculina: quadro 38: Prevalência de consumo de tabaco diário entre homens e mulheres de zonas rurais e urbanas segundo o grau de educação e idade 141 Capítulo 4 Avaliação de Risco Cardiovascular: OMS A OMS publicou directrizes padrão para determinar quais indivíduos estão em maior risco de cardiopatia isquémica e acidente vascular cerebral. Note que a OMS e outras entidades, avaliam o risco com base na probabilidade de sofrer um evento cardiovascular fatal ou não fatal nos próximos 10 anos. quadro 39: gráfico de predição de risco OMS /ISH, para uso em locais onde o colesterol no sangue pode ser medido. Risco aos 10 anos de apresentar um evento cardiovascular fatal ou não fatal por sexo, idade, pressão arterial sistólica, colesterol total no sangue, tabagismo e presença ou ausência de diabetes mellitus. 142 Capítulo 4 Segundo estas tabelas, um homem de 52 anos, não fumador, hipertenso (com TAS não controlada e valores de TA sistólica de 160 mmHg), diabético e com cifras de colesterol de 7.3 mmol/l, tem um risco de apresentar um evento cardiovascular nos próximos 10 anos, de 20 a 30%. Ou seja, entre 20 e 30% dos indivíduos com estas características, irão sofrer de infarto, AVC ou outros eventos cardiovasculares nos próximos 10 anos. Aqueles pacientes identificados como tendo um risco elevado com base na idade, sexo, pressão arterial, tabagismo e níveis de colesterol devem ser tratados de forma mais agressiva (ver recomendações abaixo sobre prevenção de risco cardiovascular da OMS 2007).12 quadro 40: Recomendações para a prevenção da doença cardiovascular em população com factores de risco cardiovascular 143 Capítulo 4 144 Capítulo 4 145 Capítulo 4 É difícil aplicar a escala de risco da OMS em locais onde a avaliação dos níveis de colesterol não está disponível de forma rotineira. Note que a actual política moçambicana, recomenda o teste de glicemia e colesterol, como parte da avaliação inicial em todos os pacientes infectados pelo HIV antes do início do TARV (Guião Nacional de TARV): Damasceno et al. (2013)13 aplicaram as tabelas modificadas da OMS para a estratificação de risco cardiovascular a uma parte da população do inquérito nacional de Moçambique em 2005. As tabelas modificadas não tomam em consideração os níveis de colesterol. Segundo estas tabelas a maioria dos pacientes que ainda não estava em tratamento para a pressão arterial elevada teria sido classificado como de “baixo risco”. No entanto, os homens do meio urbano apresentavam um risco maior que os outros grupos populacionais. No subgrupo dos homens urbanos mais de um em cada cinco tinha risco elevado (≥ 20% em 10 anos). Destaca-se que apenas 2,3% dos indivíduos tinha diabetes, e assim, a diabetes muitas vezes não influenciava na estratificação de risco: 146 Capítulo 4 quadro 41: Prevalência global de risco cardiovascular entre os moçambicanos com idades compreendidas entre os 40-64 anos, de acordo com o local de residência, sexo e idade. Acidente Vascular Cerebral: Particularidades Epidemiológicas no Contexto Africano O acidente vascular cerebral (AVC), é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade em África e compartilha muitos factores de risco com a cardiopatia isquémica, em particular, hipertensão, diabetes e tabagismo. Num estudo publicado em 2010 por Damasceno et al.14 a partir de dados colhidos em 2005 e 2006, foi descrita a incidência e os factores de risco para o AVC na cidade de Maputo. Eles identificaram 651 novos casos de AVC num período de 12 meses, e estimaram que a incidência de AVC entre os residentes de Maputo com idade ≥ 25 anos foi extremamente elevada (260.1 casos/100.000 habitantes/ ano). Cerca da metade (49,6%) morreu nos primeiros 28 dias após o internamento. 91,2% dos pacientes com AVC teve hipertensão previa ao AVC. Nesta série, uma proporção surpreendentemente elevada dos AVC (36,1%) foi hemorrágico, e uma proporção surpreendentemente alta ocorreu em pessoas mais jovens (cerca de 15% em pacientes com menos de 45 anos de idade). Os autores estimaram que a idade média do primeiro episódio de AVC em Maputo era 10-15 anos inferior à idade em países ocidentais. O principal factor de risco identificado foi a elevada prevalência de hipertensão arterial não tratada. Veja quadro 42. 147 Capítulo 4 quadro 42: Caracteristicas dos pacientes que apresentaram AVC. Maputo (Damasceno et al)14 148 Capítulo 4 O estudo Interstroke (O’Donnell et al.)15 foi um estudo realizado em 22 países, para a avaliação de factores de risco de AVC. Da mesma forma que o estudo Interheart, também o Interstroke incluiu indivíduos de Moçambique. O estudo concluiu que um pequeno grupo de factores de risco explicava uma proporção muito elevada de casos de AVC. Este estudo também não avaliou o HIV como factor de risco, (vide mais informações adiante nesta sessão). A hipertensão isolada explicou 51,8% dos casos de AVC a nível internacional, e a combinação de apenas 5 factores de risco, hipertensão, tabagismo, sedentarismo, obesidade central e má alimentação, contribuíram para 83,4% dos episódios de AVC. Contribuição da HTA para o Risco Cardiovascular na África Subsaariana Como observado acima, a hipertensão arterial é o principal contribuinte para a doença cardivascular incluído a cardiopatia isquémica e o AVC, na África Subsaariana. Um estudo tanzaniano publicado em 2013 sugere que a hipertensão não controlada pode causar muita mais morbilidade e mortalidade por IM, crises hipertensivas e AVC do que se pensava anteriormente. Segundo os dados deste estudo realizado num hospital (Peck et al. 2013)16, as complicações da hipertensão arterial foram a causa de 14,6% de todos os internamentos e de 15,3% de todas as mortes entre 2009-2011. Só o HIV/SIDA, superou à hipertensão como causa de internamento e óbito. A hipertensão foi causa de mais internamentos e óbitos do que a tuberculose, a pneumonia, a malária ou a diabetes (ver quadro 43 abaixo): quadro 43: Causas principais de morte intrahospitalar (2009-2011 Hospital Bugando, Tanzania) 149 Capítulo 4 Outro estudo recente levado a cabo na Tanzania, em 24 centros de saúde (Peck et al. 2014)17 concluiu que a qualidade do atendimento de HIV/SIDA era superior à qualidade dos cuidados fornecidos para hipertensão e diabetes. Dez centros de saúde (42%) tinham protocolos para o HIV, enquanto que apenas 3 centros (13%) tinham protocolos para o atendimento de doenças não transmissíveis. Nesta avaliação, 78% (261) dos profissionais de saúde demonstrou um conhecimento profundo em relação ao HIV, enquanto que 198 (59%) demonstrou domínio de conhecimentos sobre hipertensão e 187 (56%) sobre diabetes. Em geral, o sistema de saúde era mais fraco em centros de saúde de nível inferior. Os profissionais de saúde de categorias inferiores (equivalentes aos enfermeiros, agentes de medicina etc...) apenas tinham conhecimento e experiência no manejo de doenças não transmissíveis. Por exemplo, de um total de 150 enfermeiros avaliados, apenas 74 (49%) tinham algum conhecimento sobre cuidados e tratamento de diabetes, em comparação com 85 (57%) para a hipertensão e 119 (79%) para o HIV. Em resumo, os factores de risco para doença cardiovascular existem em Moçambique, sendo particularmente importantes entre a população masculina de áreas urbanas. A OMS fornece tabelas que permitem medir o risco cardiovascular na população geral. Será que a presença da infecção pelo HIV afecta a avaliação e manejo do risco cardiovascular? Este ponto é abordado a seguir. Risco Cardiovascular em População HIV Positiva O sistema de classificação mais comummente utilizado para medir o risco cardiovascular é baseado nos resultados do estudo Framingham, que decorreu nos Estados Unidos e que identificou os factores de risco para a patologia cardiovascular, nomeadamente, os altos níveis de colesterol, tabagismo, hipertensão arterial e diabetes. Os resultados deste estudo foram utilizados para desenvolver um sistema de medição do risco cardiovascular (a escala de risco de Framingham) baseado nas características individuais dos pacientes. Na altura em que foi elaborada a escala de risco de Framingham, o HIV não era uma doença conhecida, pelo que esta escala não tomou em conta o seroestado como uma variável. Actualmente sabe-se que a presença de infecção pelo HIV provavelmente altera o risco cardiovascular e por isso, este factor também deve ser considerado ao se estimar o risco, particularmente em locais com alta prevalência de infecção pelo HIV, como acontece em Moçambique. 150 Capítulo 4 De que forma pode a infecção por HIV afectar o risco de apresentar cardiopatia isquémica e AVC? Na África do Sul, durante a era pré-TARV, foram comparadas as características clínicas de 60 pacientes HIV+ e HIV- que sofreram infarto de miocárdio ou episódios de angina instável. Embora os pacientes infectados pelo HIV tivessem um número significativamente menos de factores de risco cardiovascular convencionais (excepto o de fumar que era igual em ambos grupos), eles eram quase 10 anos mais jovens, comparativamente aos seronegativos, na altura da ocorrência do evento cardiovascular. No grupo de seropositivos, os resultados de morbimortalidade aos 4 anos foram muito piores.18 Estudos que Demonstram Aumento do Risco Cardiovascular em Pacientes HIV+ Dois estudos recentes nos Estados Unidos concluíram que a infecção pelo HIV confere um risco significativo de sofrer infarto de miocardio e AVC, particularmente na presença de imunossupressão avançada. • Silverberg et al.19 observaram um aumento na incidência de IM em pacientes infectados pelo HIV e com um nadir de CD4 (nadir = contagem mais baixa registada) ≤ 200 cels/mm3. O aumento foi de quase duas vezes (RR 1,74), mesmo após o ajuste para factores de risco como hipertensão, tabagismo, níveis de colesterol e diabetes. De facto, neste estudo, o baixo nadir do CD4, foi um potente preditor de risco para IM (semelhante à diabetes e hiperlipidemia, e quase tão forte quanto o tabagismo e a hipertensão). • Marcus et al20 descobriram que a contagem baixa de CD4 era um factor de risco para AVC em pacientes infectados pelo HIV. Na análise multivariada, onde também foram controlados os factores de risco clássicos, a existência de uma contagem de CD4 <200 cels/mm3 determinava um risco 2,5 vezes maior de sofrer um AVC. Neste estudo, mais uma vez, o aumento do risco conferido pelo baixo CD4 no momento do evento foi muito semelhante ao risco conferido pela hipertensão (vide quadro 44). 151 Capítulo 4 quadro 44: Risco de AVC isquémico em população HIV+ (California 1996-2001; N=24.768) Curiosamente, o aumento do risco de AVC conferido pela infecção por HIV no estudo de Marcus et al.20 quase desapareceu com a introdução de TARV, particularmente com as recomendações actuais que promovem o início de TARV com contagens de CD4 maiores: 152 Capítulo 4 quadro 45: Taxas brutas de AVC isquémico atendendo ao seroestado (linha continua HIV+; Linha de pontos HIV-) Causas que Explicam o Aumento do Risco Cardiovascular em pacientes com HIV O mecanismo de aumento do risco cardiovascular (infarto de miocardio e AVC) na infecção pelo HIV não tratada ou não controlada não está claro, mas aparentemente esta relacionado com a situação de aumento da coagulação e inflamação que apresentam os pacientes com elevada replicação viral. No entanto, para além dos efeitos da viremia do HIV e da imunossupressão associada ao HIV, O TARV por sí (dependendo do esquema) pode aumentar os níveis de glucose e de lípidos (tradicionais factores de risco de Framingham) e assim, contribuir para o aumento do risco cardiovascular. Em alguns estudos, O abacavir e os inibidores de protease têm sido relacionados com o aumento do risco cardiovascular.2 Os inibidores de protease podem causar diabetes em 1 a 11% dos pacientes (média de 7%) depois de 5 anos de utilização (Bartlett)21. As normas moçambicanas recomendam o início da metformina se a glicose em jejum for ≥ 140 mg/dL ou 7,7 mmol/L (ver abaixo, do Guião Nacional de TARV): 153 Capítulo 4 Os inibidores da protease podem também causar o aumento dos triglicéridos, do colesterol total e do colesterol de baixa densidade (Colesterol LDL). Bartlett21 descreve o seguinte efeito do ritonavir nos níveis de lípidos: aumento dos níveis de triglicéridos de 27%, aumento dos níveis de colesterol LDL de 16%, e do colesterol total de 17%. Segundo este autor, o aumento do colesterol total é maior quando o ritonavir é administrado em combinação com o lopinavir. É importante notar, no entanto, que, no paciente com níveis de base muito baixos de triglicéridos ou de colesterol, isto não vai necessariamente resultar num aumento significativo do risco cardiovascular. As directrizes moçambicanas para o início do tratamento medicamentoso da hiperlipidemia são dadas abaixo (do Guião Nacional de TARV): Quando a hiperglicemia ou dislipidemia ocorre após o início do TARV, os limiares considerados pelo protocolo moçambicano para suspender/substituir estes agentes implicados são dados abaixo (do Guião Nacional de TARV): 154 Capítulo 4 O abacavir também aumenta o risco de eventos cardiovasculares mas, aparentemente, não é apenas por causa do aumento nos níveis de lipídios (Bartlett)21. O quadro que se segue, de Thienemann2, resume o efeito conhecido de diferentes ARVs sobre a glicemia, os níveis de colesterol e a cardiopatia isquémica. Note que nem todas as elevações de glicemia e colesterol associadas ao TARV parecem ter impacto na ocorrência de cardiopatia isquémica. Tabela 46: Principais ARVs (por classe) e seu impacto nos níveis de glicemia e lípidos, e na ocorrência de cardiopatia isquémica Contrariamente, outros estudos realizados nos EUA têm observado que a taxa de mortalidade por doença cardiovascular não aumentou após a introdução dos IPs e do abacavir. Isto é quase certamente devido a que nesta altura aconteceu uma redução muito importante da mortalidade relacionadas ao HIV/SIDA, e esta redução superou qualquer aumento de morbimortalidade por doença cardiovascular causada pelos MARVs. Vide quadro 46, a partir de IAS23 (adaptado de Bozette). 155 Capítulo 4 quadro 47: Mortalidade global (todas as causas) e cardiovascular em população seropositiva. A redução da mortalidade é atribuída à introdução de TARV (1996) Não foi observado um aumento da mortalidade cardiovascular entre 1993 e 2001. Para além disso, o estudo SMART21 demonstrou que a interrupção de TARV estava associada a um aumento nos eventos cardiovasculares de 1,6 vezes, presumivelmente devido ao aumento da inflamação causada pela viremia descontrolada na ausência de tratamento. Portanto, qualquer risco cardiovascular que possa ser atribuído ao abacavir ou aos IPs, é ultrapassado pelos grandes benefícios conferidos por um regime eficaz de TARV. O controlo de outros factores de risco cardiovascular é considerado como a chave para evitar eventos cardiovasculares.23 Por sua vez, este controlo depende de uma correcta e atempada identificação dos factores de risco de uma forma sistemática. Escala de Risco Cardiovascular em Pacientes com HIV Para os pacientes infectados pelo HIV, a escala de risco de Framingham foi actualizada para reflectir os riscos adicionais conferidos pelo uso de antiretrovirais específicos. Esta escala é chamada de escala DAD, e pode ser encontrada em www. cphiv.dk/tools.aspx. A tabela que se segue (reproduzida abaixo de Friis et al. 2010)24 mostra a contribuição de vários factores de risco para a ocorrência de eventos cardiovasculares em indivíduos infectados pelo HIV.24 Note que o IMC, os níveis de triglicéridos, o CD4 e a carga viral não estão incluídos (não conferem qualquer risco adicional nesta análise). Quando a escala de risco DAD foi comparada com a escala de 156 Capítulo 4 Framingham para a mesma população infectada pelo HIV, encontrou-se que esta última sobrestimava o risco nesta coorte (em até 50%). Intervenções Destinadas a Reduzir o Risco Cardiovascular Na análise de risco DAD, o tabagismo confere um alto risco de cardiopatia isquémica, e trata-se de um factor de risco modificável (não se pode mudar de sexo ou a história familiar por exemplo). Deixar de fumar reduz o risco cardiovascular também nos indivíduos infectados pelo HIV.25 O tratamento prolongado com IPs, particularmente com Lopinavir/ritonavir, pode levar à elevação dos níveis de colesterol e triglicéridos, particularmente em pacientes com predisposição genética. A redução dos níveis elevados de colesterol no paciente seropositivo que recebe terapia com IP pode ser complicada, por causa das interacções medicamentosas existentes entre os agentes hipolipemiantes (particularmente as estatinas) e alguns antiretrovirais (http://www.hivdruginteractions.org/).2 Sempre que possível, o aumento do exercício físico e a perda de peso são as estratégias mais seguras nos doente infectado pelo HIV com níveis elevados de colesterol. Atenção: Em pacientes infectados pelo HIV que não são capazes de reduzir os seus níveis elevados de colesterol através da dieta e do exercício físico e estão recebendo tratamento com IPs, a prescrição conjunta de estatinas e de IPs, pode levar a elevações dos níveis plasmáticos do fármaco hipolipemiante, com o consequente aumento dos efeitos colaterais deste fármaco. A lovastatina e a sinvastatina não devem ser administradas a doentes que recebem TARV com IPs. A melhor opção para pacientes nesta situação é a pravastatina (segundo Bartlett21, pode ser administrada sem ajuste da dose); se a pravastatina não estiver disponível, a segunda 157 Capítulo 4 melhor opção é a atorvastatina (segundo Bartlett, começar com uma dose de 10 mg e monitorar rigorosamente os efeitos secundários). A tabela a seguir, adaptada de Bartlett, mostra a alteração nos níveis sanguíneos de diferentes estatinas, quando combinadas com o lopinavir ou ritonavir: Estatinas Lopinavir Ritonavir LPV/r Atorvastatina aumento 5.9x aumento 4.5x aumento 5.8x Pravastatina aumento 1.3x diminuição 0.05x aumento 33% Para além disso, no contexto moçambicano, a mudança de LPV/r para um regime diferente igualmente eficaz (isto é, com outro IP), não é possível na actualidade, uma vez que LPV/r é o único IP disponível. A efectiva supressão viral do HIV não deve ser sacrificada pelo esforço de controlar a hiperlipidemia. No que diz respeito aos níveis de triglicéridos, não há evidência de que o uso de medicamentos para reduzir os níveis em sangue permita prevenir a patologia cardiovascular. No entanto, quando os triglicéridos estão muito elevados, a medicação pode ser necessária para prevenir a ocorrência de pancreatite. As orientações europeias para avaliar e tratar os factores de risco cardiovascular em pacientes infectados pelo HIV são baseadas na escala de risco de Framingham e são reproduzidas na figura abaixo.2 Estas informações podem também ser encontradas em www.europeanaidsclinicalsociety.org. A versão mais actualizada contém o algoritmo para manejar os factores de risco de doença cardiovascular em indivíduos infectados pelo HIV e também contém uma tabela de interacções medicamentosas com agentes hipolipemiantes e MARVs.26 158 Capítulo 4 quadro 48: Algoritmo para a prevenção da doença cardiovascular: Use a equação de Framingham ou qualquer outro sistema de acordo com a recomendação das Normas Nacionais locais; Equação de risco desenvolvida a partir de populações de HIV: veja www.cphiv.dk/tools.aspx A avaliação e as considerações associadas, descritas neste número devem ser repetidas anualmente em todas as pessoas em seguimento, consulte a página 4-5, para garantir que as várias intervenções são iniciadas de maneira oportuna. ii. Opções para a modificação do TARV incluem: (1) Substituir IP/r com INNRT, RAL ou outro IP/r conhecido por causar menos distúrbios metabólicos, consulte a página 15-17 (2) Substitua d4T e considerar a substituição de AZT ou ABC com TDF ou use um regime poupador de INRT. iii. Dos factores de risco modificáveis descritos, o tratamento medicamentoso é reservado para certos subgrupos onde os benefícios ultrapassam os riscos. Por cada redução de 10 mmHg na pressão arterial sistólica, e por cada redução de 1 mmol/L (39 mg/dL) no colesterol total e com o uso aspirina, pode se obter uma redução de risco cardiovascular de 20-25%; o efeito é cumulativo. Estudos observacionais sugerem que deixar de fumar resulta em cerca de 50% menos risco de doença cardiovascular. iv. Veja a discussão sobre o tratamento medicamentoso das pessoas com menor risco cardiovascular em www.nhlbi. nih.gov/guidelines/cholesterol/atp3_rpt.htm v. Os níveis alvo dos diversos parâmetros (TA, colesterol, glicemia...) devem ser usados como orientação e não são definitivos - expressa em mmol/L com mg/dL entre parênteses. Os níveis-alvo para TG não estão listados porque a contribuição da hipertrigliceridemia para o risco cardiovascular é incerta, e, portanto, se esta condição deve ser tratada, consulte a página 36. vi. A evidência do benefício quando usado em pessoas sem história de doença cardiovascular (incluindo os diabéticos) é menos consistente. A pressão arterial deve ser controlada antes de o uso de aspirina em tal contexto. 159 Capítulo 4 As recomendações actuais da OMS para a prevenção e manejo de doença cardiovascular em geral (independentemente do status HIV) estão resumidas na tabela abaixo27 (www.who.int/cardiovascular_diseases/publications/pen2010/en). Está prevista uma actualização destas recomendações em 2014. quadro 49: Resumo das intervenções baseadas em evidencias para a redução da morbimortalidade pelas principais doenças não comunicáveis e que podem ser implementadas no nível primário de atenção e em contextos com recursos limitados. Considerações • Os factores de risco clássicos (hipertensão, tabagismo, etc) estão associados a cardiopatia isquémica e doença cerebrovascular em indivíduos infectados e não infectados pelo HIV. Estes factores também estão presentes na população moçambicana, especialmente nos homens urbanos. • Os pacientes HIV+ com contagens de CD4 baixas (particularmente aqueles com menos de 200 cels/mm3 no momento actual ou a qualquer altura no passado) apresentam um risco ainda maior de sofrer eventos cardiovasculares, quando comparado com os seropositivos sem imunodepressão. Em ambos os grupos, a identificação e controlo dos factores de risco é o passo chave para a prevenção da cardiopatia isquémica e do acidente vascular cerebral. • Na infecção pelo HIV, a viremia descontrolada junto com a imunossupressão devem ser considerados, além dos factores de risco clássicos, assim como o possível papel dos IPs e do abacavir, quando se faz uma avaliação do risco cardiovascular individual. 160 Capítulo 4 Outras Doenças Cardíacas nos Pacientes Infectados pelo HIV A prevenção e o tratamento da cardiopatia isquémica pode não ser a principal prioridade na hora de abordar a patologia cardíaca no paciente com HIV, como foi explicado na introdução. O estudo Landmark Heart of Soweto comparou as características de mais de 5,000 pacientes seropositivos e seronegativos que se apresentavam com doença cardíaca em KwaZulu-Natal, África do Sul. Nesta coorte de pacientes, a cardiopatia isquémica, a hipertensão arterial e a diabetes foram significativamente menos frequentes nos indivíduos com HIV em relação aos seronegativos. Ao contrário, a cardiomiopatia e a pericardite foram significativamente mais comuns no grupo com HIV.3 Um excerto de uma das tabelas do estudo é apresentada abaixo, onde aparece a distribuição das causas de doença cardíaca em pacientes infectados pelo HIV (coluna da esquerda) vs não infectados (coluna do meio). A cardiomiopatia associada ao HIV (CMO) foi responsável por quase 40% dos casos de doença cardíaca em pacientes infectados pelo HIV, seguida de pericardite em 13% (total de 51% para estas duas condições). A cardiopatia isquémica representou apenas 2,7% dos casos infectados pelo HIV, contra 12% nos não infectados. quadro 50: Causas de patologia cardíaca atendendo ao seroestado. Landmark Heart of Soweto, KwaZulu-Natal, África do Sul HIV-pos (N=518) HIV-neg (N=4810) P Cardiomiopatia Associada ao HIV A cardiomiopatia associada ao HIV é uma condição definidora de estadio 4 da OMS para SIDA. Foi originalmente descrita em pacientes com contagem de CD4 baixa que não estavam em TARV; foi caracterizada como a “diminuição da fracção de ejecção do ventrículo esquerdo (VE) ou dilatação do VE avaliada através de ecografia, com ou sem sintomas de insuficiência cardíaca (Remick 2014)28, e muitas vezes se apresenta ou evolui com insuficiência cardíaca grave e rapidamente progressiva”. Os pacientes com cardiomiopatia por HIV podem apresentar 161 Capítulo 4 arritmias, cianose, ou síncope (Bartlett)21. É irreversível uma vez que ocorre, embora o início do TARV retarde a sua progressão. Na fase inicial, no entanto, pode ser assintomática (embora detectável por ecocardiograma). A cardiomiopatia sintomática associada ao HIV tem uma alta taxa de mortalidade, especialmente na ausência de TARV. Um estudo de insuficiência cardíaca aguda em vários países africanos descobriu que a infecção pelo HIV estava associada a um aumento de 60% da mortalidade nos 180 dias que seguiram ao episódio agudo, comparado com a taxa de mortalidade nos pacientes não infectados pelo HIV com insuficiência cardíaca aguda.29 Sliwa et al. (2012)30 descreveram as características clínicas em três grupos de pacientes sul-africanos infectados pelo HIV com cardiomiopatia associada ao HIV (vide tabela abaixo). • Grupo A: pacientes sintomáticos com sinais de insuficiência cardíaca, com ou sem ventrículos dilatados e com evidência de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo; • Grupo B: pacientes assintomáticos submetidos a ecocardiografia de rotina e na qual se encontra a disfunção ventricular esquerda; • Grupo C: Pacientes hospitalizados com estadio 4 da OMS e que desenvolvem insuficiência cardíaca na ausência de evidência prévia de doença cardíaca. quadro 51: Características clínicas da cardiomiopatia associada ao HIV em pacientes africanos 162 Capítulo 4 Para tratar a cardiomiopatia associada ao HIV é imprescindível o início de TARV. Também podem ser necessárias medidas farmacológicas usadas para o manejo da insuficiência cardíaca (diuréticos, inibidores da ECA e outros, ver tabela acima), para além do tratamento das infecções oportunistas existentes. No entanto, a cardiomiopatia associada ao HIV deve ser diferenciada de outras causas de insuficiência cardíaca e cardiomegalia, como a cardiopatia hipertensiva, a cardiomiopatia alcoólica, a patologia valvular reumática, a desnutrição, a cardiopatia pós-parto ou a fibrose endomiocárdica. Em Botswana (Schwartz et al. 2012)32, um estudo realizado em pacientes que apresentavam cardiomegalia revelou que a maioria dos pacientes (63%) eram HIV +. Embora a cardiomiopatia associada ao HIV foi a causa mais comum de cardiopatia nos pacientes infectados pelo HIV, explicou menos da metade dos casos observados (vide a tabela abaixo). quadro 52: Leque de patologia cardíaca atendendo ao seroestado para HIV em 179 pacientes com cardiomegalia Note que o aumento do diâmetro do mediastino no Raio-x pode ser causado por cardiomegalia assim como por derrame pericárdico; quando disponível, o ecocardiograma pode ser muito útil para distinguir estas duas condições. Finalmente, como tantas outras condições do estádio 4, a cardiomiopatia associada ao HIV pode ser evitada com o início atempado de TARV! 163 Capítulo 4 HIV e Pericardite A pericardite no contexto da infecção pelo HIV pode ter várias causas. A causa tratável mais importante na África Subsaariana é a tuberculose que afecta o pericárdio (vide tabela abaixo de Mayosi et al. que compara as causas de pericardite/ derrame pericárdico em população africana, na primeira coluna, e não-africana na segunda coluna).31 quadro 53: Causas de derrame pericárdico massivo em pacientes Africanos e em séries de pacientes fora de África Ntsekhe (2013)33 descreve quatro estadios clínicos da pericardite tuberculosa. As manifestações clínicas são diferentes em cada estadio (vide tabela abaixo): quadro 54: Os 4 estadios da TB pericárica Mayosi et al. (2006)34 descrevem os achados clínicos, a radiografia de tórax e os achados do ECG em pacientes africanos (com e sem HIV) com pericardite tuberculosa. Clinicamente, quase 90% dos pacientes infectados pelo HIV estavam na classe funcional 2 ou superior, e cerca de 1/3 estavam hemodinamicamente instáveis (quase 1 em cada 4 com tamponamento cardíaco). 164 Capítulo 4 O diagnóstico e o tratamento da pericardite tuberculosa é o mesmo em pacientes infectados pelo HIV e não infectados, exceptuando os pacientes com tuberculose infectados pelo HIV que também devem começar o TARV. O diagnóstico e manejo podem ser um desafio, onde há acesso limitado de ecocardiograma e pericardiocentese, e é muitas vezes um diagnóstico presuntivo. Thienemann2, na tabela abaixo, lista outras possíveis causas de doença do pericárdio associadas ao HIV. quadro 55: Causas de patologia do pericárdio em população HIV+ atendendo à contagem de CD4 Tal como no caso de cardiomiopatia associada ao HIV, a pericardite tuberculosa é evitável, através do início atempado de TARV e através de profilaxia com Isoniazida! 165 Capítulo 4 Pontos-Chave da Sessão • O risco de doença cardiovascular na população moçambicana pode ser muito elevado, e está particularmente associado à hipertensão não controlada. • O risco de doença cardiovascular é ainda maior em pacientes infectados pelo HIV, do que em pacientes não infectados. • Os indivíduos com HIV têm um risco consideravelmente maior de apresentar cardiomiopatia associada ao HIV ou pericardite de causa infecciosa, quando comparado com o risco de cardiopatia isquémica ou acidente vascular cerebral, especialmente se têm imunodepressão avançada e ainda não recebem o TARV. • Com a introdução dos IPs (e abacavir), juntamente com a transição epidemiológica (de “doenças da pobreza ou infecciosas” para “doenças da abundância ou metabólicas”), o perfil dos factores de risco cardiovascular na população moçambicana está a mudar. Na população moçambicana geral a identificação sistemática e tratamento dos factores de risco cardiovascular - especialmente hipertensão e tabagismo - deve ser uma prioridade na atenção primária de saúde. • Uma estratégia global para a prevenção e tratamento das complicações cardíacas importantes associadas ao HIV em Moçambique pode incluir: • Identificar os factores de risco convencionais para a doença cardíaca (tabagismo, obesidade, hipertensão, sedentarismo, etc) e tentar controlá-los. Reservar agentes hipolipemiantes para pacientes em maior risco, sem esquecer as interacções medicamentosas. • Considerar o uso da escala de risco DAD para estimar o risco cardiovascular (ao invês da escala de Framingham) em pessoas infectadas pelo HIV, para evitar a sobrestimação do risco cardiovascular e ter em conta a influência do esquema de TARV utilizado. • Iniciar o TARV atempadamente e implementar a profilaxia com isoniazida quando indicado a fim de evitar a cardiomiopatia dilatada associada ao HIV e as complicações cardíacas derivadas da infecção tuberculosa. • Avaliar os novos pacientes HIV+ na procura de sinais e sintomas de doença cardíaca. • Quando os pacientes infectados pelo HIV apresentam-se com dispneia ou edema, considerar a doença cardíaca, bem como a pulmonar, renal e hepática. 166 Capítulo 4 Referências 1. World Health Organization. A global brief on hypertension. Silent killer, global public health crisis. Geneva: WHO Press; 2013. 2. 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Recent advances in HIV-associated cardiovascular diseases in Africa. Heart. Aug 2013;99(16):1146-1153. C apí tulo 5 Reacções Adversas em Pacientes com HIV Índice Capítulo 5 Introdução...................................................................171 Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possíveis Efeitos Adversos.....................................172 Abacavir (ABC).................................................................172 Estavudina (d4T).............................................................173 Lamivudina (3TC)...........................................................173 Tenofovir (TDF)................................................................174 Zidovudina.........................................................................175 Efavirenz..............................................................................176 Nevirapina..........................................................................177 Lopinavir/ritonavir.........................................................178 Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo TARV..................180 Anemia e Neutropenia em pacientes em uso de AZT (Zidovudina).................................180 Neuropatia Periférica Causada por Medicamentos antiretrovirais................................181 Insuficiência Renal.........................................................183 Acidose Láctica...............................................................184 Reacção de Hipersensibilidade.............................184 Lipodistrofia......................................................................185 Pontos-Chave da Sessão.........................................185 Referências...................................................................186 Capítulo 5 5. Reacções Adversas em Pacientes com HIV Introdução Os pacientes que iniciam o TARV ou outros medicamentos, podem apresentar algum desconforto que resulta da reacção perante os medicamentos que estão sendo tomados e que se manifesta através de sinais e sintomas específicos ou alterações dos resultados laboratoriais. Esta situação chama-se efeito adverso ou efeito secundário. Por vezes, os efeitos adversos podem ser severos ainda que na maioria dos casos são leves a moderados. A detecção atempada das reacções adversas e a pesquisa dos efeitos secundários menos relevantes pode evitar casos graves e ajudar na sua resolução, melhorando a adesão ao tratamento bem como o risco de falência terapêutica. A prevenção das reacções adversas é tão importante quanto o seu diagnóstico e manejo, e baseia-se na adequada análise do perfil de risco de cada paciente antes da introdução do TARV ou substituição do esquema terapêutico. Para um correcto diagnóstico das reacções adversas, os clínicos devem ter em conta os seguintes elementos chave, a saber: • A monitoria adequada dos pacientes, através da avaliação clínica e de testes laboratoriais, o que irá permitir a detecção atempada de possíveis reacções adversas; • A avaliação certa do momento em que iniciou o quadro que sugere uma potencial reacção adversa, isto é, o clínico deve pesquisar se os sinais/ sintomas iniciaram antes ou depois da introdução dum certo fármaco; • A avaliação do grau de severidade da reacção adversa e a consideração de outras opções que possam explicar o quadro (fazer o diagnóstico diferencial). De salientar que pelo facto de alguns dos conteúdos relativos a este tema terem sido abordados em outras sessões, aqui não serão revistos e a abordagem iniciará por alistar as reacções adversas associadas a cada MARV. Nesta sessão serão apresentados os seguintes conteúdos: • Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possiveis Efeitos Adversos • Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo TARV ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 171 Capítulo 5 Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possíveis Efeitos Adversos Abacavir (ABC) A OMS descreve os efeitos adversos por Abacavir segundo mostra a tabela seguinte. (para cada MARV, será apresentada uma tabela semelhante com os seguintes conteúdos: 1ª coluna: reacção adversa; 2ª coluna: factores de risco; 3ª coluna: manejo).1 Segundo o guião nacional de TARV: ABACAVIR EFEITOS ADVERSOS Reacção de hipersensibilidade com sintomas sistémicos, respiratórios e/ou gastrointestinais, em geral com febre e sem acometimento de mucosas. INTERAÇÃO COM ARV Nenhuma descrita OUTRAS INTERAÇÕES Etanol aumenta em 41% níveis séricos de ABC (significado clínico desconhecido). ABC ­clearance de metadona em 22%. Apresentação inicial pode ser confundida com “virose”. Após reexposição pode ser grave (casos fatais foram descritos). Por isso não recomenda-se a sua reintrodução nesses casos. A reacção de hipersensibilidade será descrita mais abaixo. 172 Capítulo 5 Estavudina (d4T) Segundo a OMS: Segundo o guião nacional de TARV: ESTAVUDINA EFEITOS ADVERSOS Neuropatia periférica, pancreatite, acidemia assintomática, lipoatrofia. Raro: acidose láctica, com esteatose hepática (grave, pode ser fatal). INTERAÇÃO COM ARV OUTRAS INTERAÇÕES •• Medicamentos associados Zidovudina: potencial redução com neuropatia periférica, tais da actividade anti-retroviral como isoniazida, etambutol, por antagonismo. Contraetionamida, fenitóina, indicado uso concomitante. hidralazina, glutetimida, Didanosina: embora haja evidências vincristina e cisplatina, de que a combinação com ddI devem ser evitados ou aumenta o risco de neurotoxidade, administrados com precaução. pancreatite, acidose láctica e •• Metadona (↓d4T). Não há lipoatrofia, a combinação não é necessidade de ajuste de dose. contra-indicada. Entretanto deve ser evitada em gestantes. Lamivudina (3TC) Segundo a OMS: não há reacções adversas destacadas com este MARV Segundo o guião nacional de TARV: LAMIVUDINA EFEITOS ADVERSOS Raramente associado a efeitos adversos. Embora, como todos ITRN, possa potencialmente causar acidose láctica com esteatose hepática, parece estar entre os mais seguros quanto a estes efeitos. 173 INTERAÇÃO COM ARV Sem interacção. OUTRAS INTERAÇÕES Cotrimoxazol (­↑3TC). Não há necessidade de ajuste de dose Capítulo 5 Tenofovir (TDF) Segundo a OMS: Segundo o guião nacional de TARV: TENOFOVIR EFEITOS ADVERSOS Embora em geral bem tolerado e pouco associado a efeitos adversos, deve-se prestar atenção à insuficiência renal (sindrome de Fanconi), que é o efeito adverso mais importante. Outros efeitos adversos: acidose láctica e esteatose hepática, astenia, cefaléia, diarréia, náuseas, vómitos e flatulência; 174 INTERAÇÃO COM ARV OUTRAS INTERAÇÕES Didanosina: aumenta os níveis séricos deste fármaco em 40%(reduzir dose ddI para 250mg/dia se >60kg ou 200mg/dia se <60kg). Ganciclovir, cidofovir: monitorar toxicidade renal. IP: TDF pode aumentar o nível sérico de alguns IPs, entretanto não há recomendação de ajustar doses. Atazanavir: reduz-se os níveis séricos deste fármaco quando usado com Tenofovir. Usar tenofovir somente com ATV/r (300mg/100mg). Capítulo 5 Zidovudina Segundo a OMS: Segundo o guião nacional de TARV: ZIDOVUDINA EFEITOS ADVERSOS Mielossupressão, particularmente anemia e neutropenia. Náusea e vómito. Astenia, mal-estar geral, cefaléia, insónia, hiperpigmentação cutânea,ungueal e de mucosas. Raro: acidose láctica, com esteatose hepática (grave, pode ser fatal). O uso prolongado de ZDV foi associado com miopatia sintomática. 175 INTERAÇÃO COM ARV Estavudina: potencial redução da actividade anti-retroviral por antagonismo. Contra-indicado uso concomitante. OUTRAS INTERAÇÕES •• ↑ risco de toxicidade hematológica: Ganciclovir, Anfotericina B, fluocitosina, Cotrimoxazol , dapsona, pirimetamina, citostáticos, sulfadiazina e Interferon. Monitorar anemia e neutropenia. •• ↑ níveis do AZT: Probenecida, fluconazol, paracetamol, metadona, atovaquona, ácido valpróico. Monitorar. Capítulo 5 Efavirenz Segundo a OMS: Segundo o guião nacional de TARV: EFAVIRENZ EFEITOS ADVERSOS Exantema, síndrome de Stevens-Johnson. Sintomas neuropsiquiátricos: distúrbios do sono (sono agitado, insónia, sonolência, pesadelos, sonhos bizarros) tonturas, vertigens, irritabilidade, agitação, depressão, euforia, dificuldade de concentração Elevação de transaminases. Dislipidemia. Teratogenicidade (em macacos). INTERAÇÃO COM ARV OUTRAS INTERAÇÕES Indinavir: diminui o IDV Aumentar a dose de IDV para 1000mg de 8/8h. •• Uso concomitante contraindicado: astemizol, terfenadina, midazolam, triazolam, cisaprida, derivados de ergotamina e claritromicina, Hipérico (fitoterapia) Lopinavir/r: ↓ LPV. Aumentar a dose de LPV/r para 3cp 12/12h. INNTR: Potencial interacção. Contraindicada associação •• Rifampicina (↓ EFV), mas não se recomenda ajuste da dose do EFV. •• Rifabutina (↓ Rifabutina). Ajustar a dose de Rifabutina para 450mg /dia. •• Anticonvulsivantes: podem diminuir níveis do EFV e do fenobarbital, fenitoína e carbamazepina. Considerar alternativas terapêuticas. Metadona (↓ metadona). Considerar ajuste da dose de metadona •• Etinilestradiol: ↑ níveis séricos. O conteúdo relativo aos efeitos adversos envolvendo o Sistema Nervoso Central é desenvolvido na unidade sobre Manifestações Neurológicas do HIV. 176 Capítulo 5 Nevirapina Segundo a OMS: Segundo o guião nacional de TARV: NEVIRAPINA EFEITOS ADVERSOS INTERAÇÃO COM ARV OUTRAS INTERAÇÕES Exantema, Síndrome de Stevens-Johnson, Hepatite medicamentosa, elevação de transaminases (tóxica ou no contexto de reacção de hipersensibilidade grave). Indinavir: ↓ IDV. Considerar ajuste da dose de IDV para 1000mg 8/8h. •• Uso concomitante contraindicado: rifampicina, ketoconazol, cápsula de alho, erva de são João, ginseng, echinacea e gingko biloba. Lopinavir/r: ↓LPV. Aumentar a dose de LPV/r para 533/133mg 12/12h. Ritonavir: diminui RTV. Na há necessidade de ajuste de dose. 177 •• Metadona: ↓ metadona, considerar ajuste de dose. •• Atenção: A NVP ↓ etinilestradiol. Usar método contraceptivo alternativo ou adicional. Capítulo 5 Lopinavir/ritonavir Segundo a OMS: 178 Capítulo 5 Segundo o guião nacional de TARV: RITONAVIR EFEITOS ADVERSOS Intolerância gastrointestinal (Diarréia, náusea e vómito, flatulência, alteração do paladar, anorexia). Parestesia (perioral e de extremidades). Cefaléia, astenia, tonturas, insónia. Elevação do CPK e ácido úrico. Possível aumento de sangramento em hemofílicos. Aumento das transaminases, hepatite clínica. Dislipidemia, lipodistrofia, hiperglicemia, diabetes. INTERAÇÃO COM ARV Didanosina: ↓ absorção de RTV. Administrar com intervalo mínimo de 1 hora. Nevirapina: ↓ RTV. Não há necessidade de ajuste de doses. Indinavir: ↑ IDV. Ajustar as doses para: IDV 800mg + RTV 100mg, ambos de 12/12h. OUTRAS INTERAÇÕES •• Uso concomitante contra-indicado: meperidina, piroxicam, propoxifeno, amiodarona, encainida, flecainida, propafenona, quinidina, beperidil, derivados do ergot, sinvastatina, lovastatina, astemizol, terfenadina, cisaprida, bupropriona, closapina, pimozida, clorazepato, alprazolam, diazepam, estazolam, flurazepam, midazolam, triazolam, zolpidem, cápsula de alho. •• Rifampcina (↓ RTV). Não há necessidade de ajuste de dose. •• Rifabutina (↑ Rifabutina). Ajustar dose de Rifabutina. •• Ketoconazol (↑ ketoconazol). Não exceder a dose de ketoconazol de 200mg/dia. •• Desipramina (↑ desipramina). Considerar a redução da dose de desipramina. •• Teofilina (diminui teofilina). Monitorar teofilina •• Metadona (diminui metadona). Considerar aumento de dose da metadona. •• Fenobarbital, fenitoina e carbamazepina: possíveis alterações da AUC das drogas. Monitorar os anticonvulsivantes. •• Metronidazol, tinidazol, secnidazol e dissulfiram (efeito antabuse com o conteúdo de álcool da preparação de Ritonavir). •• Suplementos a base de alho aumentam toxicidade do RTV. Evitar o uso. •• Sildenafil (aumenta sildenafil). Não exceder a dose de 25mg/48h. •• Aciclovir (maior risco de nefrolitiase). Atenção: O RTV↓ etinilestradiol. Usar método contraceptivo alternativo ou adicional. LOPINAVIR/r EFEITOS ADVERSOS Intolerância gastrointestinal (Diarréia, náusea e vómito). Parastesia (perioral e de extremidades). Possível aumento de sangramentos em hemofílicos. Aumento das transaminases, dislipidemia, lipodistrofia, hiperglicemia e diabetes. 179 INTERAÇÃO COM ARV OUTRAS INTERAÇÕES Didanosina: ↓ a absorção. Administrar com intervalo mínimo de 1h. Efavirenz ou Nevirapina: ↓ LPV. Aumentar a dose de LPV/r para 533/133mg 2x/dia. •• Uso concomitante contra-indicado: rifampicina, flecainida, propafenona, derivados de ergot, astemizol, terfenadina, cisaprida, triazolam, lovastatina, sinvastatina, midazolam, erva de São João, cápsula de alho, echinacea, gingseng e giko-biloba. •• Carbamazepina, fenitoína, fenobarbital ou dexametasona (diminui LPV). Usar com precaução. •• Atorvastatina ou cerivastatina (↑ inibidores da HMG-coA redutase). Considerar uso de drogas alternativas. •• Rifabutina (↑ Rifabutina). Reduzir a dose de Rifabutina a 75% da dose usual recomendada. •• Medicamentos com potencial interacção que requerem estreito monitoramento ou ajuste de dose: amiodarona, bepridil, lidocaína (sistémica), quinidina, ciclosporina, rapamicina, felodipina, nifedipina, nicardipina, metadona, ketoconazol, itraconazol. •• Sildenafil (↑ sildenafil). Não exceder a dose de 25mg x48h. Atenção: O RTV ↓ etinilestradiol. Usar método contraceptivo alternativo ou adicional. Capítulo 5 É importante começar com a revisão de estas tabelas, contudo nelas há falta de muita informação relevante. Por exemplo, estas tabelas não falam sobre a frequência ou gravidade de cada reacção adversa, sobre como diagnostica-la ou qual é o diagnóstico diferencial em cada caso. Por isso, de forma sucinta, serão dadas a seguir as informações relevantes para cada uma das reacções adversas mais importantes aos diferentes MARVs. Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo TARV Anemia e Neutropenia em pacientes em uso de AZT (Zidovudina) • Definição: diminuição da quantidade de hemoglobina após a introdução de AZT. • Factores de Risco: Não descritos. • Medicamentos envolvidos: principalmente AZT; também Cotrimoxazol (CTZ) pode produzir citopenias; a maioria dos medicamentos quimioterápicos. • Incidência: devido ao uso de diferentes definições de anemia, a incidência pode não ser comparável entre os diferentes estudos. No ensaio DART, 20% dos casos após a introdução de TARV (5% de anemia severa com hemoglobina < 6.5 g/dL); num outro estudo em Costa de Marfim2, houve 5% de casos com hemoglobina <=6.9 g/dL; Num estudo na Índia3 a incidência de anemia foi de 9.4% em pacientes que recebiam AZT; Até 20% das mulheres grávidas recebendo AZT num estudo em Moçambique4 teve anemia. A neutropenia por AZT é mais comum que a anemia, e esta descrita em até 8% dos pacientes que recebem este medicamento. • Padrão temporal: Geralmente durante os primeiros 6 meses após a introdução do tratamento, contudo, pode aparecer muito mais tarde. • Monitoria: avaliação da hemoglobina antes e após a introdução do TARV contendo AZT. • Diagnóstico: para avaliar a existência de anemia deve ser solicitado o teste de hemoglobina ou hemograma completo. Os sinais e sintomas podem incluir palidez, astenia e fraqueza. Se a anemia for severa e de instauração aguda, pode-se apresentar como um quadro de insuficiência cardíaca congestiva. No caso de neutropenia grave e sintomática, os pacientes podem apresentar infecções bacterianas em diversas localizações (abcessos cutâneos, pneumonias, meningite) que podem ser graves. 180 Capítulo 5 • Diagnóstico diferencial: anemia de estadio 3 secundária a HIV, malária, tuberculose, infecção disseminada por Salmonella não-tiphy, deficiência de ferro ou outros micronutrientes, hemorragias, gravidez, presença de cancro, hemoglobinopatias, condições oportunistas que infiltram a medula óssea. • Graus de severidade: • Tratamento: em caso de anemia/neutropenia de grau 3 ou 4, a Zidovudina deve ser suspensa e substituida por um medicamento alternativo, geralmente TDF ou ABC. Neuropatia Periférica Causada por Medicamentos antiretrovirais • Definição: neuropatia sensitiva e distal que aparece ou agrava após a introdução do TARV. • Anti-retrovirais implicados: d4T, ddI • Factores de risco: idade avançada, doença por HIV avançada, sexo masculino • Padrão temporal: é um efeito adverso tardio, geralmente aparece vários meses após a introdução do tratamento • Incidência: 10-30% de pacientes recebendo ddI em países ricos, 13% em Índia (com d4T), 56% em Malawi (d4T)2. Nas tabelas que seguem pode-se encontrar informação relativa à incidência e factores preditores em Ruanda8. • Diagnóstico: em Moçambique, o diagnóstico é clínico, a partir da presença de dor de perfil neuropático (tipo queimadura) acompanhada de redução da sensibilidade e abolição/diminuição dos reflexos osteo-tendinosos. A força muscular esta conservada. Em casos severos, e por causa da afectação da sensibilidade profunda, o paciente pode apresentar alteração da marcha, sem que se trate de um problema motor. 181 Capítulo 5 • Diagnóstico diferencial: doença por HIV avançada (neuropatia por HIV); neuropatia causada por diabetes mellitus ou insuficiência renal; deficiência de vitamina B12; alcoolismo; toxicidade por isoniazida; • Grau de Severidade: 182 Capítulo 5 • Tratamento: suspender d4T e trocar por outro medicamento (AZT, TDF, ABC) Insuficiência Renal • Definição: A insuficiência renal é caracterizada pelo aumento dos valores de creatinina sérica ou pela diminuição do filtrado glomerular avaliado a partir do cálculo da depuração de creatinina. • A prevalência de alterações da função renal em pacientes com HIV pode ser muito elevada (até 30% dos casos em algumas séries9). As causas são várias: • • • A própria infecção por HIV; Secundário a alguns medicamentos, particularmente o Tenofovir; Relacionada com outras patologias co-existentes como HTA e diabetes mellitus. • Factores de risco para a toxicidade por TDF: idade avançada, IMC baixo, coexistência de DM e/ou HTA, CD4 baixo, co-existência de hepatopatia crónica, uso de medicamentos nefrotóxicos. • Padrão temporal: variável, está descrita a ocorrência de insuficiência renal aguda assim como crónica, em media de 7 meses após a introdução do medicamento.10 • Monitoria: deve ser avaliada a função renal antes da introdução de Tenofovir e de forma periódica após o início. Em Moçambique o protocolo nacional recomenda a avaliação da função renal de 6 em 6 meses após a introdução de TDF. Para avaliar a função renal aconselha-se a monitoria da depuração de creatinina (calculada a partir da creatinina sérica) e do sedimento urinário (urina II). • Diagnóstico: O desenvolvimento de insuficiência renal pode ser agudo ou crónico. Geralmente é assintomático, unicamente detectado a partir da avaliação da função renal:creatinina sérica, depuração de creatinina, sedimento urinário. Pode-se manifestar como um quadro de hipertensão arterial grave (crise hipertensiva), uremia (náuseas e vómitos, geralmente com diurese conservada). • Tratamento: O Tenofovir deve ser evitado em pacientes com Depuração de creatinina abaixo de 60 ml/min. Em pacientes que recebem TDF e experimentam uma diminuição da depuração de creatinina, o medicamento deve ser suspenso e substituído. Deve ser evitado o uso de outras medicações com potencial de nefrotoxicidade em pacientes em uso de TDF, e devem ser monitorados rigorosamente em caso de se precisar de associar estes medicamentos. 183 Capítulo 5 Acidose Láctica • Definição: elevação dos níveis de lactato sérico acompanhado de sintomas secundários à acidose • Medicamentos envolvidos: em geral INTR, particularmente d4T, ddI, AZT. Não tem sido descrito com TDF ou ABC. • Factores de Risco: IMC elevado ou muito baixo, sexo feminino, boa adesão ao TARV • Padrão temporal: Geralmente 3 ou mais meses após a introdução do medicamento. • Monitoria: não há monitoria específica. • Graus de gravidade: a acidose láctica é sempre uma urgência médica. Incidência: 19 casos/1,000 pessoas/ano de observação numa coorte na África do Sul, com uma mortalidade de 29%.2 • Diagnóstico: os sintomas são inespecíficos e incluem astenia, náuseas, vómitos, dor abdominal, dor muscular, dispneia e perda de peso. Estes sintomas pode- se acompanhar de hepatomegalia (causada por esteatose hepática), elevação de enzimas hepáticas2. Nos locais onde não está disponível a medição dos níveis séricos de lactato, a existência de um anião gap >13 mmol/L pode sugerir o diagnóstico. • Diagnóstico diferencial: falência terapêutica, condições oportunistas como TB ou outras • Tratamento: com níveis de lactato < 5 mmol/L, observar e reavaliar. Se os sintomas persistem ou agravam, parar o medicamento. Com níveis de lactato sérico ≥ 5mmol/L, parar todo o esquema de TARV até a normalização e nunca reintroduzir o fármaco suspeito. Reacção de Hipersensibilidade • Definição: reacção mediada pelo sistema imune em que o organismo reage de forma exagerada contra um alérgeno ou antígeno estranho. Neste caso o alérgeno é um antígeno proveniente de um medicamento. • Medicamentos envolvidos: ABC e NVP • Incidência: 3- 4% em séries publicadas em países com recursos. Há escassa informação em relação aos locais com recursos limitados.2 • Factores de risco: para a reacção de hipersensibilidade por Nevirapina, apresentam maior risco os pacientes com contagens de CD4 mais elevadas (>250 cels/mm3) e as mulheres de forma particular. Não estão descritos os factores de risco associados à reacção de hipersensibilidade por Abacavir. • Padrão temporal: primeiras 6 semanas para o Abacavir e primeiras 16 semanas para Nevirapina. 184 Capítulo 5 • Monitoria: é clínica. Informar aos pacientes para voltarem à US sempre que apresentarem rash cutâneo com ou sem febre após o início do tratamento. • Diagnóstico: rash cutâneo maculo-papular geralmente eritematoso e com edema subcutâneo, acompanhado de sintomas gerais como febre, mal-estar, náuseas, vómitos, diarreia. Pode-se acompanhar de elevação de enzimas hepáticas e/ou leucopenia. As reacções mais graves podem cursar com hipotensão, broncoespasmo e provocar a morte. O quadro clínico agrava-se com a toma de cada novo comprimido do medicamento. Este é um dado chave para o diagnóstico das reacções de hipersensibilidade. • Tratamento: suspender o medicamento envolvido e substituir. Lipodistrofia • Definição: redistribuição da gordura corporal característica (acúmulo a nível do tronco e diminuição nos membros e nádegas). • Medicamentos envolvidos: INTR, particularmente ddI e d4T; algo menor com AZT; INNTR (Efavirenz); IPs; Raltegravir • Diagnóstico: clínico. A gordura tende a acumular no tronco (abdómen, região dorso cervical, mamas) e a diminuir nos membros, região glútea e face. • Tratamento: a lipodistrofia não é reversível. Deve-se aconselhar a prática de exercício físico, substituir os MARVs implicados, especialmente ddI, d4T ou AZT por outros com menor potencial como TDF ou ABC. Pontos-Chave da Sessão • As reacções adversas aos anti-retrovirais e outros medicamentos usados nos cuidados do doente de HIV são frequentes. • Podem ser confundidas com outros problemas, por exemplo, novas infecções ou SIR. • A maioria delas são leves a moderadas, mas podem ser graves e causar mortalidade. • A toxicidade pode ter um impacto negativo na adesão dos pacientes ao tratamento. • A detecção atempada pode evitar casos graves, ao permitir a suspensão e substituição do medicamento suspeito. 185 Capítulo 5 Referências 1. WHO. Consolidated Guidelines on the Use of Antiretroviral Drugs for Treating and Preventing HIV Infection. Recommendations for a public health approach. Geneva: WHO Press; 2013. 2. Murphy RA, Sunpath H, Kuritzkes DR, Venter F, Gandhi RT. Antiretroviral therapy-associated toxicities in the resource-poor world: the challenge of a limited formulary. The Journal of infectious diseases. Dec 1 2007;196 Suppl 3:S449-456. 3. 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C apí tulo 6 Sarcoma de Kaposi Índice Capítulo 6 Introdução.................................................................. 189 Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi........................................ 190 Prevalência da Infecção por VHH-8 em África............................................................................190 Prevalência da Infecção por VHH-8 em Moçambique..........................................................191 Epidemiologia do SK em Pacientes com HIV/SIDA em África...........................................191 Sarcoma de Kapose e Mortalidade.................... 192 Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KS-SIR).......................... 193 Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma de Kaposi....................... 194 Início Atempado de TARV nos pacientes com HIV.............................................................................194 Identificação e Estadiamento dos Pacientes com Sarcoma de Kaposi....................195 Diagnóstico de SK Pulmonar.........................196 Diagnóstico Diferencial do Sarcoma de Kaposi Pulmonar.......................198 Estadiamento do Sarcoma de Kaposi......199 Tratamento do Sarcoma de Kaposi.................... 202 Tratamentro antiretroviral e Sarcoma de Kaposi...........................................................................202 Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi...................203 Tratamento da Síndrome de Imunoreconstituição por Sarcoma de Kaposi...........205 Outras considerações no Manejo do Sarcoma de Kaposi Pulmonar.......................208 Tratamento Paliativo em Pacientes com Sarcoma de Kaposi...........................................212 Outras complicações da infecção por VHH-8............................................................................ 213 Doença Multicêntrica de Castleman................213 Linfoma Efusivo Primário (LEP).............................214 Pontos-Chave da Sessão........................................ 215 Referências.................................................................. 216 Capítulo 6 6. Sarcoma de Kaposi Introdução O Sarcoma de Kaposi é uma neoplasia multifocal que se apresenta como máculas, pápulas, placas e nódulos de cor vermelha ou roxa na pele, gânglios e outros órgãos. As lesões cutâneas podem ser duras ou moles, únicas ou numerosas e inicialmente podem aparecer como manchas escuras. O sarcoma de Kaposi é causado pelo vírus herpes humano 8 (VHH-8).1,2 Na ausência do vírus, não acontece o sarcoma de Kaposi. Pensa-se que o VHH-8 é transmitido através do contacto com fluidos corporais infectados, como a saliva, esperma ou outros. Contudo, os padrões de transmissão podem variar de umas populações para outras. O sarcoma de Kaposi é uma doença maligna, que pode aparecer na pele, na boca, nos gânglios, no aparelho gastrointestinal e/ou nos pulmões e vias respiratórias. Pode ser assintomático ou muito agressivo. Nas pessoas com HIV pode-se apresentar como síndrome de imuno-reconstituição (SIR). Mais adiante nesta sessão serão classificados os pacientes com SK consoante ao seu risco de progressão e prognóstico da doença. A infecção por VHH-8 está também relacionada com o aparecimento de certos linfomas e outras complicações nos pacientes HIV+. Por vezes, estas patologias, muito menos frequentes que o SK, podem aparecer em simultâneo com o SK. Nesta sessão serão apresentados os seguintes conteúdos: • • • • • • Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi; Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma de Kaposi; Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KS-SIR); Tratamento do Sarcoma de Kaposi; Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi; Outras complicações da infecção por VHH-8. ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 189 Capítulo 6 Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi Prevalência da Infecção por VHH-8 em África A infecção pelo VHH-8 não tem uma distribuição geográfica homogénea. Sua prevalência varia entre países e dentro do mesmo país. Por exemplo, o mapa que se segue (de Shebl et al, 2013)3 mostra a distribuição do sarcoma de Kaposi e do VHH-8 (avaliado a partir da presença de DNA do vírus no sangue) em diferentes regiões de Uganda. Neste país a prevalência de infecção por VHH-8 é muito elevada, motivo pelo qual, o sarcoma de kaposi endémico (aquele não ligado ao HIV) é relativamente frequente. Este estudo incluiu indivíduos HIV+ e HIV-. No estudo acima mencionado, a infecção por VHH-8 associou-se com o sexo masculino, meio rural e status sócio-económico baixo, assim como com certas regiões do país. A infecção foi apenas ligeiramente mais prevalente em pessoas com HIV. 190 Capítulo 6 Prevalência da Infecção por VHH-8 em Moçambique Num estudo populacional de âmbito nacional4, a prevalência de anticorpos contra o VHH-8 foi de 21.4%, sem grandes diferenças entre as regiões do país (18.7%, 24.3% e 21.4% no norte, centro e sul respectivamente). A prevalência global aumenta com a idade. Segundo estes dados, Moçambique é um dos países africanos com infecção endémica por VHH-8, e devido à co-existência da pandemia de HIV, é necessário aumentar a cobertura de tratamento antiretroviral para evitar um “surto” de sarcoma de Kaposi relacionado com o HIV. Apesar de que a infecção por VHH-8 acontece em HIV+ e também em HIV-, é muito mais provável a progressão para SK na presença de HIV. Em 1981, uma epidemia de sarcoma de kaposi nos EUA anunciou a pandemia de HIV/SIDA.5 O sarcoma de Kaposi, uma patologia extremamente infrequente na população dos EUA, foi mais de 3,500 vezes mais frequente em indivíduos HIV+ do que na população geral durante aqueles anos, e mais de um terço dos pacientes com HIV desenvolveu sarcoma de Kaposi.5 Contudo, em contextos onde a infecção por VHH-8 é frequente na população geral, o aumento de risco de aparecimento de SK em pacientes com HIV em relação aos seronegativos pode ser menor. Epidemiologia do SK em Pacientes com HIV/SIDA em África Algumas das informações relativas à incidência de SK em população seropositiva provêm de África do Sul, resumidas a seguir por Mosam: “Devido à disseminação imparável da infecção por HIV, o SK é agora o cancro mais frequente entre os homens, e o segundo mais prevalente nas mulheres, em muitos locais de África”. Um estudo de caso-controlo com 8,487 participantes em Johannesburgo, RSA, identificou os cancros mais comuns em população negra ao longo de 10 anos (1995 – 2004). Os dados são apresentados na tabela seguinte6: Cancros mais prevalentes na população negra (Johannesburg 1995-2004) Homens 191 Esófago (17%) Mulheres Colo uterino (32%) Próstata (13%) Mama (25%) Pulmão (10%) Esófago (6%) Boca e orofaringe (8%) Endométrio (5%) Sarcoma de Kaposi (6%) Ovário (4%) Capítulo 6 A infecção por HIV associou-se com um aumento do risco de desenvolvimento de alguns cancros: um risco 50 vezes maior para sarcoma de Kaposi, 6 vezes maior para linfoma não Hodgkin, 1.5-2 vezes maior para o cancro de colo uterino, o cancro anogenital, o cancro de pele e o linfoma de Hodgkin. Outro estudo sul-africano referido também por Mossam el al., analisou a evolução temporal da incidência de sarcoma de Kaposi na população negra na província de KwaZulu-Natal durante um período de 23 anos (1983-2006). O estudo mostra o aumento dramático na incidência de sarcoma de Kaposi desde a época prévia à epidemia de HIV e até o momento actual. As taxas de incidência ajustadas para idade nesta região aumentaram de menos de 1 caso por 100.000 pessoas/ano para 15 casos por 100.000 pessoas/ano. Este aumento aconteceu em ambos os sexos: aumento de 50 vezes nas mulheres (de 0.2 até 11.1 casos/100.000 pacientes/ano e 20 vezes nos homens (de 1.0 até 19.7 casos/100.000/ ano). O aumento geral foi de 30 vezes (de 0.5 até 14.8 casos/100.000/ano). Este aumento exponencial na incidência de sarcoma de Kaposi espelha a epidemia de HIV, com taxas de prevalência que passaram de 1.6% em 1989 para 39% em 2006.6 Sarcoma de Kaposi e HIV em Moçambique: numa coorte de pacientes com HIV na província de Maputo (2010), 19% dos pacientes elegíveis ao TARV foi diagnosticado com sarcoma de Kaposi na altura do início do seguimento.7 Sarcoma de Kapose e Mortalidade O sarcoma de Kaposi é uma condição oportunista maligna definidora de estadio 4 segundo a classificação para HIV/SIDA da OMS e acareta um elevado risco de mortalidade. Num estudo de MSF publicado em 2013, sobre causas de morte em 25 programas de tratamento de HIV/SIDA (10 países diferentes, 7 deles em África), a presença de SK quase duplicou o risco de morte (HR 1.84) mesmo após o ajuste para outros factores de risco como a contagem baixa de CD4.8 Num outro estudo em África do Sul9, também publicado em 2013, o risco de morte aumentou em mais de 3 vezes em pacientes HIV+ com sarcoma de Kaposi: após ajuste para género, CD4 inicial, idade, local de tratamento, tuberculose e ano de início de TARV, os pacientes com SK tinham 3 vezes mais probabilidade de morrer a qualquer altura após a introdução de TARV (HR: 3.62; IC95% 2.71-4.84) quando comparado com os pacientes sem SK. O aumento de risco foi maior durante o primeiro ano de TARV (HR 4.05; IC95% 2.95-5.55) e diminuiu posteriormente. Os pacientes com SK tinham uma recuperação imunológica menor, em média 29 cels/ mm3 menos que aqueles sem SK, e tinham menor probabilidade de ter um aumento igual ou superior a 50 cels/mm3 durante os primeiros 6 meses de tratamento. 192 Capítulo 6 A mortalidade nos pacientes com SK era ainda maior se o SK era visceral, cursava com aparecimento de SIR ou se apresentava em associação com linfoma por VHH8. (vide mais informações adiante nesta sessão). Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KSSIR) Para além do risco global de morte que a presença de sarcoma de Kaposi confere, esta patologia pode apresentar-se como SIR. A SIR por SK representa um risco de morte acrescentado. No estudo sobre prevalência de SK na província de Maputo mencionado anteriormente, durante os primeiros 10 meses de TARV, 8 pacientes (8/69, 11.6%), apresentaram SIR por SK, numa média de tempo de 13.8 semanas após a introdução do TARV. Nesta coorte, 2 pacientes morreram (25%).7 A análise multivariada identificou 4 preditores independentes de SIR por sarcoma de Kaposi: • • • • Existência de SK clínico prévio ao tratamento (HR 91.7); DNA do VHH-8 detectável no plasma (HR 24.4); Hematocrito <30% (HR 26.5); Carga viral de HIV elevada (HR 34.6 por cada logarítmo de carga viral a mais). Os resultados deste estudo em Moçambique são semelhantes aos de outros locais em África. Um estudo10 desenhado para avaliar a incidência, os factores preditores e os resultados da SIR por SK em pacientes com SK que iniciavam o TARV e que tentava comparar estes resultados em locais com e sem limitação de recursos, encontrou o seguinte: Um total de 58/417 (13.9%) pacientes com SK apresentaram SIR, com uma incidência 2.5 vezes maior em pacientes na África vs pacientes da Europa (P <0.001). Todos as seguintes variáveis foram identificadas como preditores independentes de SIR por sarcoma de Kaposi: • TARV como único tratamento para o sarcoma de Kaposi (HR 2.97; IC95% 1.02-8.69); • Estadio T1 de sarcoma de Kaposi (HR 2.96; IC95% 1.26–6.94); • Carga viral de HIV acima de 5 log (HR 2.14; IC95% 1.25-3.67). A carga viral detectável do VHH-8 também permitiu predizer a ocorrência de SIR por SK entre 259 pacientes avaliados num outro estudo10 (HR 2.98; IC95% 1.237.19). Neste estudo houve 19 óbitos por SIR-SK, todos eles em coortes de África subsaariana. A mortalidade por SK foi 3 vezes superior em África e os factores associados com maior mortalidade foram: 193 Capítulo 6 • Presença de SIR por SK (HR 19.24; IC95% 7.62–48.58); • Ausência de tratamento com quimioterapia (HR 2.35; IC95% 1.09–5.05); • CD4 prévios ao TARV ≤ 200 cels/mm3 (HR 2.04; IC95% 0.99–4.2); • Carga viral do VHH-8 detectável no início do tratamento (HR 2.12; IC95% 0.94–4.77). Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma de Kaposi Para evitar a elevada morbilidade e mortalidade relacionada com o Sarcoma de Kaposi todos os seguintes passos são necessários: • • • • Primeiro, iniciar o TARV atempadamente nos pacientes com HIV; Segundo, identificar e estadiar precocemente os casos de SK; Terceiro, referir para o tratamento com quimioterapia quando indicado; Quarto, gerir a SIR e os sinais/sintomas relativos à resposta inflamatória perante o tumor na altura da reconstituição imune; • Quinto, reconhecer outras condições malignas associadas à infecção pelo VHH-8; • Sexto, identificar e gerir dos efeitos adversos provocados pela quimioterapia para SK. Início Atempado de TARV nos pacientes com HIV Em África do Sul, a incidência de SK foi 5 vezes maior em pacientes com HIV que não tinham iniciado o TARV, quando comparada com a dos pacientes em TARV (Bohlius et al.).11 Veja a figura que segue, proveniente deste estudo: Quadro 56: Incidência cumulativa de SK antes e depois do início de TARV (RSA). Figure 1. Cumiulative incidence of Kaposi’s Sarcoma before and after starting antiretroviral therapy (ART) in South Africa. Time zero refers to start of observation (i.e. enrolment into the cohort) plus 30 days in patients not on ART and to start of ART plus 30 days in patients on ART. ART: Antiretroviral Therapy 194 KS: Kaposi’s Sarkoma Capítulo 6 Identificação e Estadiamento dos Pacientes com Sarcoma de Kaposi Como diagnosticar sarcoma de Kaposi? Para começar, é imprescindível realizar um exame físico completo com destaque para a pele, áreas ganglionares e boca, em todos os pacientes com diagnóstico recente de infecção por HIV. Idealmente esta avaliação deveria ser feita a cada consulta, ainda que provavelmente seja suficiente e mais prático repetir o exame físico apenas naqueles pacientes com CD4 baixos ou não disponíveis.12 No exame físico o clínico deve procurar: • Lesões planas ou elevadas, com aumento da coloração, a nível da pele e da mucosa oral; • Edema na face, área genital e extremidades com ou sem lesões ulceradas; • Adenopatias. Imagens: Lesões de sarcoma de Kaposi em diversas localizações13 195 Capítulo 6 A seguir deve perguntar ao paciente pela existência de dispneia, tosse, hemoptise ou sangramento intestinal, e solicitar Rx de tórax sempre que possível. Normalmente os sintomas gastrointestinais e respiratórios deveriam ser investigados em profundidade através da realização de endoscopia e broncoscopia, ainda que muito provavelmente isto não seja possível na maioria de casos”. É importante salientar que o SK visceral (respiratório ou gastrointestinal) acontece geralmente em pacientes que também apresentam lesões por SK cutâneo, ainda que haja excepções.14 Bartlett calcula que mais de 95% dos pacientes com sarcoma de Kaposi tem envolvimento cutâneo, aproximadamente 30% tem SK a nível da cavidade oral, 40% tem afectação do tracto gastrointestinal e entre 20 e 50% dos pacientes tem envolvimento pulmonar. Aboulafia15 afirma que estudos post-mortem realizados em pacientes com SK mucocutâneo, revelam que 47-75% tinham também afectação pulmonar e que quase todos os que apresentam SK pulmonar tinham lesões mucocutâneas. Diagnóstico de SK Pulmonar É particularmente importante identificar os pacientes com SK pulmonar, uma vez que esta patologia é facilmente confundida com outros quadros clínicos que requerem de uma abordagem totalmente diferente, nomeadamente tuberculose, PCP, Pneumonias bacterianas. Perante a suspeita de SK pulmonar devem ser excluídas outras causas de patologia pulmonar, como tuberculose e outras infecções oportunistas. Aboulafia15 resume na seguinte tabela a apresentação clínica do SK pulmonar em 11 estudos diferentes: quadro 57: Achados clínicos mais comuns no SK em diversas séries (Aboulafia) 196 Capítulo 6 Segundo esta tabela, os sinais e sintomas mais comuns em pacientes com SK pulmonar são: • • • • • • Tosse: quase 100% dos pacientes com SK pulmonar sintomático; Dispneia: quase 100% dos pacientes com SK pulmonar sintomático; Hemoptise: 30-55% dos pacientes; Outros sintomas B (febre e sudorese): 36-100%; Infecções oportunistas prévias ou em simultâneo ao SK: 20-80%; Dor torácica: 10-55%. Aboulafia, no mesmo artigo resume ao achados radiológicos do sarcoma de Kaposi pulmonar. Veja a tabela a seguir e as imagens radiológicas que se mostram: quadro 58: Achados radiográficos do Sarcoma de Kaposi pulmonar Variáveis Parênquima Pleura Linfadenopatias intratorácicas Achados Infiltrados retículo-nodulares devido à infiltração pulmonar pelo tumor Infiltrado intersticial difuso ou infiltração linear e septal Consolidação pulmonar focal ou colapso No início, as lesões parenquimatosas podem não ser visíveis no Rx Derrame pleural em um ou ambos hemitórax de quantidade variável No SK pulmonar avançado, 10-20% dos pacientes têm aumento dos gânglios hiliares ou mediastinais * From McGuiness e Denton et al Imagens: Rx tórax e TAC torácica em paciente com SK, mostrando progressão da doença 197 Capítulo 6 Na era de TARV, os pacientes com SK pulmonar podem sobreviver alguns anos, quando são tratados com TARV e quimioterapia, contudo, o prognóstico é consideravelmente pior nos pacientes com SK e afectação pulmonar. Veja a figura seguinte de Palmieri19: Quadro 59: sobrevivência media em pacientes com SK diagnosticados na era do TARV, comparando aqueles com e sem afectação pulmonar Diagnóstico Diferencial do Sarcoma de Kaposi Pulmonar Como saber se a causa de um derrame pleura é devida a SK ou a outra complicação derivada da presença do HIV? O diagnóstico diferencial do derrame pleura em pacientes com HIV/SIDA inclui o Sarcoma de Kaposi, a tuberculose, a pneumonia complicada, outros tumores, a insuficiência renal avançada, a insuficiência cardíaca e algumas infecções oportunistas pulmonares, incluindo a criptococose pulmonar, a infecção por micobactérias atípicas, a PCP e outras.20 A radiologia torácica, a toracocentese, a broncoscopia e a microbiologia de escarro, incluindo os testes moleculares como GeneXpert, podem ajudar a determinar a causa. No caso de derrame pleural por SK, o líquido é descrito como sendo um exsudado serosanguinolento ou hemorrágico. A amostra obtida a partir da toracocentese não é muito rentável para diagnosticar sarcoma de kaposi, mas deve ser obtida sempre que possível para excluir a existência de infecção por micobactérias.15 198 Capítulo 6 Estadiamento do Sarcoma de Kaposi Algumas formas de sarcoma de Kaposi têm um risco maior de apresentar complicações e morte em relação a outras. Para poder estadiar o sarcoma de Kaposi num paciente, é imprescindível realizar anamnese e exame físico completos, segundo foi descrito acima.21 Quadro 60: Sistema de Estadiamento para Sarcoma de Kaposi. Clinical Trials Group Oncology Committee2 0 1 Tumor (T) Confinado à pele e/ ou gânglios e com doença oral mínima* - Edema/ ulceração associado ao tumor - SK oral extenso - SK em outros locais além dos gânglios (visceral) Sistema immune (I) CD4 ≥ 200 c/mm3 CD4 < 200 c/mm3 Doença sistémica (S) Sem antecedentes de candidíase oral ou outras condições oportunistas Sem sintomas B† Performance status ≥ 70 (Karnovsky) - Antecedentes de candidíase oral ou outras condições oportunistas - Sintomas B presentes - Performance status < 70 * define-se como doença oral mínima a presença de lesões orais não nodulares confinadas ao palato † Sintomas “B” são a febre inexplicada, sudorese e perda involuntária de > 10% do peso corporal ou diarreia persistente e inexplicada por mais de 2 semanas Esta classificação permitiu predizer o prognóstico em pacientes HIV+ com SK antes que o TARV estivesse disponível. A sobrevivência foi muito menor em pacientes classificados na categoria de mau prognóstico para cada uma das variáveis (T, I, S). Segundo os resultados de este estudo a sobrevivência média foi a seguinte21: Sobrevivência média T0: 27 meses T1:15 meses I0: 40 meses I1: 13 meses S0: 22 meses S1: 16 meses Uma análise multivariada indicou que o grau de imunodepressão foi o melhor preditor do prognóstico, contudo o grau de extensão da doença (T) permitiu também predizer o prognóstico, especialmente nos pacientes sem imunodepressão avançada. Conclusão: a classificação da ACTG (T/I/S) permite predizer a sobrevivência dos pacientes com sarcoma de Kaposi associado à infecção por HIV. O estadio do tumor (T) e o grau de imunodepressão (I) fornecem a melhor informação neste sentido. 199 Capítulo 6 Para um estadiamento completo o clínico deve considerar também o resultado de CD4, os antecedentes do paciente, o performance status ou estado geral e outras complicações da doença. A avaliação inicial deveria ser registada com um nível de detalhe que permita monitorar a melhoria clínica ou a progressão da doença. O impresso nacional para a recolha de informação durante a avaliação inicial dos pacientes com Sarcoma de Kaposi é reproduzido a seguir: Quadro 61: Ficha clínica de Sacroma de Kaposi 200 Capítulo 6 Como já foi referido anteriormente, o sistema de estadiamento apresentado, foi desenvolvido antes do TARV estar disponível. Em avaliações posteriores foi observado que a contagem de CD4 era um factor de risco menos importante nos pacientes que recebiam TARV. Actualmente existem critérios modificados para a classificação, que não contemplam esta variável, uma vez que se considera que todos os pacientes com diagnóstico de SK e HIV devem iniciar o TARV de forma eficaz e sem demora. A seguir apresenta-se a classificação de Sarcoma de Kaposi em Moçambique, segundo o guião de TARV Nacional: Durante a avaliação clínica de pacientes com SK, deve-se lembrar que o SK pode apresentar-se como SIR e também pode estar associado a outras condições ligadas à infecção pelo VHH-8 (doença de Castleman, Linfoma primário efusivo). Nestes casos, o prognóstico é pior que nos casos de SK isolado. (vide mais informações adiante nesta sessão). 201 Capítulo 6 Tratamento do Sarcoma de Kaposi O tratamento do Sarcoma de Kaposi contempla 3 componentes: • TARV • Quimioterapia • Tratamento paliativo Tratamentro Antiretroviral e Sarcoma de Kaposi Todos os pacientes com SK devem iniciar o tratamento antiretroviral com um esquema de TARV eficaz, uma vez que o SK é uma condição definidora de estadio 4 da OMS. Uma parte dos pacientes com Sarcoma de Kaposi poderá apresentar melhoria apenas com o TARV. Num estudo realizado em Uganda, aproximadamente 60% dos pacientes HIV+ com SK permaneceu estável apenas com TARV e sem progressão da doença que justificasse a indicação de quimioterapia. Os restantes 40% morreram ou precisaram de quimioterapia ao longo do seguimento.23 Num outro estudo realizado em Uganda24 onde foram seguidos 1,121 indivíduos, 17 (1.5%) foram diagnosticados com sarcoma de Kaposi antes do diagnóstico de HIV (sarcoma de Kaposi prevalente) e outros 18 pacientes (1.6%) foram também diagnosticado com SK ao longo do período de seguimento do estudo (seguimento médio de 56 meses). Os factores de risco para desenvolver SK foram os seguintes: • Sexo masculino (OR ajustada 2.41; IC95% 1.20–4.86); • CD4 basal < 50 cells/mm3 (OR ajustada 3.25; IC95% 1.03–10.3). Neste estudo, 65% dos pacientes com SK prevalente e 72% dos pacientes que desenvolveram SK ao longo do estudo experimentou regressão completa. Por sua vez, 64% dos pacientes que foi mantido num esquema de TARV com INNTR (18/28 pacientes) e 86% dos que foram trocados para um esquema de TARV contendo um inibidor da protease (6/7 pacientes), experimentou regressão das lesões de SK, ainda que as diferenças entre os grupos não tenham sido estatisticamente significativas (P = 0.23). A mortalidade neste estudo associou-se claramente com a presença de doença por SK visceral (HR 19.22; IC95% 2.42–152). Outros estudos apresentam resultados menos favoráveis. Num estudo na RSA, somente 39% dos pacientes com sarcoma de Kaposi teve boa evolução apenas com TARV.25 Pensa-se que o uso de inibidores da protease pode melhorar a evolução do sarcoma de Kaposi em pacientes em TARV, contudo este facto não tem sido confirmado ainda. Um estudo26 que comparou coortes de pacientes com diferentes esquemas de TARV (por um lado TARV contendo IP e por outro, outros esquemas) observou uma diminuição na ocorrência de novos casos de sarcoma de Kaposi na coorte de pacientes que recebia TARV com IP potenciado. Este estudo não incluiu pacientes 202 Capítulo 6 com SK ao início do seguimento. Outro estudo semelhante, envolveu pacientes com diagnóstico de SK na altura da introdução do TARV e neste caso, não foram encontradas diferenças entre os diferentes braços do estudo.23 Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi Todos os pacientes com sarcoma de Kaposi que apresentam risco de morte imediato devido às lesões (lesões orais muito extensas e que interferem com a alimentação ou respiração ou outras lesões viscerais sintomáticas) devem receber quimioterapia. Para pacientes com doença menos avançada, não há consenso sobre os benefícios da quimioterapia. Estas incertezas podem ter sido esclarecidas com a publicação de um ensaio clínico de grandes dimensões que tratou com TARV todos os pacientes com estadio T0 e com TARV e quimioterapia aos pacientes com estadio T1. Os pacientes com estadio avançado do sarcoma de Kaposi (T1) receberam quimioterapia com antraciclinas liposomais. A seguir apresentamos os detalhes deste estudo: • Desde 1998 foram arrolados no estudo realizado na Inglaterra um total de 303 pacientes com o estadio T0 e 166 pacientes com estadio T1. Os pacientes com estadio T0 tinham uma contagem de CD4 mais elevada (P < 0.001); 90% dos pacientes com estadio T0 e 84% dos pacientes com estadio T1 recebeu terapia em consonância com a abordagem planificada no estudo. O tempo médio de seguimento foi de 4,6 anos. A sobrevivência média foi de 89%. Foram registados 54 óbitos, dos quais 15 devidos directamente ao sarcoma de Kaposi. A sobrevivência desagregada por grupos foi de 92% para os pacientes com estadio T0 e 83% para os pacientes com estadio T1 (P < 0.001).27 Neste estudo aproximadamente 10% dos pacientes inicialmente estadiados como T0 acabou recebendo outros tratamentos para sarcoma de Kaposi, como cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, por causa do sarcoma de Kaposi ou de outras patologias malignas diagnosticadas ao longo do período de seguimento do estudo. A seguir está representado o gráfico que mostra a sobrevivência nos 2 braços do estudo: quadro 62: Sobrevivência media em 469 pacientes em função do estadio de SK 203 Capítulo 6 Conclusões: Este estudo fornece evidência de que o estadiamento clínico, com destaque para a componente T do estadiamento, é uma base sólida que permite a escolha de pacientes elegíveis a receber quimioterapia. A quimioterapia pode ser adiada na maioria dos pacientes com estadio T0. Esta abordagem para manejo dos casos de sarcoma de Kaposi baseada no estadio clínico, permite atingir taxas de sobrevivência elevadas em pacientes com sarcoma de Kaposi avançado, permitindo ao mesmo tempo poupar a exposição à quimioterapia na maioria de casos com estadio precoce. Contudo, é de salientar que neste estudo, foram usados esquemas de quimioterapia baseados em antraciclinas liposomais. Estes fármacos não estão disponíveis de forma rotineira no nosso contexto. • Um estudo anterior realizado na África do Sul que usou apenas fármacos quimioterápicos de baixo custo fornecidos pela OMS (quase todos eram casos com estadio T1), mostrou uma melhoria dos resultados clínicos em pacientes tratados com quimioterapia e TARV em relação aos pacientes tratados apenas com TARV, mas sem aumento da sobrevivência. Resultados: 59 pacientes foram randomizados para receber o TARV e 53 pacientes, TARV + quimioterapia. A resposta clínica do SK aos 12 meses foi de 39% no braço de TARV e 66% no braço de TARV + Quimioterapia (diferença de 27%; IC95% 9-43%; P = 0.005). Nessa altura, 77% dos pacientes continuava vivo, sem diferenças entre os braços (P = 0.49). Neste estudo, a qualidade de vida e a taxa de resposta do SK foi superior no braço que recebeu quimioterapia + TARV mas a sobrevivência não melhorou.25 • Finalmente, o estudo seguinte apresenta resultados encorajadores em relação ao tratamento do sarcoma de Kaposi em crianças. Nesta série de casos de Maputo, um total de 24 crianças completaram quimioterapia para sarcoma de Kaposi; 5 delas tiveram remissão completa e 19 tiveram 6090% de redução das lesões cutâneas. O desaparecimento gradual das lesões aconteceu após a finalização da quimioterapia em todos os casos (entre 1 e 10 meses após finalizar). A remissão mantida durante uma média de 27 meses (20-36) foi observada em todos os pacientes excepto em 3. Estas 3 crianças sofreram recaída do sarcoma de Kaposi; 2 tiveram uma recaída transitória que melhorou sem necessidade de mudanças de esquema de TARV ou outros tratamentos e a terceira criança teve recaída cutânea e ganglionar motivou a administração de quimiotarapia com Paclitaxel, sem benefícios. Neste estudo, 4 das crianças com remissão completa obitaram após a finalização da quimioterapia. Pensa-se que as mortes não tiveram relação com a quimioterapia, sendo 2 por malária severa e outras de causa não conhecida.2 204 Capítulo 6 Tratamento da Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi Apesar do TARV estar indicado para todos os pacientes com diagnóstico de Sarcoma de Kaposi e HIV, a introdução de TARV em pacientes com infecção por VHH-8 pode provocar SIR. Para além do risco geral de mortalidade por causa do Sarcoma de Kaposi, a ocorrência de SIR nestes pacientes representa um risco de morte adicional. A SIR por SK pode-se manifestar como lesões mucocutânes, viscerais ou ambas. Numa coorte nos EUA, a SIR por SK com afectação visceral (geralmente pulmonar), teve a taxa de mortalidade mais elevada (50%) de todas as formas de SIR existentes (incluindo SIR secundário a TB, CMV, PCP ou criptococo). O sarcoma de Kaposi sem envolvimento visceral não mostrou aumento da mortalidade por SIR nesta coorte28 (Achenbach). No estudo Sulafricano apresentado anteriormente (Mosam 2012)25, houve 23 casos de SIR por SK e 10 deles (43.5%) resultaram em óbito. Na coorte de Manhiça descrita anteriormente, durante os primeiros 10 meses de TARV 8 pacientes (8/69, 11.6%) apresentaram SIR por SK, uma média de 13,8 meses após a introdução do TARV.7 2 pacientes (25%) morreram. O SK a nível mucocutâneo também pode-se manifestar como SIR, após a introdução do TARV. Numa série de casos publicada, as lesões de SK preexistentes aumentaram em tamanho e número (média de 20 lesões mais por paciente durante o episódio de SIR) e em alguns casos se apresentaram com dor e edema (Leidner)29. A fotografia abaixo mostra a rápida progressão de uma lesão orofaríngea de pequeno tamanho antes da introdução de TARV, e que cresce de forma evidente e fica visível também no outro lado, após a reconstituição imune que segue à introdução de TARV. A SIR por sarcoma de Kaposi envolve frequentemente os pulmões. Pode-se 205 Capítulo 6 apresentar com febre, dispneia, tosse, perda de peso e aparecimento de infiltrados pulmonares ou derrame pleural no Rx tórax, e geralmente associa-se com lesões de SK mucocutâneas. O SK pulmonar pode-se semelhar com um quadro de TB (SIR-TB) ou de PCP (SIR-PCP) e pode-se apresentar em simultâneo com estas patologias. As taxas de mortalidade são muito elevadas nestes casos (100% no estudo de Mosa25). Um exemplo de evolução dramática das imagens do Rx de tórax num paciente com SIR por SK pulmonar mostram-se a seguir (Friedland30). Nota: este paciente sobreviveu! Imagem A: Rx torax realizado 14 semanas antes da admissão no hospital Imagem B: progressão evidente dos infiltrados pulmonares com consolidações confluentes perihiliares e perivasculares Os pacientes com sarcoma de Kaposi extenso, especialmente aqueles com envolvimento visceral (e particularmente a nível do aparelho respiratório, isto é, pulmões, pleura, gânglios intratorácicos) apresentam um pior prognóstico (elevada mortalidade após a introdução do TARV). Uma parte importante dos casos devese à elevada carga tumoral que faz com que os pacientes apresentem agravamento de sintomas respiratórios como consequência da reconstituição imune que leva ao reconhecimento das células tumorais e a conseguinte reacção inflamatória, que pode comprometer a vida a curto prazo. A identificação dos pacientes com elevado risco de apresentar síndrome de imuno-reconstituição por SK pode permitir uma gestão atempada de complicações: • Pacientes com lesões de crescimento rápido em outras localizações (pele e nódulos linfáticos); 206 Capítulo 6 • Pacientes sintomáticos (com sintomas respiratórios) devidos a lesões de SK antes da introdução do TARV: exemplo, derrame pleural; • Pacientes com lesões orais (palato) muito extensas. Nestes casos, a oxigenoterapia, a toracocentese evacuadora, se for necessário de forma repetida, assim como a pleurodese química, podem permitir a melhoria clínica. Estes casos complexos e graves devem ser geridos sempre que possível em locais com um mínimo de recursos. O tratamento da SIR por SK não é diferente do tratamento do SK (TARV, quimioterapia quando indicado e tratamento de suporte). Contudo, há algumas particularidades no manejo da SIR por SK: ao invés do que acontece em outros casos, a administração de corticóides pode provocar um agravamento da SIR. Já foram publicados alguns casos de pacientes sem HIV e com doenças auto-imunes como a artrite reumatóide, que recebiam tratamento com corticóides e que desenvolveram lesões de sarcoma Kaposi. Nestes casos, houve remissão das lesões ao suspender os corticóides (Louthrenoo).31 Em 1989, Gill32 publicou uma série de 7 casos de pacientes HIV+ (6 dos quais com diagnóstico prévido de SK) que apresentaram agravamento de lesões já existentes ou aparecimento de novas lesões (alguns com mais de 100 lesões ou com ulceração e edema) a nível mucocutâneo e visceral, nos 30 dias que seguiram à introdução de corticóides (geralmente para o manejo de outras condições oportunistas como PCP ou linfoma não Hodgkin). Todos eles melhoraram nas 8 semanas seguintes à interrupção dos corticóides. Em 1992, Elliott el al33 reportaram o aparecimento de lesões de SK em pacientes com TB e HIV que recebiam prednisolona. Neste estudo, a incidência de SK foi de 4.2 casos/100 pacientes/ano de seguimento, com nenhum caso reportado entre pacientes sem tratamento com prednisolona34. Por último, Volkow já reportou casos de exacerbação de SK devido a SIR com comprometimento vital após a introdução de corticóides.35 Por estes motivos, alguns (ainda que nem todos) dos cientistas e especialistas concluem que NÃO devem ser administrados corticóides a pacientes com SIR por SK (Meintjes36, Stover37). O guião Nacional de TARV igualmente desaconselha o uso de corticóides em pacientes com sarcoma de Kaposi, com a excepção dos casos nos quais não há alternativa: 207 Capítulo 6 Resumo: os pilares para o manejo da SIR por Sarcoma de Kaposi são TARV, quimioterapia (quando indicado), anti-inflamatórios não esteróides e tratamento de suporte (oxigenoterapia, toracocentese se indicado...) Outras considerações no Manejo do Sarcoma de Kaposi Pulmonar Segundo Light, o derrame pleural por sarcoma de Kaposi é difícil de gerir. A pleurodese com tetraciclina não funciona em muitos dos casos. A pleurodese com talco pode ser a melhor opção.20 Após a decisão de indicar quimioterapia, esta deve ser administrada garantindo as medidas de segurança. Todos os agentes quimioterápicos têm toxicidade e nem todos os pacientes irão tolerar a quimioterapia(QT). Isto implica que por vezes, a eficácia e os resultados do tratamento na prática clínica pode ser pior que aquele mostrado nos ensaios clínicos. Em Moçambique as recomendações sobre a quimioterapia para SK são as seguintes: Recomendações Específicas do Tratamento de SK associado ao HIV em Adultos: • Iniciar o TARV em todos os casos, independentemente do CD4; • Se SK com estadiamento T0 S0/T0 S1: Iniciar apenas TARV; • Se SK com estadiamento T0 S0/T0 S1 que não responde em 6 meses ao TARV e/ou múltiplas lesões, administrar : • QT: Doxorubicina 60 mg/m2 + Vincristina 2mg, cada 3-4 semanas • Se SK com estadiamento T1 S0/T1 S1: QT: Doxorubicina 60 mg/m2 + Bleomicina 15 U E.V. + Vincristina 2 mg, cada 3-4 semanas Os principais efeitos adversos da QT de primeira linha para SK em Moçambique são: a) Depressão medular, que se manifesta pelo aparecimento/agravamento da anemia, neutropenia e trombopenia (todos os fármacos, especialmente doxorrubicina); b) Toxicidade cardíaca (dose dependende e cumulativa por Doxorrubicina); c) Neuropatia mista sensitivo-motora (vincristina); d) Sintomas gastrointestinais altos (vómitos, geralmente agudos e autolimitados). As recomendações para o manuseamento da quimioterapia também segundo o Guião Nacional de TARV são: 208 Capítulo 6 209 Capítulo 6 210 Capítulo 6 É importante salientar que a Doxorrubicina e Daunorrubicina liposomais, que neste momento são consideradas a segunda linha de quimioterapia em Moçambique, são de facto os medicamentos de primeira escolha em países sem limitação de recursos (Kreil 201443). As formulações liposomais têm como alvo apenas as células tumorais e não as células humanas sãs, o que permite taxas de resposta maiores com menor toxicidade (Smart in HATIP12). Durante e após a quimioterapia, a evolução das lesões de sarcoma de Kaposi deve ser monitorada e registada no processo clínico. As reacções adversas devem ser também monitoradas. O formulário para o seguimento de pacientes com SK é reproduzido a seguir: 211 Capítulo 6 Tratamento Paliativo em Pacientes com Sarcoma de Kaposi Uma vez que o prognóstico da maioria dos pacientes com SK avançado é mau é necessário considerar o tratamento paliativo. Francis et al.44 utilizam a escala chamada African Palliative Outcome Scale no artigo publicado em relação ao tratamento do SK no Malawi. Smart12 (HATIP) também recolhe algumas orientações para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com SK, nomeadamente: • Uso de amitriptilina para manejo da dor neuropática (noite); • Massagens para o linfedema; • Penso local para as lesões ulceradas (água morna), • Creme de metronidazol para lesões com mau cheiro); • Controle da dor (com derivados mórficos se for necessário). 212 Capítulo 6 Outras complicações da infecção por VHH-8 A doença de Castleman e o linfoma efusivo primário (LEP), apesar de serem muito menos menos frequentes que o sarcoma de kaposi, fazem parte das complicações da infecção por VHH-8, e têm, duma forma geral, pior prognostico. Estas patologias devem ser suspeitadas particularmente em pacientes com SK que mostram deterioração clínica, uma vez que as duas patologias podem acontecer em pacientes com SK. A seguir se descrevem de forma breve. Doença Multicêntrica de Castleman Trata-se de uma doença linfoproliferativa causada pela infecção por VHH8. Os pacientes HIV+ com esta condição se apresentam com febre, fraqueza, linfadenopatia generalizada e citopenias39. Ainda que inicialmente pode regredir e progredir, a evolução pode também ser muito agressiva, cursando com síndrome hematofágica e anasarca secundário, insuficiência renal e hepática (Borie16) e pode finalmente sofrer transformação para linfoma não Hodgkin (Volberding40). 75% dos pacientes nos quais é diagnosticada a doença de Castleman, apresentam sarcoma de Kaposi mucocutâneo (Borie16). O diagnóstico é feito a partir da biópsia. O prognóstico é mau (sobrevivência media 11 meses numa revisão citada por Borie), e não existe um tratamento padronizado (Borie16). Na seguinte tabela Carbone et al. são descritos os sinais/sintomas da doença41: quadro 63: Características na apresentação de casos de Doença Multicêntrica de Casttleman associada ao HIV. Revisão. 213 Capítulo 6 Linfoma Efusivo Primário (LEP) Este é outra complicação derivada da infecção pelo VHH-8. O LEP é uma variante do linfoma não Hodgkin que afecta às serosas (pleura, pericárdio e peritoneu) e que pode se apresentar em pacientes com imunodepressão avançada e infecção pelo VHH-8 (Borie)16. É pouco comum (3% dos linfomas associados a SIDA [Borie]). Cursa com febre, dispneia, anemia (50%), derrame pleural (85%), ascite (50%), hepatoesplenomegalia (66.7%). O sarcome de Kaposi esta presente em 3070% destes casos. Clinicamente pode se assemelhar à TB pleural ou sarcoma de Kaposi pulmonar. O diagnóstico é feito a partir da citologia do líquido pleural. O prognóstico é mau (sobrevivência média 6 meses) e não há nenhum tratamento padronizado, contudo alguns esquemas de quimioterapia como CHOP tem sido utilizados com resposta em alguns casos (Borie). Na tabela seguinte, Ammari42 resume as características clínicas do LEP a partir dos dados de 6 estudos: quadro 64: Características do LEP a partir de 6 séries publicadas Conclusão: Em pacientes com doença avançada por sarcoma de Kaposi, os clínicos devem pensar também na possibilidade de coexistência de SIR por SK, LEP,doença de Castleman e linfoma associado. Além destas, outras condições oportunistas podem se apresentar com um quadro semelhante ao de sarcoma de Kaposi ou acontecer em simultâneo. 214 Capítulo 6 Pontos-Chave da Sessão • O vírus herpes humano 8 (VHH-8) é uma infecção oportunista que pode provocar diversas patologias malignas associadas a SIDA: sarcoma de Kaposi, LEP, doença de Castleman. • O VHH-8 pode também causar sarcoma de Kaposi em pacientes HIV negativos, especialmente se estes pacientes apresentam imunodepressão pelo uso de corticóides ou por outras causas. • O início atempado de TARV e a adesão mantida reduzem de forma importante a incidência de sarcoma de Kaposi e outras condições associadas à infecção por VHH-8. • O sarcoma de Kaposi é a complicação mais frequente da infecção por VHH-8. Sem tratamento, o prognóstico é mau, mas pode responder parcialmente ao TARV + Quimioterapia quando indicada. Ambos tratamentos estão disponíveis em Moçambique. • Quando o sarcoma de Kaposi é diagnosticado num paciente, o clínico deve estadiar para concluir se é necessário indicar quimioterapia junto ao TARV, ou apenas é necessário iniciar o TARV. • As complicações derivadas da infecção por VHH-8 incluem a SIR por sarcoma de Kaposi particularmente a nível pulmonar, a doença de Castleman e o LEP. • A melhor forma de gerir o sarcoma de Kaposi é iniciar o TARV atempadamente, antes que os pacientes estejam severamente imunodeprimidos. 215 Capítulo 6 Referências 1. Goldman L, Bennett JC. Cecil Textbook of Medicine. 21st ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2000. 2. Vaz P, Macassa E, Jani I, et al. Treatment of Kaposi sarcoma in human immunodeficiency virus-1-infected Mozambican children with antiretroviral drugs and chemotherapy. Pediatr Infect Dis J. Oct 2011;30(10):891-893. 3. Shebl FM, Emmanuel B, Bunts L, et al. 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AIDS Res Treat. 2012;2012:312564. 218 C apí tulo 7 Desafios no Diagnóstico da Co-infecção Tuberculose e HIV Índice Capítulo 7 Introdução................................................................221 Epidemiologia da TB em Moçambique: O Problema do Subdiagnóstico........................221 Erros na Avaliação de Sinais e Sintomas da Tuberculose...................................... 223 Falhas em Avaliar Sinais e Sintomas da Tuberculose..................................................... 223 Demora na Avaliação de TB........................ 224 Baixa Sensibilidade dos Meios Diagnósticos Disponíveis.............................. 224 Epidemiologia da TB em Crianças: Problemas Específicos no Diagnostico da TB Pediátrica.......................................................225 Subdiagnóstico e Subtratamento de TB Resistente às Drogas.............................................227 Estudos que Mostram uma Prevalência de TB Resistente em Moçambique................ 228 Causas da Tuberculose Droga Resistente....................................................................229 Consequencias de TB-MDR................................. 232 Mortalidade........................................................... 232 Custo.......................................................................... 233 Teste de Gene Xpert: Vantagens no Diagnóstico de TB (vs outros métodos de diagnóstico habituais)....................................235 Vantagens científicas............................................... 235 Gene Xpert: Vantagens Operacionais.......... 239 Gene Xpert: Desafios Operacionais................ 240 Introdução de Gene Xpert e Resultados do Tratamento da TB.............................................243 Revisão das Directrizes Moçambicanas sobre Gene-Xpert..................................................244 Resultados do Teste GeneXpert e Contuda........................................................................... 248 Diagnóstico de TB em Crianças: Particularidades......................................................250 Pontos-Chave da Sessão......................................252 Referências................................................................253 Capítulo 7 7. Desafios no Diagnóstico da Co-infecção Tuberculose e HIV Introdução Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da Tuberculose. Porém, como o sistema imune ainda consegue controlar as infecções, a maioria destas pessoas não desenvolve a doença tuberculosa. A incidência de tuberculose tem aumentado com o surgimento da epidemia do HIV/SIDA. A maioria dos doentes co-infectados pelo HIV e TB encontram-se em África. As pessoas infectadas pelo HIV têm maior probabilidade de desenvolver a doença tuberculosa quando também estão infectadas pelo bacilo da tuberculose devido à fraqueza do seu sistema imune. Além do risco aumentado de sofrer de TB, as pessoas HIV+ também têm maior chance de recorrência e de morrer de tuberculose. Na África Sub-Sahariana e também em Moçambique, a maioria dos doentes com TB são seropositivos. Por exemplo, um estudo realizado na província de Manica e publicado em 2012, reportou que 71% dos pacientes com tuberculose recentemente diagnosticada e com resultados disponíveis para os testes de HIV eram seropositivos.1 O objectivo desta sessão é descrever os três principais factores contribuintes para o aumento da carga de TB (e TB/HIV) em Moçambique, a saber: • O diagnóstico tardio da TB; • O sub-diagnóstico da TB resistente aos medicamentos (incluindo MDR e XDR); • O sub-diagnóstico da TB em crianças. Epidemiologia da TB em Moçambique: O Problema do Subdiagnóstico Em Moçambique pensa-se que a incidência de TB esta aumentando, e a proporção de casos de tuberculose detectados, em relação aos esperados continua sendo baixa. Veja a figura abaixo extraída do Relatório de TB da OMS de 2012. A linha verde representa a incidência global, a linha vermelha representa a incidência de TB associada ao HIV entre 1990 e 2011.2 Como se mostra no gráfico, apenas cerca ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO 221 Capítulo 7 de um terço dos casos de tuberculose estimados são diagnosticados e notificados no País (segundo a OMS, cerca de 34%). quadro 64: Nº Estimado de Casos de TB POR 10.000 Habitantes e por Ano (2012) A TB é provavelmente sub-diagnosticada em todo o mundo. De acordo com Lawn et al.3, estima-se que um terço de novos casos de TB não é diagnosticado. O diagnóstico é dificultado especialmente nos países com menos recursos, como Moçambique onde se estima que dois terços dos casos não são diagnosticados. Os motivos do fraco diagnóstico são os seguintes: • Baixa sensibilidade da baciloscopia convencional; • Disponibilidade limitada de raio-X, biópsia e cultura; • Falta de garantia de qualidade. A tuberculose não diagnosticada causa morbilidade e mortalidade nos próprios pacientes, assim como transmissão evitável de TB no agregado familiar e na comunidade. A incapacidade para diagnosticar a tuberculose pode ter consequências piores para os pacientes que, para além da tuberculose são seropositivos e desconhecem seu seroestado, porque o tratamento da TB sem TARV não vai impedir a progressão da doença por HIV. Num estudo realizado em três unidades sanitárias na Província de Manica, o tratamento da TB sem TARV, teve como resultado um pequeno aumento (e sem significado estatístico) da contagem de CD4 (um aumento de 19 células/ml), enquanto que a contagem de CD4 aumentou em 81 células/ml (estatisticamente significativo) em pacientes que receberam ambos tratamentos.4 222 Capítulo 7 Causas do Sub-diagnóstico em Moçambique O sub-diagnóstico pode ocorrer por vários motivos: • Baixa suspeita de tuberculose; • Incapacidade para confirmar a presença de TB por causa das limitações de meios diagnósticos disponíveis, ou; • Outros constrangimentos relacionados com o paciente e o sistema de saúde. Erros na Avaliação de Sinais e Sintomas da Tuberculose Dois estudos realizados em Moçambique têm documentado o rastreio incompleto para TB e/ou a avaliação incompleta de suspeitos de tuberculose. • Numa avaliação sobre as práticas de rastreio de TB realizada entre 2004 e 2008 em 30 US com TARV em Moçambique, apenas 61% dos registos médicos documentou a realização de rastreio de TB, e em apenas 5% dos registos médicos o rastreio incluiu todos os sintomas importantes5 . Houve também uma considerável heterogeneidade entre os locais, com coberturas de rastreio de tuberculose muito variáveis (desde 2% a até 98% dos pacientes, dependendo do local), conforme descrito na figura abaixo de Auld et al. As práticas de rastreio de TB melhoraram ao longo do tempo. • Num outro estudo realizado no Hospital Central da Beira, a baciloscopia do escarro só foi solicitada em 93 (39,7%) de 234 pacientes hospitalizados com provável TB; neste estudo apenas 150 (64,1%) tinham radiografia de tórax.6 quadro 65: Percentagem de processos clínicos com registo de informação sobre rastreio de TB em 30 US 223 Capítulo 7 Demora na Avaliação de Casos Suspeitos de TB Um terceiro estudo descreveu as contribuições relacionadas com os pacientes e o sistema de saúde, na demora do diagnóstico e tratamento da tuberculose na província de Sofala. Os pesquisadores concluíram que os atrasos na procura de serviços médicos da parte dos pacientes (entre o início dos sintomas e a chegada a uma unidade sanitária) contribuíram com 61 dias de atraso no diagnóstico, enquanto os problemas do sistema de saúde (demora entre a primeira consulta no Centro de saúde e o início do tratamento da TB) contribuíram com 62 dias adicionais para este atraso.7 Isso significa que a demora média entre o início dos sintomas e o diagnóstico da TB nesta população foi de cerca de 4 meses! Baixa Sensibilidade dos Meios Diagnósticos Disponíveis A microscopia de escarro simples (baciloscopia) subestima a prevalência de tuberculose, mesmo nos locais com capacidade laboratorial muito boa. Num estudo realizado em dois centros de referência para tuberculose (Hospital Central de Maputo e Hospital Geral de Machava), foram avaliados pacientes com tuberculose e co-infectados pelo VIH, através de microscopia de escarro e cultura. A baciloscopia detectou 73.4% (235/320) dos pacientes infectados por VIH e com infecção por Mycobacterium tuberculosis confirmada por cultura.8 A sensibilidade reportada de 73.4% é provavelmente mais alta do que a sensibilidade deste teste em unidades sanitárias periféricas, onde o pessoal do laboratório pode ser menos experiente. A sensibilidade da microscopia do escarro em geral não é satisfatória não apenas em Moçambique mas também em outros países. Esta sensibilidade é particularmente baixa em dois grupos de pacientes: Pacientes seropositivos e crianças. Getahun9 fez uma metaanálise a partir de estudos de pacientes com TB/VIH em 11 países diferentes e concluiu que em pacientes com TB/HIV cuja tuberculose foi confirmada através de cultura, PCR, ou Raio-X do toráx, a microscopia do escarro foi incapaz de detectar até 64% dos casos de TB. Num grande estudo publicado em 2011 com pacientes infectados por VIH na África do Sul, a microscopia de escarro teve uma sensibilidade de 28% (comparado ao padrão ouro que é a cultura), mesmo depois de avaliar várias amostras. Veja a tabela proveniente deste estudo abaixo10: 224 Capítulo 7 quadro 66: Sensibilidade e especificidade da baciloscopia de escarro em pacientes com TB/HIV (TB confirmada por cultura) Epidemiologia da TB em Crianças: Problemas Específicos no Diagnóstico da TB Pediátrica Os testes padrão para diagnóstico da tuberculose como a baciloscopia de escarro, têm um desempenho tão fraco no grupo de crianças de menor idade, que a OMS nem sequer tentou estimar a prevalência de TB em crianças pequenas até 2012. Segundo a OMS2 não existe um teste diagnóstico fácil de usar e com suficiente precisão para diagnosticar tuberculose em crianças. A maioria das crianças tem tuberculose paucibacilar, que é mais difícil de diagnosticar através da baciloscopia de escarro e cultura. Muitas crianças, sobretudo as mais novas não são capazes de expectorar. O diagnostico é feito normalmente usando uma combinação de critérios clínicos e outros testes. Não existe um algoritmo universalmente validado. Nos locais onde se tentou uma identificação sistemática de crianças com TB activa, foi encontrada uma prevalência da tuberculose pediátrica mais alta do que o esperado, especialmente em crianças infectadas por VIH. Um estudo em Malawi11 (Buck et al.) descreveu a prevalência da tuberculose em 4,874 crianças inscritas numa unidade sanitária em Lilongwe e encontrou que 32% tinha tido diagnóstico de tuberculose pelo menos uma vez; a idade média na altura do diagnóstico foi apenas de 3,8 anos. Das 1,561 crianças infectadas por VIH e diagnosticadas com tuberculose, 225 (14.4%) tinha morrido. 225 Capítulo 7 A taxa de mortalidade foi particularmente alta nas faixas etárias mais baixas (veja a tabela abaixo): quadro 67: Descrição da coorte pediátrica TB/HIV. Malawi Numa análise retrospectiva semelhante, que avaliava o diagnóstico de TB em crianças seropositivas em Quénia12 (Braitstein et al.) foi encontrada uma incidência muito alta de TB, sobretudo logo após o início do seguimento. Os factores de risco identificados nesta análise foram a imunossupressão avançada, a ausência de TARV e a orfandade. quadro 68: Taxa de incidência e intervalo de confiança (95%) de TB em crianças HIV+, de acordo com o tempo transcorrido desde o início do seguimento. 226 Capítulo 7 quadro 69: Risco relativo (ajustado e não ajustado) e intervalo de confiança de 95% de apresentar diagnóstico de TB após o início do seguimento Como os estudos acima citados incluíram crianças que foram diagnosticadas por meios clínicos e radiológicos, além de crianças com baciloscopia positiva, estes números podem ter sobrestimado a incidência de TB. Contudo, estes estudos mostram que o universo de crianças nas quais deve ser suspeita e pesquisada a existência de TB é muito elevado, e todas elas devem ser avaliadas com a maior atenção possível. Sub-diagnóstico e Sub-tratamento de TB Resistente às Drogas O problema geral de sub-diagnóstico da TB é ainda maior quando considera-se apenas a TB resistente a drogas. A prevalência da tuberculose multidroga-resistente (definida como a infecção por Mycobacterium tuberculosis resistente à isoniazida e rifampicina)3 está aumentando em todo o mundo e o seu diagnóstico é ainda mais complexo. Em 2011, estima-se que houve mais de 300.000 casos de TB-MDR globalmente. A capacidade global para o reconhecimento da TB-MDR é limitada, e pensa-se que 90% de casos existentes em 20113 não tinham sido diagnosticados. A consequência de não reconhecer a tuberculose resistente é que a instauração de tratamento com esquemas inadequados pode criar resistência ainda maior, que pode então, ser transmitida na comunidade. 227 Capítulo 7 Estudos que Mostram a Prevalência de TB Resistente em Moçambique No estudo realizado por Nunes et al. descrito acima8 (diagnóstico de TB nos Centros de Referência de TB em Moçambique), 17% (44/258) dos pacientes com resultados de sensibilidade disponíveis tinham TB resistente a pelo menos uma droga antituberculose (isoniazida, rifampicina ou estreptomicina); este número incluiu 23 pacientes que nunca tinham sido tratados para TB no passado, sugerindo a existência de transmissão de TB resistente no nosso contexto. Neste mesmo estudo 5% (13/258) teve TB-MDR. A tabela 3 deste artigo, apresentada abaixo, descreve o padrão de resistência/sensibilidade observada. Pensa-se que a alta prevalência de resistência a INH indica alto risco de desenvolvimento de TB-MDR na população Moçambicana. quadro 70: Distribuição de isolados de M. Tuberculose provenientes de 279 pacientes, de acordo com os padrões de resistência a isoniazida, rifampicina, etambutol e estreptomicina, e em relação ao antecedente de tratamento para TB prévio. Um estudo de âmbito nacional, avaliou a prevalência de resistência a drogas em mais de 1.000 pacientes moçambicanos com TB. Foi detectada resistência a uma ou mais drogas contra a tuberculose em 11,3% dos casos novos e 23,3% dos casos em retratamento; Por sua vez foi detectada TB-MDR em 3,5% dos casos novos e 11,2% dos casos em retratamento. Entre os casos novos, a TB-MDR estava presente em 2,1% dos pacientes sem HIV versus 4,5% dos seropositivos.14 Um estudo ainda mais recente realizado na região centro de Moçambique determinou que 7,3% dos pacientes com tuberculose e baciloscopia negativa tinha resistência a rifampicina, segundo os achados do teste GeneXpert, ainda que estes dados não foram confirmados por cultura e teste de sensibilidade.16 Dados de vigilância epidemiologia internacional sugerem que actualmente, Moçambique detecta apenas 16% dos casos de TB-MDR.17 228 Capítulo 7 Causas da Tuberculose Resistente a Drogas A TB- MDR pode surgir mesmo em pacientes que recebem um tratamento adequado e que apresentam boa adesão, por causa da variabilidade individual no metabolismo dos fármacos. Contudo, esta situação não é frequente.18 O principal factor de risco para o surgimento de resistência às drogas anti-tuberculose é o tratamento incorrecto da TB (por exemplo, a adesão fraca ou intermitente, a selecção incorrecta das drogas prescritas, a posologia incorrecta e a má qualidade das próprias drogas).19 Alguns dos principais factores de risco para a transmissão de tuberculose resistente incluem a hospitalização20 e a exposição domiciliar ou ao nível da comunidade.21 A maior parte da discussão sobre o surgimento de resistência ao HIV (numa outra unidade neste manual) é também aplicável à emergência de resistência às drogas anti-tuberculose. Os princípios fundamentais são: • O regime inicial do paciente deve incluir várias drogas activas (a primeira linha de tratamento da TB deve usar quatro drogas activas) combinadas num regime apropriado. Se os bacilos (ou o vírus) do paciente já tivessem resistência a um/vários dos fármacos desde o início, o tratamento pode falhar. Neste caso a replicação dos bacilos (ou do vírus) não será completamente suprimida, e cada evento de replicação irá acontecer na presença de medicamentos, o que poderá levar à selecção de estirpes resistentes a outros fármacos que inicialmente eram eficazes. Neste sentido deve-se trabalhar (a nível individual do pacientes e também a nível do sistema de saúde) para alcançar taxas de adesão muito elevadas. A baixa adesão permite uma oportunidade para o surgimento de nova resistência; • A Cultura e o teste de sensibilidade a antibióticos (TSA) devem ser solicitados sempre que estiver indicado, para permitir a identificação de casos com resistência às drogas; • Devem ser tomadas as medidas necessárias para reduzir/limitar a possível transmissão de resistência dentro do agregado familiar, da comunidade, na sala de espera ou na enfermaria do hospital. Como já foi referido, a TB-MDR pode ser secundária (emergência de resistência aos medicamentos de TB durante o tratamento inadequado) e pode também ser primária (transmissão de TB-MDR dentro do agregado familiar ou da comunidade). Alguns exemplos da África do Sul são dados abaixo: Andrews et al.22, em KwaZulu Natal, descobriram que o antecedente de tratamento da tuberculose com ocorrência de abandono ou falência, aumentava muito o risco de desenvolver TB-MDR. O risco foi 51 vezes maior (OR 51.7) em caso de falência do tratamento e 25 vezes maior (OR 25) em caso de abandono. 229 Capítulo 7 quadro 71: Factores de risco ajustados para desenvolver TB-MDR e TB-XDR • Num outro estudo sobre TB-MDR em KwaZulu-Natal, Bantubani et al.20 concluíram que os factores de risco mais importantes para TB-MDR foram o tratamento para TB anterior ou actual, a história de hospitalização prolongada e o sexo masculino. quadro 72: Analise dos factores de risco associados com TB-MDF 230 Capítulo 7 • Em 2011 Cox et al. descreveram a prevalência de TB-MDR em Khayelitsha, um bairro periférico e populoso na Cidade do Cabo. Neste estudo foi encontrada TB-MDR em 3,3% dos novos casos de tuberculose e em 7,7% dos casos de re-tratamento. Uma vez que o número absoluto de casos novos com resistência era elevado, concluíram que houve transmissão importante de TB-MDR dentro da comunidade. Neste estudo conclui-se que mais de 80% dos casos de TB-MDR foram transmitida dentro da comunidade (vs menos de 20% que aconteceram em pacientes com antecedentes de tratamento prévio para TB), vide figura abaixo: quadro 73: Casos de Tuberculose notificados no bairro de Khayelitsha em 2008 (Cape Town) 231 Capítulo 7 Consequências de TB-MDR As principais consequências da resistência às drogas são o aumento da mortalidade, o aumento da duração e custo do tratamento da TB, o aumento da transmissão de TB-MDR no seio da comunidade e o aumento da prevalência de TB de extrema resistência a drogas (TB-XDR). Define-se TB-XDR como aquela que apresenta resistência frente a Isoniazida, rifampicina, uma fluoroquinolona e pelo menos 1 dos medicamentos injectáveis de segunda linha (amikacina, kanamicina, capreomicina). Mortalidade A figura abaixo (da OMS 20122) descreve os resultados do tratamento da TB-MDR (incluindo mortalidade) por região. Observe que a taxa de cura em África é de 45% (comparada com 86% para casos novos de TB em locais com elevada prevalência de TB): quadro 74: Resultados do tratamento em pacientes com TB-MDR por regiões (2009 OMS) Duração do tratamento Os regimes padrão de tratamento da OMS para pacientes com TB-MDR recomendam 20 meses de tratamento com drogas de segunda linha. 232 Capítulo 7 Custo A Figura abaixo (OMS 20122) mostra a diferença entre o custo unitário do tratamento de primeira vs segunda linha para TB. Como pode-se observar, em países de baixa renda, o custo unitário do tratamento de segunda linha é em média 71 vezes superior ao do tratamento de primeira linha: quadro 75: Custo total e custo unitário da 1ª e 2ª linha de Tratamento para TB em 99 países (2009-2013), segundo o nível de renda dos países. O tratamento de TB-XDR é geralmente de 24 meses, com um custo ainda maior do que os regimes de TB-MDR. Dheda18 relata que, apesar dos casos de TB MDR e XDR representarem apenas 3% da carga de TB na África do Sul, gastam até 35% do orçamento para medicamentos anti-tuberculose. 233 Capítulo 7 A mortalidade de TB-XDR é ainda maior do que a mortalidade por TB-MDR (vide a figura abaixo de Dheda): quadro 76: Curva de sobrevivência (Kaplan-Meier) de casos de TB, atendendo ao padrão de resistência entre 2005 e 2007. Um dos principais mecanismos que favorecem o desenvolvimento de TB-XDR é o uso de medicamentos padrão de primeira e segunda linha em pacientes que apresentam TB resistente, e que não contêm um número suficiente de fármacos activos contra a tuberculose MDR. Este problema não é fácil de ultrapassar em Moçambique, dada a pouca disponibilidade de cultura e de testes de sensibilidade às drogas anti-tuberculose. 234 Capítulo 7 Teste de Gene Xpert: Vantagens no Diagnóstico de TB (vs outros métodos de diagnóstico habituais) Em 2011, a OMS recomendou a utilização de uma nova modalidade de diagnóstico molecular, o teste GeneXpert. Este teste permite o diagnóstico de TB através da detecção de DNA do Mycobacterium tubeculosis, e permite em simultâneo a identificação de resistência a rifampicina (R). Esta tecnologia já está disponível em Moçambique, embora o acesso ainda seja limitado. O teste tem grandes vantagens científicas, mas também apresenta alguns desafios operacionais importantes relacionados com a detecção de tuberculose pulmonar e a determinação da resistência a rifampicina. Estes benefícios e desafios serão descritos abaixo. Uma secção posterior irá discutir as implicações de uso de GeneXpert no resultado do tratamento dos pacientes. Vantagens Científicas do teste GeneXpert As principais vantagens científicas do teste GeneXpert incluem: • Maior sensibilidade e especificidade comparativamente à microscopia, ao algoritmo da OMS para detecção de TB pulmonar com baciloscopia negativa e, provavelmente à radiografia de tórax; • Detecção de resistência a rifampicina no momento do diagnóstico de tuberculose; • Também pode ser utilizado em amostras diferentes de escarro para a detecção de tuberculose. Nota: O protocolo moçambicano permite o uso de GeneXpert em amostras obtidas da punção ganglionar. Futuramente poderá ser aplicado em outras amostras (LCR, fezes, urina). Uma revisão recente (Cochrane database) avaliou a sensibilidade e a especificidade do teste GeneXpert para o diagnóstico de TB pulmonar em diversos estudos. Estes resultados provêm de estudos realizados num ambiente controlado (pesquisa). O abstract desta revisão é apresentado no quadro abaixo23: O teste GeneXpert também rendeu mais do que a baciloscopia fora do ambiente de pesquisa, quando foi avaliado em condições reais, em Centros de Saúde de África e contando com pessoal clínico básico. Num estudo multicêntrico publicado em 201425, que incluiu pacientes da África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia e Tanzânia, a sensibilidade global da microscopia foi de 50,0% (em relação à cultura), enquanto a do GeneXpert foi de 83,3%. 235 Capítulo 7 A meta-análise incluiu dados de 27 estudos com um total de 9557 participantes. 16 estudos (59%) foram implementados em países de renda media e baixa. Como teste inicial (em substituição da baciloscopia), a sensibilidade do teste Xpert® MTB/RIF foi de 89% (IC 95% [85%-92%]) e a especificidade foi de 99% (IC 95% [98%99%]), (dados provenientes de 22 estudos com um total de 8998 participantes, com 2953 casos de TB confirmada e 6045 sem TB). Aplicado em sequencia apenas nos casos com baciloscopia negativa, a sensibilidade do teste Xpert® MTB/RIF foi de 67% (IC 95% [60%-74%]) e a especificidade foi de 99% (IC 95% [98%-99%]), (dados provenientes de 21 estudos, 6950 participantes). Para os casos de TB com baciloscopia e cultura positiva, a sensibilidade do teste Xpert® MTB/RIF foi de 98% (IC 95% [97%-99%]), (dados provenientes de 21 estudos, 1936 participantes). Para os casos de pacientes com infecção por HIV, a sensibilidade do teste Xpert® MTB/RIF foi de 79% (IC 95% [70%-86%]), (dados provenientes de 7 estudos, 1470 participantes). Entre 180 amostras com micobactérias não tuberculosas, o teste Xpert® MTB/RIF foi positivo apenas numa amostra (14 estudos, 2626 participantes). Comparativa com a baciloscopia de escarro Quando comparado com a baciloscopia de escarro, o teste Xpert® MTB/RIF aumentou a detecção de TB entre casos confirmados por cultura em 23% (IC 95% [15%-32%]), resultados provenientes de 21 estudos, 8880 participantes. Em resumo, se estes resultados de sensibilidade são aplicados a uma coorte teórica de 1000 pacientes suspeitos de TB, na qual 10% tem TB, o teste Xpert® MTB/RIF iria detectar 88 casos e iria perder 12 casos, enquanto a baciloscopia iria detectar 65 casos e perder 25 casos. Resistencia a Rifampicina A sensibilidade do teste Xpert® MTB/RIF para a detecção de resistência a rifampicina foi de 95% (IC 95% [90%-97%]); dados provenientes de 17 estudos com 555 resultados positivos para resistência a rifampicina. A especificidade foi de 98% (IC 95% [97%-99%]); dados provenientes de 24 estudos com 2411 casos de resultados negativos para resistência. Em resumo, se os resultados de sensibilidade para a detecção de resistência a rifampicina fossem aplicados a uma coorte hipotética de 1000 pacientes com TB, na qual 15% tivessem resistência a rifampicina, o teste Xpert® MTB/RIF iria detectar 143 casos de resistência e iria perder 8 casos; o teste iria identificar 833 pacientes como sendo sensíveis a rifampicina e iria classificar de forma errada 17 casos como sendo resistentes. 236 Capítulo 7 Curiosamente, dois estudos já relataram que a vantagem do teste GeneXpert sobre a baciloscopia é ainda maior nos pacientes infectados pelo HIV e com doença avançada. • Um estudo Sul-Africano descobriu que o teste GeneXpert tem um desempenho melhor do que a microscopia de escarro em pacientes com TB/VIH com contagens baixas de células CD4, com cifras de hemoglobina inferiores e sintomáticos. A tabela abaixo, proveniente desse estudo, compara o desempenho da baciloscopia e do GeneXpert em população com co-infecção TB/HIV e com diferentes níveis de CD426 (outros estudos mostram resultados contrários, vide mais abaixo). Quadro 77: Sensibilidade da baciloscopia vs GeneXpert em amostras de escarro, e do teste LAM (detecção Ag em urina) vs GeneXpert em amostras de urina, estratificada segundo a contagem de CD4 • Na Etiópia, a sensibilidade do teste GeneXpert para a detecção de TB foi de 46,7% nos pacientes com CD4> 200 cels/mm3, contra 82,9% em pacientes com CD4 ≤ 100 cels/mm3. O GeneXpert também foi mais sensível em pacientes HIV+ nos estadios III e IV da OMS (76,3% e 83,3% respectivamente), em comparação com os que tinham estadios I e II da doença (33,3% e 44,4%).24 • Numa meta-análise de estudos que comparava o desempenho do teste GeneXpert e do algoritmo da OMS para o diagnóstico da tuberculose em pacientes com baciloscopia negativa, a sensibilidade e especificidade de 237 Capítulo 7 Gene Xpert (sempre tendo como teste de referência a cultura de amostra de escarro) foi de 67% e 98% respectivamente. A sensibilidade e especificidade do algoritmo da OMS foi de 61% e 69% respectivamente. Ao contrário do que foi mostrado nos 2 estudos anteriores (RSA e Etiopia), o algoritmo e também o teste GeneXpert tiveram pior desempenho nos locais onde a prevalência de HIV foi alta, mas o GeneXpert manteve um desempenho muito razoável, especialmente no que diz respeito à especificidade.27 • Num estudo na Zâmbia que tentava comparar o desempenho da radiografia de tórax e do teste GeneXpert no diagnóstico de TB, a radiografia de tórax demonstrou a mesma sensibilidade que o GeneXpert para a detecção de tuberculose pulmonar, mas foi muito menos específica (23,2% de especificidade em comparação com GeneXpert). Este estudo não contou com a cultura como teste de referência.29 Obviamente a radiografia de tórax não pode detectar resistência a rifampicina em nenhuma situação. • Vários estudos têm avaliado a capacidade do teste GeneXpert para detectar tuberculose em outras amostras/fluídos corporais para além do escarro. Uma meta-análise recente concluiu que o teste GeneXpert parece promissor para a detecção de tuberculose nos gânglios linfáticos e no líquor mas não no líquido pleural,30 segundo mostra a figura abaixo. Quadro 78: Sensibilidade do GeneXpert aplicado a diferentes tipos de amostras • No Malawi, o teste GeneXpert também tem sido utilizado para pesquisar a presença de Micobacterium tuberculosis em amostras de sangue. Embora a aplicação do teste em sangue não identificou nenhum caso de tuberculose que não tivesse sido também detectado por outros meios (como o teste GeneXpert de escarro), os pacientes com resultado positivo em amostras de sangue isto é, com micobacteremia, tiveram uma mortalidade substancialmente maior.31 Segundo estes resultados, o teste GeneXpert 238 Capítulo 7 aplicado a amostras de sangue poderá ser útil para identificar pacientes com tuberculose e com prognóstico particularmente mau. • Num outro estudo na África do Sul, o teste GeneXpert detectou mais casos de tuberculose pulmonar e extra-pulmonar a partir da análise de amostras de urina do que a partir de amostras de escarro (CROI abstrat 811LB, reproduzidas no final deste documento)32 em pacientes hospitalizados. O rendimento deste procedimento para o diagnóstico de TB foi tão alto que os autores sugeriram que fosse recomendado a realização do teste GeneXpert na urina de forma rotineira a todos os pacientes na altura da admissão hospitalar, em contextos com elevada prevalência de TB e HIV. Gene Xpert: Vantagens Operacionais As vantagens operacionais conhecidas do teste GeneXpert para diagnosticar TB incluem: • Identificação rápida da infecção por TB e da resistência a rifampicina; • O processamento é automatizado, sendo assim a qualidade não varia com o nível de habilidade do utilizador como é o caso de microscopia do escarro. Segundo um estudo multicêntrico levado a cabo por Lawn e tal. e publicado em 20133, o diagnóstico é mais rápido com GeneXpert do que com outros testes complementares. Num estudo realizado num hospital de Johannesburg, a introdução do teste GeneXpert resultou em início de tratamento de TB significativamente mais rápido, comparando com a demora no início de tratamento quando eram usados os resultados do raio X do tórax e da cultura.33 Vide a figura abaixo. Quadro 79: Demora até o início de tratramento para TB desde a realização do teste GeneXpert. 239 Capítulo 7 Um grupo na África do Sul reportou que a introdução do GeneXpert foi um sucesso num centro de saúde periférico, mesmo não havendo nenhum pessoal adicional de laboratório contratado. Não houve necessidade de “Habilidades especializadas“ dado que o pessoal com ensino secundário e sem formação laboratorial, executou os ensaios de GeneXpert depois de 2 dias de formação.34 Gene Xpert: Desafios Operacionais Os desafios operacionais conhecidos do teste GeneXpert para a detecção de TB e TB resistente a drogas incluem: • • • • • • • • • Necessidade de Pessoal; Tempo de processamento de duas horas ou mais Custos Capacidade (número de amostras que podem ser processadas em simultâneo); Disponibilidade de reagentes/cartuchos/fornecimento estável de energia; Pode detectar organismos de TB tanto inactivos como vivos, o que leva ao erro no diagnóstico caso seja organismo inactivo; Existem alguns resultados de resistência a Rifampicina falsos positivos; Necessidade de revisão de Normas Nacionais, registos, protocolos e fichas etc; A técnica pode ter uma taxa de falha significativa quando usada em condições subóptimas (por exemplo, com oscilações de energia). A seguir são explicados com mais detalhe alguns destes desafios: Necessidade de pessoal: Um Centro de Saúde Sulafricano com uma alta carga de casos TB/VIH precisou de 2.5 trabalhadores adicionais para a introdução do teste GeneXpert.34 Demora para a obtenção de resultados: O estudo de Clouse et al mencionado acima nos recorda que “2-horas” é o tempo estimado para o processamento das amostras. Deve-se adicionar o tempo que leva para colher as amostras, preparar amostra para processamento, para o preenchimento dos registos e reporte dos resultados ao clínico e paciente.34 Num estudo recente realizado em Moçambique, o tempo de espera para os resultados podia chegar a 7 dias, especialmente para amostras de pacientes referidas dos distritos e locais remotos.16 Custos: Cada cartucho custa pouco menos de 10 dólares (preços recentemente negociados), os aparelhos custam entre 15,700 e 65,500 dólares na África do Sul (o preço não inclui os custos de importação e qualquer melhoria necessária da rede eléctrica).30 240 Capítulo 7 Outros requisitos operacionais: Clouse et al. reportaram que para além de contratar e treinar novo pessoal, o seu Centro de Saúde teve que construir uma cabina especial externa para a colheita de amostras de escarro, comprar máscaras N-95 para a protecção individual do pessoal, garantir uma temperatura operacional ≤30° C e um fornecimento estável de energia, conectar o equipamento de GeneXpert ao computador, fazer manutenção regular e calibração de instrumentos e providenciar um espaço para armazenar os cartuchos do aparelho. Também elaboraram novos protocolos para poder localizar os pacientes que estavam a espera dos resultados (isto incluiu a recolha dos números de telefone dos pacientes quando disponível, a colheita de informação sobre a roupa dos pacientes nas salas de espera para permitir sua identificação) e para lançamento dos resultados na base de dados nacional de TB.34 Moçambique estabeleceu as seguintes normas para a instalação de GeneXpert nas Unidades Sanitárias do Sistema Nacional de Saúde: Capacidade: O aparelho GeneXpert apresenta-se em vários tamanhos, para acomodar um número de amostras variável. Clouse et al reportaram que a sua clínica na África de Sul precisou de 2 aparelhos de 4 módulos para processar uma media de 15 amostras por dia.34 241 Capítulo 7 Moçambique seleccionou o aparelho para 4 módulos como padrão: Falha da técnica: Num estudo multicêntrico que decorreu em vários países, incluindo Moçambique, sobre a implementação do teste GeneXpert em condições reais, o aparelho foi incapaz de produzir um resultado válido em cerca de 10% dos testes. A taxa de fracasso foi ainda maior em Moçambique. As falhas foram associadas a vários factores, incluindo interrupções no abastecimento de energia em mais de 25% do tempo assim como problemas na qualidade de cartuchos que agora se acham resolvidos.16 Resultados falso positivo sobre resistência a rifampicina: Num dos estudos sulafricanos citado acima, aproximadamente a metade das amostras identificadas pelo GeneXpert como resistentes a rifampicina foram consideradas como falsos positivos (após avaliação a partir de cultura e TSA), embora o número de amostras fosse pequeno.10 Isto levou à necessidade de desenvolver novos protocolos para o manejo de pacientes com TB resistente a rifampicina determinada pelo GeneXpert. De acordo com Nicol et al, a África do Sul optou em iniciar tais pacientes em regimes de TB-MDR enquanto se aguarda pelo resultado da cultura e TSA para confirmar a resistência a rifampicina e/ou outras drogas anti-TB. Esta abordagem requer de capacidade para cultura de micobactérias.35 Outros desafios resultantes da implementação do teste GeneXpert: uma vez o teste GeneXpert é introduzido, é necessário criar protocolos para gerir os casos suspeitos de tuberculose pulmonar com resultado negativo de GeneXpert. Embora o teste GeneXpert seja mais sensível do que a baciloscopia, ainda tem taxas elevadas de resultados falso negativo. Há uma discussão internacional sobre o melhor protocolo para o manejo de casos suspeitos de TB que testam negativo para GeneXpert. Nessa discussão surgem 3 opções: • Fazer cultura nos casos suspeitos e que testam negativo para GeneXpert; 242 Capítulo 7 • Aplicar o algoritmo da OMS para tuberculose BK negativa ou • Repetir a análise com GeneXpert.35 A África de Sul optou por introduzir o teste GeneXpert como teste inicial para diagnosticar tuberculose (substituindo a baciloscopia de escarro). Moçambique opta por indicar o teste nos casos em que a baciloscopia é negativa (teste em sequencia, seguindo a baciloscopia negativa). Introdução de Gene Xpert e Resultados do Tratamento da TB A aplicação de um novo teste diagnóstico para TB não vai melhorar o resultado clínico nos pacientes se não forem tratados atempadamente com um regime de tratamento eficaz. Dois estudos sul-africanos mostraram que o uso de GeneXpert aumentava o rendimento diagnóstico de TB satisfatoriamente, mas sem nenhuma diminuição na mortalidade dos pacientes (abstracts CROI 95 e 96LB).36,37 Num estudo multicêntrico em vários países da África Austral, o teste GeneXpert foi mais sensível que a baciloscopia e o uso de GeneXpert permitiu reduzir substancialmente o tempo de demora até o início do tratamento antituberculose, comparado com baciloscopia do escarro. Contudo, o resultado nos pacientes aos 6 meses foi semelhante, entre aqueles nos quais se aplicou o GeneXpert e nos que se fez baciloscopia. A explicação para este resultado é que provavelmente muitos pacientes com resultado negativo da baciloscopia de escarro foram tratados para TB com base na suspeita clínica e resultados do Raio X.25 (vide a figura abaixo, a proporção em tratamento anti-tuberculose não foi diferente em ambos braços do estudo25): Quadro 80: Proporção de pacientes em tratamento para TB ao longo do tempo (linhas vermelhas GeneXpert; linhas azuis baciloscopia) 243 Capítulo 7 Assim sendo, onde a prática de tratamento empírico de TB é comum, a introdução de GeneXpert pode não mudar substancialmente o número de suspeitos de TB que iniciam o tratamento,39 embora provavelmente vai reduzir o tempo para iniciar o tratamento antituberculose e aumentar a detecção de TB-MDR, sobretudo onde não há capacidade real para cultura. Conclusão: pode-se afirmar que o resultado clínico nos pacientes e a prevenção do desenvolvimento e transmissão de cepas resistentes a drogas depende da capacidade do sistema para seleccionar regimes adequados de tratamento para todos os pacientes com TB e garantir que todos os pacientes que iniciam o tratamento para TB completam o tratamento. O aumento do número de pacientes que são diagnosticados com TB num sistema que não garante o tratamento completo e correcto pode, de forma paradoxal, aumentar a carga de TB resistente a drogas nos pacientes, nas suas famílias e na comunidade (IUATLD). Revisão das Directrizes Moçambicanas sobre Gene-Xpert Moçambique esta introduzindo de forma progressiva e com apoio de parceiros o teste GeneXpert. Contudo, o País optou por introduzir o teste como segundo teste diagnóstico. A baciloscopia continua sendo o teste de primeira escolha para o diagnóstico de TB. A seguir são apresentados os critérios para o pedido de GeneXpert em Moçambique: Em todos estes casos e quando disponível, o teste GeneXpert é indicado após o resultado negativo da baciloscopia: • Diagnóstico para casos de baciloscopia negativa i. Indivíduos HIV+; ii.Outras causas de imunodepressão, incluindo diabéticos; iii. Crianças menores de 5 anos que não conseguem expectorar, somente para amostras de expectoração induzida e/ou aspirado gástrico em jejum. Nos seguintes casos o teste GeneXpert poderá ser feito paralelamente à baciloscopia quando estiver disponível • Suspeito de TB resistente (TB-MDR): fazer GeneXpert em paralelo com a baciloscopia: i. Retratamento após recaída, falência ou abandono; ii. Caso novo, BK+ sem conversão da baciloscopia depois de dois meses de tratamento; iii. Contacto com um paciente com TB-MDR; vi. Trabalhador de saúde, mineiro, prisioneiro. • Paciente HIV+ grave (com sinais de perigo) deverá realizar o GeneXpert em paralelo com a baciloscopia. 244 Capítulo 7 Além das amostras de escarro, o teste GeneXpert poderá também ser aplicado a amostras de material ganglionar obtidas a partir de PAAF (punção aspiração com agulha fina). Este teste não esta validado para uso em outras amostras diferentes de escarro (ou aspirado gástrico) e material puncionado de adenopatias. O Teste GeneXpert deve ser utilizado APENAS para o diagnóstico inicial de TB e nunca para o controlo do tratamento, por se tratar de uma técnica molecular, o que faz com que o teste continue sendo positivo durante algum tempo apesar do sucesso do tratamento. Há reportes da existência de um pequeno número de casos com resultado falso positivo de GeneXpert após ter completado tratamento para TB com sucesso até 5 anos antes, e que tinham sido declarados curados (Boyles)40. A técnica do GeneXpert® MTB/RIF é utilizada apenas para o diagnóstico da TB, nunca para o controlo de tratamento. Para o processamento de amostras para teste GeneXpert, o procedimento é similar ao utilizado para a colheita, transporte e conservação de amostras de baciloscopia e cultura: • • • • 245 Colheita ao ar livre/longe de outras pessoas; 2 amostras (a segunda em jejum); Amostras conservadas de 2-8°C, no máximo por 4 dias; Transporte com condições de segurança, acompanhado das requisições. Capítulo 7 O teste GeneXpert não esta disponível em todo o país. A disponibilidade actual (2013) do GeneXpert é a que mostra o seguinte mapa: províncias que usam Gene-xpert Os locais prioritários para a implementação de GeneXpert em Moçambique são dados abaixo:41 246 Capítulo 7 Serão usados os critérios abaixo para seleccionar unidades sanitárias prioritárias:41 247 Capítulo 7 Resultados do Teste GeneXpert e Conduta Os resultados do GeneXpert aparecem na janela do computador (exemplo abaixo): Um resultado positivo no teste Gene Xpert confirma a existência de Tuberculose: • GeneXpert positivo e sem resistência a RIF confirma a existência de bacilos sensíveis a Rifampicina. Neste caso o protocolo nacional orienta para o inicio de tratamento padrão para o caso (novo ou retratamento, dependendo do paciente) • GeneXpert positivo e com resistência a RIF confirma a existência de bacilos de TB resistentes a Rifampicina. Neste caso o protocolo nacional orienta para o início de tratamento para TB-MDR e para o pedido de Cultura e TSA se não tiverem sido solicitados anteriormente. O tratamento para TBMDR deverá ser mantido até a chegada dos resultados de sensibilidade, que poderão permitir o ajuste do tratamento. Para além dos resultados positivos ou negativos para MTB e resistência a RIF, o aparelho pode produzir os seguintes resultados: erro, inválido, pass, ou fail. Inválido: ! INVALID (INVÁLIDO) A presença ou a ausência de MTB não pode ser determinada, repita o teste com a amostra restante. O SPC não preenche os critérios de aceitação, a amostra não foi processada adequadamente ou o PCR foi inibido. · MTB INVALID (MTB INVÁLIDO): Não pode ser determinada a presença ou · SPC—FAIL (SPC—NÃO APROVADO); o resultado do alvo do MTB é · Probe ausência de ADN de MTB. negativo e o Ct do SPC não está dentro do intervalo válido. Check—PASS (Verificação da sonda—APROVADA); todos os resultados de verificação da sonda são aprovados. ERROR (ERRO) · 248 MTB—NO RESULT (MTB—SEM RESULTADO) · SPC—NO RESULT (SPC—SEM RESULTADO) · Probe Check—FAIL* (Verificação da sonda—NÃO APROVADA)*; um ou mais resultados da verificação da sonda falharam. *Se a verificação da sonda for aprovada, o erro é causado por uma falha de um componente do sistema. Capítulo 7 Erro: A seguir apresenta-se o algoritmo do PNCT para a testagem, que orienta para a tomada de decisão com base no resultado do teste GeneXpert. Quadro 81: Tomada de decisão com base no resultado do teste GeneXpert (Rascunho) 249 Capítulo 7 Diagnóstico de TB em Crianças: Particularidades A integração da tuberculose infantil dentro dos Programas Nacionais de Controlo da Tuberculose de muitos países tem sido difícil pelo facto da falta de um diagnóstico consistente e preciso. Por isso, o peso real da TB infantil e sua importância continuam sendo incertos e controversos. Em Moçambique, em 2011, foram notificados 47.452 casos de TB no país, dos quais 3.214 eram crianças, representando 6.7% do total de pacientes com TB nesse ano.42 Segundo estimativas da OMS, a proporção de TB pediátrica numa certa comunidade oscila de 3 a 25%, dependendo de vários factores, entre outros, da prevalência da doença nesse contexto.42 Num estudo publicado em 1990 sobre TB na África Austral43, com uma incidência da TB de 171/100.000 habitantes, as crianças representavam 15% do peso total da TB. Num outro estudo realizado também na África do Sul, numa comunidade com elevada incidência de casos de TB (1.149/100.000 habitantes) as crianças constituíam 39% do peso total da TB.44 Os estudos citados, e também a figura abaixo ilustram o facto seguinte: Pode-se observar que um aumento linear de casos de Tuberculose, acompanha-se de um aumento exponencial de casos de TB infantil. Segundo este modelo, quanto maior for a carga de TB num contexto, maior será a proporção de casos de TB infantil. Quadro 82: Carga de doença TB crescente em crianças conforme aumenta a incidência de TB.45 250 Capítulo 7 Todos estes estudos mostram que em Moçambique a TB pediátrica é um problema pouco visível e negligenciado, uma vez que se trata de um contexto com elevada prevalência de HIV e de TB e provavelmente a proporção de casos de TB pediátrica encontrados deveria ser maior. O diagnóstico de tuberculose em crianças baseia-se numa anamnese detalhada (incluindo a história epidemiológica), exame físico e investigações relevantes, tais como o Teste de Mantoux quando indicado, o RX do tórax e a baciloscopia. Embora a confirmação bacteriológica seja infrequente nas crianças com TB, esta deverá ser realizada sempre que possível. A seguir apresenta-se o algoritmo nacional para diagnóstico de TB em crianças menores de 14 anos. Quadro 83: Diagnóstico de TB em crianças menores de 14 anos 251 Capítulo 7 Segundo o algoritmo, toda criança com 2 ou mais sinais e sintomas sugestivos de TB e com contacto de TB identificado deve ser considerada como tendo TB, e deve iniciar o tratamento sem demora (avançando pelas caixas vermelhas do algoritmo) Os testes de sensibilidade cutânea como o teste de Mantoux, apenas estão indicados em Moçambique no caso de crianças sintomáticas nas quais não há evidência de contacto com um caso de TB. Pontos-Chave da Sessão • Moçambique enfrenta um aumento no número de casos de TB. As principais causas são o sub-diagnóstico de TB, o sub-diagnóstico da TB resistente e finalmente o sub-diagnóstico de TB nas crianças. • O teste diagnóstico disponível de forma rotineira nas US é a baciloscopia, cuja sensibilidade é baixa. • O rastreio rotineiro de sinais/sintomas da TB nos pacientes HIV+ é chave para o diagnóstico atempado da doença. • A profilaxia com INH e o controlo da transmissão da infecção nas US pode ajudar a reduzir a transmissão e prevalência da TB. • Os novos testes diagnósticos como GeneXpert podem aumentar a capacidade de detectar novos casos e de diagnosticar casos resistentes a rifampicina. • A aplicação correcta dos novos testes pode trazer vantagens contudo, é necessário que os sistemas de saúde garantam que os pacientes diagnosticados finalizem o tratamento com esquemas eficazes. • É necessário aumentar a capacidade para realizar cultura para micobacterias e testes de sensibilidade a antituberculosos (TSA), para poder identificar e controlar o desenvolvimento de TB resistente • O diagnóstico da TB infantil representa um desafio. O algoritmo para o diagnóstico da TB em crianças deve ser aplicado correctamente, para permitir o tratamento atempado dos casos suspeitos. 252 Capítulo 7 Referências 253 Capítulo 7 1. Brouwer M, Samo Gudo P, Simbe CM, Perdigao P, van Leth F. Are routine tuberculosis programme data suitable to report on antiretroviral therapy use of HIV-infected tuberculosis patients? BMC Research Notes. 2013;6:23. 2. World Health Organization. Global Tuberculosis Report 2012. Geneva: World Health Organization; 2012. 3. Lawn SD, Mwaba P, Bates M, et al. Advances in tuberculosis diagnostics: the Xpert MTB/RIF assay and future prospects for a point-of-care test. The Lancet Infectious Diseases.2013;13(4):349-361. 4. Brouwer M, SamuGudo P, Mage Simbe C, Perdigao P, vanLeth F. The effect of tuberculosis and antiretroviral treatment on CD4+ cell count response in HIV-positive tuberculosis patients in Mozambique. BMC Public Health. 2012;12. 5. Auld AF, Mbofana F, Shiraishi RW, et al. 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