I-TECH Curso TARV Avanzado

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HIV e Doenças
Associadas
Abordagem por Sistemas desde
uma Perspectiva Africana
D r a M a r ia R ua n o
D r a Pa u l a B r e n t l i n g e r
ITECH Mocambique 2015
Ficha Técnica
TÍTULO: HIV e Doenças Associadas
SUBTÍTULO: Abordagem por Sistemas Desde uma Perspectiva
Africana
Autores Drs:
Dra Maria Ruano
Dra Paula Brentlinger
Redacção e Revisão Técnica:
Maria Ruano
Layout: Daniela Cristofori
Imagem de Capa: ©iStockphoto
ITECH Mocambique 2015
Í n di ce
Capítulo 1
Índice
1. Resistência aos Medicamentos Antiretrovirais,
Falência Terapêutica e Mudança de linha de TARV 3
Introdução.......................................................................................................................................................... 5
Replicação do Vírus HIV............................................................................................................................. 5
Selecção de estirpes mutantes pelos Medicamentos Antiretrovirais
(MARVs)................................................................................................................................................................. 7
Detecção de Resistência aos MARVs: Genotipagem............................................................ 10
Estudos sobre Resistências em Moçambique........................................................................ 11
Teste de Genotipagem......................................................................................................................... 12
Mutações Mais Relevantes que Afectam os MARVs.............................................................. 15
Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR)............................................... 15
Inibidores não Nucleosideos da Transcriptase Reversa (INNTR)................................. 16
Inibidores da Protease (IP).................................................................................................................. 17
Falência Terapêutica.................................................................................................................................... 18
Definição de Carga viral............................................................................................................................ 20
Estudos que Mostram a Baixa Confiabilidade do Critério Imunológico
para Detectar Falência ao Tratamento Antiretroviral......................................................... 21
Monitoria Virológica para a Prevenção de Resistências................................................... 22
Segunda Linha Padrão em Moçambique................................................................................. 24
Problemas de Adesão devidos à Falha nos Sistemas de Saúde:
Indicadores para a Avaliação............................................................................................................ 25
Pontos-Chave da Sessão........................................................................................................................... 26
Referências......................................................................................................................................................... 27
2. Alterações hepáticas no Paciente HIV+:
Diagnóstico e Manejo
29
Introdução............................................................................................................................................31
Conteúdos da Sessão........................................................................................................................31
Causas Importantes de Doença Hepática no Contexto do HIV
em Moçambique.......................................................................................................................................32
5
Í n di ce
Hepatite B..............................................................................................................................................33
Definições................................................................................................................................................................. 33
Importância da Hepatite B em Moçambique.................................................................................... 33
Transmissão de VHB........................................................................................................................................... 34
Marcadores Laboratoriais da Infecção pelo VHB e Estadio da Doença.............................. 34
Co-infecção HIV/VHB......................................................................................................................................... 39
Complicações da Co-infecção HIV / VHB.............................................................................................. 39
Prevalência de Hepatite B em Pacientes Africanos infectados pelo HIV........................... 40
Diagnóstico da Infecção pelo VHB............................................................................................................ 41
Tratamento da VHB em Pacientes HIV-negativos............................................................................ 43
TARV para o Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB.......................................................................... 43
Limiar de CD4 para Iniciar TARV no Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB............... 43
Quanto tempo dura o tratamento da Hepatite Crónica por VHB?............................... 45
Selecção de antiretrovirais com actividade anti-VHB............................................................ 45
Outras medidas para prevenir as complicações derivadas da infecção
pelo VHB em pessoas infectadas pelo HIV........................................................................................... 47
Medidas para prevenir a transmissão de contactos não infectados............................ 47
Vacina da Hepatite B.................................................................................................................................. 48
Tubeculose Hepática/Abdominal.................................................................................................49
Sinais e Sintomas de TB Abdominal......................................................................................................... 49
Diagnóstico de TB hepática/Abdominal............................................................................................... 51
Diagnóstico Diferencial da TB hepática.......................................................................................... 52
Co-infecção TB/HIV: Apresentação da TB como Síndrome de Imuno
-reconstituição (SIR).................................................................................................................................... 52
Tratamento da TB Hepática/Abdominal................................................................................................52
Normas Nacionais Moçambicanas para o Tratamento da
Co-infecção TB/HIV:.................................................................................................................................... 53
Tratamento da TB em Pacientes com Doença Hepática..................................................... 53
Prevenção da TB Abdominal/Hepática.................................................................................................. 55
Toxicidade Hepática por Medicamentos.............................................................................................. 55
Apresentação clínica das Reacções Adversas Envolvendo o Fígado................................... 58
Alteração Assintomática das Transaminases............................................................................... 58
Hepatite............................................................................................................................................................. 58
Diagnóstico da Hepatotoxicidade por Fármacos............................................................................ 60
Manejo da Hepatotoxicidade por Fármacos...................................................................................... 63
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs).......................................................................................... 63
Medicamentos antituberculose (MAT)........................................................................................... 64
Schistosomiase Hepato-esplénica...............................................................................................67
Quadro Clínico....................................................................................................................................................... 67
Diagnóstico............................................................................................................................................................. 68
Tratamento.............................................................................................................................................................. 68
Malária Severa e Alterações Hepáticas.......................................................................................70
Alcoolismo............................................................................................................................................71
Hepatite Sifilítica.................................................................................................................................71
Outras Causas de Doença Hepática em Pessoas Infectadas pelo HIV.............................72
Pontos-Chave da Sessão..................................................................................................................72
Referências............................................................................................................................................73
3. Patologia do SNC e Neuropatia Periférica em
Pacientes com o HIV: Perspectiva dos Locais com
Recursos Limitados
77
Introdução.......................................................................................................................................... 79
Epidemiologia da Patologia do SNC nos pacientes HIV+ no Nosso Contexto........... 80
Infecções Oportunistas após a Introdução de TARV: Síndrome
Inflamatória de Reconstituição Imune (SIR) e Sistema Nervoso Central..........................82
Patologia do Sistema Nervoso Central Causada pelo Próprio HIV.......................................82
Neuropatia Periférica........................................................................................................................................84
Diagnóstico Diferencial das Síndromes que Afectam o SNC no Paciente HIV+.............85
O Exame Neurológico..................................................................................................................... 86
Nível de consciência.........................................................................................................................................86
Nervos Cranianos................................................................................................................................................89
Teste de força (Teste Motor).........................................................................................................................90
Tom Muscular........................................................................................................................................................90
Teste Sensorial......................................................................................................................................................91
Sinais de Inflamação no Cérebro.......................................................................................................91
Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos..................................................................... 91
Causas mais Importantes de Meningite em Pacientes Africanos
Infectados pelo HIV...........................................................................................................................................91
Meningite Criptocócica...........................................................................................................................93
Meningite tuberculosa28.........................................................................................................................101
Outras Causas Diagnosticáveis e Tratáveis de Meningite..................................................104
7
Í n di ce
Capítulo 1
Í n di ce
Diagnóstico das Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos em
pacientes HIV+.....................................................................................................................................................105
Patologias que Cursam com Sinais Focais............................................................................... 109
Causas mais Importantes de Patologias que se Apresentam com Sinais Focais
em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV.....................................................................................109
Malária Cerebral...........................................................................................................................................112
Toxoplasmose Cerebral...........................................................................................................................113
Tuberculose do SNC que se Apresenta com Sinais Focais28.............................................116
Linfoma primário do SNC (LPSNC)...................................................................................................118
Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva causada pelo Virus JC..............................119
Diagnóstico dos Quadros que Cursam com Sinais Focais em
Pacientes HIV+............................................................................................................................ 119
Trastornos Neurocognitivos e Sinais/sintomas Psiquiáticos em
Pacientes HIV+................................................................................................................................... 120
Transtornos Neurocognitivos Associados ao HIV (HAND).........................................................120
Sinais e Sintomas Neurológicos Causados por Medicamentos.............................................123
Neuropatia Periférica...................................................................................................................... 125
Pontos-Chave da Sessão................................................................................................................ 128
Referências.......................................................................................................................................... 129
4. Manifestações Cardiovasculares em Pacientes HIV+:
Infecção por HIV e Risco Cardiovascular 133
Introdução.......................................................................................................................................... 135
Conteúdos da Sessão...................................................................................................................... 136
Epidemiologia da Doença Cardíaca Isquémica e do AVC na População Geral.......... 137
Factores de Risco para a Doença Cardiovascular............................................................................137
Estudos sobre Factores de Risco Cardiovascular em Moçambique....................................139
Avaliação de Risco Cardiovascular: OMS................................................................................. 142
Acidente Vascular Cerebral: Particularidades Epidemiológicas
no Contexto Africano.......................................................................................................................................147
Contribuição da HTA para o Risco Cardiovascular na África Subsaariana................149
Risco Cardiovascular em População HIV Positiva................................................................. 150
Estudos que Demonstram Aumento do Risco Cardiovascular
em Pacientes HIV+.............................................................................................................................................151
Causas que Explicam o Aumento do Risco Cardiovascular em
pacientes com HIV.............................................................................................................................................153
Escala de Risco Cardiovascular em Pacientes com HIV...............................................................156
Intervenções Destinadas a Reduzir o Risco Cardiovascular.....................................................156
Considerações......................................................................................................................................................160
Outras doenças cardíacas nos pacientes infectados pelo HIV......................................... 161
Cardiomiopatia Associada ao HIV.............................................................................................................161
HIV e Pericardite...................................................................................................................................................164
Pontos-Chave da Sessão................................................................................................................ 166
Referências.......................................................................................................................................... 167
5. Reacções Adversas em Pacientes com HIV
169
Introdução.......................................................................................................................................... 171
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possíveis Efeitos Adversos........................... 172
Abacavir (ABC)......................................................................................................................................................172
Estavudina (d4T)..................................................................................................................................................173
Lamivudina (3TC)................................................................................................................................................173
Tenofovir (TDF).....................................................................................................................................................174
Zidovudina..............................................................................................................................................................175
Efavirenz...................................................................................................................................................................176
Nevirapina...............................................................................................................................................................177
Lopinavir/ritonavir..............................................................................................................................................178
Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo TARV........................180
Anemia e Neutropenia em pacientes em uso de AZT (Zidovudina)..................................180
Neuropatia Periférica Causada por Medicamentos antiretrovirais.......................................181
Insuficiência Renal..............................................................................................................................................183
Acidose Láctica....................................................................................................................................................184
Reacção de Hipersensibilidade..................................................................................................................184
Lipodistrofia...........................................................................................................................................................185
Pontos-Chave da Sessão................................................................................................................ 185
Referências.......................................................................................................................................... 186
6. Sarcoma de Kaposi
187
Introdução............................................................................................................................................ 189
Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi...................................... 190
Prevalência da Infecção por VHH-8 em África....................................................................................190
9
Í n di ce
Capítulo 1
Í n di ce
Prevalência da Infecção por VHH-8 em Moçambique...................................................................191
Epidemiologia do SK em Pacientes com HIV/SIDA em África..................................................191
Sarcoma de Kapose e Mortalidade.............................................................................................. 192
Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KS-SIR)............................. 193
Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma de Kaposi............... 194
Início Atempado de TARV nos pacientes com HIV..........................................................................194
Identificação e Estadiamento dos Pacientes com Sarcoma de Kaposi...............................195
Diagnóstico de SK Pulmonar.................................................................................................................196
Diagnóstico Diferencial do Sarcoma de Kaposi Pulmonar..................................................198
Estadiamento do Sarcoma de Kaposi..............................................................................................199
Tratamento do Sarcoma de Kaposi.............................................................................................. 202
Tratamentro antiretroviral e Sarcoma de Kaposi...............................................................................202
Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi.............................203
Tratamento da Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi.................205
Outras considerações no Manejo do Sarcoma de Kaposi Pulmonar...................................208
Tratamento Paliativo em Pacientes com Sarcoma de Kaposi...................................................212
Outras complicações da infecção por VHH-8........................................................................... 213
Doença Multicêntrica de Castleman........................................................................................................213
Linfoma Efusivo Primário (LEP).....................................................................................................................214
Pontos-Chave da Sessão.................................................................................................................. 215
Referências............................................................................................................................................ 216
7. Desafios no Diagnóstico da Co-infecção
Tuberculose e HIV
219
Introdução.............................................................................................................................................221
Epidemiologia da TB em Moçambique: O Problema do Subdiagnóstico.......................221
Erros na Avaliação de Sinais e Sintomas da Tuberculose..............................................................223
Falhas em Avaliar Sinais e Sintomas da Tuberculose...............................................................223
Demora na Avaliação de TB....................................................................................................................224
Baixa Sensibilidade dos Meios Diagnósticos Disponíveis.....................................................224
Epidemiologia da TB em Crianças: Problemas Específicos no Diagnostico
da TB Pediátrica....................................................................................................................................225
Subdiagnóstico e Subtratamento de TB Resistente às Drogas...........................................227
Estudos que Mostram uma Prevalência de TB Resistente em Moçambique..................228
Causas da Tuberculose Droga Resistente....................................................................................... 229
Consequencias de TB-MDR.............................................................................................................................232
Mortalidade.......................................................................................................................................................232
Custo......................................................................................................................................................................233
Teste de Gene Xpert: Vantagens no Diagnóstico de TB (vs outros métodos
de diagnóstico habituais).................................................................................................................235
Vantagens científicas...........................................................................................................................................235
Gene Xpert: Vantagens Operacionais......................................................................................................239
Gene Xpert: Desafios Operacionais............................................................................................................240
Introdução de Gene Xpert e Resultados do Tratamento da TB.........................................243
Revisão das Directrizes Moçambicanas sobre Gene-Xpert.................................................244
Resultados do Teste GeneXpert e Contuda..........................................................................................248
Diagnóstico de TB em Crianças: Particularidades....................................................................250
Pontos-Chave da Sessão...................................................................................................................252
Referências.............................................................................................................................................253
11
Í n di ce
Capítulo 1
Í n di ce d e Quadros
Índice de Quadros
1. Possíveis mutações do gene da enzima transcriptase reversa
e resistência associadas dos INTR e INNTR........................................................................9
2. Ecrã proveniente da Stanford University Database sobre
resistência a MARVs...................................................................................................................13
3. Resultados da análise das mutações presentes...............................................................14
4. Parâmetros virológicos no plasma.......................................................................................20
5. Escolha da 2ª Linha em Adultos e Crianças ≥ 5 anos
(e com peso ≥35Kg)...................................................................................................................24
6. Incidência de infecções oportunistas estratificadas
segundo a contagem de CD4.................................................................................................81
7. Diagnósticos em pacientes HIV+ internados e taxa de
letalidade por patologia. Costa de Marfim........................................................................81
8. Causa de deterioração neurológica em pacientes HIV+
no ano que seguiu à introdução de TARV (n=75)...........................................................83
9. Prevalência de neuropatia periférica em diversas séries de
pacientes HIV+.............................................................................................................................84
10. Avaliação do nível de consciência em pacientes HIV+.................................................86
11. Escala de Coma de Glasgow...................................................................................................87
12. Escala de Coma de Blantyre para crianças pequenas....................................................88
13. Exame dos Nervos Cranianos.................................................................................................88
14. Resumo das prevalências de diversas causas de
Meningite nos estudos apresentados (Zimbabwe e RSA)...........................................92
15. Sinais, sintomas e doenças concomitantes pressentem em
pacientes internados com diagnóstico de criptococose
(vigilância epidemiológica, Gauteng, RSA, 2002-2004)................................................93
16. Pacote mínimo para a prevenção da toxidade por
anfotericina B, Monitoria e Manejo......................................................................................96
17. Probabilidade cumulativa de sobrevivência consoante ao
tempo até a introdução de TARV..........................................................................................99
18. Critérios de elegibilidade para a profilaxia de meningite
criptocócica e manejo...............................................................................................................101
19. Proporção de casos de meningite com cultura positiva
produzidos por criptococo, vs meningite bacteriana, estratificado
por idade (Queen Elisabeth Central Hospital, Blantyre,
Malawi 2000-2012).....................................................................................................................104
20. Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em
pacientes com diferentes tipos de meningite (Siber et al.).........................................106
21. Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em
pacientes com diferentes tipos de meningite (Cohen et al.)......................................107
22. Algoritmo Cefaleia intensa e persistente...........................................................................108
23. Comparativa, segundo o seroestado, sexo, idade, factores de risco,
resultados de provas complementares e diagnostico final, em 98
pacientes com sinais focais de início recente (Blantyre, Malwi)................................110
24. Resultados das causas de Lesões ocupantes de espaço em
pacientes com HIV. Resumo dos resultados de 3 estudo. ...........................................111
25. Cefaleia intensa e persistente................................................................................................114
26. Manejo de pacientes HIV+ que se apresentam com sinais focais,
na ausência de provas de neuroimagem (RSA) ..............................................................116
27. Sinais e achados laboratoriais em 284 pacientes com TB da
coluna vertebral .........................................................................................................................117
28. Proporção de casos de TB da coluna, distribuídos segundo o
nível vertebral..............................................................................................................................118
29. Categorias de HAND segundo os critérios de Frascati..................................................121
30. Escala internacional de demência (IHDS)..........................................................................122
31. Efeitos adversos neuro-psiquiátricos associados ao uso de MARVs........................124
32. Neuropatia periférica................................................................................................................125
33. Incidência de neuropatia periférica ao longo do tempo e com
diversos MARVs...........................................................................................................................126
34. Taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares em países
de renda elevada e baixa.........................................................................................................138
35. Factores de risco associados com a ocorrência de infarto de
miocárdio, em homens e mulheres após ajuste para idade,
género e região geográfica.....................................................................................................138
36. Factores de risco cardiovascular em pacientes africanos vs controles....................139
37. Prevalência, conhecimento, tratamento e controle da
hipertensão arterial na população moçambicana com idades
entre 25 e 64 anos......................................................................................................................140
38. Prevalência de consumo de tabaco diário entre homens e mulheres
de zonas rurais e urbanas segundo o grau de educação e idade.............................141
39. Gráfico de predição de risco OMS /ISH, para uso em locais
onde o colesterol no sangue pode ser medido ..............................................................142
40. Recomendações para a prevenção da doença cardiovascular
em população com factores de risco cardiovascular.....................................................143
13
Í n di ce d e Quadros
Capítulo 1
Í n di ce d e Quadros
41. Prevalência global de risco cardiovascular entre os moçambicanos
com idades compreendidas entre os 40-64 anos, de acordo com o
local de residência, sexo e idade...........................................................................................147
42. Caracteristicas dos pacientes que apresentaram AVC. Maputo ...............................148
43. Causas principais de morte intrahospitalar
(2009-2011 Hospital Bugando, Tanzania)..........................................................................149
44. Risco de AVC isquémico em população HIV+ (California
1996-2001; N=24.768)...............................................................................................................152
45. Taxas brutas de AVC isquémico atendendo ao seroestado
(linha continua HIV+; Linha de pontos HIV-).....................................................................153
46. Principais ARVs (por classe) e seu impacto nos níveis de
glicemia e lípidos, e na ocorrência de cardiopatia isquémica....................................155
47. Mortalidade global (todas as causas) e cardiovascular em população
seropositiva...................................................................................................................................156
48. Algoritmo para a prevenção da doença cardiovascular...............................................159
49. Resumo das intervenções baseadas em evidencias para a redução da
morbimortalidade pelas principais doenças não comunicáveis...............................160
50. Causas de patologia cardíaca atendendo ao seroestado.
Landmark Heart of Soweto, KwaZulu-Natal, África do Sul...........................................161
51. Características clínicas da cardiomiopatia associada ao HIV
em pacientes africanos.............................................................................................................162
52. Leque de patologia cardíaca atendendo ao seroestado para
HIV em 179 pacientes com cardiomegalia........................................................................163
53. Causas de derrame pericárdico massivo em pacientes
Africanos e em séries de pacientes fora de África...........................................................164
54. Os 4 estadios da TB pericárica................................................................................................164
55. Causas de patologia do pericárdio em população HIV+ atendendo
à contagem de CD4..................................................................................................................165
56. Incidência cumulativa de SK antes e depois do início de TARV (RSA).....................194
57. Achados clínicos mais comuns no SK em diversas séries (Aboulafia).....................196
58. Achados radiográficos do Sarcoma de Kaposi pulmonar............................................197
59. Sobrevivência media em pacientes com SK diagnosticados
na era do TARV, comparando aqueles com e sem afectação pulmonar.................198
60. Sistema de Estadiamento para Sarcoma de Kaposi.
Clinical Trials Group Oncology Committee.......................................................................199
61. Ficha clínica de Sacroma de Kaposi.....................................................................................200
62. Sobrevivência media em 469 pacientes em função do estadio de SK....................203
63. Características na apresentação de casos de Doença
Multicêntrica de Casttleman associada ao HIV................................................................213
64. Características do LEP a partir de 6 séries publicadas...................................................214
65. Nº Estimado de Casos de TB POR 10.000 Habitantes e por Ano (2012) .................222
65. Percentagem de processos clínicos com registo de informação
sobre rastreio de TB em 30 US................................................................................................223
66. Sensibilidade e especificidade da baciloscopia de escarro em
pacientes com TB/HIV (TB confirmada por cultura).......................................................225
67. Descrição da coorte pediátrica TB/HIV. Malawi...............................................................226
68. Taxa de incidência e intervalo de confiança (95%) de TB em
crianças HIV+, de acordo com o tempo transcorrido desde o início
do seguimento.............................................................................................................................226
69. Risco relativo (ajustado e não ajustado) e intervalo de
confiança de 95% de apresentar diagnóstico de TB após o
início do seguimento................................................................................................................227
70. Distribuição de isolados de M. Tuberculose provenientes de
279 pacientes, de acordo com os padrões de resistência a isoniazida,
rifampicina, etambutol e estreptomicina .........................................................................228
71. Factores de risco ajustados para desenvolver TB-MDR e TB-XDR.............................230
72. Analise dos factores de risco associados com TB-MDF.................................................230
73. Casos de Tuberculose notificados no bairro de
Khayelitsha em 2008 (Cape Town)........................................................................................231
74. Resultados do tratamento em pacientes com TB-MDR por
regiões (2009 OMS)....................................................................................................................232
75. Custo total e custo unitário da 1ª e 2ª linha de Tratamento para TB
em 99 países (2009-2013), segundo o nível de renda dos países.............................233
76. Curva de sobrevivência (Kaplan-Meier) de casos de TB,
atendendo ao padrão de resistência entre 2005 e 2007..............................................234
77. Sensibilidade da baciloscopia vs GeneXpert em amostras de
escarro, e do teste LAM (detecção Ag em urina) vs GeneXpert em
amostras de urina, estratificada segundo a contagem de CD4................................237
78. Sensibilidade do GeneXpert aplicado a diferentes tipos de amostras...................238
79. Demora até o início de tratramento para TB desde a realização
do teste GeneXpert....................................................................................................................239
80. Proporção de pacientes em tratamento para TB ao longo do
tempo (linhas vermelhas GeneXpert; linhas azuis baciloscopia)..............................243
81. Tomada de decisão com base no resultado do teste GeneXpert
(Rascunho)....................................................................................................................................249
82. Carga de doença TB crescente em crianças conforme aumenta
a incidência de TB.45.................................................................................................................250
83. Diagnóstico de TB em crianças menores de 14 anos.....................................................251
15
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
Í n di ce d e Quadros
Capítulo 1
C apítulo 1
Resistência aos
Medicamentos
Antiretrovirais, Falência
Terapêutica e Mudança de
linha de TARV
Índice Capítulo 1
Introdução........................................................................................5
Replicação do vírus HIV...........................................................5
Selecção de estirpes mutantes pelos
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs).......................7
Detecção de Resistência aos MARVs:
Genotipagem.................................................................................10
Estudos sobre resistências em Moçambique.......11
Teste de Genotipagem.......................................................12
Mutações mais relevantes que afectam
os MARVs...........................................................................................15
Inibidores Nucleosídeos da
Transcriptase Reversa (INTR)............................................15
Inibidores não Nucleosideos
da Transcriptase Reversa (INNTR).................................16
Inibidores da Protease (IP)................................................17
Falência Terapêutica..................................................................18
Definição de Carga viral..........................................................20
Estudos que Mostram a Baixa
Confiabilidade do Critério Imunológico
para Detectar Falência ao Tratamento
Antiretroviral............................................................................21
Monitoria Virológica para a Prevenção de
Resistências................................................................................22
Segunda linha padrão em Moçambique................24
Problemas de Adesão devidos à Falha
nos Sistemas de Saúde: Indicadores
para a Avaliação......................................................................25
Pontos-Chave da Sessão.........................................................26
Referências.......................................................................................27
Capítulo 1
1. Resistência aos Medicamentos
Antiretrovirais, Falência
Terapêutica e Mudança de linha
de TARV
Introdução
Esta sessão visa abordar a falência do tratamento antiretroviral, a resistência aos
antiretrovirais e a 2a linha de TARV. Em Moçambique, estes temas são oportunos,
pelas seguintes razões:
• Agora que o programa de tratamento do SIDA está a atingir a maturidade, há
uma crescente população de pacientes que já não estão a responder à 1a linha de
TARV;
• Moçambique está a introduzir testes de carga viral de HIV em todo o país, o que
irá facilitar a identificação de pacientes com falência genuína do TARV;
• Moçambique recentemente revisou as suas normas nacionais para a selecção da
segunda linha de tratamento antiretroviral;
• Moçambique está a começar a descentralizar o processo de mudança para a 2a
linha de TARV e os comités terapêuticos provinciais serão os responsáveis por
este processo no futuro.
Replicação do vírus HIV
O HIV é um vírus RNA, mas a sua replicação também requer uma fase DNA.
Quando o HIV entra e infecta uma célula hospedeira (humana), o RNA do HIV
sofre “transcrição reversa” (pela transcriptase reversa do HIV) para DNA, que é
então incorporado no DNA hospedeiro humano. Até ao momento em que o DNA
do HIV é incorporada no DNA do hospedeiro, o vírus HIV não se pode reproduzir.
A enzima transcriptase reversa do HIV é necessária para que o RNA do HIV seja
incorporado no DNA do hospedeiro. Portanto, os antiretrovirais que interferem
com a transcriptase reversa (RT) do HIV podem impedir a replicação do vírus.14
Os antiretrovirais das classes Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa
(INTR) e Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (INNTR) se
assemelham fisicamente ao RNA do HIV que a RT deve traduzir para DN, e ligamse a RT no lugar do RNA viral, interferindo assim, com o processo da transcrição
reversa do RNA em DNA, e consequentemente previnem a replicação viral.
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
5
Capítulo 1
A figura abaixo, a partir de Madrid et al. mostra um medicamento antiretroviral
(amarelo) ocupando o local de ligação dentro da proteína RT (vermelho, azul e verde).15 Madrid e outros observaram que a RT tem a forma de uma mão com o polegar
e os dedos estendidos; a droga está ligada na região correspondente à sua "palma".
O que é que isso tem a ver com a mutação e o aparecimento da resistência? A
capacidade da RT para ligar-se ao RNA viral e fazer a transcrição reversa para DNA
depende em parte da sua forma, que depende da ordem específica de aminoácidos
na sua estrutura, a qual depende, por sua vez, da ordem em que aparecem os
nucleótidos específicos no DNA. Cada grupo de três núcleótidos numa cadeia de
DNA representa um códon genético, que determina um aminoácido específico que
será então adicionado a outros aminoácidos, a fim de criar novas proteínas virais de
HIV. Seguidamente, a protease do HIV montará novas cópias de vírus HIV.17,18 Se
a ordem de nucleótidos no DNA viral de HIV é alterada por alguma mutação, um
aminoácido errado pode ser introduzido na proteína que resulta do produto do gene
(por exemplo, a transcriptase reversa ou a protease). Em alguns casos, isso não fará
diferença nenhuma para a função da proteína (uma mutação "silenciosa"); em outros
casos, a mutação vai causar resistência a um ou vários antiretrovirais específicos.
Você verá na figura abaixo (extraído de Menendez-Arias) que as mutações que
conferem resistência afectam o ponto físico de contacto entre a protease do HIV e o
medicamento inibidor da protease que deve ligar-se à enzima, de modo a interferir
(inibir) com a sua função.
6
Capítulo 1
Selecção de estirpes mutantes pelos Medicamentos Antiretrovirais
(MARVs)
Por que as mutações ocorrem? Resumidamente, todos os pacientes infectados com
o HIV cuja carga viral (CV) não está totalmente suprimida, transportam milhões
de cópias do vírus HIV em replicação activa. A replicação ocorre constantemente, e
cada vez que o vírus replica, existe a possibilidade de ocorrer um erro de replicação.
A transcriptase reversa do HIV tem sido descrita como "uma enzima relativamente
desleixada, criando um erro de transcrição a cada 3000 à 4000 pares de bases (pb)
transcritos. Devido a que o HIV é um vírus de 9000 pb, em média, um a dois erros
de transcrição ocorrem em cada ciclo de replicação. Com a geração de 10 bilhões
de viriões por dia, uma vasta variedade de mutantes genéticos são teoricamente
produzidas diariamente"17 (Dolin, p 369). Quando um erro de replicação ocorre,
significa que o aminoácido errado é inserido no genoma viral.
Como observado acima, os vírus são portadores de mutações diversas:
1. Mutações que não fazem diferença nenhuma para a sobrevivência do vírus;
2. Mutações que são fatais para o vírus, e assim, favoráveis ao paciente;
3. Mutações não são fatais para o vírus, mas tornam o vírus mais susceptível
aos anti-retrovirais, e também são favoráveis ao paciente;
4.Finalmente, as mutações que são de maior interesse são as que tornam o
vírus do HIV mais resistentes aos anti-retrovirais, permitindo assim que a
CV aumente e a doença progrida apesar do TARV.
7
Capítulo 1
É importante destacar que quanto maior for a carga viral de um paciente, mais
rápido o vírus pode mutar! O paciente com a carga viral totalmente suprimida é
o paciente menos vulnerável à mutação genética do vírus, e, por conseguinte, com
menor probabilidade de que o vírus que o infecta, desenvolva resistência às drogas.
Assim, os pacientes com baixa adesão são mais propensos a desenvolver mutações
por causa da carga viral não suprimida. Os pacientes que são tratados com regimes
inadequados (por exemplo, 3 fármacos da mesma classe, apenas duas drogas ou
doses insuficientes no caso das crianças) têm maior probabilidade de não atingir a
supressão da replicação viral e por tanto ter cargas virais detectável e elevadas. MAS - se o paciente não está a tomar qualquer medicamento, as mutações que
conferem resistência não terão uma vantagem de sobrevivência em relação às
outras mutações, e assim as cepas de HIV resistentes aos medicamentos não serão
seleccionadas.
"A probabilidade da selecção de cepas do vírus resistentes aos medicamentos entre
as pessoas em TARV é determinada por:
• O número de fármacos activos no esquema (o nível de actividade para
cada fármaco varia de 0 a 1, com excepção para os inibidores da protease
potenciados, que se assume terem potência dupla, com base na sua eficácia
demonstrada em monoterapia) e é determinado pela presença de mutações
de resistência relevantes
• A carga viral
• A adesão actual individual.19
Muitas mutações foram identificadas. As mutações no genoma do vírus HIV são
descritas utilizando um código que especifica qual aminoácido é substituído por
qual, como resultado da mutação, e onde é que esse aminoácido se encontra no
produto do gene de HIV. Assim, a mutação chamada PR V32I é uma mutação que
afecta a protease do HIV (o alvo dos MARVs inibidores de protease); na posição 32
no gene da protease, o aminoácido isoleuceina (I) substitui ao aminoácido normal
nessa posição, que é a valina (V).17
32= posicao do aminoacido
V32i
V= Aminoacido do tipo selvagem
V= Aminoacido do tipo mutante
No quadro 1 da Sociedade Internacional de Antiretrovirais (IAS; anteriormente
chamada Sociedade Internacional de SIDA), mostrando todas as mutações
específicas que conferem resistência a INTRs e INNTR e que tinham sido
8
Capítulo 1
reconhecidos até 2013. As suas posições sobre o gene TR (gene que codifica para a
síntese da transcriptase reversa) também são indicadas, e são nomeadas usando o
código descrito acima.20
Quadro 1: Possíveis mutações do gene da enzima transcriptase reversa e resistência
associadas dos INTR e INNTR
9
Capítulo 1
Exercício:
Olhe para o gráfico da IAS com atenção. (na pagina seguente)
Faça uma lista dos medicamentos antiretrovirais que são afectados pelas
seguintes mutações:
1) K65R
2) M184V
3) e o complexo de inserção 69 (para INTRs)
Note: A maioria das mutações afectam múltiplos (ou mesmo todos) os INTRs!
Isto é conhecido como "resistência cruzada" ou "resistência de classe". Ou seja,
uma mutação que confere resistência ao INTR que o paciente está actualmente a
tomar também confere resistência a outros INTR na classe, porque eles são muito
semelhantes quimicamente, pelo que a mutação lhes afecta da mesma maneira.
Agora olhe para as mutações dos INNTR e descreva semelhanças e diferenças entre
as mutações que afectam a NVP e o EFV.
Detecção de Resistência aos MARVs: Genotipagem
O teste chamado “genotipagem” procura por mutações de resistência já conhecidas
do vírus, a partir do sangue de um paciente individual (só pode ser feito em
pacientes nos quais a CV é detectável). Onde este teste está disponível, e onde os
resultados podem ser interpretados por alguém com experiência em resistência
aos medicamentos antiretrovirais, os resultados da genotipagem podem ser usados
para fazer um desenho individualizado da 2a de linha para um paciente que falhou
à 1a linha de TARV. Onde este teste não está disponível, os Ministérios da Saúde e
os clínicos devem seleccionar regimes de 2a linha baseados nos seguintes critérios:
• Os padrões prováveis ​​de resistência a medicamentos antiretrovirais,
• A disponibilidade local de medicamentos antiretrovirais específicos e
• Outras características do paciente (por exemplo, gravidez, TB, anemia,
hepatite).
O teste de genotipagem deve ser feito enquanto os pacientes estão a fazer o
tratamento, com o objectivo de identificar as populações de vírus resistentes aos
medicamentos (aquelas cuja replicação os MARVs não conseguem suprimir).
10
Capítulo 1
Os pacientes podem desenvolver resistência a drogas (resistência adquirida)
durante o tratamento (seja por causa da baixa adesão, ou porque o regime inicial
foi mal escolhido, ou simplesmente por causa da passagem do tempo), ou podem
ser infectados com um vírus HIV que já é resistente aos fármacos (resistência
transmitida).
Qual é a magnitude do problema da resistência aos medicamentos antiretrovirais?
Um estudo de 7 países (Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Senegal, Togo,
Tailândia e Vietnã, que avaliou cerca de 4,000 pacientes) concluiu que:
• 11,1% tinham falha virológica (definida como CV> = 1000 cópias/mL) aos
12 meses da introdução do TARV de 1ª linha
• 12,4% tinham falha virológica aos 24 meses.
Daqueles com falência virológica:
• 71,0% tinham evidência de resistência às drogas aos 12 meses e
• 86,1% aos 24 meses, com base nos resultados de genotipagem.21
Na província de KwaZulu-Natal, na África do Sul, 459 pacientes com falência
virológica foram submetidos a genotipagem do HIV; deles, 88,6% tinham pelo
menos uma mutação associada a resistência maior, e foi recomendada a mudança
de esquema.9
Estudos sobre resistências em Moçambique
Poucos estudos têm abordado a prevalência da resistência aos medicamentos
antiretrovirais em Moçambique, mas existem alguns dados:
• 144 pacientes de Maputo, virgens às drogas (pacientes naive) foram avaliados
em 2002-2004. Um total de 4 pacientes, dos 68 pacientes com genotipagem
adequada (5,9%) tinham mutações que conferiam resistência a INTR e/
ou INNTR. Nenhuma resistência aos inibidores da protease foi detectada.
Isto sugere que a resistência transmitida dos medicamentos já existia em
Moçambique, mesmo antes da expansão nacional do TARV.22
• Entre 2007 e 2009, um grupo de mulheres grávidas virgens ao tratamento
foram avaliadas na Beira e Maputo, através de um processo de amostragem
que permite estimar a prevalência das mutações de resistência aos
medicamentos. Na Beira foi calculada uma prevalência de mutações para
os INTR de 5-15% em 2007 e para os INNTR a prevalência foi de 5-15%
em 2009. Uma mutação para IPs também foi observada na Beira, embora
os IPs eram raramente usados em Moçambique na época. A existência de resistência transmitida aos medicamentos sugeriu que a eficácia dos regimes
de PTV, bem como o próprio TARV poderiam estar comprometidos.23
11
Capítulo 1
• Em 2007-8, a prevalência de resistência a antiretrovirais foi avaliada em
crianças em Maputo.24 Antes do início de TARV, 5,4% tinham resistência que
se pensava, pudesse estar associada com a profilaxia prévia com nevirapina
(PTV). Após 1 ano de TARV, 10,3% das crianças da coorte tinha resistência
aos medicamentos. Os Factores associados à resistência aos medicamentos
neste caso foram:
• Exposição prévia à regimes de PTV;
• Resistência às drogas no início do estudo, e
• Baixa adesão.
Teste de Genotipagem
A realização de testes de genotipagem e posterior interpretação por um perito (por
um médico ou até mesmo um programa de computador) é o ideal. Ainda não está
disponível em Moçambique, e por isso não vamos discutir a interpretação dos
resultados dos genótipos em detalhes, mas vamos mostrar-lhe um exemplo, para
que esteja familiarizado com o conceito quando a genotipagem se torne disponível.
Abaixo, vamos dar resultados reais de testes de genotipagem, por exemplo a partir
desta tabela por Bartolo et al.22, e pedir ao aplicativo da Universidade de Stanford
para interpretá-los para nós através do seu Web-site interactivo (sierra2@stanford.
edu, serviço gratuito).
Paciente X: paciente masculino de 38 anos, HIV+ e em TARV há 3 anos com
AZT+3TC+NVP. Antecedentes de fraca adesão durante o segundo ano de
tratamento (toma irregular dos comprimidos). Actualmente aderente e com
resultado de Carga Viral de 13.234 cópias/ml.
Mutações presentes no teste de genotipagem:
• Mutações que afectam INTR: M41L, M184V, T215F,
• Mutações que afectam INNTR: K103N
O ecrã de entrada de dados de Stanford é reproduzida abaixo para o paciente
descrito acima. O usuário digita as mutações de resistência detectadas pelo teste
de genotipagem, e em seguida instrui o programa para analisá-las. O resultado
da análise de Stanford (também reproduzido em baixo, para o mesmo paciente)
descreve as implicações que as mutações de resistência têm no que diz respeito à
susceptibilidade ou resistência às drogas da mesma classe. Como você pode ver
pelo resultado, esse paciente já “queimou” a maior parte das opções possíveis de
INNTR e INTR.
12
Capítulo 1
Quadro 2: Ecrã proveniente da Stanford University Database sobre resistência a MARVs
13
Capítulo 1
QUADRO 3: Resultados da análise das mutações presentes
Na ausência de genotipagem, a selecção do regime da segunda linha padrão
pelos programas nacionais de HIV/SIDA depende de um entendimento básico
da evolução e significado clínico das mutações de resistência relevantes, tanto
isoladamente como em combinação com outras. Os princípios importantes neste
caso incluem:
• A resistência a qualquer ARV individual pode também conferir resistência
a um ou vários outros agentes na mesma classe (conceito de resistência
cruzada de classe).
• As combinações de mutações de resistência podem aumentar ou diminuir o
efeito de uma mutação individual, por isso, é preciso olhar para os padrões
de mutações e não apenas para as mutações de forma isolada.
• Nunca substituir menos de duas drogas em um esquema em falência.
14
Capítulo 1
Mutações mais relevantes que afectam os MARVs 17,18,26,27
Agora, vamos olhar para as mutações importantes (e padrões de mutações) por
cada classe de antiretrovirais, começando com os INTRs. Para esta secção inteira,
seria útil referir para o gráfico de mutação da IAS. A não ser que você precise de
interpretar relatórios de genotipagem, não tem que aprender todos os detalhes.
Contudo, é importante ter uma compreensão geral dos principais padrões de
mutações e suas associações com os ARVs específicos e com a história de tratamento
do paciente. Este conhecimento deve ajudar a compreender quais as combinações
de medicamentos de segunda linha têm maior probabilidade de manter a sua
eficácia num paciente com falência à primeira linha.
Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR)
Os INRTs estão associados com muitas mutações que conferem resistência aos medicamentos ARV. Algumas das mais relevantes incluem as mutações dos análogos
da timidina (TAMs), assim como as mutações K65R, Q151M e M184V.
• As TAMs são seleccionadas com frequência em pacientes que recebem
TARV com esquemas contendo AZT ou d4T. Esta família de mutações
inclui todas as seguintes: M41L, L210W, T215YF, D67NG, K70R, K219QE.
No geral, essas mutações diminuem a susceptibilidade do vírus a todos os
INTRs; quanto mais TAMs o vírus do paciente acumular ao longo do tempo,
maior a resistência aos INTRs como classe. A presença de TAMs reduz a
susceptibilidade ao AZT mais do que a susceptibilidade a TDF. No geral, há
uma redução da susceptibilidade ao TDF na presença de 3 ou mais TAMs.
• Outra mutação importante que afecta os INTRs é a K65R. A presença de esta
mutação reduz a susceptibilidade a TDF, mas aumenta a susceptibilidade
ao AZT. A selecção desta mutação, quando é usado o TDF no regime de
primeira linha garante a eficácia do AZT no regime de segunda linha (este
é um dos motivos pelos quais a OMS aconselha o uso de TDF na primeira
linha e a reserva de AZT para a segunda linha. Ao contrário, corre-se o risco
de selecção de TAMs, que quando são numerosas reduzem a susceptibilidade
a todos os INTR, limitando a eficácia de esta classe na segunda linha).
• O complexo Q151M produz altos níveis de resistência ao AZT (e também ao
d4T, ABC, e ddI), assim como níveis intermediários de resistência ao TDF
(com resistência de nível inferior ao 3TC e FTC).
• Quando a mutação K65R e o complexo Q151M acontecem em simultâneo a
resistência a AZT e TDF é elevada. Geralmente a mutação K65R e as TAMs
não acontecem em simultâneo.
15
Capítulo 1
• Finalmente, a mutação M184V/I diminui a susceptibilidade a 3TC e FTC.
Contudo, esta mutação aumenta a susceptibilidade a AZT e TDF e reduz a
capacidade e velocidade de replicação viral do HIV, chamada fitness viral
(é uma mutação favorável neste sentido). Por estes motivos, é aconselhado
manter o fármaco 3TC (ou FTC) na segunda linha de TARV após a
ocorrência de falência à 1ª linha. A presença do fármaco no esquema de
2ª linha permite manter a pressão sobre o vírus, diminuindo assim sua
capacidade de replicação viral (fitness) e aumentando a susceptibilidade a
AZT ou TDF, presentes no novo esquema.
• Outra mutação chamada complexo de inserção T69, provoca altos níveis de
resistência a todos os INTRs.
Inibidores Não Nucleosideos da Transcriptase Reversa (INNTR)
Duas mutações-chave, a K103N e a Y188L, conferem resistência a múltiplos
INNTR. EFV e NVP estão ambos comprometidos por muitas das mesmas mutações
(resistência cruzada de classe) pelo que se houver falência com um regime contendo
algum deles, o outro não deve ser escolhido para a substituição no novo esquema.
Em vez disso, deve-se passar para uma nova classe de ARVs, geralmente IPs. Por
conseguinte, uma vez que um paciente desenvolve resistência a NVP ou EFV, os
INNTR não são mais úteis como classe. O INNTR mais recente, a Etravirina, tem
um padrão de resistência de algum modo diferente e pode ser um candidato para
substituição no futuro, mas não deve ser utilizado sem teste de genotipagem prévia
para mutações.
DeLuca resume os principais aspectos de resistência dos INTR e INNTR da
seguinte forma:
“As TAMs são muitas vezes seleccionadas por regimes que incluem análogos
da timidina, nomeadamente a zidovudina (AZT) e a estavudina (d4T). Estas
mutações continuam a acumular-se ao longo do tempo, quando o regime que
está em falência é mantido, e eventualmente conferem crescente resistência
cruzada de classe, reduzindo grandemente a actividade de todos os INTRs e,
assim, tornam mínimas as opções de utilização da classe no futuro. A mutação
K65R é seleccionada quando o tenofovir (TDF) é utilizado sem AZT (e também,
em algumas ocasiões, quando são utilizados outros fármacos, tais como o
abacavir ou a didanosina), e é única na medida em que, embora comprometa a
actividade dos outros INTRs, não influencia negativamente a actividade do AZT,
que parece aumentar. Portanto, o TDF poderá não estar activo em pacientes que
sofreram falência com um regime contendo AZT e tenham acumulado várias
TAMs, enquanto os pacientes que tiveram falha com um regime contendo TDF
e apresentarem a mutação K65R poderão ainda beneficiar de AZT no regime
de segunda linha. Finalmente, a lamivudina (3TC) e a emtricitabina (FTC)
16
Capítulo 1
são drogas com uma baixa barreira genética à resistência: uma única mutação
como a M184V/I é suficiente para suprimir a actividade in vitro destas drogas.
No entanto, esta mutação tem um benefício clínico devido a que sua presença
provoca uma redução na capacidade de replicação viral (diminui o fitness viral),
e também, aumenta a susceptibilidade a TDF e AZT, tornando a sua escolha
durante a terapia de primeira linha útil para obter uma melhoria da actividade
dos INTRs na terapia da segunda linha. A acumulação de TAMs eventualmente
eliminará o benefício da mutação M184I/V , reduzindo a susceptibilidade a TDF,
enquanto a presença de K65R irá inibir a selecção de TAMs e, como resultado, irá
aumentar a probabilidade de que o AZT mantenha a sua actividade. Portanto,
com base nestas observações in vivo, é preferível o esquema com TDF na primeira
linha de TARV e a reserva do AZT para o esquema de segunda linha, combinado
em ambos casos com 3TC ou FTC.”28
Inibidores da Protease (IP)
Os IPs em geral, são menos susceptíveis às mutações de resistência do que os INTR
s e os INNTR (veja abaixo). Em pacientes que recebem um regime contendo IPs,
existem 3 mutações principais que conferem resistência a LPV/r: 32I, 47V/A e
82A/F/T/S,
Per DeLuca:
“Os Inibidores da protease potenciados com Ritonavir (IP/r) têm uma maior
barreira genética à resistência do que outros medicamentos antiretrovirais. O
conceito de barreira genética para a resistência (ou barreira de resistência) está
relacionado a 2 variáveis, nomeadamente, as características moleculares do
medicamento e a exposição ao mesmo. Os fármacos com uma elevada barreira
genética para a resistência seleccionam as mutações mais lentamente. Além
disso, a barreira genética elevada implica também que os IP/r mantêm-se activos
apesar da presença de um número limitado de mutações. Os resultados de ensaios
levados a cabo em locais com recursos limitados, confirmam os dados de ensaios
clínicos nos Estados Unidos e na Europa, que mostram que o desenvolvimento de
mutações de resistência para IP/r é extremamente raro nos casos de falência de
um regime de primeira linha contendo IP/r” [6, 7].
É útil relembrar a experiência da África do Sul: Em seu recente lançamento da
genotipagem, eles descobriram que mais de 74% dos pacientes com falência
virológica respondeu ao regime padrão de segunda linha; a realização de teste de
genotipagem para a escolha do novo esquema não alterou as recomendações de
tratamento na maioria dos casos.9
17
Capítulo 1
Falência Terapêutica
Define-se como falência terapêutica, a incapacidade do tratamento anti-retroviral
para atingir o objectivo de suprimir a replicação viral. Nesta secção vamos discutir
a prevalência e importância da falência terapêutica e os critérios específicos para
diagnosticá-la.
A falência terapêutica é normalmente causada por falta de adesão ao TARV (ao
nível do paciente e/ou do sistema de saúde, iremos abordar este assunto mais tarde
nesta sessão), pela presença de mutações que fazem com que o vírus seja resistente
ao esquema de TARV, ou por ambos.
Existem 3 grupos diferentes de critérios para identificar a falência terapêutica
(independentemente do mecanismo da falência): falência clínica, falência
imunológica e falência virológica.
A primeira definição de falência terapêutica baseia-se exclusivamente na evolução
clínica do paciente após o início do TARV e é chamada “falência clínica”. A actual
definição para Moçambique de falência clinica é dada abaixo (Guião Nacional de
TARV). Suspeita-se da falência clínica quando um paciente desenvolve uma nova
infecção ou condição oportunista depois de iniciar o TARV. Mas como aponta o
Guião Nacional, pode ser difícil saber, baseando-se apenas na evolução clínica, se
a causa da deterioração clínica deve-se ao facto do regime do TARV não estar a
funcionar, ao aparecimento da síndrome de imuno-reconstituição ou simplesmente
existe uma nova condição oportunística em curso antes do paciente ter atingido a
reconstituição imune.
A falência clínica de forma isolada já não é considerada um critério suficiente
para se chegar à conclusão da existência de falência terapêutica devido as razões
descritas acima.
18
Capítulo 1
Desde a ampla disponibilidade de CD4, uma nova definição de falência terapêutica
foi elaborada baseada na análise da evolução de CD4. A falência terapêutica
determinada pela análise da evolução do CD4 é chamada de falência imunológica.
A definição de falência imunológica extraída do Guião Nacional esta descrita
abaixo:
Como notado no Guião Nacional, a evolução da contagem de CD4 pode ser difícil
de interpretar, particularmente em pacientes com infecções oportunística ou outras
infecções não tratadas e em pacientes que tenham iniciado o TARV com uma
contagem muito baixa de CD4. Moçambique agora prefere definir a falência terapêutica usando o critério de
falência virológica (isto é, baseado na evolução da carga viral após o início de
TARV):
19
Capítulo 1
Definição de Carga viral
Então, o que é o teste de carga viral? Basicamente é a medição da concentração do
vírus HIV no sangue do paciente. Os resultados são expressos de duas maneiras: o
número bruto de cópias do vírus por mililitro ou milímetro cúbico (ml ou mm3) de
sangue e, o logaritmo (log) base 10 daquele número (o logaritmo de base 10 de um
certo número aumenta 1 com cada adição de um múltiplos de 10. Assim, log de
10 é 1, log de 10 x 10 [100] é 2, log 10 x10 x10 [1000] é 3 etc).
Segue-se a tabela do Guião Nacional para comparar as duas diferentes formas de
expressar os resultados de carga viral:
Quadro 4: Parâmetros virológicos
no plasma
Carga Viral
Logaritmo
Correspondente
300 (3 x 102)
2,5
500 (5 x 102)
2,7
800 (8 x 102)
2,9
1.000 (1 x 10 )
3
3.000 (3 x 103)
3,5
3
10.000 (1 x 104)
4
30.000 (3 x 104)
4,5
100.000 (1 x 105)
5
300.000 (3 x 10 )
5,5
5
1.000.000 (1 x 106)
6
Note que a carga viral pode ser reportada
como “ indetectável” ou “abaixo de um
certo número de cópias” (por exemplo:
30 ou 50). Estes resultados dizem-nos
que a carga viral é tão baixa que o teste
laboratorial não a pode detectar.
O limiar de 1.000 cópias de vírus/ml
para a definição da falência terapêutica
foi escolhido pela OMS porque pensase que a transmissão de HIV abaixo de
este limiar é reduzida. Em países com
mais recursos o objectivo do tratamento
é manter a CV abaixo de 50 cópias/ml,
com a finalidade de prevenir a replicação
viral e o desenvolvimento de resistências.
Contudo, quando se usa o sistema de gota seca de sangue (DBS ou dried blood
spot em inglês) para a recolha de amostras com fins de medição de carga viral, o
limite de 1.000 cópias/ml não é prático devido ao facto do sistema DBS não ser
suficientemente sensível para detectar baixos níveis da viremia. Sendo assim a
OMS recomenda um limite mais alto (3000-5000 cópias/ml). Moçambique agora
esta no processo de estabelecer capacidades para CV em algumas províncias. A
política para o uso do teste de carga viral está resumida no guião nacional de TARV:
A confiabilidade do método usado para a detecção da falência terapêutica importa
por 2 motivos principais:
a)Se falharmos ao detectar a verdadeira falência terapêutica, o paciente terá
um risco aumentado de morbilidade e mortalidade por complicações de
HIV/SIDA. Os contactos sexuais do paciente e outros (p ex recém-nascidos)
estarão em risco acrescido de adquirir o HIV, incluída a transmissão de vírus
resistente a MARVs.
20
Capítulo 1
b)Se diagnosticarmos erradamente falência terapêutica antes que realmente
tenha ocorrido, e trocarmos desnecessariamente o paciente para a 2a
linha, os custos, a possibilidade de reacções adversas e a quantidade de
comprimidos irão aumentar, e o paciente pode esgotar todos os regimes
disponíveis antecipadamente. Estudos que Mostram a Baixa Confiabilidade do Critério Imunológico para
Detectar Falência ao Tratamento Antiretroviral
Vamos descrever os resultados de alguns estudos que avaliam a confiabilidade das
definições da falência clínica e imunológica para detectar falência terapêutica:
Uma das definições de falência imunológica da OMS é a incapacidade do CD4
aumentar até 100 cels/mm3 apesar do TARV. Um estudo na África do Sul avaliou a
evolução da contagem do CD4 em pacientes que iniciaram TARV com CD4 <200
cels/mm3 e mantinham uma supressão viral persistente (a nível de CV <50 copias/
ml) nas primeiras 48 semanas após o início do tratamento. Dos 428 pacientes cuja
CV foi indetectável aos 12 meses, 163 (37%) ainda tinham CD4 <200 cels/mm3. Em média o aumento de CD4 foi de 8.66 células/mês em TARV. Neste estudo os
factores associados com a recuperação inadequada ou lenta de CD4 foram:
• A idade avançada e;
• A baixa contagem de CD4 no início do TARV.
Nesta coorte, a avaliação imunológica isolada iria classificar muitos destes pacientes
como tendo falência, mesmo se os investigadores tivessem usado o limiar de 100
cels/mm3 da OMS.3
No Quénia, os investigadores avaliaram pacientes cuja contagem de CD4 tinha
diminuído em 25% ou mais, após a introdução de TARV. Dos 149 pacientes com
um declínio de CD4 ≥25% , 86 (58%) haviam atingido uma supressão de carga viral
(definida como CV <400 copias/ml) e poderiam ter sido mal classificados como
falência se somente o critério imunológico tivesse sido usado.4
Num estudo retrospectivo realizado em 5 CS da cidade de Maputo, com apoio da organização MSF, foram avaliados com carga viral 1.045 pacientes que cumpriam critérios
de falência imunológica. Somente 40% destes pacientes apresentaram um resultado
de CV acima de 1.000 cópias/ml (46% dos pacientes tinham carga viral indetectável
e 15% tinha uma CV entre 50 e 1000 cópias/ml). Este estudo ainda não foi publicado.
Numa coorte de Uganda, incrementos de CD4 abaixo do ideal (<50 células/ml aos
6 meses, <100 células/ml aos 12 meses, e <200 células/ml aos 24 meses) na presença
de supressão viral, poderiam ter classificado mal, 21%, 45% e 54% dos pacientes
como falência imunológica aos 6, 12 e 24 meses de TARV, respectivamente.5
21
Capítulo 1
Monitoria Virológica para a Prevenção de Resistências
Será que a fraca sensibilidade e especificidade de monitoria imunológica para a
detecção de falência virológica causa resultados adversos aos pacientes?
• Um Ensaio clínico randomizado e controlado realizado na Tailândia
comparou os resultados clínicos dos pacientes monitorados virologicamente
(CV) vs os monitorados imunologicamente (CD4). A falência virológica foi
definida como CV >400 copias/mL (confirmada) e a falência imunológica
foi definida como a queda de CD4 de mais de 30% na contagem de CD4 em
relação ao valor máximo atingido. A falência clínica foi definida como óbito,
nova condição do estágio IV or CD4 < 50 cels/mm3.
Aos 3 anos, 8.0% dos pacientes monitorados com CV tinha falência vs 7.4%
dos pacientes monitorados apenas com CD4 (diferença não estatisticamente
significativa). No entanto, os pacientes no braço de CD4 ficaram cerca de
um ano com a viremia do HIV não suprimida antes de trocar para a 2a
linha. Por este motivo, houve uma tendência maior para a acumulação de
mutações de resistência no braço com monitoria imunológica.7
• Por último, um estudo realizado em Uganda comparou directamente os
resultados de CV em 2 grupos de pacientes: um grupo foi monitorado com
CV e CD4 e o outro somente com CD4. Aos 36 meses ambos grupos foram
testados com CV. A falência virológica foi definida como CV >400 cópias/
ml e ocorreu em 8% dos pacientes do grupo que fazia monitoria virológica
vs 10% no grupo com monitoria imunológica. Este estudo mostrou grandes
diferenças no aparecimento de mutações de resistência entre os grupos.
Dos pacientes com CV não suprimida no grupo monitorado com CV, 59% tinha desenvolvido mutações virais que conferem resistência aos INNTRs
e 5% tinham mutações que conferem resistência aos INTRs, vs. 90% e 49%
no grupo monitorado com CD4 respectivamente. A conclusão foi de que
a monotoria da CV reduziu taxa de desenvolvimento de resistência aos
antiretrovirais nesta coorte. Vamos retornar a este assunto mais tarde nesta
sessão.8 (Figure 2).
Então parece que os resultados clínicos de curto prazo (<3 anos) são semelhantes
em pacientes monitorados com CV vs CD4, mas o nosso objectivo é de preservar
opções TARV efectivas para toda vida!
Nos locais sem acesso ao teste de CV de forma rotineira, devem ser usados os
critérios clínico e imunológico para identificar pacientes que realmente devem ser
referidos para mais aconselhamento sobre adesão, para a realização de teste de CV
e finalmente para indicação de troca para a 2a linha.
O primeiro passo no manejo da falência terapêutica suspeita ou confirmada, é a
avaliação da adesão ao nível do paciente e do sistema de saúde.
22
Capítulo 1
Se a CV for elevada apenas porque o paciente não tomou TARV de forma regular
recentemente, ou porque a farmácia teve ruptura de stock, melhorar a adesão
resolve o problema. Numa parte dos casos pode-se conseguir de novo a supressão
da replicação do vírus apenas com a melhora da adesão, mesmo em pacientes com
algum grau de resistência aos medicamentos. Por este motivo, tanto a OMS como
o algoritmo Nacional aconselham o reforço da adesão após o resultado de uma
primeira carga viral detectável:
23
Capítulo 1
Num programa piloto Sul Africano para a introdução do teste de genotipagem,
11.4% de 438 pacientes com a falência virológica NÃO tinham evidência de
mutações de resistência (o seu problema era apenas de adesão).9
No ensaio clínico DART em Uganda, de um total de 70 pacientes com CV >1000
cópias/ml na semana 48 de tratamento, 17 (27%) conseguiram suprimir de novo
a replicação viral na semana 96 sem trocar de regime. Mais da metade destes
indivíduos (10/17) apresentava pelo menos uma mutação de resistência relevante.10
Este fenómeno também foi notado num outro estudo realizado na África de Sul,
onde 41% de todos pacientes com falência virológica voltou a suprimir a replicação
do vírus apenas com reforço da adesão e sem necessidade de trocar de regime.11
Assim sendo, a OMS recomenda reforço adicional da adesão para todos pacientes
com carga viral detectável e suspeita de falência ao tratamento. Segunda linha padrão em Moçambique
Abaixo, estão os regimes aprovados para a 2a linha em Moçambique. Os actuais guiões
Nacionais requerem que os clínicos considerem a presença de TB e a elegibilidade
para TDF (função renal). Outras considerações podem incluir a existência de coinfecção com o vírus da hepatite B (ver a Sessão de hepatite neste manual).
Até a data da elaboração deste documento, o regime de 3a linha ainda não estava
disponível em Moçambique. Sendo assim o regime de 2a linha pode ser a última
linha para um paciente em falência.
Quadro 5: Escolha da 2ª Linha em Adultos e Crianças ≥ 5 anos (e com peso ≥35Kg)
Nos adultos:
Se o esquema em falência é TDF + 3TC + EFV, muda para:
• 1ª opção: AZT + 3TC+ LPVr
• 2ª opcção: ABC + 3TC + LPVr para situações de intolerância a AZT
• 3ª opção: AZT/ABC + 3TC + LPV/r hiperpotenciados (para doentes com TB necessitando de 2ª
linha, durante o tempo que dure o tratamento específico)
Se o esquema em falência é AZT (ou d4T) + 3TC + NVP (ou EFV), muda para:
• 1ª opção: TDF + 3TC + LPV/r
• 2ª opção: ABC + 3TC + LPV/r: para situações de contra-indicação de TDF
• 3ªopção: TDF/ABC + 3TC + LPV/r hiperpotenciados (para doentes com TB necessitando de 2ª
linha, durante o tempo que dure o tratamento específico)
Nas crianças ≥ 5 anos:
Se o esquema em falência é AZT/d4T + 3TC + LPV/r muda para:
• TDF + 3TC+ EFV
Se o esquema em falência é AZT/d4T + 3TC + NVP (ou EFV) muda para:
• TDF + 3TC+ LPVr
24
Capítulo 1
Os clínicos devem tomar uma decisão inteligente acerca de quando trocar. Devem
ser tomadas todas as medidas possíveis para garantir a adesão (pelo paciente e
sistema de saúde) ao regime da 2a linha, logo que o paciente começar.
A melhor maneira para manejar a resistência aos antiretrovirais e a falência
terapêutica é a sua prevenção! Um regime certo de primeira linha deve ser prescrito
logo que o paciente tornar-se elegível, deve-se monitorar de perto a adesão ao
TARV e todos os problemas de adesão devem ser abordados prontamente. É crucial
reconhecer que os problemas de adesão podem ter origem no sistema de saúde (as
rupturas de stock a nível central ou a nível das unidades sanitárias, assim como as
quantidades reduzidas de medicamentos disponíveis que obrigam os pacientes a
aproximarem à US para procurar medicamento com elevada frequência, são causa
de resistência aos MARVs); a monitoria da adesão deve incluir o sistema de saúde
(padrões de prescrição dos ARVs, a disponibilidade de antiretrovirais) assim como
os factores dependentes do paciente.
Problemas de Adesão devidos à Falha nos Sistemas de Saúde: Indicadores
para a Avaliação
A OMS também reconhece a contribuição que os problemas dos sistemas de saúde
têm na adesão e na ocorrência de falência terapêutica. Em 2006, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) formulou os HIV Drug Resistance Early Warning Indicators ou indicadores de alerta precoce para resistência aos ARVs (EWIs HIVRD).
Desde 2004, 2.017 unidades sanitárias em 50 países tem monitorado os EWIs. Das
907 clínicas monitoradas em África até 2010, 74% atingiu a meta de 100% dos
pacientes em TARV de acordo com as normas nacionais ou da OMS, 61% manteve
os pacientes em regimes apropriados de terapia12 meses após o início do TARV,
15% tinha os pacientes a levantarem os ARVs na hora e 96% cumpriu com a meta
de mais de 85% dos pacientes com supressão viral aos 12 meses.12
A seguir apresentamos uma tabela onde se compara o desempenho de 2 unidades
sanitárias que implementam a monitoria de alguns dos EWIs. Neste estudo observa-se
claramente como o melhor desempenho da unidade sanitária em relação a estes
indicadores está associado com uma redução da ocorrência de falência virológica.12
Neste caso, a unidade sanitária A teve melhor desempenho nos 4 indicadores
(1 a 4) e consequentemente também teve uma taxa de supressão viral mais elevada.
Os indicadores monitorados foram:
•
•
•
•
•
25
Levantamento atempado
Retenção em cuidados
Rupturas de stock a nível da farmácia
Práticas de dispensação
Supressão virológica
Capítulo 1
Desempenho de 6 EWIs EM 2 US ao longo de 1 ano:
Pontos-Chave da Sessão
• O objectivo do TARV é suprimir a replicação viral, permitindo assim a
recuperação imunológica e clínica dos pacientes
• Após mais de 10 anos de acesso a TARV no país, o número de pacientes
que não tem resposta aos esquemas de primeira linha é cada vez maior.
• A falta de supressão viral completa pode acontecer em paciente que
recebem TARV por motivos diversos, principalmente a fraca adesão,
mas também outros, como interacções farmacológicas, problemas de
absorção ou simplesmente o aparecimento de mutações de resistência
após terapia prolongada.
• A replicação viral em presença de MARVs permite a selecção de aquelas
estirpes do vírus que possuem mutações de resistência vantajosas para
o vírus, isto é, aquelas que conferem resistência aos MARVs.
• A prevenção de esta situação passa pelo reforço da adesão individual e
por garantir o abastecimento de MARVs nas US
• O uso do critério imunológico para detectar falência ao tratamento é
fraco.
• A detecção de falência terapêutica a partir do critério virológico
(avaliação da carga viral) permite detectar os verdadeiros casos de
falência.
26
Capítulo 1
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C apí tulo 2
Alterações hepáticas
no Paciente HIV+:
Diagnóstico e Manejo
Índice Capítulo 2
Introdução...................................................................31
Conteúdos da Sessão...............................................31
Diagnóstico Diferencial da TB
hepática.......................................................................52
Causas Importantes de Doença Hepática
no Contexto do HIV em Moçambique...............32
Co-infecção TB/HIV: Apresentação
da TB como Síndrome de Imuno
-reconstituição (SIR)..............................................52
Hepatite B.....................................................................33
Tratamento da TB Hepática/Abdominal....52
Definições...........................................................................33
Normas Nacionais Moçambicanas
para o Tratamento da
Co-infecção TB/HIV:..............................................53
Importância da Hepatite B em
Moçambique....................................................................33
Transmissão de VHB.....................................................34
Tratamento da TB em Pacientes
com Doença Hepática........................................53
Marcadores Laboratoriais da Infecção
pelo VHB e Estadio da Doença..............................34
Prevenção da TB Abdominal/Hepática............55
Co-infecção HIV/VHB...................................................39
Toxicidade Hepática por Medicamentos........55
Complicações da Co-infecção
HIV / VHB.............................................................................39
Apresentação clínica das Reacções
Adversas Envolvendo o Fígado.............................58
Prevalência de Hepatite B em Pacientes
Africanos infectados pelo HIV................................40
Alteração Assintomática das
Transaminases..........................................................58
Diagnóstico da Infecção pelo VHB......................41
Hepatite.......................................................................58
Tratamento da VHB em Pacientes
HIV-negativos...................................................................43
Diagnóstico da Hepatotoxicidade
por Fármacos....................................................................60
TARV para o Paciente Co-infectado
pelo HIV/VHB....................................................................43
Manejo da Hepatotoxicidade por
Fármacos.............................................................................63
Limiar de CD4 para Iniciar TARV no
Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB.........43
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs)....63
Medicamentos antituberculose (MAT).....64
Quanto tempo dura o tratamento
da Hepatite Crónica por VHB?........................45
Schistosomiase Hepato-esplénica......................67
Selecção de antiretrovirais com
actividade anti-VHB..............................................45
Diagnóstico.......................................................................68
Quadro Clínico.................................................................67
Tratamento........................................................................68
Outras medidas para prevenir as
complicações derivadas da infecção
pelo VHB em pessoas infectadas pelo HIV.....47
Malária Severa e Alterações Hepáticas..............70
Medidas para prevenir a transmissão
de contactos não infectados..........................47
Hepatite Sifilítica........................................................71
Vacina da Hepatite B............................................48
Tubeculose Hepática/Abdominal........................49
Alcoolismo...................................................................71
Outras Causas de Doença Hepática
em Pessoas Infectadas pelo HIV...........................72
Sinais e Sintomas de TB Abdominal...................49
Pontos-Chave da Sessão.........................................72
Diagnóstico de TB hepática/Abdominal.........51
Referências...................................................................73
Capítulo 2
2. Alterações hepáticas no Paciente
HIV+: Diagnóstico e Manejo
Introdução
Nos indivíduos seropositivos, muitas condições relacionadas com o HIV e outras
condições não relacionadas podem causar sinais e sintomas de doença hepática. As
categorias mais importantes que podem causar doença hepática ou se apresentar
como patologia hepática são:
•
•
•
•
Infecções (incluindo vírus, micobactérias e parasitas);
Toxicidade (reacções adversas a medicamentos, álcool);
Neoplasia (carcinoma hepatocelular) e
Patologia das vias biliares (colecistite, colangite) geralmente atribuível a
infecções como CMV, criptosporidium, o próprio HIV.
Nos contextos sem limitação de recursos, a patologia hepática é a primeira causa
de morte não relacionada com a SIDA em pacientes com HIV. Os clínicos devem
suspeitar doença hepática em pacientes que apresentam os seguintes sinais ou
sintomas:
• Sinais: icterícia, hepatomegalia e/ou hipersensibilidade no fígado, massa
hepática, ascite, eritema palmar, angioma estelar, hemorragias gastrointestinais, alterações do estado mental;
• Sintomas: fadiga, náuseas, vómitos, perda de apetite, aumento da
circunferência abdominal, dor no quadrante superior direito do abdómen;
• Alterações laboratoriais: HBsAg +, elevações de ALT, AST, bilirrubina, ou
fosfatase alcalina; carga viral do VHB detectável.
Conteúdos da Sessão
Nesta unidade serão abordados os seguintes conteúdos:
•
•
•
•
Co-infecção HIV/VHB, diagnóstico e tratamento em Moçambique
Tuberculose abdominal/hepática, diagnóstico diferencial e tratamento
Toxicidade hepática por fármacos, diagnóstico e manejo
Outras causas de alterações hepáticas (malária, schistosomiase
hepatoesplénica, abuso de álcool)
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
31
Capítulo 2
Causas Importantes de Doença Hepática em Paciente com HIV
em Moçambique
As apresentações clínicas mais comuns que o clínico irá provavelmente encontrar
são:
• Alteração assintomática das transaminases: testes da função hepática alterados num paciente sem queixas;
• Hepatite clínica: náuseas, vómitos, fadiga, icterícia, desconforto abdominal, aumento do tamanho do fígado e/ou febre ou erupção cutânea, acompanhada por anormalidades nos testes de função hepática; a hepatite pode
ser aguda ou crónica. Se crónica, pode evoluir para cirrose (procure por
sinais de hepatopatia crónica como eritema palmar, ascite, fígado duro ao
exame físico). Em pessoas infectadas pelo HIV, a hepatite clínica pode ser
consequência da síndrome de imuno-reconstituição (SIR) que por vezes por
vezes acontece após a introdução do TARV.
• Doença hepática/insuficiência hepática descompensada: ascite, encefalopatia hepática, icterícia. Neste caso a apresentação pode ser aguda ou crónica.
• Outras apresentações menos comuns são a hipertensão portal isolada (ascite, varizes esofágicas com ou sem hemorragia), a esplenomegalia sem evidência de afectação do parênquima hepático, a esteatose hepática (fígado
gorduroso), o carcinoma hepatocelular (cancro do fígado, geralmente causado por hepatite crónica B ou C), e abdómen agudo (causado por colecistite ou obstrução das vias biliares).
Em pacientes infectados pelo HIV, é frequente a coexistência de mais de uma
condição afectando o fígado.
O ambiente clínico em Moçambique está a mudar de tal forma que pode permitir
uma melhor avaliação e tratamento das doenças do fígado. Mais importante ainda, o
teste da hepatite B está a ser introduzido, alguns dos medicamentos anti-retrovirais
com actividade contra a hepatite B já estão disponíveis no País e Moçambique
mudou recentemente as suas recomendações para a selecção da primeira e segunda
linha de TARV.
Vamos dedicar uma parte importante desta sessão à hepatite B (com ênfase na coinfecção HIV/VHB), mas também vamos discutir outras condições que podem
afectar o fígado em pacientes infectados pelo HIV, ou que podem complicar o
diagnóstico diferencial como: tuberculose, reacções adversas a medicamentos,
malária grave, esquistossomiase, alcoolismo, sífilis.
Vamos colocar uma ênfase especial sobre o seguinte:
• Prevenção: A vacina contra hepatite B e outros meios de prevenção da
transmissão da hepatite B;
32
Capítulo 2
• Diagnóstico: testes disponíveis para o diagnóstico da infecção crónica pelo
VHB, interpretação dos testes de função hepática, uso do ultra-som, uso de
GeneXpert;
• Tratamento: selecção dos medicamentos antiretrovirais para o tratamento
da co-infecção do HIV/VHB, quando e como parar os antiretrovirais e/ou
medicamentos de TB em caso de toxicidade; quando e como substituir ou
reintroduzir os antiretrovirais e/ou medicamentos de TB em caso de reacção
adversa ao medicamento.
Hepatite B
Definições
O vírus da Hepatite B (VHB) é um vírus DNA que provoca a infecção e inflamação do
fígado. Em pacientes nos quais a infecção não é eliminada espontaneamente ou não
é tratada, esta pode progredir para a insuficiência hepática e/ou o cancro do fígado.
O tratamento adequado pode evitar (ou às vezes inverter) as suas complicações. Tal
como o HIV, o VHB utiliza a transcriptase reversa para se reproduzir. 1
Importância da Hepatite B em Moçambique
A Hepatite B é uma importante causa de doença hepática tanto em pessoas infectadas
pelo HIV como em seronegativos em África, e está presente em Moçambique. Veja
o mapa abaixo onde se mostra a distribuição mundial dessa infecção2:
33
Capítulo 2
A prevalência de hepatite crónica B em África Subsaariana é elevada (≥8% da
população).
A hepatite B, conforme determinado pela presença de antígeno de superfície do
VHB (HBsAg), foi encontrada em 10,6% dos homens e 4,5% das mulheres doadores
de sangue avaliados em Maputo (1.578 doadores avaliados).3 Em comparação,
apenas 1,2 e 1,0% tinham evidência de exposição prévia ao vírus da Hepatite C.
Dos doadores com HBsAg +, 16,4% também tinham HBeAg+. Nem este estudo,
nem o estudo de Tete mencionado abaixo, reportaram a prevalência de co-infecção
VHB/HIV nestas populações de doadores de sangue.
Um estudo similar, com 679 doadores de sangue em Tete, encontrou uma
prevalência de HBsAg de 10,6% (em comparação, nenhum caso de hepatite C foi
encontrado neste estudo)4. Voltaremos a abordar a epidemiologia da infecção por
VHB em África mais adiante.
Transmissão de VHB
O VHB infecta centenas de milhões de pessoas em todo o mundo.1 A transmissão
é percutânea (picadas de agulhas, transfusão, tatuagem), sexual, perinatal
(transmissão vertical) e directa (de pessoa para pessoa, especialmente entre os
contactos domiciliares e particularmente entre crianças).
Marcadores Laboratoriais da Infecção pelo VHB e Estadio da Doença
O VHB contém várias proteínas que podem ser detectadas em testes de laboratório
e que ajudam a caracterizar o estadio da doença e a resposta ao tratamento da
mesma. Os mais importantes (para a tomada de conduta clínica) são:
• Antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg),
• Antígeno do núcleo da hepatite B (HBcAg) e
• Antígeno e da hepatite B (HBeAg).
Estas proteínas são produzidas pelo próprio vírus da hepatite B. A presença de
HBeAg traduz uma replicação viral do VHB aumentada, com carga viral elevada
e maior risco de progressão da doença e de transmissão da mesma. Em resposta
à exposição a estes três antígenos, as pessoas imunocompetentes podem criar
anticorpos, que também podem ser identificados pelo laboratório:
• Anticorpo de superfície da hepatite B (HBsAb),
• Anticorpo do núcleo da hepatite B (HBcAb) e
• Anticorpo e da hepatite B (anti-HBe).
Como a carga viral de HIV, a carga viral da hepatite B pode também ser medida em
laboratórios adequadamente equipados.
34
Capítulo 2
Após a infecção inicial, os pacientes podem apresentar diferentes padrões em
termos da evolução da infecção. O padrão vai depender em grande parte, da idade
em que a infecção é contraída:
• Em crianças infectadas no período perinatal, a hepatite aguda sintomática
não ocorre, e 90% desenvolve infecção crónica, o que poderá resultar em
doença e morte muito mais tarde ao longo da vida, devido a problemas
hepáticos (cirrose, carcinoma hepatocelular). Este é o caso de até 40% dos
homens infectados (o risco é menor em mulheres). A progressão da doença
é mais rápida quando a replicação viral é mais activa (altas cargas virais de
VHB, HBeAg+).
• Quando a infecção ocorre na idade adulta, frequentemente provoca uma
resposta imune forte, associada a hepatite clínica, e mais de 90% eliminam a
infecção pelo VHB.1 Veja abaixo o resumo das fases de infecção pela hepatite
B e a terminologia associada5:
35
Capítulo 2
A evolução dos marcadores de infecção aguda da hepatite B com e sem resolução
é descrita nos gráficos seguintes6:
36
Capítulo 2
Nos casos em que a infecção inicial não é eliminada espontaneamente, o
paciente desenvolve infecção crónica, que pode passar por quatro fases:fase de
imunotolerância, fase imunoactiva, fase de portador assintomático (inactivo) e fase
de reactivação).2 A seguir descrevemos as quatro fases de Hoffman:
1.Fase de imunotolerância: nos casos de infecção perinatal, a fase de
imunotolerância pode durar décadas e é caracterizada por uma carga viral
do VHB elevada, enzimas hepáticas normais e baixa actividade inflamatória
a nível do fígado. Esta fase pode ser mais curta em pessoas que se infectam
durante a infância (ao invés do período perinatal), e está ausente nos casos
de infecção durante a idade adulta.
2.Fase imunoactiva: esta fase é caracterizada pela elevação das enzimas
hepáticas, flutuação da carga viral do VHB e uma actividade necroinflamatória importante. Nesta fase, há uma correlação entre o dano hepático
e a duração e grau de elevação das enzimas hepáticas. Nos casos de coinfecção entre HIV e VHB acontece um paradoxo, uma vez que os pacientes
podem apresentar menor elevação de transaminases mas a extensão do
dano hepático pode ser maior e o risco de progressão para cirrose também.
3.Fase de portador assintomático: esta é uma fase de duração indefinida na
qual os pacientes têm anticorpos contra o antígeno e (Anti HBe) e carga viral
indetectável. A seroconversão para este estado (significa desaparecimento
do antígeno e junto com o aparecimento de Anti HBe) nos indivíduos
adultos acontece em 8-15% dos casos a cada ano que transcorre e é menos
frequente nos indivíduos co-infectados com HIV.
37
Capítulo 2
4 Fase de reactivação: implica o reaparecimento do HBeAg em pacientes que
já tinham entrado na fase de portador assintomático. Além de uma menor
probabilidade de seroconversão, é também mais provável que os pacientes
co-infectados com HIV e Hepatite B apresentem reactivação da hepatite B,
com reaparecimento do HbeAg e retorno para a fase imunoactiva.
Alguns adultos com VHB crónica podem eliminar o HBsAg sem tratamento,
mas isso não é comum, especialmente em pessoas infectadas na infância. O
desaparecimento do HBsAg do sangue nem sempre indica cura durável, porque
o DNA do VHB persiste nas células hepáticas do hospedeiro e pode voltar a
reemergir, por exemplo, na sequência da imunossupressão associada ao HIV.
Se a infecção pelo VHB não resolver espontaneamente, ou se não for tratada de
forma eficaz, pode evoluir para a insuficiência hepática, insuficiência renal, e/ou
o carcinoma hepatocelular (CHC). A infecção pelo VHB não controlada também
pode levar à transmissão para outras pessoas. Na África subsaariana, pensa-se que
o carcinoma hepatocelular seja ainda mais comum do que o sarcoma de Kaposi;
veja a tabela abaixo (eixo horizontal: milhares de novos casos/ano)7:
O objectivo do tratamento da hepatite B é o de limitar a progressão da doença
a nível do fígado e prevenir a mortalidade devido a complicações, suprimindo
a replicação viral do VHB ao longo do tempo (a eliminação é o desejável, mas
muitas vezes não é atingida).1 Certos medicamentos anti-retrovirais são activos
contra o HIV e também contra o VHB (discutido em mais detalhe abaixo). Os
mais importantes para os nossos propósitos são o tenofovir (TDF), a lamivudina
(3TC) e a emtricitabina (FTC).
38
Capítulo 2
Co-infecção HIV/VHB
A co-infecção HIV/VHB não é incomum, uma vez que os mecanismos de
transmissão das duas infecções sobrepõem-se (ex: transmissão sanguínea,
perinatal, sexual). Contudo, a sua prevalência varia de umas regiões geográficas
para outras. Há uma década pensava-se que cerca de 3 milhões de pessoas (dos 35
milhões com a infecção pelo HIV) tivessem co-infecção com o VHB.8 As maiores
prevalências de co-infecção (até 30% em alguns locais)9 ocorrem no sudeste da
Ásia e África Subsaariana.
Os indivíduos adultos infectados pelo HIV que são expostos ao VHB são mais
propensos a evoluir para a infecção crónica pelo VHB quando comparado com os
indivíduos sem HIV (20% contra menos de 10%).9
Os pacientes infectados pelo HIV com infecção crónica pelo VHB têm maior risco
de apresentar cargas virais do VHB elevadas e progressão mais rápida para estadios
finais da doença hepática, assim como de desenvolver carcinoma hepatocelular
(CHC).8
Complicações da Co-infecção HIV/VHB
Os pacientes infectados pelo HIV apresentam um maior risco de adoecer e morrer
por patologia hepática. Este risco aumenta de forma progressiva com a diminuição
da contagem de CD4.9
Veja a figura abaixo, de Koziel e Peters.
39
Capítulo 2
Nos Estados Unidos e em alguns locais da Europa, a doença hepática crónica
(incluindo a hepatite B, a cirrose e o carcinoma hepatocelular) é actualmente a
principal causa de morte não relacionada com a SIDA em pacientes infectados pelo
HIV.6
Nos indivíduos seropositivos observa-se também um aumento da probabilidade
de apresentar doença renal crónica (definida como uma diminuição da depuração
de creatinina igual ou superior a 25% ou a morte por causas renais) quando estes
estão co-infectados pelo VHB, quando comparado com os pacientes sem hepatite
crónica (OR 2,26 [1,15, 4,44]). Veja a figura abaixo.10
Em pacientes infectados pelo HIV, a hepatite B crónica pode também apresentar-se
como SIR. Voltaremos a este assunto mais tarde.
Prevalência de Hepatite B em Pacientes Africanos infectados pelo HIV
• Num estudo com 202 mulheres grávidas infectadas pelo HIV na Cidade do
Cabo, África do Sul, 12 (5,9%) foram identificadas como sendo positivas
para o HBsAg. 5 dessas 12 mulheres também foram HBeAg positivo. Quase
a metade (42,1%) das mulheres com resultado negativo para HBsAg era
portadora de anticorpos contra o antígeno de superfície (HBs Ab), sugerindo
que a exposição ao vírus da hepatite B é muito frequente nesta população.11
40
Capítulo 2
• Num estudo feito na província do Limpopo, África do Sul, 20% de 380
indivíduos infectados pelo HIV eram HBsAg +, e adicionalmente 61 (33,7%)
de 181 indivíduos HbsAg negativo tinham virémia para VHB (infecção
oculta pelo VHB). Em geral, 60% dos pacientes neste estudo mostrou
evidência de exposição ao VHB (com base nos resultados de HBsAg, HBsAb,
ou HBcAg).12
A prevalência da infecção pelo VHB, assim como a proporção de pacientes
infectados e com critérios para iniciar tratamento médico (níveis elevados de
viremia do VHB, doença hepática associada ao VHB) são muito variáveis de um
local para outro.
• Na África do Sul, em duas populações pequenas de indivíduos adultos coinfectados com HIV/VHB, a prevalência de HBeAg foi de 88,2% num local
vs 41,9% noutro; a percentagem de indivíduos com carga viral do VHB
abaixo de 2,000 cópias/ml (muitas vezes considerado o limite para indicar
tratamento) foi de 5,9% num local vs 30,0% noutro, por exemplo.13
• Num outro estudo com 2.048 mulheres infectadas pelo HIV no Malawi,
103 (5%) eram HBsAg+, sendo que a maioria delas (70; 68%) tinha virémia
detectável (VHB DNA+) e cerca de um terço (39; 38,2%) tinha HBeAg +.
Adicionalmente 16 mulheres (0,8%) apresentaram viremia na ausência
de HBsAg. Dos 51 recém-nascidos a partir de mulheres infectadas e com
HBsAg + ou virémia positiva, 5 (9,8%) foram infectados com VHB dentro
das primeiras 48 semanas de vida.14
• Num estudo feito na Suazilândia com 1.282 indivíduos HIV+, a prevalência
de HBsAg foi de 3,7% (1,4% de crianças, 5,1% dos adultos). A prevalência
foi maior em homens (9,8%) do que em mulheres (4,2%). Os níveis das
transaminases foram geralmente normais (ALT média 25 em HbsAg+ vs 19
em adultos HbsAg negativo).15
• Na Tanzania, 7,0% das crianças infectadas pelo HIV apresentou evidência
sorológica de infecção crónica pelo VHB, contra 1,3% de crianças não
infectadas pelo HIV. Este estudo não detectou evidência de infecção por
vírus de hepatite C nas 546 crianças avaliadas.16
Diagnóstico da Infecção pelo VHB
A infecção pelo VHB deve ser suspeita em todos os casos seguintes:
• Pacientes com infecção pelo HIV (por causa dos factores de risco comuns);
• Pacientes com qualquer estado serológico para HIV e com alteração
assintomática das transaminases (ALT, AST);
• Pacientes com sinais e sintomas de hepatite (náusea, vómitos, fadiga,
icterícia, dor abdominal, prurido)
41
Capítulo 2
• Pacientes com sinais e sintomas de cirrose (eritema palmar, circulação
colateral abdominal, fígado firme à palpação, esplenomegalia) ou quando
há evidência de doença hepática descompensada (ascite, encefalopatia
hepática, hemorragia digestiva) ou carcinoma hepatocelular.
Em pacientes infectados pelo HIV, o aparecimento de hepatite aguda após a
introdução de TARV, pode indicar síndrome de imuno-reconstituição relacionada
ao VHB; da mesma forma, o aparecimento de hepatite aguda após a interrupção
de TARV contendo antivirais com eficácia contra o VHB pode ser devido a um
episódio de recrudescência da hepatite B.
Em Moçambique, o diagnóstico da infecção activa pelo VHB é feito a partir da
detecção de HBsAg (geralmente por meio de testes rápidos). Outras condições que
se podem assemelhar clinicamente à infecção pelo VHB incluem todas as seguintes:
• Outras hepatites virais (hepatites A, C, E, CMV, etc);
• Consumo excessivo de álcool;
• Reacções adversas a medicamentos (principalmente alguns anti-retrovirais
e medicamentos para TB);
• Tuberculose abdominal/hepática;
• Schistossomiase hepato-esplênica;
• Algumas neoplasias (cancro do ovário, cancro do trato biliar, linfoma etc);
• Colecistite inflamatória/infecciosa;
• Sífilis secundária com envolvimento hepático (pouco frequente).
É importante notar que várias destas condições podem estar presentes em
simultâneo e por isso, a presença de HBsAg nem sempre é a melhor ou a única
explicação para os sinais/sintomas encontrados.
Nos pacientes com resultado positivo para o HBsAg, devem ser solicitados
os seguintes testes: ALT/AST, bilirrubina, hemograma, creatinina e ecografia
abdominal/hepática para os casos com alguma evidência clínica de doença
hepática. Idealmente deveriam ser também solicitados HBeAg e carga viral do
VHB, contudo, estes testes não estão disponíveis no SNS. Na presença de sinais e
sintomas de tuberculose (ver secção seguinte) deve ser procurada evidência de TB
pulmonar e/ou extrapulmonar. Também é fundamental colher uma boa história de
medicação prévia, com destaque para os antiretrovirais e medicamentos anti-TB, e
obter informações sobre o uso de álcool.
Quando pensa-se que a infecção é de longa duração, ou quando existem sinais
e sintomas sugestivos de hepatopatia crónica, outros testes que geralmente são
recomendados (quando disponível) incluem a alfa-fetoproteína e a ecografia
abdominal/hepática para avaliar a presença de carcinoma hepatocelular (CHC) e a
endoscopia digestiva alta (EDA) para detectar varizes esofágicas.
42
Capítulo 2
Tratamento da VHB em Pacientes HIV-negativos
Todos os pacientes com infecção pelo VHB documentada devem, também, ser
testados para HIV. Actualmente não existe um protocolo moçambicano para o
manejo de pacientes com monoinfecção por VHB.
TARV para o Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB
O objectivo do tratamento da hepatite B, como o objectivo do TARV é o de suprimir
a replicação viral, como indicado pela diminuição da carga viral do VHB ou pelo
desaparecimento de HBeAg e/ou HBsAg (o desaparecimento destes antígenos é
menos provável em pacientes co-infectados com HIV, quando comparado com os
pacientes sem HIV).9 A Supressão mantida da virémia pode prevenir ou (às vezes)
reverter as complicações hepáticas da infecção crónica pelo VHB, pode também
prevenir a transmissão para os contactos e pode até mesmo eliminar a infecção
por VHB. O VHB emprega a transcriptase reversa para a sua replicação, por este
motivo, certos INTR são activos contra ambos os vírus.
Limiar de CD4 para Iniciar TARV no Paciente Co-infectado pelo HIV/VHB
Um estudo feito na África do Sul, estimou que o início de TARV com um limiar
de CD4 de 500 cels/mm3 (vs. o limiar actual de 350 cels/mm3) nos pacientes
co-infectados com HIV/VHB resultaria num aumento de 9% nos “benefícios
para a saúde” (prevenção da progressão da doença hepática, incluindo cirrose
descompensada e carcinoma hepatocelular e prevenção da mortalidade). O início
mais precoce de TARV nesta população iria permitir a prevenção de 28% de mortes
e 32% das hepatites de transmissão vertical nesse país.18 (mais sobre este tema
abaixo).
Apesar dos resultados do estudo apresentado acima, em 2013 a OMS concluiu que
não existem evidências suficientes que suportem o início de TARV em pessoas
co-infectadas pelo HIV/VHB, independentemente do valor de CD4.19 Segundo a
OMS, o início de TARV a partir de níveis de CD4 mais altos, pode conferir um risco
maior de hepatotoxicidade, SIR e aparecimento de episódios de hepatite aguda.
A OMS recomenda iniciar o TARV em pessoas co-infectadas com HIV/VHB,
apenas quando se cumprem critérios para tal devido à infecção pelo HIV, ou em
pacientes ainda sem critérios mas com “evidência de doença hepática avançada”,
usando pelo menos dois agentes com actividade contra o VHB (TDF + 3TC / FTC).
A definição de “doença hepática avançada” inclui a cirrose e a doença hepática
terminal e é classificada como sendo compensada e descompensada. A cirrose
descompensada é definida pelo desenvolvimento das complicações clinicamente
evidentes de hipertensão portal (ascite, hemorragia varicosa ou encefalopatia
hepática) ou de insuficiência hepática (icterícia). 43
Capítulo 2
No entanto, as novas directrizes moçambicanas recomendam começar
antiretrovirais apropriados em todos os pacientes co-infectados, a fim de evitar
essas complicações (mais sobre a política moçambicana abaixo).
Em resumo: o paciente com sinais e sintomas de doença hepática crónica, nem
sempre tem hepatite B. O diagnóstico diferencial inclui a hepatite C, o alcoolismo,
as reacções adversas a medicamentos (nevirapina, isoniazida, outros), a tuberculose
abdominal/hepática, o cancro (vários tipos), a schistossomiase hepatoesplénica
crónica e outras condições ainda menos comuns.
Em Moçambique, o protocolo nacional recomenda testar para hepatite A, B e C,
antes de iniciar a terapia antiretroviral (ver abaixo, a partir do Guião Nacional de
TARV):
10.2. Exames Laboratoriais Recomendáveis para o Diagnóstico,
Introdução e Seguimento do Tratamento Antiretroviral
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Hemograma completo*: se não disponível, pedir Hgb
Contagem de Linfócitos T CD4* – número absoluto e percentual
Carga viral** – RNA HIV quantitativo e Logaritmo da carga viral
Transaminases*: ALT (GPT)
Fosfatase alcalina e GGT (Gama Glutamil Transferase)
Glicemia
Ureia e creatinina*
Colesterol e Triglicéridos
Amilase
Teste de gravidez
RPR*
Hepatite A, B e C
Urina II*
Rx torax
* altamente recomendados
** A carga viral passa a ser um exame disponível em Moçambique, em alguns laboratórios de
Unidades Sanitárias a selecionar. A introdução deste exame tem como objetivo, por um lado,
monitorar a resposta ao tratamento e a adesão ao 6º mês e, por outro, a detecção precoce de falência
terapêutica, assim como para evitar o uso de esquemas de segunda linha desnecessariamente. Ver
algoritmo do uso da carga viral no Capítulo 11.
44
Capítulo 2
A política actual em Moçambique prioriza a mudança para o esquema contendo
TDF +3TC+EFV em pacientes co-infectados pelo VHB/HIV:
Quanto tempo dura o tratamento da Hepatite Crónica por VHB?
Na ausência de capacidade laboratorial para confirmar o desaparecimento do
HBeAg e HBsAg, e para confirmar se a carga viral do VHB continua totalmente
suprimida, o tratamento VHB deve ser mantido de forma indefinida. A suspensão
prematura do tratamento para hepatite B pode provocar a recrudescência da
infecção, que por vezes pode ser grave (hepatite fulminante).
Em alguns estudos europeus, observa-se uma maior supressão viral do VHB
(91,9% vs 82,6% com CV inferior a 2.000 IU/mL) e uma menor incidência
observada de carcinoma hepatocelular (0,7% vs 4,7%) em pacientes co-infectados
HIV/VHB vs pacientes infectados pela hepatite B e sem HIV.21 A explicação para
estas diferenças pode estar relacionada com o maior tempo de uso de antivirais
eficazes nos pacientes co-infectados, em comparação com os pacientes com monoinfecção pelo VHB.
Este é um argumento importante para o início mais precoce do TARV com regimes
contendo antivirais eficazes contra ambos os vírus, em pacientes co-infectados
HIV/VHB. Selecção de antiretrovirais com actividade anti-VHB
É a lamivudina sozinha adequada? Nos países desenvolvidos, a lamivudina foi um
dos primeiros antiretrovirais utilizados para tratar a hepatite B; mas a monoterapia
com lamivudina resultou no desenvolvimento de resistência (até 90% depois de
4 anos de tratamento).9 Já foram identificadas múltiplas mutações do VHB que
45
Capítulo 2
conferem resistência à lamivudina e a outros agentes anti-VHB. Pela mesma
razão que o HIV é tratado com múltiplos fármacos em simultâneo, as directrizes
existentes recomendam o tratamento de todos os pacientes co-infectados pelo
HIV/VHB com pelo menos 2 fármacos ARVs que sejam activos contra a hepatite B.
As mutações que conferem resistência à lamivudina frequentemente conferem
resistência cruzada à emtricitabina (FTC), mas não ao tenofovir (TDF).8
Na Tanzania, as respostas a diferentes regimes de TARV foram comparadas em três
grupos de pacientes (estudo não randomizado):
• Grupo de pacientes infectados pelo HIV sem infecção pelo VHB,
• Grupo de pacientes co-infectados com HIV/VHB, em tratamento com 3TC
ou FTC, mas não com o tenofovir,
• Grupo de pacientes co-infectados com HIV/VHB em tratamento com
tenofovir (além de 3TC ou FTC).
Um total de 1.079 doentes co-infectados foi inscrito (numa coorte total de 17.539
pacientes). A mortalidade foi maior nos grupos de co-infectados (7,74 vs 6,16
mortes /100 pessoas-ano), e a resposta imunológica foi mais lenta neles (aumento
de CD4 médio de 143 vs 158 aos 12 meses), mas essas diferenças não foram
estatisticamente significativas. Os pacientes co-infectados eram significativamente
mais propensos a ter elevações de ALT (>200 UI/L; HR 2,30). No entanto, não
houve diferença de mortalidade entre os pacientes monoinfectados com HIV e os
46
Capítulo 2
pacientes co-infectados HIV/VHB com os esquemas contendo TDF. Foi observado
um aumento da mortalidade no grupo de pacientes co-infectados e que receberam
terapia com 3TC ou FTC sem TDF. A ocorrência de hepatotoxicidade (elevação de
transaminases) não esteve relacionada com o esquema recebido pelos pacientes.23
Um segundo estudo também comparou a eficácia do regime contendo TDF versus
regimes sem TDF (apenas com 3TC) em pacientes africanos co-infectados HIV/
VHB na Zâmbia e na África do Sul.25 Após 12 meses de seguimento, os valores de
CD4, a redução da carga viral do VHB, e a negativação do HBsAg foram semelhantes
em ambos os grupos (não houve diferenças estatisticamente significativas).
Contudo, a emergência de resistência aos medicamentos foi significativamente
mais frequente no grupo que recebia só 3TC (50% de resistência detectada no
grupo que só recebida 3TC versus nenhum caso no grupo que recebia TDF+3TC).
Assim, hoje são aconselhados esquemas contendo TDF para tratar pacientes com
co-infecção VHB/HIV. Uma vez iniciado o TARV com estes esquemas nestes
pacientes, o tratamento não deve ser interrompido, pois pode provocar “elevações
graves das enzimas hepáticas e até mesmo insuficiência hepática fulminante”.8
Outras medidas para prevenir as complicações derivadas da infecção pelo
VHB em pessoas infectadas pelo HIV
• Evite práticas que também podem causar danos ao fígado (especialmente a
ingestão de álcool e o uso do paracetamol e certos remédios de ervas);
• Sempre que os pacientes não estejam imunizados, deve ser oferecida vacina
contra a hepatite A;
• Evite a partilha de seringas, transfusão de sangue não testado, sexo
desprotegido, e outras actividades que podem aumentar o risco de aquisição
da hepatite C. (Não existe ainda nenhuma vacina contra a hepatite C).
Medidas para prevenir a transmissão de contactos não infectados
Os pacientes HBsAg-positivo devem5:
• Permitir a vacinação dos seus contactos sexuais;
• Usar métodos de barreira ao praticar sexo com parceiros não vacinados ou
sem evidência de ter imunidade frente a hepatite B;
• Não partilhar escovas e láminas;
• Cobrir feridas;
• Lavar salpicos de sangue com lixívia ou sabão;
• Não doar sangue, esperma ou órgãos.
47
Capítulo 2
As crianças e adultos HBsAg-positivo:
• Devem participar em todas as actividades incluindo desporto de contacto;
• Não devem ser excluídos das actividades escolares ou isolados de outras crianças;
• Podem partilhar alimentos, utensílios e beijar os outros.
Vacina da Hepatite B
A África do Sul tem rotineiramente vacinado crianças contra hepatite B desde os
anos 90. Em 2014, 13% da população para a qual a vacina de hepatite B não esteve
disponível, teve evidência serológica de imunidade frente ao VHB, contra 57%
dos nascidos após a introdução da vacina do VHB.26 No entanto, a evidência da
imunidade foi menos comum em indivíduos infectados pelo HIV, como mostrado
na Tabela 2 abaixo.26
No Quênia, 603 adultos (51,4% infectados pelo HIV) foram imunizados contra o
VHB. 35,8% dos participantes infectados pelo HIV não conseguiu responder às
imunizações iniciais versus 14,3% dos participantes não infectados (OR de nãoresposta 3.33). A maioria dos não-respondedores infectados pelo HIV (88/102)
respondeu a uma segunda ronda de três doses da vacina contra VHB (como já
tinha sido mostrado por outros estudos). A ausência de resposta esteve associada a
uma menor contagem de CD4.27
Moçambique recebeu fundos para imunizar as crianças contra a hepatite B em
2001; a vacina é administrada (como parte de uma combinação de vacinas que
inclui DTP e Hib) na semana 6, 10, e 14 após o nascimento.
48
Capítulo 2
Tubeculose Hepática/Abdominal
A elevada incidência de TB, os seus meios de transmissão e a elevada proporção
de casos de TB extrapulmonar (vs pulmonar) na população infectada pelo HIV já
deve ser do seu conhecimento.
A TB pode disseminar-se (causando TB extrapulmonar) em qualquer lugar do
corpo humano. A tuberculose extrapulmonar pode afectar o fígado directamente
ou pode simular doença do fígado por causa da ascite ou outros sinais/sintomas
abdominais. A TB abdominal representa mais de 10% de todos os casos de TB
extrapulmonar.30
A TB abdominal é difícil de diagnosticar, mas pode representar uma importante
causa de morbilidade e mortalidade em pessoas infectadas pelo HIV. Por exemplo,
num estudo de autópsias de pacientes que morreram de SIDA na Índia, 41% (de
171) tinha evidência de tuberculose hepática. (outras causas de alterações hepáticas
nesta série foram a infecção hepática causada por Cryptococcus, CMV, hepatite B,
candidíase, malária, cirrose ou linfoma).31
Da mesma forma, numa série espanhola de 161 pacientes infectados pelo HIV e
que apresentavam fosfatase alcalina e/ou transaminases elevadas, hepatomegalia e/
ou icterícia, foi realizada biópsia hepática e foi encontrada uma prevalência de TB
hepática de 26,6%.32
Sinais e Sintomas de TB Abdominal
Num estudo realizado na Zâmbia, 22 de 31 adultos HIV+ hospitalizados com
febre, perda de peso e sinais e sintomas abdominais, foram diagnosticados com TB
abdominal. Os sinais e sintomas incluíram dor abdominal (86%), linfadenopatia
(41%), diarreia crónica (36%), suores nocturnos (36%), icterícia (14%), ascite
(72,7%), linfadenopatia intra-abdominal (54,5%), hepatomegalia (36,4%) e massa
(27,3%) no ultra-som.33
A presença de ascite deve sempre sugerir doença hepática primária (mas também
pode ser causada por doença peritoneal primária ou intra-abdominal ou mesmo
por TB do pericárdio). Assim, a TB deve ser sempre uma opção a considerar no
paciente com ascite.
A TB abdominal também pode se apresentar como uma emergência cirúrgica.
Num estudo realizado na Tanzania, 49,6% dos pacientes com tuberculose
abdominal apresentou obstrução intestinal e 6,6% apresentava massas abdominais
(tuberculoma); 82,6% necessitou de intervenção cirúrgica por este ou outros
motivos.30 Os sinais e sintomas presentes são descritos na tabela a seguir:
49
Capítulo 2
Além da TB abdominal, a TB miliar poder também afectar o fígado.35 A TB
pode cursar com granulomas no fígado, abcessos, ou tuberculomas (que podem
assemelhar-se ao carcinoma ou doença metastática no ultra-som).35 Uma revisão
recente de sinais e sintomas da TB hepatobiliar resumiu as características clínicas
da doença com base na revisão de sete estudos diferentes36:
Na tuberculose hepática localizada, os seguintes são os achados clínicos mais comuns 36:
• A febre é o sinal mais comum (50-90%);
• Dor abdominal no quadrante superior direito (45-66%);
• Hepatomegalia (até 55%);
• A icterícia não é frequente (menos de um terço) e é obstrutiva.
50
Capítulo 2
As anormalidades nos parâmetros bioquímicos do fígado confirmam a presença
de envolvimento hepático, mas seus níveis não têm correlação com o grau de
afectação do parênquima. A presença de granulomas tuberculosos, mesmo sendo
massiva, não resulta directamente na extensa destruição dos hepatócitos, e é por
isso que não é frequente um declínio significativo da função hepática. O fígado
pode estar massivamente alargado pela presença de granulomas, e mesmo assim, a
função metabólica hepática permanece normal. Este facto traduz-se numa elevação
moderada das transaminases. A fosfatase alcalina e outras enzimas das vias biliares
podem estar muito elevadas, particularmente nos casos em que se apresentam com
icterícia obstrutiva.
A confirmação do diagnóstico de TB abdominal (incluindo hepática) é difícil sem
biópsia e/ou cultura. (Veja tabela acima onde aparece o rendimento da baciloscopia
e cultura feitas a partir da biópsia).
A TB abdominal pode coexistir com a TB pulmonar. Num estudo sul-africano,
37,7% dos pacientes com TB extrapulmonar (abdominal ou em outra localização)
também tinha tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva. Assim, quando
há suspeita de TB abdominal, é importante procurar evidência de tuberculose
pulmonar.34
Diagnóstico de TB hepática/Abdominal
Devemos suspeitar TB hepática perante um paciente com sinais e sintomas gerais
(febre, emagrecimento, sudorese, perda de apetite) e que apresenta um quadro
abdominal com um ou vários dos seguintes sinais/sintomas: dor abdominal,
hepatomegalia, ascite. Com menor frequência, pode apresentar icterícia. Nos testes
laboratoriais poderá apresentar elevação de transaminases (geralmente leve ou
moderada) com uma elevação importante das enzimas das vias biliares (Fosfatase
alcalina, GGT).
A ecografia pode mostrar a presença de hepatomegália homogénea sem alteração
da ecoestrutura hepática, ou bem pode mostrar lesões hipoecóicas de tamanho e
número variáveis (tuberculomas) e/ou calcificação focal hepática.
Diagnóstico:
Paracentece: líquido ascítico de cor amarelo-citrino, pode ser turvo ou sanguinolento. O fluido e um
exsudado com predomino de linfócitos.
Se possível a ECO abdominal deve ser feita e poderá evidenciar ganglios mesentericos ou retroperitoneais
aumentados. ADA no liquido perintoneal pode ser útil bem como GeneXpert (PCR).
Diagnóstico bacteriológico: Exame directo/cultura do BK no liquido ou fezes.
Nota Pratica: A TB e a primeira causa de ascite nos países em vias de desenvolvimento.
51
Capítulo 2
Diagnóstico Diferencial da TB hepática
Nos pacientes que iniciam tratamento antituberculose (ou TARV) e apresentam
posteriomente um quadro clínico de hepatite (hepatomegália, dor abdominal,
ascite, icterícia..), é necessária uma pesquisa aprofundada na tentativa de chegar a
uma conclusão sobre a causa do problema hepático. Neste sentido, o diagnóstico
diferencial da TB hepática/abdominal deve ser feito com a toxicidade hepática por
fármacos (MAT ou TARV).
Algumas das principais diferenças apresentam-se na seguinte tabela:
TB Hepática
Hepatotoxicidade por fármacos
Dor abdominal (hipocôndrio direito)
Dor abdominal (hipocôndrio direito)
Hepatomegalia
Geralmente sem hepatomegalia
Elevação ALT/AST leve Importante elevação FA
Elevação ALT/AST importante
Com/sem icterícia (geralmente sem ou leve)
Mais frequentemente com icterícia e outros sinais de
insuficiência hepática
Pode associar outras manifestações de SIR (em HIV+)
Sem manifestações de SIR
Co-infecção TB/HIV: Apresentação da TB como Síndrome de
Imuno-reconstituição (SIR)
Nos pacientes HIV+ que iniciam TARV, a TB abdominal pode apresentar-se como
SIR a este nível, acompanhada ou não de sintomas de TB em outras localizações
anatómicas (pulmões, gânglios linfáticos).39 Como já foi explicado acima, e
por causa da associação temporal entre a SIR e o início recente de TARV ou de
tratamento para TB, a SIR por TB a nível abdominal deve ser diferenciada das
reacções adversas a medicamentos.
Tratamento da TB Hepática/Abdominal
O regime de tratamento para a tuberculose abdominal é o mesmo que para a
tuberculose pulmonar. No caso de TB hepática, o risco de hepatotoxicidade é maior,
e assim, a ALT deve ser meticulosamente monitorizada durante o tratamento.
52
Capítulo 2
Normas Nacionais Moçambicanas para o Tratamento da Co-infecção TB/HIV:
6.1. Tratamento Antiretroviral No Adulto Com Tuberculose
O TARV deve ser prescrito para todos os doentes adultos co-infectados TB/HIV. Os
regimes que podem ser utilizados em pacientes adultos que recebem tratamento para
Tuberculose são os seguintes:
ESQUEMA ARV INDICADO:
TDF/AZT/ABC + 3TC + EFV
OU
TDF/AZT/ABC + 3TC
+ LPVr hiperpotenciado
Importante:
1. O tratamento da TB é prioritário em relação ao início do TARV;
2. Os pacientes que desenvolvem TB e já recebem TARV com NVP devem
ser trocados para um regime que não contenha NVP (substituição de NVP
por EFV ou por LPV/r hiperpotenciado, dependendo do caso). Se estes
pacientes vinham recebendo TARV há mais de 1 ano, não poderão ser
trocados para a linha TDF/3TC/EFV, para permitir a preservação do TDF
para a segunda linha de TARV.
•• Se houver insuficiência renal deve ser escolhido o AZT no lugar do
TDF.
•• Se insuficiência renal e hemoglobina< 8 g/dl deve ser escolhido o ABC
no lugar do TDF ou AZT.
3. Associar sempre piridoxina 50mg/dia em todos os pacientes em tratamento
para TB para prevenir o risco de neuropatia periférica associado ao uso de
isoniazida;
4. Dever-se-á utilizar o esquema com LPVr em doses maiores durante o
período de uso da Rifampicina, nos casos em que o EFV esteja contraindicado (doente com intolerância ao EFV ) ou nos casos de resistência
ao EFV. No fim do tratamento da TB o LPVr deverá ser ajustado à dose
normal.);
5. Indicação do uso de corticosteróide no tratamento da Tuberculose:
o TB pericárdica
o TB SNC
53
Capítulo 2
Tratamento da TB em Pacientes com Doença Hepática
Dada a elevada prevalência de hepatopatia crónica no nosso contexto, os clínicos
irão se deparar com pacientes que precisam receber tratamento antituberculose
(TAT) e que apresentam patologia hepática de base. Nestes casos, os guiões
nacionais aconselham que seja seleccionado um regime de TAT com menor
potencial hepatotóxico.
Abaixo segue um resumo das directrizes nacionais moçambicanas para a selecção
do regime de TB para os pacientes com TB e com doença hepática de base:
54
Capítulo 2
A rifampicina, um dos principais medicamentos antituberculose (MAT) usados
no esquema de primeira linha, apresenta interacções com diversos MARVs. A
seguir, as recomendações de esquemas de TARV para pacientes que recebem TAT
contendo rifampicina:
Recomendações do Uso dos ARV com a Rifampicina
INIBIDORES DA PROTEASE
Associações Possíveis com a Rifampicina:
• Lopinavir 200mg/ritonavir50mg 3 comp 12/12h + Ritonavir 100
mg 1 comp 12/12h. Usar com cautela e monitorização clínica e
laboratorial regular devido ao alto risco de hepatite tóxica
→ NÃO associar com a Rifampicina nenhum outro IP excepto o
descrito acima.
INIBIDORES NÃO NUCLEOSIDIOS DA TRANSCRIPTASE REVERSA
Associações Possíveis com a Rifampicina:
• Efavirenz
Prevenção da TB Abdominal/Hepática
As medidas de prevenção para TB Abdominal são as mesmas que para a prevenção
da TB pulmonar e devem ser bem conhecidas pelos participantes:
• Diagnóstico precoce e tratamento eficaz da tuberculose pulmonar;
• Medidas de protecção respiratória para os trabalhadores de saúde e contactos
domiciliares dos pacientes;
• Início precoce do TARV em co-infectados TB/HIV para evitar o comprometimento imunológico que aumenta o risco de TB extrapulmonar e de
recaída/reinfecção;
• Profilaxia com INH.
Toxicidade Hepática por Medicamentos
Vamos interromper aqui a nossa discussão de causas infecciosas de patologia
hepática em pacientes infectados pelo HIV para discutir as reacções adversas
medicamentosas que afectam o fígado, porque esta questão está intimamente
ligada ao tratamento da TB e da hepatite B.
Concentrar-nos-emos nas reacções adversas causadas por medicamentos
antiretrovirais e medicamentos antituberculose.
55
Capítulo 2
As reacções adversas a medicamentos envolvendo o fígado são conhecidas pelas
siglas em inglês DILI (drug induced liver injury).
Os clínicos devem suspeitar toxicidade hepática perante pacientes que se
apresentam com elevação da fosfatase alcalina/ALT/bilirrubina, icterícia, dor
abdominal, e/ou outros sinais ou sintomas abdominais, após a introdução de
algum dos medicamentos seguintes: isoniazida, pirazinamida, rifampicina,
nevirapina, efavirenz, lopinavir, ritonavir. Se não for tratada, a toxicidade hepática
por medicamentos pode ser fatal.
O diagnóstico de toxicidade hepática está confirmado se os sinais, sintomas
e alterações laboratoriais resolverem após a retirada do medicamento ou
medicamentos suspeitos. O diagnóstico diferencial da toxicidade hepática inclui
outras complicações infecciosas do HIV; veja a tabela abaixo a partir de um estudo
feito na Uganda sobre causas de icterícia, dor no quadrante superior direito, ascite
e hepatomegalia em pacientes infectados pelo HIV40:
56
Capítulo 2
Este estudo descreve as causas de patologia hepática em pacientes HIV+ que eram
seguidos periodicamente. De um total de 8.715 pacientes, 77 (0.8%) apresentou
sintomas de patologia hepática ao longo do período de observação. As patologias
ou problemas encontrados nestes pacientes foram os seguintes:
•
•
•
•
•
•
Toxicidade por fármacos (Nevirapina e/ou Isoniazida): 23 (30%);
Infecção por hepatite B: 11 (14%);
Hepatocarcioma: 5 (7%);
Tuberculose hepática: 7 (9%);
Outros: 21 (28%);
Nenhuma patologia encontrada: 13 (17%).
Nesta série, a toxicidade por fármacos foi a primeira causa de problemas hepáticos
em pacientes com HIV.
A probabilidade de desenvolver toxicidade hepática depende das características
individuais do paciente, da existência de comorbilidades e dos medicamentos ou
combinações de medicamentos usados. De um modo geral, pode afectar até 10%
dos pacientes que recebem TARV com inibidores da protease (IPs), mas pode ser
muito maior nos pacientes com co-infecção TB/HIV ou em pacientes que recebem
lopinavir/ritonavir hiperpotenciado.41
Num estudo, a nevirapina foi associada a toxicidade hepática em cerca de 1 a
18,6% do total dos doentes, mas o risco pode ser ainda mais elevado em subgrupos
específicos. As mulheres com contagens de CD4 elevadas apresentam maior risco
de hepatotoxicidade por Nevirapina.42 A hepatotoxicidade é mais comum em
pacientes HIV+ com infecção concomitante por VHB.
57
Capítulo 2
A OMS recomendou recentemente substituir a NVP pelo EFV nos esquemas
padrão de primeira linha de TARV nas mulheres grávidas, em grande parte por
causa do elevado risco de hepatotoxicidade neste grupo.20
Assim, a avaliação de risco de toxicidade hepática após o início de TARV e/ou do
tratamento da tuberculose (ou de ambos tratamentos) deve incluir a avaliação dos
riscos inerentes às próprias drogas (isoladamente ou em conjunto), assim como a
avaliação da presença de comorbilidades importantes, especialmente tuberculose,
VHB e alcoolismo. Vamos tentar abordar todas essas questões abaixo. A toxicidade hepática pode ser leve e auto-limitada, mas o reconhecimento precoce
e o tratamento são importantes, porque os casos graves podem levar à morte
do paciente. Por exemplo, num estudo realizado na Índia, 22,7% dos pacientes
com tuberculose e que apresentou toxicidade hepática por fármacos, morreu.43
Neste estudo, a presença de ascite, encefalopatia hepática, bilirrubina elevada ou
disfunção renal foi associada com a morte. Num estudo realizado num hospital sulAfricano, a toxicidade hepática relacionada com o TARV ou com o tratamento para
TB foi a causa de 27% dos internamentos hospitalares por problemas hepáticos,44 e
a mortalidade aos 3 meses foi de 35%.
Apresentação clínica das Reacções Adversas Envolvendo o Fígado
A toxicidade hepática por fármacos pode se apresentar de todas as seguintes formas: • Elevação assintomática das transaminases;
• Hepatite clínica (incluindo a hepatite colestática, que pode se apresentar
como bilirrubina ou fosfatase alcalina marcadamente elevadas na ausência
de elevação de ALT importante);
• Outras formas de toxicidade hepática, que incluem a acidose láctica
associada a esteatose hepática. Este conteúdo será discutido na sessão sobre
efeitos adversos.
Alteração Assintomática das Transaminases
É definida como a elevação assintomática de ALT/AST. É uma situação frequente
e que pode representar uma adaptação fisiológica perante a introdução de certas
drogas.
Hepatite
O quadro clínico da hepatite já foi descrito em secções anteriores do presente
documento. De modo a diagnosticar uma reacção adversa ao medicamento,
deve-se determinar se os sinais e sintomas iniciaram ou pioraram antes ou após a
introdução do(s) medicamento (s) em questão.
58
Capítulo 2
A hepatite causada por fármacos e a alteração assintomática das transaminases
podem ocorrer mais cedo ou mais tarde no decurso do tratamento. No caso dos
medicamentos contra a tuberculose, define-se como lesão hepática “precoce”
induzida por drogas aquela que ocorre dentro das primeiras duas semanas de
tratamento da TB. Todavia, a toxicidade hepática pode ocorrer muito mais tarde
no decurso da terapia.
• Um estudo realizado na Tanzania mostrou que a toxicidade hepática apareceu
num intervalo médio de 2 semanas após o início do TARV com EFV em
pacientes com HIV e sem TB; em pacientes com TB e HIV, o tempo médio
foi de cinco semanas após o início do tratamento da TB (normalmente uma
semana após a adição de TARV ao tratamento da tuberculose). Neste estudo
não foram observados casos de toxicidade após 12 semanas.45 Neste estudo,
a incidência de toxicidade hepática foi de 7,8% (5,9% no grupo que recebia
só TARV e 10,0% no grupo que recebia TARV e tratamento para TB).
• Outros estudos também têm observado que a toxicidade hepática é mais
comum em pacientes co-infectados com TB/HIV do que em pacientes que
apenas têm TB. Num estudo realizado no Reino Unido, 35% dos pacientes
HIV positivos desenvolveu hepatotoxicidade frente aos medicamentos
contra a tuberculose, contra 7% dos pacientes HIV negativo.46
59
Capítulo 2
• Além do HIV, a existência de infecção por hepatite B também confere um
maior risco de toxicidade hepática relacionada aos medicamentos contra a
TB.
• Num estudo na Coreia do Sul, 8% dos pacientes TB/VHB (sem infecção pelo
HIV, e com transaminases normais no momento da inclusão) desenvolveu
toxicidade hepática, contra 4% dos pacientes que apresentavam somente
a TB. Neste estudo, todos os casos de toxicidade hepática associados à
infecção pelo VHB foram moderados/graves vs apenas 20% dos casos em
que só havia TB.47
• O efeito negativo da co-infecção pelo VHB na hepatotoxicidade em
pacientes infectados pelo HIV (com ou sem TB) também foi confirmado
em um estudo sul-africano. Durante o primeiro ano de TARV, a incidência
de hepatotoxicidade grave foi de 7,7 por 100 pessoas-anos de observação
global, mas o risco foi 8,5 vezes maior no grupo de pacientes que recebiam
tratamento da tuberculose concomitante, e 3 vezes superior nos pacientes
com infecção concomitante por VHB.48 Estas informações são mostradas no
seguinte gráfico:
Diagnóstico da Hepatotoxicidade por Fármacos
As directrizes moçambicanas recomendam a avaliação regular de ALT em todos os
pacientes infectados pelo HIV, antes e após o início de TARV. Veja abaixo as tabelas
relevantes do Guião Nacional de TARV:
60
Capítulo 2
10.3. Periodicidade do Controlo Clínico-Laboratorial do Doente
antes de Iniciar o TARV
Quadro 27: Seguimento clínico e laboratorial preTARV (para adulto e criança ≥5 anos)
Depois De
1 Ano De
Seguimento
MESES DE SEGUIMENTO
0
1
Atendimento Clínico
x
x
2
3
x
4
5
6
x
7
8
9 10 11 12 3/3m*
x
x
x
6/6m
Aconselhamento
x
x
x
x
x
x
x
Hemograma
x
x
x
x
Contagem de Linfócitos T CD4+
x
x
x
x
ALT
x
x
x
x
Urina II
x
x
x
x
x
* As crianças ≥5 anos deverão manter um seguimento clínico de 3/3 meses.
O Levantamento de medicamentos profilácticos (CTZ, INH) deve ser feito de acordo com as normas descritas neste guia.
Após a introdução de TARV, aconselha-se a monitoria da função hepática a partir
da determinação de ALT a cada 12 meses.
10.4.1 Seguimento Clínico e laboratorial do Adulto após o Início de TARV
Quadro 28: Controlo Clínico – Laboratorial do adulto após início TARV
Meses de tratamento
0 1/2
1
1 ou
1 1/21
Atendimento clinico
x
x
x
Aconselhamento
x
x
x
Farmácia
x
x
x
Hemograma
x
Contagem de
Linfócitos T CD4+2
x
x
Carga viral (se for possivel)
2
3
4
5
x
x
x
6
7
8
1º ano de TARV
9 10 11 12 6/6m
x
x
x
x
x
x
x
x
x Sempre que necessário
x
trimestralmente
x
x
x
x
x
x
x
x
x
12/12m
x
x
ALT
x
x
Glicemia3
x
x
x
x
x
Creatinina4
x
x
x
x
Colesterol total e
triglicéridos3
x
x
Urina II
x
x
x
Amilase5
x
x
x
x
x
x
Os pacientes que iniciam TARV com a linha TDF+3TC+EFV são reavaliados 1 mês após o início de tratamento. Os pacientes
que iniciam TARV com AZT+3TC+NVP são reavaliados aos 15 dias e aos 45 dias
2
A carga viral irá ser introduzida de forma faseada e passará a ser o teste de referência para monitorar a resposta ao TARV. Até
a introdução da CV rotineira o CD4 continua a ser o exame de referência para monitorar a resposta ao TARV.
3
Nos esquemas contendo IPs
4
Nos esquemas contendo TDF
5
Nos esquemas contendo d4T
1
61
Capítulo 2
Embora as directrizes moçambicanas para o tratamento da TB não requeiram a
medição de ALT ou bilirrubina antes do início (excepto em pacientes com suspeita
ou diagnóstico de doença hepática crónicas), é aconselhável avaliar todos os
pacientes com TB na procura de sinais e sintomas de doença hepática, antes da
introdução do tratamento. É aconselhável testar para VHB e avaliar ALT, bem como
o estado de HIV em todos os pacientes antes de iniciar tratamento da tuberculose.
Embora haja uma discussão internacional aberta sobre o melhor esquema para
monitorar a função hepática durante o tratamento da TB, há um consenso geral
sobre a necessidade de avaliar com maior frequência os pacientes com maior risco
de reacções adversas.
Uma vez identificada uma reacção adversa, esta deve ser classificada segundo o grau
de gravidade. Para reacções adversas produzidas por medicamentos antiretrovirais,
é usada a escala da OMS. O grau da reacção determina a conduta. Veja as tabelas
abaixo do Guião Nacional de TARV:
11. 2. Estabelecimento da Graduação do Efeito Adverso
Para facilidade do controlo dos efeitos adversos, definiram-se 4 graus de sinais e
sintomas clínicos e biológicos:
Grau 1: Ligeiro
Mal estar ligeiro ou transitório; não limitação das actividades; não requer
tratamento médico;
Grau 2: Moderado
Limitação ligeira a moderada na actividade – alguma assistência pode ser
necessária; nenhuma ou mínima intervenção terapêutica é requerida;
Grau 3: Severo
Marcada limitação na actividade – alguma assistência é habitualmente
necessária; requer tratamento médico e possível hospitalização;
Grau 4: Risco De Vida
Extrema limitação na actividade que requer assistência importante; requer
cuidados médicos sob hospitalização e eventualmente em serviço de urgência.
Serão considerados eventos clínicos graves ou pondo em risco de vida, portanto
grau 4, os seguintes: apoplexia, coma, tetania, cetoacidose diabética, coagulação
intravascular disseminada, petéquias difusas, paralisia, psicose aguda, síndrome
de Stevens Johnson, síndrome de Lyell, etc.
62
Capítulo 2
Manejo da Hepatotoxicidade por Fármacos
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs)
Em pacientes HIV+ com início recente de TARV contendo alguns dos ARVs
com potencial hepatotóxico, nomeadamente Nevirapina, Efavirenz ou Lopinavir/
ritonavir, e que apresentem um quadro de hepatite sintomática, e sempre que a
hipótese da toxicidade por fármacos seja a mais provável, deverá ser avaliado o
grau da reacção adversa.
EFEITOS SECUNDÁRIOS COM RISCO DE VIDA
HEPATITE
Agente
NVP, EFV, LPV/r, RTV
Sinais e
sintomas
Os sinais e sintomas variam de acordo com o grau de dano ao fígado e incluem:
•• náusea, vômitos, dor abdominal
•• perda de apetite
•• diarréias
•• fraqueza ou fadiga
•• icterícia
•• hepatomegalia
Diagnóstico
diferencial
Hepatite viral (Hepatite A, B, C)
Toma de medicamentos (Tuberculostáticos, ARVs, Amoxicilina+Ácido
Clavulânico, Fluconazol, Paracetamol em alta dosagem, etc.)
Uso de álcool
Malária
Outros (TB, EBV, CMV, sífilis, hepatite auto-imuno, etc.)
Grau
Sexo Feminino
Sexo Masculino
Conduta
1
2
3
4
43.75 – 87.5 U/L
88 – 175 U/L
175.5 – 350 U/L
> 350 U/L
56.25 – 112.5 U/L
113 – 225 U/L
225.5 – 450 U/L
> 450 U/L
Continuar TARV.
Repetir os testes 2 semanas
mais tarde e reavaliar.
É importante sempre excluir outros
diagnósticos que podem estar provocando
tais alterações. Por exemplo:
Anemia – suspeitar de Tuberculose e Malária
ALT elevado: suspeitar de hepatite viral
Suspender TARV imediatamente.
Repetir as análises semanalmente e reavaliar.
Substituir o ARV específico causador do quadro
por outro ARV após normalização das análises.
Na presença de hepatite sintomática de grau 4 (e por vezes também 3), todo o
esquema de TARV deve ser interrompido. As directrizes nacionais sugerem uma
interrupção gradual dos esquemas contendo Nevirapina, a fim de evitar ou reduzir
o risco de desenvolvimento de resistência a este medicamento. A suspensão gradual
consiste na interrupção de Nevirapina na altura do diagnóstico da reacção adversa,
mantendo os INTRs do esquema durante mais 7 dias. Esta abordagem evita que a
Nevirapina, com uma semivida muito prolongada, circule no sangue do paciente
de forma isolada após a interrupção do esquema.
63
Capítulo 2
11.1. Diagnóstico e Conduta
Alguns princípios a observar em caso de aparecimento de um efeito adverso:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Assegurar-se que o efeito adverso é devido a um ARV ou a outra medicação;
Se houver necessidade de interromper o TARV, todos os medicamentos ARV
devem ser interrompidos em simultâneo, excepto os esquemas contendo
Nevirapina;
Nas reacções adversas a NVP, deve-se interromper primeiro este ARV
e manter por mais 7 dias os outros 2 ARVs, devido a meia-vida longa da
Nevirapina; evitar-se-á assim uma monoterapia com a Nevirapina;
O TARV deve ser mantido se o efeito adverso for Grau 1 ou 2, exceptuando
a neuropatia por estavudina, a toxicidade renal por TDF e a acidose láctica
por INTR.
Em caso de efeito adverso Grau 3, dever-se-á considerar a interrupção do
TARV, e este será obrigatoriamente interrompido se a reacção for de Grau 4;
Os efeitos adversos devem ser registados e de comunicação obrigatória
regular para:
▶ Centro de Informação sobre Medicamentos (CIMed)
Sector de Farmacovigilância. Departamento Farmacêutico
Av. Salvador Allende/ Agostinho Neto, Maputo, Moçambique
E-mail: [email protected] ▶ Comité Nacional de TARV
E-mail: [email protected]
Tel: (21) 32 08 31 ou cel: 82 318 4200
Medicamentos antituberculose (MAT)
3 dos 4 medicamentos da primeira linha de tratamento para TB são potencialmente
hepatotóxicos, nomeadamente Isoniazida, Rifampicina e Pirazinamida.
Além de hepatite, a Rifampicina pode também produzir um quadro isolado de
colestase (elevação de bilirrubina e fosfatase alcalina que se manifesta como
icterícia, sem outros sintomas de hepatite e com transaminases normais). A
colestase induzida por rifampicina é benigna e não requer de nenhuma conduta.
As directrizes moçambicanas para o tratamento de TB recomendam parar todos os
medicamentos anti-TB se o doente desenvolver hepatite com icterícia ou confusão
(sugerindo encefalopatia hepática), uma vez que a icterícia e a encefalopatia
hepática são sinais de falha hepática. A maioria dos protocolos internacionais
aconselham a suspensão de todos os medicamentos, se o paciente apresentar sinais
e sintomas de hepatite acompanhados de elevação de ALT ou bilirrubina ≥ 3 vezes
64
Capítulo 2
o limite superior da normalidade, ou nos casos de elevação assintomática, se esta
for ≥ 5 vezes o limite superior da normalidade.
Após a interrupção dos medicamentos anti-TB, existem várias maneiras de
reintroduzir o tratamento da tuberculose. Uma vez que os sinais, sintomas e testes
de função hepática do paciente tenham normalizado, os MAT são reintroduzidos
um de cada vez. O processo é descrito a seguir (a partir da directriz do American
Thoracic Society50):
De salientar que em Moçambique, só é possível a reintrodução progressiva de MAT,
em centros de saúde que têm disponíveis MAT individuais (além das combinações
de dose fixa que normalmente são usadas no programa de TB). Na maioria dos
centros de saúde em Moçambique não há MAT individuais. Uma forma alternativa
de reintroduzir a primeira linha de tratamento da tuberculose com os MAT
disponíveis na maioria das US é a seguinte:
• Reintroduzir isoniazida primeiro (a partir do stock de isoniazida utilizado
para prevenir a tuberculose);
• Se é tolerado, avançar para 2DFC (INH + RIF) 3-7 dias mais tarde; e
• Se é tolerado, então introduzir 3DFC (INH + RIF + ETB, utilizado na fase de
manutenção do retratamento de TB).
65
Capítulo 2
Segundo esta abordagem deve-se evitar a reintrodução de pirazinamida em
pacientes que tiveram hepatotoxicidade grave. Note-se que a abordagem varia
dependendo se o doente se encontrava na fase intensiva ou de manutenção, quando
a reacção adversa ocorreu:
Se a as alterações hepáticas persistirem mesmo depois de interromper os
medicamentos contra a tuberculose, e também em doentes com problemas
hepáticos de base, pode ser necessário reiniciar o paciente com um regime que não
envolva nenhum fármaco hepatotóxico:
E se a doença hepática não resolver depois de se interromper os medicamentos
contra a tuberculose, o médico também deve procurar outras causas de doença
hepática.
Em resumo: a toxicidade hepática por medicamentos pode acontecer com
alguns antiretrovirais e também com vários dos medicamentos usados para tratar
tuberculose. O risco é maior na presença de certas comorbilidades, tal como a
infecção pelo VHB. Pode ser fatal, se não for reconhecido prontamente. Os clínicos
devem avaliar todos os novos pacientes com HIV e/ou tuberculose na procura de
sinais e sintomas de doença hepática, e devem compreender e utilizar as normas
padrão que definem a avaliação clínica e solicitação de exames laboratoriais em
pacientes que iniciam estes tratamentos.
66
Capítulo 2
Schistosomiase Hepato-esplénica
Patologia crónica derivada da infecção prolongada e massiva por Schistosoma
mansoni. Outras espécies como S. haematobium produzem principalmente
patologia urinária (e genitourinária), mas também está descrita a afectação
intestinal e hepática por esta espécie.64
A infecção é endémica em Moçambique: a prevalência nacional de S. haematobium
nas crianças foi de 47% num inquérito nacional, e foi alta em todas as províncias. A
prevalência nacional de S. Mansoni foi de 1%, mas foi maior em algumas províncias
(7.2% em Maputo, e 3.8% em Tete).52
No entanto, a verdadeira prevalência da Schistossomiase pode ser maior, porque o
método usado para o despiste massivo (teste de Kato-Katz) é sensível apenas se a
carga de ovos for de pelo menos 50-100 ovos/grama da amostra de fezes.53 De forma
geral, o rastreio massivo é feito em crianças, contudo, em algumas populações
(por exemplo, comunidades de pescadores) a prevalência em adultos pode ser mais
elevada do que em crianças. Por exemplo: num estudo realizado numa comunidade
pesqueira do Uganda, a maior intensidade da infecção foi encontrada em pessoas
adultas que exerciam actividades de pesca.54
A maioria de indivíduos infectados não irá desenvolver sintomas por esta causa.
Contudo, uma parte dos indivíduos que adquirem a infecção durante a infância
poderá ter manifestações crónicas após várias décadas.
Após 5 a 10 anos da infecção, as formas adultas de Schistosoma irão produzir ovos
a nível dos tecidos infectados. A reacção inflamatória secundária vai dar lugar
ao aparecimento de granulomas. A presença de granulomas a nível dos espaços
porta do fígado é responsável pelas manifestações clínicas da schistosomiase
hepatoesplénica.
Quadro Clínico
Os pacientes com schistosomiase hepatoesplénica podem apresentar hepatomegalia,
com ou sem esplenomegalia. O fígado também pode ter um tamanho normal.
Ecograficamente, o fígado pode ser liso ou regular, ou pode apresentar uma
morfologia granular ou nodular. Tipicamente os testes de função hepática
(bilirrubina, tempos de coagulação, transaminases) estão minimamente alterados
ou até são normais (não se trata de uma cirrose hepática, apenas da obstrução da
circulação portal, com o parênquima hepático relativamente conservado).
Os sintomas derivam da hipertensão portal secundária à obstrução dos espaços
porta: ascite, esplenomegalia, que pode ser gigante (diagnóstico diferencial com a
esplenomegalia malárica tropical, as síndromes linfoproliferativas ou a leishmaniose
visceral). Pode haver pancitopenia secundária ao hiperesplenismo.
67
Capítulo 2
Finalmente os pacientes podem apresentar sangramentos digestivos pela presença
de varizes esofágicas produzidas pela hipertensão portal. Os pacientes não
apresentam outros sintomas característicos da cirrose (ginecomastia, icterícia,
eritema palmar), uma vez que não há insuficiência hepática nestes casos.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito a partir da detecção dos ovos nas fezes. Também podem ser
feitos testes serológicos para a detecção de anticorpos ou antígenos específicos
para Schistosoma (ainda não disponíveis de forma geral em Moçambique). Para
confirmar a presença de complicações hepáticas/esplénicas, é necessário avaliar
através de ecografia. Para a detecção de varizes deve ser feita endoscopia.55
Tratamento
Para casos de infestação massiva, deve ser administrado Praziquantel 50-60 mg/
kg de peso. A dose total deve ser dividida em 2 tomas, separadas por 4 ou 6 horas.
De forma geral, o tratamento é muito bem tolerado. As vezes os pacientes podem
apresentar mal-estar, náuseas, diarreia, flatulências, tonturas, cefaleia, febre, rash e
prurido, sendo todos estes sintomas auto-limitados. A hemorragia digestiva baixa
auto-limitada foi descrita em alguns pacientes.62
O Tratamento atempado com praziquantel pode diminuir a fibrose do fígado, se
não estiver avançada. Por exemplo: num estudo com pacientes com diagnóstico de
schistosomiase hepática realizado na Etiópia, o espessamento periportal/ fibrose
resolveu completamente em 69/199 pacientes (34,7%). Os factores associados à
melhoria ou resolução estão descritos na tabela abaixo56. Pode observar a partir da
tabela que a co-infecção hepatite B/schistosomiase implica um pior prognóstico.
68
Capítulo 2
A imagem ecográfica que se segue mostra a resolução de fibrose periportal num
dos participantes do estudo56:
As campanhas de tratamento em massa para Schistosomiase podem resultar em
diminuições substanciais da prevalência da infecção e da expressão clínica da
mesma. Um recente documento da OMS observa que a China conseguiu reduzir
a carga de S. japonicum através do controlo do caracol, tratamento em massa com
praziquantel, tratamento selectivo das pessoas identificadas como infectadas, com
uma diminuição de 50% na prevalência; o Egipto usou o controlo de caramujos e
a administração massa de praziquantel, resultando numa importante redução da
prevalência (de 168 aldeias com prevalência da schistosomiase > 30% em 1996, para
apenas 20 aldeias com prevalência> 3% em 2010; em Uganda, o tratamento social
e a educação sanitária permitiram a redução da prevalência de fibrose hepática
avaliada através de ecografia em crianças, de 39,4% para 1,7%).57
69
Capítulo 2
Em resumo, os sintomas abdominais como a hepatoesplenomegalia e a distensão
abdominal podem também ser causados pela infestação massiva e crónica por
Schistosoma. Quando o exame físico e particularmente, quando os achados
ecográficos sugerem a existência de fibrose periportal e/ou hipertensão portal
isoladas, é pouco provável que o tratamento com praziquantel cause dano, e é uma
das poucas intervenções que podem reverter a hipertensão portal.
Malária Severa e Alterações Hepáticas
Todos devem estar familiarizados com o diagnóstico e tratamento da malária grave.
Sobre este assunto, enfatizaremos apenas três pontos:
• Em primeiro lugar, a incidência da malária aumenta a medida que os níveis
de CD4 diminuem em pacientes infectados pelo HIV. Este aumento na
incidência de malária pode ser evitado através do uso de redes mosquiteiras,
pulverização intradomiciliar, profilaxia com o cotrimoxazol e (em gestantes
HIV negativas) com tratamento preventivo intermitente com Fansidar.
• Quando a malária ocorre, é mais provável que seja grave nos pacientes
infectados pelo HIV. • A malária pode apresentar-se com insuficiência hepática (uma das
complicações da malária grave)
A tabela abaixo descreve as características da malária grave em crianças e adultos
na Beira58:
70
Capítulo 2
Um outro estudo realizado em Maputo mostrou resultados similares59:
Alcoolismo
Os participantes já devem estar familiarizados com esta condição. Iremos apenas
mencionar questões que são relevantes no contexto do HIV, tuberculose e hepatite B.
Quanto maior é o número de condições clínicas activas afectando o fígado, maior
a probabilidade de progressão para a insuficiência hepática num certo paciente.
Assim, os doentes com hepatite B crónica são aconselhados a abster-se do álcool,
a fim de protegerem a função hepática. O consumo de álcool também pode estar
associado à falta de adesão ao tratamento da TB e HIV.
Hepatite Sifilítica
Embora raro, a sífilis pode causar hepatite em pessoas infectadas pelo HIV. Porque
esta é uma causa tratável de hepatite, é importante verificar o RPR nos pacientes
infectados pelo HIV e que se apresentam com um quadro de hepatite aguda.61
71
Capítulo 2
Outras Causas de Doença Hepática em Pessoas Infectadas pelo
HIV
Há muitas outras possíveis causas de doença aguda e crónica do fígado, mas muitas
são difíceis de diagnosticar ou tratar em Moçambique. Outros tipos de hepatites
virais incluem a hepatite A, a hepatite C, a hepatite E e​​ a infecção disseminada
por citomegalovírus. Outras causas incluem malignidades (por exemplo, cancro
do ovário) e cirrose alcoólica. O próprio HIV (em casos de doença avançada)
pode causar colangiopatia relacionada com o HIV. A infecção por micobactérias
atípicas como MAC pode também afectar o fígado. Os pacientes infectados pelo
HIV também podem sofrer de cálculos biliares, colecistite aguda, abcesso hepático
amebiano e outras doenças comuns, não ligadas ao HIV.
Pontos-Chave da Sessão
• As alterações hepáticas são frequentes na população geral e mais
frequentes ainda na população HIV+
• As causas de patologia hepática em pacientes com HIV são diversas e
por vezes o diagnóstico diferencial pode ser complexo. As principais
causas de problemas hepáticos em pacientes com HIV são:
• Toxicidade por fármacos
• Co-infecção HIV/VHB e suas consequências
• Abuso de álcool, consumo de medicamentos tradicionais
• Infecções com afectação hepática (sépsis, malária, TB)
• Os pacientes HIV+ apresentam com maior frequência toxicidade por
medicamentos, quando comparado com os pacientes seronegativos.
A toxicidade por TAT e TARV é frequente, potencialmente grave
e deve ser gerida correctamente, tendo em conta a necessidade de
tratar estes pacientes.
• A hepatite crónica por VHB é critério para iniciar TARV,
particularmente nos casos de doença hepática avançada. O início
precoce de TARV com fármacos com actividade anti-VHB reduz
a progressão da doença hepática e melhora do prognóstico destes
pacientes.
72
Capítulo 2
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Capítulo 3
Patologia do SNC e
Neuropatia Periférica em
Pacientes com o HIV:
Perspectiva dos Locais com
Recursos Limitados
Índice Capítulo 3
Introdução...................................................................79
Toxoplasmose Cerebral......................................113
Epidemiologia da Patologia do SNC
nos pacientes HIV+ no Nosso Contexto............80
Tuberculose do SNC que se Apresenta
com Sinais Focais28................................................116
Infecções Oportunistas após a
Introdução de TARV: Síndrome
Inflamatória de Reconstituição
Imune (SIR) e Sistema Nervoso Central............82
Linfoma primário do SNC (LPSNC)..............118
Patologia do Sistema Nervoso
Central Causada pelo Próprio HIV.......................82
Neuropatia Periférica...................................................84
Diagnóstico Diferencial das
Síndromes que Afectam o
SNC no Paciente HIV+..............................................85
O Exame Neurológico..............................................86
Nível de consciência....................................................86
Nervos Cranianos...........................................................89
Teste de força (Teste Motor)....................................90
Leucoencefalopatia Multifocal
Progressiva causada pelo Virus JC................119
Diagnóstico dos Quadros que
Cursam com Sinais Focais em
Pacientes HIV+.....................................................119
Trastornos Neurocognitivos e
Sinais/sintomas Psiquiáticos em
Pacientes HIV+............................................................120
Transtornos Neurocognitivos
Associados ao HIV (HAND).......................................120
Sinais e Sintomas Neurológicos
Causados por Medicamentos................................123
Neuropatia Periférica...............................................125
Tom Muscular...................................................................90
Pontos-Chave da Sessão.........................................128
Teste Sensorial.................................................................91
Referências...................................................................129
Sinais de Inflamação no Cérebro..................91
Patologias que Cursam com
Sinais Meníngeos......................................................91
Causas mais Importantes de
Meningite em Pacientes Africanos
Infectados pelo HIV......................................................91
Meningite Criptocócica......................................93
Meningite tuberculosa28....................................101
Outras Causas Diagnosticáveis e
Tratáveis de Meningite.......................................104
Diagnóstico das Patologias que
Cursam com Sinais Meníngeos em
pacientes HIV+................................................................105
Patologias que Cursam com Sinais Focais........109
Causas mais Importantes de Patologias
que se Apresentam com Sinais Focais
em Pacientes Africanos Infectados
pelo HIV................................................................................109
Malária Cerebral......................................................112
Capítulo 3
3. Patologia do SNC e Neuropatia
Periférica em Pacientes com o
HIV: Perspectiva dos Locais com
Recursos Limitados
Introdução
A maioria das complicações do sistema nervoso central (SNC) relacionadas com
o HIV/SIDA são graves e definem estádio 4 da classificação da OMS. A presença
destas condições confere um risco muito elevado de morte e invalidez crónica,
mesmo quando o melhor tratamento disponível é instituído.
Nos pacientes com HIV/SIDA os clínicos devem seguir duas condutas principais:
iniciar e manter todas as pessoas infectadas pelo HIV e elegíveis em regimes de
TARV eficazes antes que ocorra a imunossupressão grave e fornecer profilaxia
específica com cotrimoxazol, fluconazol, rede mosquiteira tratada com insecticida,
a fim de evitar complicações devastadoras.
Por outro lado, a neuropatia periférica, embora não confira o mesmo risco de
mortalidade que a doença do SNC, é importante porque pode ser severamente
incapacitante e também porque muitas vezes pode ser evitada através do início
atempado de TARV ou tratada com a retirada de medicamentos causadores de
neuropatia periférica. A neuropatia periférica não é um problema que envolve o SNS
contudo, será abordada nesta unidade por se tratar de um problema nervoso e porque
por vezes deve ser feito o diagnóstico diferencial com outras patologias centrais.
Em geral, as patologias afectam o sistema nervoso central em pacientes infectados
pelo HIV, incluem infecções bacterianas, virais, infecções causadas por fungos,
infecções parasitárias, doenças não transmissíveis como o cancro, o acidente
vascular cerebral, as reacções adversas a medicamentos e as consequências directas
do HIV a nível do SNC.1,2,3
Na abordagem deste conteúdo serão enfatizadas as seguintes causas de doenças
do SNC associadas ao HIV nomeadamente, Cryptococcus neoformans, Toxoplasma
gondii, Mycobacterium tuberculose, malária, sífilis, vírus JC, reacção adversa a
medicamentos, meningite bacteriana e o próprio HIV. Também serão abordadas
outras doenças que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial, como é o
caso da patologia tumoral e do acidente vascular cerebral.
É importante referir que muitas destas patologias podem se apresentar antes da
introdução do TARV, ou podem ser evidentes após a introdução do TARV, como
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
79
Capítulo 3
manifestação da reconstituição immune (SIR). As apresentações clínicas, ou seja,
as síndromes que serão descritas e abordadas nesta sessão são: •
•
•
•
Meningite;
Défices neurológicos focais;
Alterações cognitivas/declínio da função cognitiva e
Neuropatia periférica.
Epidemiologia da Patologia do SNC nos pacientes HIV+
em África
Para iniciar a abordagem deste tópico coloca-se a seguinte questão: Quão comuns
são as complicações do SNC relacionadas com o HIV, especialmente na África
subsaariana, e particularmente em Moçambique? Para maior entendimento da
questão primeiro serão descritas as infecções oportunistas do SNC na era préTARV na África subsaariana, onde as últimas estimativas sugerem que a infecção
por criptococo foi subdiagnosticada (vide os detalhes em outras unidades).
Segundo um estudo realizado no Malawi, as taxas de incidência, (expressas em
casos/100 pessoas/ano de observação) de infecções importantes que podem causar
doença do SNC são:
•
•
•
•
•
Malária grave 0,3 casos/100 pessoas/ano;
Meningite bacteriana confirmada 0,3 casos/100 pessoas/ano;
Suspeita de meningite bacteriana 0,3 casos/100 pessoas/ano;
Meningite criptocóccica confirmada 1.5 casos/100 pessoas/ano;
Meningite provavelmente tuberculosa 0.9 casos/100 pessoas/ano.4
No entanto, estas observações correspondem à população geral, e não apenas aos
casos de pacientes seropositivos, pelo que podem subestimar as taxas de incidência
nos pacientes mais imunocomprometidos.
Uma antiga revisão realizada na África subsaariana e publicada em 2003 sobre
infecções oportunistas, constatou que a incidência de infecções oportunistas
em pacientes com HIV é muito variável, dependendo dos valores de CD4 dos
pacientes5:
• Doença criptocóccica: 0-10,3 casos/100 pessoas/ano de observação;
• Toxoplasmose do SNC: 0-1,2 casos /100 pessoas/ano.
Num outro estudo, a incidência de diversas infecções oportunistas em pacientes
HIV+ na Cidade do Cabo em diferentes estratos de CD4, foi estimada durante a era
pré-TARV6 e os resultados são apresentados na figura abaixo.
Nota: Observe o importante aumento na incidência de infecções oportunistas nos
grupos de pacientes que têm valores mais baixos de CD4.
80
Capítulo 3
Quadro 6: Incidência de infecções oportunistas estratificadas segundo a contagem de CD4
Mais um estudo7 avaliou a prevalência e mortalidade por várias infecções oportunistas na era pré-TARV. Este estudo foi realizado na Costa de Marfim com pacientes seropositivos hospitalizados. Os resultados são apresentados na tabela abaixo,
repare na elevada mortalidade de pacientes com meningite e toxoplasmose do SNC.
Quadro 7: Diagnósticos em pacientes HIV+ internados e taxa de letalidade por patologia.
Costa de Marfim
81
Capítulo 3
Nesta sessão, serão abordadas as doenças do SNC que mais afectam os pacientes
HIV+ em Moçambique. Porém, é provável que esta lista de patologias subestime
a complexidade real do problema. Por exemplo, um estudo recente realizado na
Zâmbia, usou métodos laboratoriais mais avançados, que actualmente não estão
disponíveis em Moçambique, para identificar as causas da patologia do SNC
em pacientes HIV hospitalizados. Dois terços dos pacientes ainda não estavam
em TARV.Neste estudo foi encontrada evidência da existência de 11 patógenos
diferentes onde 18,5% dos pacientes teve mais de um patógeno identificado e
35,3% não sobreviveu.8
Infecções Oportunistas após a Introdução de TARV: Síndrome Inflamatória
de Reconstituição Imune (SIR) e Sistema Nervoso Central
O aparecimento de SIR a nível do SNC após a introdução do TARV não é incomum.
Por exemplo, num estudo realizado na Cidade do Cabo9, a incidência de SIR com
envolvimento do SNC foi de 23,3 casos/1000 pacientes/ano, e as causas mais
comuns de deterioração neurológica após a introdução do TARV foram:
• Tuberculose do SNC (36%);
• Meningite criptocócica (24%);
• Lesões ocupantes de espaço (13%);
• Outras causas (15%).
O prognóstico dos pacientes que apresentam SIR do SNC é mau, com uma
mortalidade de 23% aos 6 meses. Os resultados deste estudo estão representados
no quadro 8.
Quadro 8: Causa de deterioração neurológica em pacientes HIV+ no ano que seguiu à
introdução de TARV (n=75)
82
Capítulo 3
Patologia do Sistema Nervoso Central Causada pelo Próprio HIV
Além das infecções oportunistas, o próprio HIV pode causar doença do sistema
nervoso central. O conjunto de alterações produzidas pelo HIV a nível do SNC são
conhecidas como transtornos neurocognitivos associados ao HIV (HAND ou HIV
Associated Neurocognitive Disorders, das siglas em Inglês).
Estima-se que a metade dos pacientes infectados pelo HIV possam sofrer de
HAND, embora as formas mais graves sejam muito menos comuns agora, em
relação à era pré-TARV. A introdução de TARV pode deter ou até mesmo melhorar
o estado neurocognitivo dos pacientes.
Infelizmente, a maior parte do que se sabe sobre HAND é baseado em estudos
realizados em países sem limitação de recursos, e não na África. Estes conteúdos
serão aprofundados mais adiante nesta unidade.
83
Capítulo 3
Neuropatia Periférica
A neuropatia periférica (NP) é um quadro clínico comum em pacientes infectados
pelo HIV, quer estejam em TARV ou ainda não tenham iniciado. Os pacientes
seropositivos e que ainda não recebem TARV estão em risco de desenvolver
neuropatia periférica provocada pelo próprio HIV; os pacientes em TARV estão
em risco tanto de apresentar neuropatia periférica associada ao HIV assim como
induzida pela medicação. Veja a tabela abaixo, de Centner11 com a descrição da
prevalência de neuropatia periférica em vários locais de estudo:
Quadro 9: Prevalência de neuropatia periférica em diversas séries de pacientes HIV+
84
Capítulo 3
Embora a neuropatia periférica causada pela estavudina não seja actualmente tão
comum em Moçambique devido à eliminação progressiva deste medicamento
que vem acontecendo desde 2014, a neuropatia periférica causada por outros
medicamentos e pelo próprio HIV persistem e ainda são clinicamente importantes
(vide os detalhes mais afrente nesta unidade).
Diagnóstico Diferencial das Síndromes que Afectam o SNC no
Paciente HIV+
O diagnóstico diferencial das síndromes que afectam o sistema nervoso central é
muitas vezes orientado pela presença ou ausência de três tipos principais de sinais/
sintomas:
• Aqueles que sugerem a meningite;
• Os que sugerem lesão ocupante de espaço;
• Aqueles que indicam declínio da função cognitiva.
Contudo, para alguns casos as apresentações podem se sobrepor, apresentando
características ou sinais/sintomas de diversas categorias no mesmo paciente.
O Guião Nacional de TARV recomenda a seguinte avaliação quando se suspeita da
existência de doença do SNC no paciente infectado pelo HIV:
A seguir é apresentada uma breve revisão da história clínica e do exame neurológico
traduzido de “Onde não há neurologista”.12
85
Capítulo 3
O Exame Neurológico
“Acredite ou não, você provavelmente já deve ter examinado o sistema nervoso dos
seus pacientes. Quando você diz “Olá” a um paciente, observa-o a entrar na sala e
escuta-o a falar, neste momento você está examinando o funcionamento do sistema
nervoso do paciente”.
Geralmente não é necessário, e nem é possível, completar todo o exame neurológico
aqui apresentado para cada paciente que entra na consulta.
A seguir será apresentada a descrição do exame neurológico completo. Os clínicos
podem fazer apenas as partes mais importantes do exame para cada paciente, com
base na sua queixa.
Uma das coisas mais valiosas que você pode oferecer como clínico com habilidades
especiais em neurologia, é a realização de um bom exame neurológico e uma boa
história. Quando um paciente tem um problema neurológico, o exame pode mudar
e as suas primeiras observações são muito importantes. O registo dos achados
do exame no processo clínico permitirá avaliar se a condição do paciente está a
melhorar, piorar ou permanece estável. Isso pode ser importante para determinar
se deve ou não enviar o paciente a um hospital de referência para avaliação e
cuidados especializados.
Nível de consciência
A primeira parte do exame neurológico avalia o nível de consciência do paciente.
Há muitas formas diferentes de descrever o nível de consciência.
quadro 10: Avaliação do nível de consciência em pacientes HIV+
86
Nível de Consciência
Apresentação clínica
Normal
Adultos:
Acordado, alerta, sabem quem eles são, porque estão a ser observados por um clínico e
reconhecem os familiares.
Se estiverem a dormir, eles devem acordar rapidamente ao som da sua voz ou com um toque
suave, e não devem precisar de ser acordados várias vezes.
Crianças:
Acordada, alerta, olha ao seu redor, se assustada, podem se agarram à sua mãe. Se estiver a
dormir, devem acordar de maneira bastante fácil.
Letárgico
Sonolento, exigindo algum esforço para despertá-lo. Se você deixa de estimulá-lo, pode voltar
a dormir. Pode estar um pouco confuso. As crianças podem parecer irritadas e chorar muito
quando estão letárgicas.
Obnubilado
Em sono profundo, só acorda com dor induzida por um aperto ou agitação vigorosa. Uma vez
que a dor para, ela volta a dormir.
Coma
Sono profundo com pouca ou nenhuma resposta à dor ou à voz
Capítulo 3
Quando um clínico descreve o nível de consciência dum paciente, deve usar
frases que definem o estado e não apenas usar uma única palavra como “coma”.
Os pacientes podem estar letárgicos devido à medicação, sobretudo se recebem
analgésicos narcóticos. Os pacientes podem até parecer um pouco apáticos, se eles
estiverem muito cansados e não tiverem dormido por algum tempo. Os pacientes
obnubilados ou em coma, estão geralmente muito doentes e precisam de cuidados
de emergência.
Uma das formas de atribuir um valor numérico ao nível de consciência do paciente
é através da Escala de Coma de Glasgow (GCS). A GCS pode ser um meio muito
útil para comunicar rapidamente a condição dum doente, mas o valor numérico
por si só não fornece informação suficiente. Registar o valor numérico da GCS
junto com uma breve descrição “de como o paciente se apresenta” é a melhor forma
de descrever e registar a informação relativa ao nível de consciência do mesmo.
quadro 11: Escala de Coma de Glasgow
Escala de Coma de Glascow
Resposta motora
l = nenhum movimento; os membros permanecem flácidos
mesmo com estímulos dolorosos intensos
2 = Extensão do antebraço
3 = Flexão anormal dos antebraços
4 = Reflexo de retirada a estímulo doloroso
5 = localiza os estímulos dolorosos
6= obedece aos comandos simples
Resposta ocular
l = Não abre os olhos
2 = Abre os olhos em resposta a estímulo de dor
3 = Abre os olhos em resposta a um chamado
4 = Abre os olhos espontaneamente
Resposta verbal
l = Não emite sons
2 = Emite sons incompreensíveis
3 = Pronuncia palavras inapropriadas
4 = conversa, mas confuso e desorientado
5 = orientado e conversa normalmente
Escala de coma de Glascow = (resposta motora) + (resposta verbal) + (resposta ocular)
Passos seguintes:
• Depois de observar o nível de consciência, preste atenção à forma como o
paciente olha e fala. O seu discurso é claro? faz sentido? Observe quaisquer
problemas com a fala. Se o paciente pode engolir e sorrir normalmente, mas
não pode falar, ou o seu discurso é muito lento, pode ter afasia.
• Para além disso, observe se existem movimentos estranhos. Será que ele se
contorce? Será que ele geme ou tem tremores? Estes são aspectos importantes
a considerar e serão discutidos em capítulos posteriores.
87
Capítulo 3
Um problema com a Escala de Coma de Glascow é que não é aplicável às crianças
pequenas que ainda não falam. Para estas crianças a melhor escala a ser usada é a
Escala de Coma de Blantyre.
Quadro 12: Escala de Coma de Blantyre para crianças pequenas
Resposta
Descobertas
Resposta motora
Localiza os estímulos dolorosos
2
Retira o membro a estímulos dolorosos
1
Sem resposta ou resposta inadequada
0
Grita de forma adequada com estímulos dolorosos, ou, se verbal, fala
2
Geme ou chorar de forma anormal a estímulos dolorosos
1
Sem resposta verbal a estímulos dolorosos
0
Observa ou acompanha
1
Falha ao observar ou acompanha
0
Resposta verbal
Resposta ocular
Pontuação
Escala de Coma de Blantyre = (resposta motora) + (resposta motora verbal) + (resposta ocular)
Nervos Cranianos
Os nervos cranianos são os nervos que saem do cérebro para a cabeça, face e
pescoço. Existem 12 nervos cranianos. Ás vezes, apenas um nervo tem problemas e
outras vezes, muitos nervos cranianos podem estar afectados ao mesmo tempo. A
patologia que afecta os nervos cranianos muitas vezes causa anomalias em apenas
a metade da cabeça ou face.
Quadro 13: Exame dos Nervos Cranianos
Nervo Craniano
Como testar o nervo
Se o nervo estiver afectado
ou danificado
1 (primeiro)
Para o nariz
nervo olfactivo
O paciente sente o cheiro
de ervas fortes?
O paciente não pode sentir o cheiro de
nada e não é capaz de saborear a comida.
2 (segundo)
Para os olhos
Nervo Óptico
O paciente consegue contar
os seus dedos e dizer quantos
dedos você está amostrar?
Paciente perde a visão em um ou ambos
os olhos sem catarata ou lesão.
Continua >>
88
Capítulo 3
>> Continua Quadro 13
Nervo Craniano
Como testar o nervo
Se o nervo estiver afectado ou danificado
3 (terceiro), 4
(quarto), e 6 (sexto)
3(terceiro)
Nervo Oculomotor
4(quarto)
Nervo Troclear
6(sexto)
Nervo abducente
O clínico deve pesquisar se: o
paciente consegue abrir os olhos,
olhar para cima e para baixo e para
cada lado? queixa de visão dupla? As
pupilas são do mesmo tamanho?
Os pacientes podem ter uma pálpebra caída ou
uma pupila grande que não fica menor, ainda
que você projecte uma luz no olho. Se uma
pupila for maior do que a outra, um dos olhos
pode ter um nervo lesionado. Os pacientes
podem queixar-se de visão dupla.
5 (quinto)
Para a face
(sensibilidade)
5- Nervo Trigémeo
Toque no rosto do paciente levemente
com pano macio de cada lado.
7- Nervo Facial (para
a face, motor)
Peça ao paciente para fechar os olhos.
8 (oitavo)
Nervo Vestíbulo coclear
Avalie a audição e o
equilíbrio do paciente
As lesões do oitavo nervo não são susceptíveis
de causar problemas de audição, já que temos
dupla inervação (2 ouvidos!), mas podem se
manifestar com náuseas, vómitos e vertigem
9 (nono) e 10 (décimo)
Para a parte posterior
da boca e garganta
9 - Nervo
Glossofaríngeo
10 - Nervo Vago
Peça ao paciente para abrir a boca e
dizer: "AAAHHH. Observe o palato.
Deve subir em ambos os lados. Se
o clínico tiver uma espátula ou um
zaragatoa, pode tocar levemente
na parte posterior da garganta do
paciente. Isto deve provocar arcadas
ou náuseas.
Observe o paciente a beber
um gole de água.
O paciente pode engasgar ao beber água.
O seu palato pode subir apenas num lado.
Eles podem não sentir náuseas ou arcadas
aotocar na parte posterior da garganta.
11 (décimo-primeiro)
Para os ombros
1 1 - Nervo Acessório
Peça ao paciente para
encolher os seus ombros.
Um ombro pode apresentar fraqueza
12 (décimo-segundo) –
Para a língua
12 – Nervo hipoglosso
Peça ao paciente para abrir a
boca, mantendo a língua dentro.
Examine enquanto a língua estiver
dentro da boca. Peça ao paciente
para tirar a sua língua para fora.
A língua pode estar fraca e caída para um lado.
Procedimento para o diagnóstico:
projecte uma luz no olho do paciente
e verifique se as pupilas reagem à
iluminação, ficando mais pequenas
Ele consegue sentir o toque
suave em ambos os lados?
Peça ao paciente para sorrir.
Peça-lhe para levantar as suas
sobrancelhas como se eles
estivessem surpreendidos por algo.
Se a visão dupla for causada por um problema
dos nervos cranianos, ficará melhor quando você
cobrir um dos olhos !!
Às vezes você pode notar que um olho não
está se movendo muito bem. Isto pode ser um
problema dos nervos cranianos 3,4 e/ou 6.
Os pacientes podem ter dormência de um lado da
face, talvez apenas em uma pequena área.
Às vezes, os pacientes podem ter dores fortes
na face, sem qualquer outro problema.
O paciente pode ter um lado da face fraca. Ele
pode não ser capaz de sorrir de um lado ou fechar
um olho. Ele pode babar num lado da boca.
A sobrancelha também está fraca
Nota: devido ao facto de os nervos cranianos estarem juntos, muitas vezes se lesionam juntos.
* Se o clínico suspeita da existência de um problema num nervo craniano de qualquer tipo, é muito importante examinar
todos os nervos cranianos!!
89
Capítulo 3
Teste de força (Teste Motor)
Muitas pessoas se queixam de fraqueza. Os problemas neurológicos motores
geralmente causam fraqueza apenas num dos lados do corpo ou em ambas as
pernas. A fraqueza corporal generalizada quase nunca é um problema neurológico
e pode ser causada por infecções sistémicas ou generalizadas ou por depressão. A
maioria das pessoas com febre sente-se fraca. É importante certificar se alguém tem
fraqueza focal, isto é, fraqueza numa das partes do corpo, ao invés de generalizada.
Para cada tipo de fraqueza atribui-se diferente designação:
• Monoparesia: fraqueza limitada a um único braço ou perna.
• Hemiparesia: fraqueza num dos lados do corpo, o braço e a perna desse lado
estão fracas. Por vezes, um dos lados da face pode também estar fraca.
• Paraparesia: fraqueza de ambas as pernas.
A hemiparesia e paraparesia são sinais de um problema neurológico e precisam ser
examinados com cuidado.
Paresia refere-se à fraqueza, mas se um paciente é totalmente incapaz de mover
uma parte do corpo estamos perante de um caso de plegia. Quando um paciente
tem plegia, pode ter também hemiplegia ou paraplegia.
Para testar a força do braço, peça ao paciente para estender os seus braços e
verifique se qualquer um dos braços não pode ser mantido no ar. O melhor teste
para a força das pernas é pedir ao paciente para caminhar. Se o paciente pode
andar, peça-lhe para se levantar e ficar com as pontas dos seus dedos e depois sobre
os calcanhares. Em seguida, peça-lhe para ficar de cócoras. Se paciente pode fazer
estes movimentos, provavelmente não esteja muito fraco. Às vezes não há fraqueza,
mas os pacientes têm dor que os impede de andar ou de ficar de cócoras. Nestes
pacientes, pode ser difícil testar a força.
Se o paciente queixa-se de fraqueza em ambas as pernas, certifique-se e pergunte se
tem alguma dificuldade para urinar ou defecar.
Tom Muscular
Para verificar os reflexos/tom muscular num paciente é necessário um martelo de
reflexos, mas o clínico pode verificar o tom muscular do paciente simplesmente
movendo passivamente os seus braços e pernas. Para pacientes conscientes, peçalhes para que fiquem relaxados antes de examinar o tom muscular. Faça um teste de
comparação verificando o tom muscular dos seus colegas e pacientes sem problemas
neurológicos ou queixas para ter uma ideia do que é “normal”. Em lesões agudas do
SNC, o tom muscular muitas vezes diminuiu. As lesões ou problemas crónicos são
mais propensos a estar associados com o aumento do tom muscular (hipertonia).
90
Capítulo 3
Teste Sensorial
A maioria dos pacientes com alteração da sensibilidade irá se queixar de dormência
ou dor, mas se se queixam de fraqueza, é importante perguntar sobre a existência
de dormência ou dor. Pode-se testar a sensibilidade com um pedaço de pano macio
e uma vara afiada ou agulha.
Sinais de Inflamação no Cérebro
Um dos sinais de inflamação no cérebro que os clínicos devem ser capazes de
reconhecer é o meningismo. O meningismo é a rigidez e dor no pescoço devido
à inflamação das meninges. As meninges são o revestimento espesso ao longo
do cérebro e da medula espinal. As meninges são importantes porque ajudam
a proteger o cérebro das lesões, mas elas também podem apresentar infecção/
inflamação vulgarmente conhecida comomeningite.
Para verificar se há meningismo, você deve examinar o paciente deitado. Tente
fazer com que o paciente relaxe e, em seguida, delicadamente flexione o pescoço,
colocando a cabeça para a frente para fazer com que o queixo toque o peito. Se o
paciente tiver meningismo, ele vai sentir dor intensa ao realizar esta manobra, e
poderá gritar ou arquear as costas.
Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos
Nesta secção será abordado o diagnóstico diferencial da meningite. Em geral, devese suspeitar da existência de meningite em todos os pacientes com febre, cefaleia e
rigidez de nuca, acompanhado ou não de sinais focais. Note-se que a febre e os sinais
meníngeos podem estar ausentes em certos casos de meningite, especialmente em
pacientes gravemente imunodeprimidos. Nestes casos, a cefaleia pode ser o único
sintoma clínico ou o mais importante.
Causas mais Importantes de Meningite em Pacientes Africanos Infectados
pelo HIV
Num estudo realizado no Zimbabwe, 326 pacientes infectados pelo HIV com sinais
e sintomas sugestivos de meningite foram avaliados em 170 deles foi confirmado o
diagnóstico de meningite. As causas da meningite foram as seguintes:
•
•
•
•
•
91
Meningite por Cryptococco: 80 casos (47%);
Meningite linfocitária ou asséptica, provavelmente viral: 43 (25%);
Meningite Bacteriana: 25 (15%);
Meningite tuberculosa: 21 (12%);
Meningite de causa não identificada (1).
Capítulo 3
Nos restantes pacientes, nos quais não foi confirmado o diagnóstico de meningite,
foram encontradas as seguintes patologias: sépsis (31), pneumonia (32) e malária
(11). As taxas de mortalidade intra-hospitalar para todos os tipos de meningite
confirmada foram elevadas (39% para os casos de meningite por criptococo, 35%
para os casos de meningite linfocitária, 70% nos casos de meningite bacteriana e
tuberculosa).13
No estudo acima descrito 7% dos pacientes com meningite criptocócica, 7% com
meningite bacteriana, e 5,3% com meningite tuberculosa também apresentavam
défices neurológicos focais. Mais adiante nesta sessão, irá se abordar o conteúdo
relativo a défices focais. O clínico deve saber que nestes casos não precisa procurar
uma segunda causa que explique os sinais focais, a menos que o paciente não
responda ao tratamento apropriado para a infecção para a qual esta sendo tratado.
Um estudo realizado na África do Sul identificou as causas de meningite clínica
em 41 adultos infectados pelo HIV. As causas mais comuns foram meningite
tuberculosa/tuberculoma (11 casos; [27%]), meningite asséptica (9 [22%]),
meningite criptocócica (8 [20%]), meningite meningocócica (4 [10%]) e complexo
de demência do SIDA (4 [10%]).14
Note-se que a importância da meningite criptocócica pode ter sido subestimada
nos estudos citados acima (vide os detalhes mais afrente ainda nesta unidade).
quadro 14: Resumo das prevalências de diversas causas de Meningite nos estudos
apresentados (Zimbabwe e RSA)
Zimbabwe13
RSA14
Cripotococose
47%
20%
Meningite bacteriana
15%
10%
Meningite viral
25%
22%
Meningite TB
12%
27%
Em suma, as principais contribuições históricas para a síndrome meníngea
em pacientes HIV + são a meningite bacteriana, a meningite viral, a meningite
criptocócica e a meningite tuberculosa. Como distingui-lás?
As três principais causas tratáveis de meningite no contexto moçambicano são,
meningite bacteriana, meningite criptocócica e meningite tuberculosa. A seguir
vai-se enfatizar a descrição da meningite criptocócica e tuberculosa; também
mencionar-se-á a meningite bacteriana e, finalmente a meningite sifilítica, que é
rara mas tratável.
92
Capítulo 3
Meningite Criptocócica Cryptococcus neoformans é um fungo que provoca infecções do sistema nervoso
central, pulmões, pele e outros órgãos, apenas em pessoas imunocomprometidas.
A meningite criptocócica é uma importante causa de morbilidade e mortalidade em
pacientes Africanos com HIV/SIDA. Até os finais da década 90 (na era pré-TARV),
pensava-se que fosse a causa de 17% de todas as mortes por SIDA segundo os
resultados de um estudo realizado com uma coorte de 1.372 pacientes em Uganda,
onde a taxa de incidência foi de 40,4 casos/1000 pessoas/ano de observação. Em
média, o antígeno criptocócico (CrAg) apareceu no sangue 22 dias antes do início
dos sintomas. A sobrevivência média após o diagnóstico de meningite criptocócica
foi de apenas 26 dias.16
Na província de Gauteng, África do Sul, a doença por criptococo, predominantemente
na forma de meningite, teve uma incidência de 14 casos/1000 pessoas/ano de
observação num estudo realizado entre 2002 e 2004 e a mortalidade intra-hospitalar
foi de 27%.17 A apresentação clínica da infecção por criptococo está descrita na
tabela abaixo; a contagem média de CD4 neste estudo, na altura do diagnóstico
foi de 37 cels/mm3. Observe que alguns pacientes também apresentavam défices
neurológicos focais, e note que quase um em cada quatro teve também diagnóstico
de tuberculose pulmonar.
quadro 15: Sinais, sintomas e doenças concomitantes presentes em pacientes internados
com diagnóstico de criptococose (vigilância epidemiológica, Gauteng, RSA, 2002-2004)
93
Capítulo 3
Alguns modelos matemáticos estimam que a infecção por criptococo seja a causa
mais comum de morte em pacientes com HIV/SIDA na África subsaariana,
causando mais de 500.000 mortes por ano portanto, uma causa ainda mais comum
de morte que a tuberculose. A taxa de letalidade aos 90 dias na África Subsaariana
é estimada em 70%.18
Infecção por Criptococo e SIR
A infecção por criptococo é uma importante causa de SIR em pacientes que iniciam
TARV.20
Um estudo realizado em Uganda demonstrou que 23% dos pacientes infectados
pelo HIV, que foram positivos para o CrAg e com CD4 <100 cels/mm3 na altura
do início do TARV morreu durante as primeiras 12 semanas de TARV; uma taxa
de mortalidade 6,6 vezes superior à dos pacientes com CrAg negativo nessa mesma
coorte.19
A doença causada por criptococo é pouco provável quando os valores de CD4
estão acima de 100 cels/mm3. Por isso, a OMS recomenda a testagem com CrAg
no sangue em todos os pacientes infectados pelo HIV com CD4 ≤100 cels/mm3.
Naqueles com resultado positivo deve ser iniciado o tratamento com fluconazol
para prevenir o desenvolvimento de meningite criptocócica. Outros cientistas
sugerem um limite superior de CD4 para realizar despiste com CrAg(vide mais
informação adiante).
No entanto, além do estudo da Uganda mencionado acima, há alguns outros
estudos sobre a prevalência do CrAg no momento do diagnóstico do HIV na
África Subsaariana.
Num estudo realizado na Tanzânia, 3,6% de 801 pacientes virgens de tratamento
e com CD4 <150 cels/mm3 teve CrAg positivo em amostras de plasma, (6,1%
com CD4 ≤ 50, 2,3% 50-100, 2,0% 101-150). Durante o ano subsequente, foi
diagnosticada meningite criptocócica em 34% dos pacientes que tinham CrAg
positivo; 72,4% deles morreu, contra 47,2% dos pacientes com CrAg negativo. Na
análise multivariada, foram definidos os seguintes riscos (Odd ratio):
•
•
•
OR de morte para CrAg positivo: 3,2;
OR de morte para CD4 <100 cels/mm3: 1.6;
OR de morte para o grupo que não recebeu TARV: 7.7.
Entre os pacientes CrAg+, a profilaxia com fluconazol diminuiu a mortalidade.
Não houve mortes em doentes que receberam 800 mg de fluconazol por dia. Ao
contrário, mais de 80% daqueles que não receberam qualquer profilaxia morreu.21
94
Capítulo 3
• Um estudo realizado em Durban, África do Sul, entre 2011 e 2013, rastreou
773 pacientes recentemente diagnosticados de infecção por HIV com teste
CrAg na urina. 10,1% teve resultado positivo para CrAg, e não houve
diferença estatisticamente significativa entre os pacientes com valores de
CD4 ≤ 100 (8,7%) e aqueles com CD4 mais elevado (9,9%).22 Os autores
deste estudo propunham a testagem com CrAg na urina de forma rotineira
em todos os pacientes HIV+ que ficam internados na enfermaria.
O diagnóstico da meningite criptocócica é feito através da análise de liquor obtido a
partir de punção lombar, com confirmação laboratorial de CrAg, de tinta da China positiva ou através de cultura. A pressão alta de saída do LCR na punção lombar
também apoia no diagnóstico de meningite criptocócica. Quando a punção lombar
não pode ser efectuada, por vezes, o diagnóstico é feito com base nos sintomas
típicos e teste CrAg positivo no sangue.23
Os sinais e sintomas típicos de meningite por criptococo são:
•
•
•
•
Cefaleia;
Febre;
Perturbação visual ou estado mental alterado (mais tarde);
As vezes meningismo, edema da papila, paralisia dos nervos cranianos
(6º par, mostrando o aumento da pressão intracraniana) e diminuição
do nível de consciência.
Tratamento
O tratamento padrão para a meningite criptocócica é a anfotericina B associada
a flucitosina. Estes medicamentos eliminam o criptococo do sistema nervoso
central mais rápido do que outros antifúngicos. Com o uso de Anfotericina a taxa
de mortalidade foi de menos de 10% nalgumas séries em países sem limitação
de recursos.23 No entanto, esses medicamentos só devem ser manuseados por
profissionais preparados e em locais onde exista capacidade laboratorial e clínica
para monitorar de forma rigorosa os pacientes. O acompanhamento ideal inclui
a avaliação periódica de hemoglobina, eletrólitos, magnésio, cálcio, e níveis de
creatinina durante o tratamento.
Nos pacientes que se apresentam com um quadro avançado e com pressão
intracraniana muito elevada (pressão de saída do LCR elevada) o tratamento
é acompanhado por punções lombares frequentes para reduzir a pressão
intracraniana. Esta prática é importante porque a hipertensão intracraniana
condiciona o prognóstico. As directrizes moçambicanas para o uso seguro de
anfotericina e flucitosina, e para a punção lombar terapêutica, estão descritos a
seguir24:
95
Capítulo 3
quadro 16: Pacote mínimo para a prevenção da toxidade por anfotericina B, Monitoria e
Manejo
Muitas vezes, a anfotericina e a flucitosina não estão disponíveis em locais com
recursos limitados e assim, o fluconazol em doses elevadas é a opção alternativa. No
entanto, um estudo em Malawi observou uma taxa de mortalidade inaceitavelmente
elevada com monoterapia com fluconazol (800 mg/dia) (mortalidade de 43% às 4
semanas; 58% óbitos ou falência ao tratamento às 10 semanas).25
96
Capítulo 3
As directrizes moçambicanas para o diagnóstico e tratamento da meningite
criptocócica são dadas abaixo, a partir do Guião Nacional de TARV24:
97
Capítulo 3
A meningite criptocócica é uma infecção que define estadio 4 da classificação da
OMS pelo que todos os pacientes devem iniciar o TARV. No entanto, o início do
TARV não deve ser imediato. As recomendações moçambicanas actuais são:
Moçambique aconselha adiar o início do TARV entre 4-6 semanas após o início
do tratamento da meningite criptocócica, para diminuir o risco de aparecimento
de SIR do SNC.24
A OMS faz a mesma recomendação:
98
Capítulo 3
Um estudo recente26 com pacientes infectados pelo HIV e com meningite
criptocócica em Uganda e na África do Sul reportou que a mortalidade era muito
maior em pacientes que iniciaram o TARV de forma precoce: 45% dos pacientes que
iniciou o TARV entre 1 e 2 semanas após o diagnóstico de meningite criptocócica
morreu. A mortalidade no grupo dos que adiavam o início até pelo menos 5
semanas após o diagnóstico da meningite criptocócica foi de 30%. Veja as curvas
de sobrevivência reproduzidas abaixo:
quadro 17 : Probabilidade cumulativa de sobrevivência consoante ao tempo até a
introdução de TARV
99
Capítulo 3
Profilaxia Secundária para Meningite Criptocócica
Depois de finalizar o tratamento para meningite criptocócica, a profilaxia com
fluconazol deve ser iniciada para evitar a recorrência. As directrizes moçambicanas
para a profilaxia da infecção por criptococo são descritas a seguir.24
Note a diferença entre a profilaxia primária e secundária: • A profilaxia primária evita o desenvolvimento de meningite criptocócica
em pacientes que nunca apresentaram infecção sintomática por criptococo
mas que têm um teste positivo CrAg no plasma.
• A profilaxia secundária impede a recorrência da meningite criptocócica
num paciente que já tratou esta patologia.
A seguir apresentam-se as recomendações actuais da OMS e de Moçambique,
relativas à testagem com CrAg e ao uso da profilaxia primaria.27
100
Capítulo 3
Profilaxia primária para meningite criptocócica em Moçambique24
Neste momento Moçambique esta iniciando o piloto da profilaxia primária
para meningite criptocócica em 3 províncias. Em 2015 esta profilaxia será
implementada a nível nacional.
quadro 18: Critérios de elegibilidade para a profilaxia de meningite criptocócica e manejo
Infecção
Critérios De Elegibilidade
Meningite
criptocócica
Doente HIV+ adulto (>
15 anos) excluídas as
grávidas, com contagem
de CD4 ≤ 100cels/mm3 e
com resultado do teste de
antígeno para criptococo
em soro positivo (CrAg +)
Profilaxia
Profilaxia da meningite criptocócica:
• Fase de indução com Fluconazol 800 mg/dia durante 2 semanas
• Fase de consolidação com Fluconazol 400mg/dia durante 8
semanas
• Fase de manutenção com Fluconazol 200 mg/dia até atingir CD4 >
200 cel/mm3 por, pelo menos 6 meses (2 medidas consecutivas).
Meningite tuberculosa28
As formas extrapulmonares e disseminadas de TB são mais comuns nos pacientes
HIV+. Num estudo publicado na era pré-TARV, 10% dos pacientes com coinfecção TB/HIV tinham TB meníngea. Neste mesmo estudo 2% dos pacientes
seronegativos com TB apresentava TB meníngea.29
O reconhecimento da TB do SNC em pacientes HIV+ é um grande desafio,
particularmente naqueles pacientes com imunodepressão avançada, devido ao
elevado risco que estes pacientes têm de apresentar outras condições oportunistas
do SNC que se assemelham à TB ou mesmo que se apresentam em simultâneo.
Apresentação Clínica da TB do SNC
A forma mais comum de TB no SNC é a TB meníngea. No adulto, a história natural
da TB do sistema nervoso central tem 3 fases, sem o concurso do tratamento
específico:
• Fase prodrómica: os sintomas são inespecíficos (febre, anorexia, perda de
peso, mal-estar) ao longo de 1 a 3 semanas.
• Fase meníngea: cefaleia, náuseas, vómitos, confusão mental e paralisia de
pares cranianos. Muitas vezes os sinais meníngeos estão ausentes nesta fase
• Fase paralítica: hemiplegia, paraplegia, convulsões, coma. Sem tratamento a
morte acontece geralmente em 6 a 8 semanas após o início do quadro.
101
Capítulo 3
Diagnóstico da Meningite Tuberculosa em Pacientes com HIV
A presença de infecção por HIV não altera a apresentação da meningite tuberculosa.
Contudo, o principal desafio do diagnóstico da TB meníngea nos pacientes com
HIV e que apresentam imunodepressão avançada, é o número elevado de outras
condições oportunistas, incluindo infecções e tumores, que estes pacientes podem
também apresentar. O diagnóstico diferencial nestes casos inclui a infecção por
criptococo, a meningite bacteriana parcialmente tratada, as meningo-encefalites
virais (CMV, herpes), a neurossífilis e os tumores com extensão meníngea
(carcinomatose meníngea). Nos pacientes com CD4 baixos, estas entidades podem
se apresentar em simultâneo com a TB meníngea, complicando ainda mais o
diagnóstico destes casos.
Apesar da maioria das vezes a TB do SNC apresentar-se como uma síndrome
meníngea, nos casos de diagnóstico tardio ou mais avançados, a TB meníngea
pode cursar com sinais focais (fase paralítica). Por último, a TB do SNC pode-se
apresentar como um quadro que cursa desde o início com sinais/sintomas focais
(vide mais informação adiante).
O diagnóstico é um desafio, devido ao quadro clínico inespecífico nos primeiros
momentos da doença e também à baixa sensibilidade dos testes diagnósticos
disponíveis. É necessário um elevado índice de suspeita e nesse caso o tratamento
empírico deve ser iniciado sem demora, mesmo quando os resultados dos testes
não confirmam a suspeita.
A análise do LCR obtido a partir de punção lombar mostra geralmente um aumento
dos leucócitos com predomínio dos linfócitos; elevação das proteínas (100-500 mg/
dl) e diminuição dos níveis de glicose (com um ratio glicose LCR:glicose plasma
<0.5). A pressão de saída do liquor é frequentemente elevada. Todas estas alterações
podem não estar presentes em pacientes com HIV e particularmente naqueles com
contagens de CD4 menores.
A baciloscopia da amostra de LCR deve sempre ser solicitada, contudo a
sensibilidade é muito baixa nos casos de TB meníngea (10-20%). Em alguns estudos
que utilizaram amostras centrifugadas de LCR para realizar a baciloscopia30 a
sensibilidade foi maior.
A cultura da amostra de LCR é o teste padrão mundial, mas em Moçambique está
disponível apenas em alguns hospitais de referência. A demora dos resultados
(semanas a vários meses) torna inviável o uso deste teste para fins de diagnóstico e
de tomada de conduta.
Finalmente, os testes que detectam material genético do bacilo da tuberculose
através de técnicas moleculares (PCR) são bons instrumentos diagnósticos. Em
particular, o teste Xpert MTB/RIF® (mais conhecido como GeneXpert) é um teste
102
Capítulo 3
rápido baseado em técnicas de PCR que esta validado para o diagnóstico de TB em
amostras de escarro. Alguns estudos recentes mostram uma elevada sensibilidade
do teste GeneXpert em amostras de LCR quando comparado com a baciloscopia
(62% versus 12%; p= 0.001), particularmente quando se utilizam amostras
centrifugadas de LCR.31,32 Por tanto, este teste poderá ajudar no diagnóstico da
TB meníngea no futuro. São necessários mais estudos para a validação do teste
GeneXpert em amostras diferentes do escarro.
O clínico deve lembrar-se de procurar evidência de TB pulmonar em todos
os pacientes com suspeita de meningite tuberculosa. Se a TB pulmonar for
confirmada através da baciloscopia do escarro (ou alternativamente através do teste
GeneXpert), e não for encontrada evidencia de outra causa de meningite, pode ser
razoável assumir que o quadro neurológico é devido à TB, e tratar apenas esta
patologia. Contudo, não devemos esquecer que o criptococo, assim como outras
causas de meningite podem ocorrer em simultâneo com a TB pulmonar no mesmo
paciente, de modo que a confirmação da TB pulmonar não deve ser uma desculpa
para a não realização de uma punção lombar num paciente com sinais e sintomas
neurológicos. Uma vez obtido o LCR através da punção lombar deverão ser
solicitados todos os seguintes testes: análise citobioquímico da amostra, coloração
de Gram, RPR, CrAg ou alternativamente teste de tinta-da-China e culturas.
Tratamento da Meningite Tuberculosa
Nos pacientes adultos, o protocolo nacional em Moçambique aconselha o tratamento da TB meníngea com Isoniazida, Rifampicina, Pirazinamida e Etambutol
durante 2 meses (fase intensiva) para continuar com 7 meses de tratamento com
Isoniazida e Rifampicina, totalizando 9 meses de tratamento.24 Nas crianças, o tratamento segundo o protocolo nacional é de 12 meses (2 meses com 4DFC e 10
meses com HR).
Com base nos resultados de alguns estudos, os quais mostram uma redução da
mortalidade observada com o uso de corticóides associados ao tratamento para
tuberculose em pacientes HIV negativos com meningite tuberculosa, aconselha-se
o seu uso também nos pacientes HIV+ com TB meníngea: prednisolona 1 mg/Kg/
dia em adultos e 2 mg/Kg/dia em crianças, com desmame progressivo.
Introdução do TARV em Pacientes com TB Meníngea
A introdução do TARV em pacientes co-infectados com TB meníngea e HIV deve
ser precoce (entre 2 e 8 semanas após a introdução do tratamento específico).
Diversos estudos mostram que inícios mais precoces (antes de 2 semanas) do TARV
estão associados com um aumento da mortalidade relacionada com a síndrome de
imuno-reconstituição.33
103
Capítulo 3
Resultados do Tratamento da Meningite Tuberculosa
Em geral, o prognóstico é pior em pacientes com HIV. O prognóstico da tuberculose
do sistema nervoso central depende de vários factores. Todos os seguintes são
factores de mau prognóstico:
• Pacientes com Score de Glasgow inferior a 10 ao diagnóstico;
• Contagem de CD4 baixa;
• TB resistente aos medicamentos.
A síndrome de imuno-reconstituição é frequente nos casos de TB meníngea, e
geralmente apresenta-se nas 2 semanas que seguem à introdução do TARV.
Outras Causas Diagnosticáveis e Tratáveis de Meningite
Meningite Bacteriana
A meningite bacteriana também ocorre em indivíduos HIV+. O diagnóstico e o
tratamento devem ser já bem conhecidos pelos clínicos.
Um estudo realizado no Malawi34 entre 2000 e 2012 observou que a meningite
criptocócica era mais comum nos pacientes HIV+ do que todos os diferentes tipos
de meningite bacteriana combinados, especialmente em adultos (veja a figura
abaixo). Contudo, em indivíduos adultos, cerca de 30% dos casos de meningite
foram causados por bactérias (este estudo não reportou a prevalência de meningite
tuberculosa), e assim, é obrigatória a pesquisa através de testes como a coloração
de GRAM do LCR. Este estudo foi realizado em pacientes hospitalizados com
diagnóstico de meningite, sem ter em conta o seroestado dos pacientes. Contudo,
em Malawi estima-se que 70% dos adultos hospitalizados esteja infectado pelo HIV.
Na figura que segue, apresenta-se a distribuição das causas de meningite do estudo
acima mencionado:
Quadro 19: Proporção de casos de meningite com cultura positiva produzidos por
criptococo, vs meningite bacteriana, estratificado por idade (Queen Elisabeth Central
Hospital, Blantyre, Malawi 2000-2012)
104
Capítulo 3
Quando é diagnosticada atempadamente, a meningite bacteriana pode ser tratada
com sucesso com os antibióticos preconizados nos protocolos existentes em
Moçambique.
Neurossífilis
As complicações neurológicas da sífilis são mais comuns em pessoas infectadas
pelo HIV do que em pacientes sem HIV e podem se apresentar como meningite
(cefaleia, confusão, náuseas, vómitos, sinais meníngeos, paralisia de nervos
cranianos). Contudo, a meningite sifilítica é uma forma de neurossífilis pouco
frequente (estima-se que possa representar 6% dos casos de neurossífilis66). A
meningite sifilítica tende a aparecer nos primeiros meses após a infecção por
sífilis por vezes, enquanto o rash cutâneo da sífilis secundária ainda está presente.
O teste de eleição para o diagnóstico de neurossífilis em Moçambique é RPR da
amostra de LCR. A neurossífilis é tratada com penicilina parenteral (penicilina G
3-4 x 106 unidades IV de 4/4 horas, durante 10 a 14 dias).35 A neurossífilis deve
ser considerada no diagnóstico diferencial da meningite porque é uma patologia
diagnosticável e tratável e porque em Moçambique a sífilis e uma ITS prevalente.
Malária Cerebral
A malária cerebral pode ser confundida com meningite porque os pacientes
podem apresentar febre acompanhada de alteração do nível de consciência e
outros sinais neurológicos. A definição da OMS de malária cerebral36 não inclui a
presença de meningismo, uma vez que este quadro não apresenta sinais de irritação
meníngea (rigidez da nuca, fotofobia ou sinal Kernig). Porém, os pacientes com
malária cerebral podem apresentar opistótonos, o que pode ser confundido com
outros sinais de irritação meníngea. Tal como a meningite bacteriana não tratada,
a malária cerebral é quase sempre fatal sem tratamento. Assim, a avaliação do
paciente com febre e alteração do estado mental deve incluir o teste da malária e a
punção lombar para descartar a presença de meningite. Mais adiante nesta sessão
abordaremos à questão da malária cerebral.
Diagnóstico das Patologias que Cursam com Sinais Meníngeos em
pacientes HIV+
É importante tentar determinar a causa mais provável de meningite por duas razões.
Em primeiro lugar, o facto de não administrar o tratamento para a patologia que o
paciente apresenta quase certamente irá resultar em morte ou grave incapacidade.
Em segundo lugar, a confirmação de um diagnóstico específico poupa o paciente
de terapias prolongadas com agentes desnecessários e possivelmente tóxicos
utilizados para tratar doenças que o paciente, realmente não tem.
105
Capítulo 3
Vários grupos publicaram comparações entre as características clínicas e
laboratoriais dos diferentes tipos de meningite, com o objectivo de tentar
desenvolver regras e algoritmos para o diagnóstico clínico.
Silber et al.14 reportaram as características de pacientes com 4 tipos diferentes de
meningite na África do Sul (os resultados estão apresentados natabela abaixo):
quadro 20: Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em pacientes com
diferentes tipos de meningite (Siber et al.)
106
Capítulo 3
E, Cohen et al.38 criou uma tabela semelhante para uma série maior de casos:
quadro 21: Análise comparativa dos achados clínicos e laboratoriais em pacientes com
diferentes tipos de meningite (Cohen et al.)
Note que os sinais e sintomas de diferentes causas da meningite se sobrepõem
substancialmente. Até o momento, ninguém foi capaz de encontrar uma maneira
confiável para confirmar a causa da meningite sem recurso aos testes de laboratório.
Além da história clínica, do exame físico e do teste de malária, a punção lombar
é imperativa,embora não haja nenhuma justificativa para realizá-la, onde não há
capacidade de analisar o LCR na procura de tuberculose, criptococo, bactérias e
sífilis.
Uma vez realizada a punção lombar, há algumas características do liquor
que podem por vezes ser sugestivas de uma certa etiologia. A meningite por
criptococo geralmente apresenta uma pressão de saída do LCR muito elevada (por
exemplo, mais de 200 mmH2O), embora a tuberculose e a meningite bacteriana
possam também ter estas características (ver tabela de Cohen acima). A menigite
criptocócica está associada com uma menor contagem de leucócitos no LCR em
comparação com a meningite tuberculosa ou bacteriana. Por sua vez a meningite
tuberculosa apresenta geralmente contagens de linfócitos maiores no LCR do
que a meningite bacteriana. Entretanto, há uma sobreposição considerável destes
parâmetros nas diversas patologias referidas acima, pelo que é necessário realizar
testes diagnósticos específicos antes de descartar/confirmar qualquer destas causas.
107
Capítulo 3
A abordagem diagnóstica em Moçambique para determinar a causa da cefaleia
intensa acompanhada de febre em pacientes com HIV (com ou sem sinais
meníngeos) é apresentada a seguir, a partir do Guião Nacional de TARV:
No algoritmo nacional sugere-se a testagem para malária e sífilis nos pacientes
HIV+ que apresentam cefaleia intensa e persistente.
quadro 22: Algoritmo Cefaleia intensa e persistente
IMPORTANTE
Este algoritmo deve ser aplicado em pacientes HIV+ com imunodepressão
avançada e que apresentem cefaleia persistente ou que não responde ao
tratamento habitual, uma vez excluídas as causas comuns de cefaleia.
108
Capítulo 3
Patologias que Cursam com Sinais Focais
A patologia do SNC pode-se apresentar como um quadro que cursa com sinais
focais. Todos os seguintes achados são considerados como sinais ou défices focais:
•
•
•
•
•
Paralisia dos nervos cranianos;
Convulsões;
Hemiparesia;
Afasia e
Paraparesia.
As principais causas de sinais neurológicos focais em pacientes HIV+ são:
•
•
•
•
•
•
•
•
Acidente vascular cerebral;
Encefalite por Toxoplasma gondii;
Tuberculoma do SNC;
Linfoma primário do SNC;
Leucoencefalopatia multifocal e progressiva (LEMP);
Malária cerebral;
Neurossífilis e
Neurocisticercose.
Cada uma delas exige uma abordagem diferente.
Causas mais Importantes de Patologias que se Apresentam com Sinais
Focais em Pacientes Africanos Infectados pelo HIV
Um estudo realizado em Blantyre, Malawi2, avaliou as causas de défice neurológico
focal agudo (menos de 7 dias de evolução) em 2 grupos de indivíduos adultos (HIV
positivo vs HIV negativo). A apresentação clínica foi a seguinte:
•
•
•
•
Hemiparesia (92/98 pacientes);
Paralisia facial (6/98);
Afasia (49%) e
Convulsões (16%).
Estes sintomas estavam associados à presença de sinais meníngeos em 16% dos
casos e de cefaleia em 51%.
O acidente vascular cerebral isquémico foi o principal diagnóstico em ambos
os grupos, também no grupo de pacientes infectado pelo HIV, representando
mais da metade dos casos. No grupo de pacientes HIV+ as outras causas
incluíram tuberculose do SNC, criptococose meníngea, toxoplasmose cerebral,
neurocisticercose, abcesso cerebral e leucoencefalopatia multifocal progressiva
(LEMP). Veja a tabela, apresentada abaixo.
109
Capítulo 3
quadro 23: Comparativa, segundo o seroestado, sexo, idade, factores de risco, resultados de
provas complementares e diagnostico final, em 98 pacientes com sinais focais de início recente
(Blantyre, Malwi)
110
Capítulo 3
Um estudo realizado na África do Sul com pacientes infectados pelo HIV que
apresentavam lesões ocupantes de espaço a nível cerebral observadas através de
TAC, mostrou a seguinte distribuição das causas3:
•
•
•
•
•
•
•
Tuberculose (14);
Toxoplasmose do SNC (4);
Criptococose meníngea (1);
Leucoencefalopatia multifocal progressiva (1);
Neurossífilis (1);
Linfoma (4) e
Tuberculose e/ou toxoplasmose (1).
Um segundo estudo Sul-Africano utilizou a biópsia cerebral para confirmar a
causa das lesões intracranianas ocupantes de espaço em pacientes infectados pelo
HIV. 93,5% desses pacientes apresentava défices neurológicos focais, e 45,5% teve
convulsões. A toxoplasmose foi o diagnóstico mais comum (15/38 pacientes),
seguido por encefalite (não especificada, 7 casos), abcesso cerebral (6), TB (4),
Criptococose junto com toxoplasmose (2), infarto (1), e sem diagnóstico (3).40
Um estudo publicado em 2000, com pacientes sul-africanos infectados pelo HIV
e que apresentavam convulsões, detectou lesões ocupantes de espaço em 53%
dos pacientes (32 casos) e meningite em 22% deles. Nos 32 pacientes com lesões
ocupantes de espaço, 53% tinha tuberculoma ou meningite tuberculosa, 3% teve
toxoplasmose, 17% tinha neurocisticercose, 27% tinha várias causas ou outros
achados incluindo sífilis, LEMP, linfoma e infartos.41
Na tabela seguinte estão apresentados os resultados dos 3 estudos descritos
anteriormente, sobre as causas de lesões ocupantes de espaço em pacientes com
HIV. Ainda que os resultados sejam por vezes contraditórios, pode-se observar
que a Toxoplasmose e a TB do SNC são as principais causas tratáveis de lesões
ocupantes de espaço no SNC em pacientes com HIV na nossa região, e geralmente
se apresentam como quadro de sinais focais.
quadro 24: Resultados das causas de Lesões ocupantes de espaço em pacientes com HIV.
Resumo dos resultados de 3 estudo.
RSA3
111
RSA40
RSA41
TB do SNC
56%
10%
53%
Toxoplasmose
16%
39%
3%
Linfoma 1º do SNC
16%
Neurocisticercose
17%
Outros
27%
Capítulo 3
A importância relativa da toxoplasmose e da tuberculose do SNC, pode não ser
a mesma em Moçambique (vide mais informação adiante nesta sessão). Note
que a malária não aparece no diagnóstico diferencial dos estudos sul-africanos
apresentados, em parte porque a malária cerebral não causa lesões ocupantes de
espaço e também porque não é uma patologia frequente na África do Sul.
Assim, há uma sobreposição entre a lista de doenças do SNC que se apresentam com
sinais focais e aquelas que se apresentam com sinais meníngeos. Contudo, é pouco
frequente que os quadros clínicos que mais habitualmente se apresentam com sinais
focais nomeadamente, toxoplasmose do SNC, AVC, linfoma, neurocisticercose,
cursem também com sinais meníngeos. Inversamente, e como foi explicado
anteriormente, se um paciente com diagnóstico de meningite, por exemplo
tuberculosa, apresentar também sinais focais, não significa necessariamente que
tenha outra doença distinta, uma vez que o primeiro diagnóstico pode explicar
também os sinais focais que o paciente apresenta.
A seguir, são descritas algumas dessas doenças de forma mais detalhada, com ênfase
na toxoplasmose do SNC, na tuberculose do SNC com sinais focais, na malária
cerebral, na leucoencefalopatia multifocal e progressiva e no linfoma primário do
SNC.
Malária Cerebral
A malária é mais frequente e mais grave em pacientes com HIV. Num estudo
realizado na Beira, em pacientes com malária grave e que apresentavam sinais de
malária cerebral, cerca de 75% deles (tanto adultos como crianças) estava infectado
pelo HIV.43 Num outro estudo realizado no Hospital Central de Maputo, 13,0% dos
pacientes com malária infectados pelo HIV morreu. A taxa de mortalidade por
malária grave em pacientes sem HIV foi apenas de 1,7%.42
Apresentação Clínica da Malária Cerebral
A malária cerebral se apresenta com coma.37 As outras manifestações neurológicas
possíveis são descritas pela OMS37como se segue:
“As convulsões e alterações na retina são comuns; a presença de papiledema é rara.
Uma variedade de alterações transitórias do movimento dos olhos, especialmente
o olhar descoordenado, tem sido descrita. É comum a presença de trismo e de
bruxismo. A rigidez do pescoço pode estar presente, mas os verdadeiros sinais de
irritação meníngea (sinal de Kernig, Brudzinski e fotofobia) estão ausentes. As
alterações motoras, como as posições de descerebração e decorticação ocorrem. A
hepatomegalia é comum e a esplenomegalia infrequente. Os reflexos abdominais
estão, invariavelmente ausentes; este é um sinal útil para distinguir pacientes adultos
histéricos com febre devido a outras causas, nos quais esses reflexos estão presentes.
112
Capítulo 3
A pressão de saída do LCR na punção lombar é geralmente normal (média de 160
mmH2O), mas está elevada em 20% dos casos; o LCR é geralmente claro, com
menos de 10 leucócitos por ml; as proteínas podem estar ligeiramente elevadas.
A TAC e Ressonância magnética podem mostrar edema cerebral, atribuível ao
aumento do fluxo sanguíneo cerebral.”
Em Moçambique, a malária deve ser descartada em todo paciente com sintomas
neurológicos a saber, alteração do nível de consciência, febre com cefaleia e
convulsões. Também recomenda-se testar para HIV a todos os pacientes adultos
que se apresentam com um quadro de malária grave.
Toxoplasmose Cerebral
A infecção cerebral por Toxoplasma gondii é uma causa importante de afectação
neurológica em pacientes com infecção avançada pelo HIV. A infecção primária
por toxoplasma pode acontecer através do consumo de carne pouco cozinhada ou
crua ou de leite não pasteurizado incluindo o leite de cabra. Também pode ser
adquirida através do contacto próximo com animais infectados ou com as suas
fezes. A toxoplasmose cerebral não ocorre na altura da infecção inicial, trata-se de
uma reactivação da infecção adquirida anteriormente.
Alguns estudos mostram a existência deste parasita em animais na região. Um
estudo multicêntrico realizado em Zimbabwe e publicado em 2005, mostrou uma
prevalência de anticorpos anti-T.gondii em 45-96% dos caprinos, dependendo da
região, e em 10-80% das ovelhas.44
A exposição humana ao toxoplasma varia dependendo da região geográfica, mas
parece ser comum em Moçambique, segundo os dados dos estudos apresentado a
seguir:
• Num estudo com mulheres grávidas em Maputo, 31,3% das mulheres
infectadas pelo HIV apresentava evidências de infecção previa por
toxoplasma (IgG antitoxoplasma positiva), contra 10,9% das não infectadas
pelo HIV.45
• Um segundo estudo, também realizado em Maputo, revelou que 39,3% dos
homens e 50,9% das mulheres infectados pelo HIV apresentava anticorpos
IgG anti-T.gondii.46 Neste estudo, foi possível estabelecer uma associação
entre o consumo de carne de gado, a criação de gatos/cães, o trabalho em
contacto com o solo e a presença de anticorpos contra toxoplasma.
A toxoplasmose do SNC é evitável, através da profilaxia com cotrimoxazol e do
início atempado do TARV.
A toxoplasmose do SNC ocorre geralmente em pacientes com contagens de CD4
≤ 100 cels/mm3. O quadro clínico da toxoplasmose cerebral pode incluir febre,
113
Capítulo 3
cefaleia, confusão e défices neurológicos focais. O diagnóstico é baseado na
existência de sinais e sintomas sugestivos junto à presença de lesões características
nos exames de neuroimagem (TAC ou RNM). A presença de duas ou mais lesões
ocupantes de espaço com efeito de massa e captação de contraste radiológico, em
pacientes HIV+ com imunodepressão avançada, sugerem fortemente o diagnóstico
de toxoplasmose cerebral. Contudo, e como foi mencionado acima, outras doenças
podem se apresentar de maneira semelhante.
O algoritmo moçambicano actual para a orientação diagnóstica dos casos de
pacientes com cefaleia, acompanhada ou não de febre, é apresentado abaixo, a
partir do Guião nacional de TARV.24
quadro 25: Cefaleia intensa e persistente
IMPORTANTE: Este algoritmo deve ser aplicado em pacientes HIV+ com
imunodepressão avançada e que apresentem cefaleia persistente ou que não
responde ao tratamento habitual, uma vez excluídas as causas comuns de cefaleia.
114
Capítulo 3
O esquema de tratamento de primeira escolha é a associação de pirimetamina e
sulfadiazina. Contudo, altas doses de cotrimoxazol podem ser igualmente eficazes
e estão mais frequentemente disponíveis.48 Os regimes de tratamento especificados
no Guião de TARV24 aparecem abaixo:
Nos pacientes com toxoplasmose cerebral e que iniciam um tratamento adequado,
espera-se que aconteça a resposta ao mesmo entre 7 e 10 dias após o início da terapia.
Por isso, deve ser mantida a terapia no mínimo uma semana, antes de concluir
se há resposta ao mesmo. O Guião de TARV desaconselha o uso sistemático de
corticosteróides quando se trata empiricamente a Toxoplasmose do SNC.
Da mesma forma que acontece com a criptococose meníngea, a toxoplasmose
cerebral define estadio 4 da OMS (SIDA) e todos os pacientes devem iniciar o
TARV. Ao contrário do que acontece com a criptococose, a SIR por Toxoplasmose
é extremamente infrequente pelo que o TARV pode ser introduzido após a
confirmação do diagnóstico através de prova terapêutica, provavelmente 2 semanas
após a introdução do tratamento.
115
Capítulo 3
Tuberculose do SNC que se Apresenta com Sinais Focais28
Além da TB meníngea, outras formas de TB do SNC incluem o tuberculoma
e o abcesso tuberculoso do SNC. Nestes casos o quadro clínico é secundário à
existência de lesões ocupantes de espaço, sendo os sintomas uma combinação
dos seguintes: cefaleia, convulsões, sinais focais, acompanhados ou não de febre
e outras manifestações gerais de tuberculose, assim como sintomas derivados da
presença de hidrocefalia secundária à obstrução mecânica da drenagem do LCR
(sintomas de hipertensão intracraniana).
Na África do Sul, devido à alta prevalência de tuberculose, e mesmo admitindo
que a tuberculose do SNC se apresenta mais frequentemente como meningite, na
ausência de técnicas de imagem cerebral (em caso de pacientes seropositivos com
quadro neurológico com sinais focais), opta-se por tratar em simultâneo para TB
do SNC e para toxoplasmose cerebral, segundo esta descrito no seguinte algoritmo:
quadro 26: Manejo de pacientes HIV+ que se apresentam com sinais focais, na ausência de
provas de neuroimagem (RSA)
Em Moçambique, e perante um paciente com sinais neurológicos focais, o algoritmo
nacional já apresentado anteriormente preconiza o tratamento para toxoplasmose
em primeiro lugar, e o início do tratamento para a TB do SNC, somente se o
tratamento da toxoplasmose falhar e nenhuma outra causa que explique os
sintomas do paciente for encontrada. No entanto, alguns clínicos iniciam ambos os
tratamentos em simultâneo.
TB da Coluna Vertebral: Doença de Pott
Lembre-se que a tuberculose pode também ocorrer na coluna vertebral ou na
medula espinal, na forma de osteomielite, discite, abcesso, ou tuberculoma. McLain
116
Capítulo 3
et al.49 resumiram a apresentação clínica da tuberculose vertebral, conhecida
como doença de Pott, da seguinte forma: “A maioria dos pacientes apresenta
sintomas gerais como perda de peso, febre, etc. Estes sintomas associam-se a
uma dor localizada nas costas, que pode ser leve ou intensa. Haverá geralmente
aumento da sensibilidade à palpação ao nível da região da coluna afectada, e o
movimento da área afectada pode exacerbar a dor. Se a doença estiver muito
avançada, a deformidade das vértebras afectadas pode causar cifose. Os sintomas
neurológicos da TB vertebral são os seguintes: os primeiros sintomas incluem
dormência e formigueiro das extremidades inferiores, dormência ou formigueiro
da parede torácica com distribuição radicular e sensação de fraqueza/paresia nos
membros inferiores. Os défices neurológicos focais desenvolvem-se mais tarde e
variam dependendo da localização do foco de tuberculose ao nível da coluna. Se
a tuberculose afectar à coluna cervical, os pacientes podem desenvolver fraqueza,
dor e dormência das quatro extremidades, com progressão final para tetraplegia. Se
a tuberculose estiver confinada à região torácica ou lombar, não deve haver défices
das extremidades superiores, mas sim paraparesia dos membros inferiores e pode
evoluir para a paraplegia, hiperreflexia e sinal de Babinski positivo. O colapso
de um ou vários corpos vertebrais pode desencadear dor radicular ou fraqueza
localizada semelhante à produzida por uma hérnia discal. Se houver compressão da
cauda equina, os pacientes podem ter diminuição ou ausência dos reflexos osteotendinosos, em vez de hiperreflexia.
quadro 27: Sinais e achados laboratoriais em 284 pacientes com TB da coluna vertebral
117
Capítulo 3
Wang et al.50 descreveram os sinais e sintomas presentes em 284 pacientes com TB
vertebral na China; a tabela resumo é apresentada abaixo:
quadro 28: Proporção de casos de TB da
coluna, distribuídos segundo o nível vertebral
Wang et al.50 também publicaram um
gráfico que mostra a distribuição da
TB vertebral atendendo à frequência
da localização da mesma:
Numa revisão da literatura sobre a tuberculose espinal publicada por Pigrau
et al. 51 observava-se que entre 2,3% e
65% dos pacientes com TB vertebral
também tinha TB pulmonar concomitante, com as percentagens mais
elevadas reportadas em séries onde a
prevalência de HIV era mais alta.
A confirmação da TB da coluna
vertebral,
geralmente,
requer
biópsia óssea. O tratamento pode
necessitar de cirurgia para além de
medicamentos anti-tuberculose, nos
casos com comprometimento extenso
ou afectação medular.
Linfoma primário do SNC (LPSNC)
Trata-se de um tipo de linfoma não Hodgkin que afecta o sistema nervoso central.
Na era pré-TARV a incidência de LPSNC era de 2-6% nos pacientes com HIV
nos EUA (Bartlett)52. Sua incidência reduz em cerca de 70% com a introdução do
TARV (Biggar.)53, mas ainda é causa de morbilidade e mortalidade, sobretudo nos
contextos onde o TARV é iniciado tardiamente. Os sinais e sintomas mais comuns
do LPSNC são: confusão, cefaleia, perda de memória, afasia, hemiparesia com
ou sem febre, todos estes podem ser progressivos, evoluindo ao longo de alguns
meses52. O valor de CD4 é geralmente menor de 50 cels/mm3 no momento do
diagnóstico52. O LPSNC pode ser clinicamente confundido com a toxoplasmose
cerebral. O diagnóstico definitivo é feito a partir da biópsia cerebral. Na era préTARV, o prognóstico era mau, mesmo com acesso a quimioterapia e radioterapia,
com uma sobrevivência média após o diagnóstico de cerca de 4 meses. Na era de
TARV, a sobrevivência melhorou mas, os melhores regimes de quimioterapia para
o LPSNC, não estão habitualmente disponíveis na África subsaariana.
118
Capítulo 3
Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva causada pelo Vírus JC
O vírus JC, é um vírus que infecta a indivíduos com e sem HIV. Na ausência
de imunodepressão não é capaz de produzir patologia. Em pessoas com
imunodepressão avançada pode causar uma condição conhecida como
Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP).
A LEMP é uma doença desmielinizante de curso progressivo e evolução fatal em
poucos meses quando não é revertida a imunosupressão através da instauração
do TARV. A nível microscópico pode-se observar a presença de inclusões virais
no núcleo dos oligodendrócitos e astrócitos. As apresentações clínicas mais
comuns consistem em alterações cognitivas e do nível de consciência e/ou défices
neurológicos focais subagudos e progressivos:
•
•
•
•
•
Défice motor focal (50-70%);
Distúrbios da marcha (30-65%);
Alterações visuais (hemianopsia, cegueira cortical) (20-50%);
Distúrbios da linguagem (20-50%);
Disfunção cognitiva, perda de memória e demência (30-60%).
O diagnóstico é por ressonância magnética do cérebro e a confirmação é através
da biópsia. A LEMP não tem tratamento específico. Tal como para outros casos
de infecções oportunistas, o melhor tratamento é a prevenção através do início
atempado do TARV.
A LEMP pode-se apresentar antes da introdução do TARV, mas também pode-se
manifestar como síndrome reconstituição imune após a introdução do TARV.
Diagnóstico dos Quadros que Cursam com Sinais Focais em Pacientes HIV+
Como determinar a causa dos défices neurológicos focais no paciente infectado
pelo HIV? O algoritmo do Guião de TARV dado acima começa por “considerar
a malária e outras causas comuns”. Outras causas comuns de défice neurológico
focal em Moçambique podem ser o traumatismo craniano (com hemorragia
intracraniana ou edema), o acidente vascular cerebral (procure história prévia de
hipertensão), a neurocisticercose (5,8% de prevalência nacional de infecção por
Taenia spp em crianças em idade escolar de Moçambique),.54 e a neurossífilis.
Se os testes para malária forem negativos e os valores de CD4 forem ainda altos,
é mais lógico pensar em causas não relacionadas com a infecção por HIV. Se os
testes para malária forem positivos e a contagem de CD4 for baixa, lembre-se que
a parasitemia assintomática de malária pode ocorrer simultaneamente com uma
infecção oportunista; Neste caso deverá ser tratada a malária, mas o clínico deverá
também considerar a possibilidade de existência de outras doenças oportunistas. Se
119
Capítulo 3
o teste da malária for negativo e os valores de CD4 forem baixos, as considerações
mais importantes são a toxoplasmose cerebral, a tuberculose do SNC e o acidente
vascular cerebral.
O algoritmo do Guião Nacionalde TARV assume que a maioria dos clínicos não
têm acesso aos testes de diagnóstico por imagem cerebral em Moçambique. No
entanto, a RNM e a TAC já estão disponíveis em alguns locais do País.
Trastornos Neurocognitivos e Sinais/sintomas Psiquiáticos em
Pacientes HIV+
Todas as condições discutidas acima, nas secções sobre meningite e défices
neurológicos focais, podem causar alterações no estado mental do paciente, e
devem sempre ser consideradas no diagnóstico diferencial dos quadros que cursam
com alterações cognitivas ou neuropsiquiátricas.
No diagnóstico diferencial dos transtornos neurocognitivos em pacientes com
HIV devem ser considerados 3 quadros nomeadamente, a doença neurológica
causada pelo próprio HIV, a LEMP, e os sinais/sintomas neurológicos causados
por reacções adversas a medicamentos. A LEMP já foi descrita na secção anterior.
Transtornos Neurocognitivos Associados ao HIV (HAND)
O termo HAND (do inglês HIV Associated Neurocognitive Disorders) agrupa todos
os diversos graus de alterações cognitivas que acontecem em pacientes com HIV e
que são directamente atribuíveis à infecção do SNC pelo próprio vírus.
O HAND pode ocorrer mesmo nos pacientes estáveis e em TARV, e tem sido
associado à idade avançada, longa evolução da infecção pelo HIV e baixo nadir
de CD4. Esta patologia pode ser diagnosticada através dos chamados “critérios de
Frascati” (Antinori).55
O HAND tem três subcategorias (veja a tabela abaixo, reproduzida a partir de
Clifford)10:
• Alterações assintomáticas neurocognitivas (ANI);
• Desordem Cognitiva Leve (MCD) e ;
• Demência Associada ao HIV (HAD).
120
Capítulo 3
quadro 29: Categorias de HAND segundo os critérios de Frascati
A prevalência das alterações neurocognitivas é elevada entre pacientes com HIV,
segundo alguns estudos realizados em outros contextos.
Diferentes estudos mostram que a prevalência de demência associada ao HIV
(HAD) tende a diminuir em relação à prevalência nos anos prévios à introdução
de TARV.
Um estudo realizado na Itália com 1,375 pacientes encontrou uma prevalência de
HAND de 41,4%, O período do estudo compreendia os anos 1996-2010. Nesse
período a prevalência desceu lentamente de 46.4% em 1996-1998 a 44,4% em 19992001, 39,4% em 2001-2004 y 38,2% em 2008-2009.64
Deve-se suspeitar HAND em pacientes que apresentam alterações em 1 ou vários
dos seguintes domínios: Diminuição na velocidade de processamento, perda de
memória, dimunição da capacidade de aprendizagem, da atenção/concentração,
das funções executivas, da velocidade motora e psicomotora.65
A seguir é apresentada uma ferramenta simples desenvolvida em Uganda
(Sacktor)56, para o despiste de demência associada ao HIV (HAD) ou de formas
mais leves de deterioração neurocognitiva. Este teste pode ser um método prático e
simples para o despiste deste problema em Moçambique, onde o encaminhamento
para um psicólogo ou um neurologista treinado não é sempre possível.
121
Capítulo 3
quadro 30: Escala internacional de demência (IHDS)
Memória (Retenção)
Dizer quatro palavras para recordar (cão, chapéu, feijão, vermelho);
Em seguida, pedir ao paciente para que repita todas as quatro palavras. Repita as palavras se o paciente não se lembrar
de todas imediatamente. Explique ao paciente que você vai perguntar pelas palavras de novo, um pouco mais tarde.
1. Velocidade Motora
Peça ao paciente que estale o mais rapidamente possível, os dois primeiros dedos da mão não dominante. Pontue
segundo o resultado:
4 = 15 em 5 segundos
3 = 11-14 em 5 segundos
2 = 7-10 em 5 segundos
1 = 3-6 em 5 segundos
0 = 0-2 em 5 segundos
2. Velocidade Psicomotora
Peça ao paciente que execute os seguintes movimentos com a mão não dominante o mais rapidamente possível:
1) ponha a mão em punho contra uma superfície plana;
2) Coloque a mão com a palma para baixo sobre uma superfície plana;
3) Coloque a mão em perpendicular sobre à superfície plana do lado do quinto dedo. Demonstre, e peça ao paciente que
repita duas vezes, para praticar. Pontue segundo o resultado:
4 = 4 sequências em 10 segundos
3 = 3 sequências em 10 segundos
2 = 2 sequências em 10 segundos
1 = 1 sequências em 10 segundos
0 = incapaz de realizar
3. Memória (Evocação)
Peça ao paciente para recordar as quatro palavras mencionadas no início do exercício. Caso o paciente não se lembre
alguma/as das palavras, dê pistas semânticas da seguinte forma: animal (cão); peça de roupa (chapéu); vegetal (feijão);
cor (vermelho). Pontue segundo o resultado:
Dê um ponto para cada palavra lembrada espontaneamente.
Dê 0,5 pontos para cada resposta correcta após a solicitação
Máximo - 4 pontos
Pontuação Total Escala Internacional de Demência: é a soma das pontuações nos itens 1-3. A pontuação máxima possível
é de 12 pontos. Um paciente com uma pontuação ≤ 10 deve continuar a ser avaliado para pesquisar a existência de
demência
N. Sacktor et al
Department of Neurology
Johns Hopkins University
Baltimore, Maryland
122
Capítulo 3
A existência de HAND pode ter um grande impacto negativo na adesão ao
tratamento. Em caso de suspeita da existência de HAND, deve ser procurado apoio
de um confidente/familiar para garantir a adesão ao TARV.
Até o momento não há consenso sobre como tratar o HAND. Pensa-se que o
aparecimento de HAND pode ser evitado com a supressão viral completa e
atempada. Numa coorte de pacientes57, o declínio neurocognitivo foi mais rápido
em pacientes que sempre tiveram carga viral (CV) detectável, em comparação com
aqueles que tinham CV sistematicamente suprimida.
Em Moçambique, quando um clínico se depara com um paciente no qual suspeita
da existência de alterações neurocognitivas, aconselha-se que proceda da seguinte
forma:
• Certificar se o paciente recebe um esquema de TARV eficaz (carga viral
suprimida);
• Avaliar a adesão ao tratamento;
• Procurar outras causas tratáveis que possam se apresentar com sinais ou
sintomas neurocognitivos (neurossífilis, depressão, infecção por criptococo);
• Se o paciente recebe TARV contendo Efavirenz, tentar saber se os
sintomas apareceram depois da introdução deste medicamento (vide a
seguir o desenvolvimento do conteúdo referente aos efeitos adversos dos
medicamentos).
Sinais e Sintomas Neurológicos Causados por Medicamentos
O MARV (Medicamento Anti-Retroviral) que mais se associa com toxicidade do
SNC é o Efavirenz (EFV). Numa revisão recente (Abers)58, a neurotoxicidade do
EFV foi descrita e classificada como: 1. Efeitos iniciais; 2. Efeitos tardios.
• Na fase inicial (primeiras 2 à 4 semanas após o início do EFV), os
pacientes podem se queixar de tonturas, desmaios, problemas de sono,
sonhos estranhos, nervosismo e irritabilidade. Na maioria dos pacientes,
estes sintomas desaparecem entre 6 a 8 semanas, sem qualquer alteração
no regime, embora possam persistir por períodos mais longos em outros
pacientes.
• Outros pacientes apresentam sintomas mais tardios (cerca de 6 meses após
o início do EFV) e podem incluir cefaleia, alterações do humor (depressão),
dificuldades de concentração e défices cognitivos.
Os Efeitos adversos do EFV podem assemelhar-se aos trastornos neurocognitivos
do HIV (HAND). A principal diferença é que os transtornos por EFV aparecem
após a introdução do medicamento e melhoram rapidamente (2 semanas a 3
123
Capítulo 3
meses) após a suspensão do efavirenz.59 Outros MARVs podem também ser causa
de efeitos adversos do SNC, ainda que muito menos frequente (Abers et al).58
Foram reportados quadros de mania e alucinações relacionados com a introdução
de zidovudina, especialmente em altas doses, mas estes reportes têm sido raros.
A emtricitabina tem sido associada pontualmente com a ocorrência de quadros
de confusão, irritabilidade e insónia. Também estão descritos de forma pontual
os quadros psiquiátricos tais como depressão, pesadelos, alucinações mania,
ansiedade, psicose, ideação suicida, em pacientes que tomam abacavir, assim como
quadros de alucinações, delírios, alterações do humor e problemas de sono após o
início de terapia com nevirapina.
A tabela de Abers58 abaixo,resume estes achados:
quadro 31: Efeitos adversos neuro-psiquiátricos associados ao uso de MARVs
Quando há suspeita de efeitos colaterais no SNC causados pelos MARVs, é
importante confirmar que os sintomas não estavam presentes antes do início do
TARV com o medicamento suspeito, e considerar outras possíveis causas dos sinais
e sintomas, especialmente criptococose meníngea e outras infecções do sistema
nervoso central.
124
Capítulo 3
A seguir apresenta-se a tabela que classifica os efeitos adversos neurológicos por
Efavirenz (guião nacional de TARV)24:
Neuropatia Periférica
A neuropatia periférica é o quadro clínico que deriva da afectação dos nervos
periféricos a nível dos membros superiores e inferiores. As principais causas de
neuropatia periférica em pacientes com HIV são:
• Neuropatia periférica por HIV;
• Neuropatia periférica causada por
medicamentos;
• Neuropatia periférica associada a
desnutrição/défices vitamínicos;
• Neuropatia periférica de outras
causas como insuficiência renal,
diabetes, sífilis.
Em todos os casos de neuropatia acima
listados, o quadro clínico é semelhante.
A distribuição clássica da neuropatia
periférica é descrita como “em luva
ou meia”, como se mostra na imagem
seguinte61:
A Neuropatia Periférica é bilateral,
simétrica, e de predomínio sensitivo. Se
um paciente apresenta queixa unilateral
de formigueiro, dor de tipo neuropático,
ou se o quadro associa sintomas motores
(diminuição da força muscular), devese procurar outra causa que explique os
sintomas. O único sinal objectivo e precoce
de neuropatia é a diminuição ou abolição
dos reflexos osteo-tendionosos (ROT).
125
quadro 32: Neuropatia periférica
Capítulo 3
O diagnóstico de neuropatia periférica em outros contextos é feito a partir de testes
funcionais como a electromiografia. Estes testes não estão disponíveis em Moçambique. Cettomai et al.62 concluíram recentemente que a neuropatia periférica pode
ser identificada com sucesso a partir da seguinte pergunta:
Tem formigueiro, dor de tipo queimadura ou diminuição da sensibilidade nos pés ou
mãos?
Como foi referido anteriormente, as causas de neuropatia periférica em pacientes
infectados pelo HIV incluem: o próprio HIV (sobretudo se tiver baixos valores de
CD4 < 200 cels/mm3), as reacções adversas a medicamentos (envolvendo MARVs
ou Isoniazida), a deficiência de vitamina B, a diabetes, a doença da tiróide, a sífilis,
a doença crónica do fígado ou dos rins (Gonzalez).61 O clínico que suspeitar de
neuropatia periférica associada ao HIV ou produzida por fármacos deve também
avaliar outras causas possíveis. Em muitas unidades sanitárias de Moçambique
deve ser possível testar para sífilis, diabetes e doença hepática e renal.
A neuropatia periférica causada pelo próprio HIV pode ser prevenida através do
início atempado do TARV.
Todos os pacientes com neuropatia periférica e HIV devem ser estadiados e
avaliada a contagem de CD4. Se estes pacientes estiverem em TARV e chegar-se à
conclusão de que a neuropatia é produzida pelo HIV, deve ser solicitado o teste de
carga viral para confirmar ou descartar a suspeita de falência terapêutica. Deve-se suspeitar de reacção adversa aos medicamentos se os sintomas de
neuropatia aparecerem ou piorarem após o início do d4T, outros INTR, IPs
(especialmente ritonavir) ou Isoniazida. Os IPs podem potenciar o efeito tóxico dos
INTR em relação à neuropatia periférica (Abers).58 Veja a tabela de Evans et al.63
em relação à incidência de neuropatia periférica produzida por diferentes ARVs:
quadro 33: Incidência de neuropatia periférica ao longo do tempo e com diversos MARVs
(d)
126
Capítulo 3
Veja a tabela abaixo do Guião nacional de TARV24, em relação à classificação e
manejo da neuropatia periférica:
A Isoniazida (INH) é também uma causa conhecida de neuropatia periférica. A
INH deve ser administrada junto com piridoxina (vitamina B6) para prevenir o
aparecimento de neuropatia por este medicamento.
127
Capítulo 3
Pontos-Chave da Sessão
• Perante um paciente seropositivo que se apresenta com sinais
neurológicos o clínico deve classificá-lo tendo em conta a presença
de sinais focais ou de sinais meníngeos.
• A realização de um exame de imagem (TAC ou RNM) é chave para o manejo correcto de doenças neurológicas, particularmente aquelas
que se apresentam com sinais focais.
• As doenças com sinais focais mais importantes são: a tuberculose
do SNC, a toxoplasmose cerebral, a leucoencefalopatia multifocal
progressiva (LEMP), o linfoma primário do SNC (LPSNC).
• Outras patologias que cursam com sinais focais a malária cerebral, a
neurossífilis e a neurocisticercose. Estas últimas não são específicas
dos pacientes seropositivos.
• As doenças mais importantes que cursam com sinais meníngeos
são: a meningite criptocócica, a meningite tuberculosa, a meningite
bacteriana, a sífilis meníngea.
• Devido à falta de recursos diagnósticos, o diagnóstico das doenças
oportunistas do SNC nos locais com recursos limitados requer de
um bom raciocínio clínico.
• O tratamento correcto e atempado destas doenças pode melhorar o
prognóstico, mesmo quando há poucos recursos diagnósticos.
128
Capítulo 3
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C apí tulo 4
Manifestações
Cardiovasculares em
Pacientes HIV+: Infecção por
HIV e Risco Cardiovascular
Índice Capítulo 4
Introdução...................................................................135
Conteúdos da Sessão...............................................136
Epidemiologia da Doença Cardíaca
Isquémica e do AVC na População Geral..........137
Factores de Risco para a Doença
Cardiovascular.................................................................137
Estudos sobre Factores de Risco
Cardiovascular em Moçambique.........................139
Avaliação de Risco Cardiovascular: OMS..........142
Acidente Vascular Cerebral:
Particularidades Epidemiológicas
no Contexto Africano..................................................147
Contribuição da HTA para o Risco
Cardiovascular na África Subsaariana........149
Risco Cardiovascular em População
HIV Positiva..................................................................150
Estudos que Demonstram
Aumento do Risco Cardiovascular
em Pacientes HIV+........................................................151
Causas que Explicam o Aumento
do Risco Cardiovascular em
pacientes com HIV........................................................153
Escala de Risco Cardiovascular
em Pacientes com HIV................................................156
Intervenções Destinadas a Reduzir
o Risco Cardiovascular................................................156
Considerações.................................................................160
Outras doenças cardíacas nos
pacientes infectados pelo HIV..............................161
Cardiomiopatia Associada ao HIV........................161
HIV e Pericardite..............................................................164
Pontos-Chave da Sessão.........................................166
Referências...................................................................167
Capítulo 4
4. Manifestações Cardiovasculares
em Pacientes HIV+: Infecção por
HIV e Risco Cardiovascular
Introdução
Historicamente, as doenças cardiovasculares não têm sido consideradas
importantes na África Subsaariana. Neste contexto, a maior carga de doenças tem
sido atribuída às doenças infecciosas e à desnutrição. A evidência mais recente
sugere que o peso da doença cardiovascular na região tem sido subestimado. Os
mapas abaixo (Reproduzidos da OMS 2013s1) atribuem a Moçambique uma das
taxas mais elevadas de mortalidade por doença cardíaca (infarto de miocárdio) e
por acidente vascular cerebral.
MAPAS: Globalmente a doença cardiovascular é responsável por aproximadamente 17
milhões de mortes por ano (1). Destas, as complicações derivadas da hipertensão são
responsáveis por 9,4 milhões de mortes no mundo a cada ano (2). A hipertensão é responsável
por pelo menos 45% das mortes por doença cardíaca (a mortalidade global da doença
isquémica do coração é mostrada na Figura 1.), e 51% das mortes por acidente vascular
cerebral (mortalidade global do AVC é mostrada na figura. 2). (1)
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
135
Capítulo 4
Tanto os indivíduos seropositivos como os seronegativos, podem desenvolver
cardiopatia isquémica ou acidente vascular cerebral (AVC), se tiverem factores de
risco convencionais, como tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, obesidade,
níveis elevados de colesterol ou sedentarismo. As pessoas infectadas pelo HIV
apresentam um risco aumentado de cardiopatia isquémica ou AVC, por motivos
que serão explicados ao longo desta sessão. Contudo, nas pessoas infectadas pelo HIV, a doença cardíaca directamente
associada ao HIV, em particular a cardiomiopatia pelo HIV, é muito mais comum
do que a doença isquémica do coração, como mostra a figura a seguir (a partir de
Thienemannet al.,2 com base em dados do estudo Heart of Soweto3, na África do
Sul):
Conteúdos da Sessão
Nesta sessão, serão discutidos ambos os factores de risco gerais e específicos
associados ao HIV para a cardiopatia isquémica e acidente vascular cerebral em
Moçambique, bem como o uso de escalas para avaliação do risco cardiovascular de
modo a identificar às pessoas em maior risco de apresentar doença cardiovascular,
e a partir desta avaliação, elaborar um plano de redução do risco.
136
Capítulo 4
Nesta sessão também serão discutidas as três grandes categorias clínicas de doença
cardíaca no paciente com HIV, a saber: • Cardiopatia isquémica (doença isquémica do coração) que pode causar
infarto do miocárdio (IM) ou angina instável;
• Insuficiência cardíaca (que pode ser secundária à cardiopatia isquémica ou
pode ter outras causas, particularmente o da cardiomiopatia por HIV) e
• Pericardite tuberculosa.
Todas as três categorias de doença cardíaca podem ser fatais. A epidemiologia, os
factores de risco e o manejo das três categorias de doenças cardíacas são diferentes.
Epidemiologia da Doença Cardíaca Isquémica e do AVC na
População Geral
A cardiopatia isquémica é a principal causa de morte na população geral nos países
ocidentais. Na década de 1950, por exemplo, cerca de 1/3 de todos os homens nos
Estados Unidos desenvolveu cardiopatia isquémica.4
A cardiopatia isquémica inclui a angina de peito e o infarto de miocárdio e deve
ser considerada em qualquer paciente que se apresenta com dor torácica (em
particular dor do lado esquerdo anterior no peito). Não serão revistos os sinais
e sintomas relevantes desta patologia nesta sessão, pois já devem ser sobejamente
conhecidos pelos clínicos.
O infarto do miocárdio (IM) é uma das consequências mais graves da cardiopatia
isquémica. A incidência de infarto do miocárdio não tem sido bem documentada
em África no geral, (Hertz)5 nem em Moçambique em particular. Contudo, a OMS
(2013)1 estima que Moçambique tenha uma das mais altas taxas de mortalidade
cardiovascular no mundo (considerando o infarto de miocárdio e o acidente
vascular cerebral) veja quadro 34.
Factores de Risco para a Doença Cardiovascular
Um estudo de caso e controle realizado em 52 países (“Interheart”, Yusuf 2004)6
que envolveu cerca de 30.000 indivíduos, incluindo moçambicanos, determinou os
nove factores de risco, nomeadamente, tabagismo, diabetes, hipertensão, obesidade
abdominal, stresse, dietas não saudáveis, exercício físico inadequado, consumo de
álcool e níveis de apolipoproteína A/B elevados que contribuíram para mais de
90% dos casos de cardiopatia isquémica a nível global. (veja a tabela abaixo). Mais
da metade de todos os infartos de miocárdio em todo o mundo esteve associado
a apenas 3 destes factores de risco: tabagismo, diabetes e hipertensão (quadro 35).
137
Capítulo 4
QUADRO 34: Taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares
em países de renda elevada e baixa
QUADRO 35: Factores de risco associados com a ocorrência de infarto de miocárdio,
em homens e mulheres após ajuste para idade, género e região geográfica
138
Capítulo 4
Uma sub-análise dos indivíduos africanos que participaram do estudo Interheart
(Steyn)7, confirmou que o infarto de miocárdio em África esta associado aos
mesmos factores de risco que em qualquer outro lugar, e que a hipertensão
arterial foi o factor de risco mais importante em África (associado com 41,9%
dos eventos). Veja abaixo a tabela que descreve as características dos pacientes
africanos vs. os controles neste estudo. A infecção por HIV não foi uma variável
considerada neste estudo (vide mais informação adiante nesta sessão).
QUADRO 36: Factores de risco cardiovascular em pacientes africanos vs controles
Comparison of CVD Risk Factor Profile
Estudos sobre Factores de Risco Cardiovascular em Moçambique
A prevalência de alguns factores de risco importantes para a cardiopatia isquémica
tem sido documentada em Moçambique, embora a maioria dos dados existentes,
tenha quase uma década.
139
Capítulo 4
Damasceno et al.8 reportaram os resultados de uma pesquisa nacional (realizada em
2005) sobre os factores de risco cardiovascular em mais de 3.000 moçambicanos.
33,1% foram identificados como tendo hipertensão, definida como pressão arterial
≥ 140/90 mmHg. Apenas 7,7% das pessoas com hipertensão identificadas neste
estudo tinha sido tratada. Veja a figura abaixo:
quadro 37: Prevalência, conhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial na
população moçambicana com idades entre 25 e 64 anos.
*O número de moçambicanos com hipertensão, consciente, tratada e controlada, foi estimado
multiplicando os números da prevalência da população com idade entre 25 e 64 anos,
projectada para 2005
A prevalência da hipertensão arterial observada em Moçambique foi semelhante à
reportada em outros países africanos.9
Não tem sido fácil identificar estudos sobre a prevalência de hipertensão arterial em
moçambicanos infectados pelo HIV, mas a hipertensão tem sido identificada como
sendo comum em outros pacientes africanos infectados pelo HIV. Por exemplo,
num estudo com mais de 5.000 ugandeses seropositivos, 27,9% foi diagnosticado
como sendo hipertenso durante o período de seguimento.
140
Capítulo 4
Esta alta prevalência de hipertensão arterial foi semelhante à prevalência de
hipertensão nos EUA e noutros países ocidentais considerados de alto risco. Neste
estudo, a maioria tinha níveis normais de colesterol.10
Padrao et al.11 descreveram a prevalência de tabagismo na mesma amostra de
pacientes moçambicanos da pesquisa de 2005. Eles descobriram uma disparidade
urbana/rural muito elevada (veja quadro 38 abaixo), particularmente na população
masculina:
quadro 38: Prevalência de consumo de tabaco diário entre homens e mulheres de zonas
rurais e urbanas segundo o grau de educação e idade
141
Capítulo 4
Avaliação de Risco Cardiovascular: OMS
A OMS publicou directrizes padrão para determinar quais indivíduos estão em
maior risco de cardiopatia isquémica e acidente vascular cerebral. Note que a OMS
e outras entidades, avaliam o risco com base na probabilidade de sofrer um evento
cardiovascular fatal ou não fatal nos próximos 10 anos.
quadro 39: gráfico de predição de risco OMS /ISH, para uso em locais onde o colesterol no
sangue pode ser medido. Risco aos 10 anos de apresentar um evento cardiovascular fatal ou
não fatal por sexo, idade, pressão arterial sistólica, colesterol total no sangue, tabagismo e
presença ou ausência de diabetes mellitus.
142
Capítulo 4
Segundo estas tabelas, um homem de 52 anos, não fumador, hipertenso (com TAS
não controlada e valores de TA sistólica de 160 mmHg), diabético e com cifras de
colesterol de 7.3 mmol/l, tem um risco de apresentar um evento cardiovascular nos
próximos 10 anos, de 20 a 30%. Ou seja, entre 20 e 30% dos indivíduos com estas
características, irão sofrer de infarto, AVC ou outros eventos cardiovasculares nos
próximos 10 anos.
Aqueles pacientes identificados como tendo um risco elevado com base na idade,
sexo, pressão arterial, tabagismo e níveis de colesterol devem ser tratados de forma
mais agressiva (ver recomendações abaixo sobre prevenção de risco cardiovascular
da OMS 2007).12
quadro 40: Recomendações para a prevenção da doença cardiovascular em população
com factores de risco cardiovascular
143
Capítulo 4
144
Capítulo 4
145
Capítulo 4
É difícil aplicar a escala de risco da OMS em locais onde a avaliação dos níveis
de colesterol não está disponível de forma rotineira. Note que a actual política
moçambicana, recomenda o teste de glicemia e colesterol, como parte da avaliação
inicial em todos os pacientes infectados pelo HIV antes do início do TARV (Guião
Nacional de TARV):
Damasceno et al. (2013)13 aplicaram as tabelas modificadas da OMS para a
estratificação de risco cardiovascular a uma parte da população do inquérito nacional
de Moçambique em 2005. As tabelas modificadas não tomam em consideração os
níveis de colesterol. Segundo estas tabelas a maioria dos pacientes que ainda não
estava em tratamento para a pressão arterial elevada teria sido classificado como
de “baixo risco”. No entanto, os homens do meio urbano apresentavam um risco
maior que os outros grupos populacionais. No subgrupo dos homens urbanos mais
de um em cada cinco tinha risco elevado (≥ 20% em 10 anos). Destaca-se que
apenas 2,3% dos indivíduos tinha diabetes, e assim, a diabetes muitas vezes não
influenciava na estratificação de risco:
146
Capítulo 4
quadro 41: Prevalência global de risco cardiovascular entre os moçambicanos com idades
compreendidas entre os 40-64 anos, de acordo com o local de residência, sexo e idade.
Acidente Vascular Cerebral: Particularidades Epidemiológicas no Contexto
Africano
O acidente vascular cerebral (AVC), é uma das principais causas de morbilidade e
mortalidade em África e compartilha muitos factores de risco com a cardiopatia
isquémica, em particular, hipertensão, diabetes e tabagismo.
Num estudo publicado em 2010 por Damasceno et al.14 a partir de dados colhidos
em 2005 e 2006, foi descrita a incidência e os factores de risco para o AVC na
cidade de Maputo. Eles identificaram 651 novos casos de AVC num período de
12 meses, e estimaram que a incidência de AVC entre os residentes de Maputo
com idade ≥ 25 anos foi extremamente elevada (260.1 casos/100.000 habitantes/
ano). Cerca da metade (49,6%) morreu nos primeiros 28 dias após o internamento.
91,2% dos pacientes com AVC teve hipertensão previa ao AVC. Nesta série, uma
proporção surpreendentemente elevada dos AVC (36,1%) foi hemorrágico, e uma
proporção surpreendentemente alta ocorreu em pessoas mais jovens (cerca de 15%
em pacientes com menos de 45 anos de idade). Os autores estimaram que a idade
média do primeiro episódio de AVC em Maputo era 10-15 anos inferior à idade em
países ocidentais. O principal factor de risco identificado foi a elevada prevalência
de hipertensão arterial não tratada. Veja quadro 42.
147
Capítulo 4
quadro 42: Caracteristicas dos pacientes que apresentaram AVC. Maputo (Damasceno et al)14
148
Capítulo 4
O estudo Interstroke (O’Donnell et al.)15 foi um estudo realizado em 22 países, para
a avaliação de factores de risco de AVC. Da mesma forma que o estudo Interheart,
também o Interstroke incluiu indivíduos de Moçambique. O estudo concluiu que
um pequeno grupo de factores de risco explicava uma proporção muito elevada de
casos de AVC. Este estudo também não avaliou o HIV como factor de risco, (vide
mais informações adiante nesta sessão).
A hipertensão isolada explicou 51,8% dos casos de AVC a nível internacional, e a
combinação de apenas 5 factores de risco, hipertensão, tabagismo, sedentarismo,
obesidade central e má alimentação, contribuíram para 83,4% dos episódios de AVC. Contribuição da HTA para o Risco Cardiovascular na África Subsaariana
Como observado acima, a hipertensão arterial é o principal contribuinte para
a doença cardivascular incluído a cardiopatia isquémica e o AVC, na África
Subsaariana.
Um estudo tanzaniano publicado em 2013 sugere que a hipertensão não controlada
pode causar muita mais morbilidade e mortalidade por IM, crises hipertensivas e
AVC do que se pensava anteriormente. Segundo os dados deste estudo realizado
num hospital (Peck et al. 2013)16, as complicações da hipertensão arterial foram
a causa de 14,6% de todos os internamentos e de 15,3% de todas as mortes entre
2009-2011. Só o HIV/SIDA, superou à hipertensão como causa de internamento e
óbito. A hipertensão foi causa de mais internamentos e óbitos do que a tuberculose,
a pneumonia, a malária ou a diabetes (ver quadro 43 abaixo):
quadro 43: Causas principais de morte intrahospitalar (2009-2011 Hospital Bugando, Tanzania)
149
Capítulo 4
Outro estudo recente levado a cabo na Tanzania, em 24 centros de saúde (Peck et
al. 2014)17 concluiu que a qualidade do atendimento de HIV/SIDA era superior
à qualidade dos cuidados fornecidos para hipertensão e diabetes. Dez centros de
saúde (42%) tinham protocolos para o HIV, enquanto que apenas 3 centros (13%)
tinham protocolos para o atendimento de doenças não transmissíveis. Nesta
avaliação, 78% (261) dos profissionais de saúde demonstrou um conhecimento
profundo em relação ao HIV, enquanto que 198 (59%) demonstrou domínio de
conhecimentos sobre hipertensão e 187 (56%) sobre diabetes. Em geral, o sistema
de saúde era mais fraco em centros de saúde de nível inferior.
Os profissionais de saúde de categorias inferiores (equivalentes aos enfermeiros,
agentes de medicina etc...) apenas tinham conhecimento e experiência no manejo
de doenças não transmissíveis. Por exemplo, de um total de 150 enfermeiros
avaliados, apenas 74 (49%) tinham algum conhecimento sobre cuidados e
tratamento de diabetes, em comparação com 85 (57%) para a hipertensão e 119
(79%) para o HIV.
Em resumo, os factores de risco para doença cardiovascular existem em
Moçambique, sendo particularmente importantes entre a população masculina de
áreas urbanas. A OMS fornece tabelas que permitem medir o risco cardiovascular
na população geral.
Será que a presença da infecção pelo HIV afecta a avaliação e manejo do risco
cardiovascular? Este ponto é abordado a seguir.
Risco Cardiovascular em População HIV Positiva
O sistema de classificação mais comummente utilizado para medir o risco
cardiovascular é baseado nos resultados do estudo Framingham, que decorreu nos
Estados Unidos e que identificou os factores de risco para a patologia cardiovascular,
nomeadamente, os altos níveis de colesterol, tabagismo, hipertensão arterial e
diabetes.
Os resultados deste estudo foram utilizados para desenvolver um sistema de
medição do risco cardiovascular (a escala de risco de Framingham) baseado nas
características individuais dos pacientes.
Na altura em que foi elaborada a escala de risco de Framingham, o HIV não era
uma doença conhecida, pelo que esta escala não tomou em conta o seroestado
como uma variável. Actualmente sabe-se que a presença de infecção pelo HIV
provavelmente altera o risco cardiovascular e por isso, este factor também deve ser
considerado ao se estimar o risco, particularmente em locais com alta prevalência
de infecção pelo HIV, como acontece em Moçambique.
150
Capítulo 4
De que forma pode a infecção por HIV afectar o risco de apresentar cardiopatia
isquémica e AVC?
Na África do Sul, durante a era pré-TARV, foram comparadas as características
clínicas de 60 pacientes HIV+ e HIV- que sofreram infarto de miocárdio ou
episódios de angina instável. Embora os pacientes infectados pelo HIV tivessem um
número significativamente menos de factores de risco cardiovascular convencionais
(excepto o de fumar que era igual em ambos grupos), eles eram quase 10 anos mais
jovens, comparativamente aos seronegativos, na altura da ocorrência do evento
cardiovascular. No grupo de seropositivos, os resultados de morbimortalidade aos
4 anos foram muito piores.18
Estudos que Demonstram Aumento do Risco Cardiovascular em Pacientes
HIV+
Dois estudos recentes nos Estados Unidos concluíram que a infecção pelo HIV
confere um risco significativo de sofrer infarto de miocardio e AVC, particularmente
na presença de imunossupressão avançada.
• Silverberg et al.19 observaram um aumento na incidência de IM em pacientes
infectados pelo HIV e com um nadir de CD4 (nadir = contagem mais baixa
registada) ≤ 200 cels/mm3. O aumento foi de quase duas vezes (RR 1,74),
mesmo após o ajuste para factores de risco como hipertensão, tabagismo,
níveis de colesterol e diabetes. De facto, neste estudo, o baixo nadir do
CD4, foi um potente preditor de risco para IM (semelhante à diabetes e
hiperlipidemia, e quase tão forte quanto o tabagismo e a hipertensão).
• Marcus et al20 descobriram que a contagem baixa de CD4 era um factor de
risco para AVC em pacientes infectados pelo HIV. Na análise multivariada,
onde também foram controlados os factores de risco clássicos, a existência
de uma contagem de CD4 <200 cels/mm3 determinava um risco 2,5 vezes
maior de sofrer um AVC. Neste estudo, mais uma vez, o aumento do risco
conferido pelo baixo CD4 no momento do evento foi muito semelhante ao
risco conferido pela hipertensão (vide quadro 44).
151
Capítulo 4
quadro 44: Risco de AVC isquémico em população HIV+ (California 1996-2001; N=24.768)
Curiosamente, o aumento do risco de AVC conferido pela infecção por HIV
no estudo de Marcus et al.20 quase desapareceu com a introdução de TARV,
particularmente com as recomendações actuais que promovem o início de TARV
com contagens de CD4 maiores:
152
Capítulo 4
quadro 45: Taxas brutas de AVC isquémico atendendo ao seroestado (linha continua HIV+;
Linha de pontos HIV-)
Causas que Explicam o Aumento do Risco Cardiovascular em pacientes
com HIV
O mecanismo de aumento do risco cardiovascular (infarto de miocardio e AVC) na
infecção pelo HIV não tratada ou não controlada não está claro, mas aparentemente
esta relacionado com a situação de aumento da coagulação e inflamação que
apresentam os pacientes com elevada replicação viral.
No entanto, para além dos efeitos da viremia do HIV e da imunossupressão
associada ao HIV, O TARV por sí (dependendo do esquema) pode aumentar os
níveis de glucose e de lípidos (tradicionais factores de risco de Framingham) e
assim, contribuir para o aumento do risco cardiovascular.
Em alguns estudos, O abacavir e os inibidores de protease têm sido relacionados
com o aumento do risco cardiovascular.2
Os inibidores de protease podem causar diabetes em 1 a 11% dos pacientes (média
de 7%) depois de 5 anos de utilização (Bartlett)21. As normas moçambicanas
recomendam o início da metformina se a glicose em jejum for ≥ 140 mg/dL ou 7,7
mmol/L (ver abaixo, do Guião Nacional de TARV):
153
Capítulo 4
Os inibidores da protease podem também causar o aumento dos triglicéridos, do
colesterol total e do colesterol de baixa densidade (Colesterol LDL).
Bartlett21 descreve o seguinte efeito do ritonavir nos níveis de lípidos: aumento dos
níveis de triglicéridos de 27%, aumento dos níveis de colesterol LDL de 16%, e do
colesterol total de 17%. Segundo este autor, o aumento do colesterol total é maior
quando o ritonavir é administrado em combinação com o lopinavir.
É importante notar, no entanto, que, no paciente com níveis de base muito baixos de
triglicéridos ou de colesterol, isto não vai necessariamente resultar num aumento
significativo do risco cardiovascular.
As directrizes moçambicanas para o início do tratamento medicamentoso da
hiperlipidemia são dadas abaixo (do Guião Nacional de TARV):
Quando a hiperglicemia ou dislipidemia ocorre após o início do TARV, os limiares
considerados pelo protocolo moçambicano para suspender/substituir estes agentes
implicados são dados abaixo (do Guião Nacional de TARV):
154
Capítulo 4
O abacavir também aumenta o risco de eventos cardiovasculares mas, aparentemente,
não é apenas por causa do aumento nos níveis de lipídios (Bartlett)21.
O quadro que se segue, de Thienemann2, resume o efeito conhecido de diferentes
ARVs sobre a glicemia, os níveis de colesterol e a cardiopatia isquémica. Note que
nem todas as elevações de glicemia e colesterol associadas ao TARV parecem ter
impacto na ocorrência de cardiopatia isquémica.
Tabela 46: Principais ARVs (por classe) e seu impacto nos níveis de glicemia e lípidos, e na
ocorrência de cardiopatia isquémica
Contrariamente, outros estudos realizados nos EUA têm observado que a taxa
de mortalidade por doença cardiovascular não aumentou após a introdução dos
IPs e do abacavir. Isto é quase certamente devido a que nesta altura aconteceu
uma redução muito importante da mortalidade relacionadas ao HIV/SIDA,
e esta redução superou qualquer aumento de morbimortalidade por doença
cardiovascular causada pelos MARVs. Vide quadro 46, a partir de IAS23 (adaptado
de Bozette).
155
Capítulo 4
quadro 47: Mortalidade global (todas as causas) e cardiovascular em população seropositiva.
A redução da mortalidade é atribuída à introdução de TARV (1996) Não foi observado um
aumento da mortalidade cardiovascular entre 1993 e 2001.
Para além disso, o estudo SMART21 demonstrou que a interrupção de TARV estava
associada a um aumento nos eventos cardiovasculares de 1,6 vezes, presumivelmente
devido ao aumento da inflamação causada pela viremia descontrolada na ausência
de tratamento.
Portanto, qualquer risco cardiovascular que possa ser atribuído ao abacavir ou aos
IPs, é ultrapassado pelos grandes benefícios conferidos por um regime eficaz de
TARV. O controlo de outros factores de risco cardiovascular é considerado como
a chave para evitar eventos cardiovasculares.23 Por sua vez, este controlo depende
de uma correcta e atempada identificação dos factores de risco de uma forma
sistemática.
Escala de Risco Cardiovascular em Pacientes com HIV
Para os pacientes infectados pelo HIV, a escala de risco de Framingham foi
actualizada para reflectir os riscos adicionais conferidos pelo uso de antiretrovirais
específicos. Esta escala é chamada de escala DAD, e pode ser encontrada em www.
cphiv.dk/tools.aspx.
A tabela que se segue (reproduzida abaixo de Friis et al. 2010)24 mostra a contribuição
de vários factores de risco para a ocorrência de eventos cardiovasculares em
indivíduos infectados pelo HIV.24 Note que o IMC, os níveis de triglicéridos, o
CD4 e a carga viral não estão incluídos (não conferem qualquer risco adicional
nesta análise). Quando a escala de risco DAD foi comparada com a escala de
156
Capítulo 4
Framingham para a mesma população infectada pelo HIV, encontrou-se que esta
última sobrestimava o risco nesta coorte (em até 50%). Intervenções Destinadas a Reduzir o Risco Cardiovascular
Na análise de risco DAD, o tabagismo confere um alto risco de cardiopatia
isquémica, e trata-se de um factor de risco modificável (não se pode mudar de sexo
ou a história familiar por exemplo). Deixar de fumar reduz o risco cardiovascular
também nos indivíduos infectados pelo HIV.25
O tratamento prolongado com IPs, particularmente com Lopinavir/ritonavir,
pode levar à elevação dos níveis de colesterol e triglicéridos, particularmente em
pacientes com predisposição genética. A redução dos níveis elevados de colesterol
no paciente seropositivo que recebe terapia com IP pode ser complicada, por
causa das interacções medicamentosas existentes entre os agentes hipolipemiantes
(particularmente as estatinas) e alguns antiretrovirais (http://www.hivdruginteractions.org/).2 Sempre que possível, o aumento do exercício físico e a
perda de peso são as estratégias mais seguras nos doente infectado pelo HIV com
níveis elevados de colesterol.
Atenção: Em pacientes infectados pelo HIV que não são capazes de reduzir os seus
níveis elevados de colesterol através da dieta e do exercício físico e estão recebendo
tratamento com IPs, a prescrição conjunta de estatinas e de IPs, pode levar a
elevações dos níveis plasmáticos do fármaco hipolipemiante, com o consequente
aumento dos efeitos colaterais deste fármaco. A lovastatina e a sinvastatina não
devem ser administradas a doentes que recebem TARV com IPs. A melhor
opção para pacientes nesta situação é a pravastatina (segundo Bartlett21, pode ser
administrada sem ajuste da dose); se a pravastatina não estiver disponível, a segunda
157
Capítulo 4
melhor opção é a atorvastatina (segundo Bartlett, começar com uma dose de 10 mg
e monitorar rigorosamente os efeitos secundários). A tabela a seguir, adaptada de
Bartlett, mostra a alteração nos níveis sanguíneos de diferentes estatinas, quando
combinadas com o lopinavir ou ritonavir:
Estatinas
Lopinavir
Ritonavir
LPV/r
Atorvastatina
aumento 5.9x
aumento 4.5x
aumento 5.8x
Pravastatina
aumento 1.3x
diminuição 0.05x
aumento 33%
Para além disso, no contexto moçambicano, a mudança de LPV/r para um regime
diferente igualmente eficaz (isto é, com outro IP), não é possível na actualidade,
uma vez que LPV/r é o único IP disponível. A efectiva supressão viral do HIV não
deve ser sacrificada pelo esforço de controlar a hiperlipidemia.
No que diz respeito aos níveis de triglicéridos, não há evidência de que o uso de
medicamentos para reduzir os níveis em sangue permita prevenir a patologia
cardiovascular. No entanto, quando os triglicéridos estão muito elevados, a
medicação pode ser necessária para prevenir a ocorrência de pancreatite.
As orientações europeias para avaliar e tratar os factores de risco cardiovascular
em pacientes infectados pelo HIV são baseadas na escala de risco de Framingham
e são reproduzidas na figura abaixo.2 Estas informações podem também ser
encontradas em www.europeanaidsclinicalsociety.org. A versão mais actualizada
contém o algoritmo para manejar os factores de risco de doença cardiovascular
em indivíduos infectados pelo HIV e também contém uma tabela de interacções
medicamentosas com agentes hipolipemiantes e MARVs.26
158
Capítulo 4
quadro 48: Algoritmo para a prevenção da doença cardiovascular:
Use a equação de Framingham ou qualquer outro sistema de acordo com a recomendação das Normas Nacionais
locais;
Equação de risco desenvolvida a partir de populações de HIV: veja www.cphiv.dk/tools.aspx
A avaliação e as considerações associadas, descritas neste número devem ser repetidas anualmente em todas as
pessoas em seguimento, consulte a página 4-5, para garantir que as várias intervenções são iniciadas de maneira
oportuna.
ii. Opções para a modificação do TARV incluem:
(1) Substituir IP/r com INNRT, RAL ou outro IP/r conhecido por causar menos distúrbios metabólicos, consulte a
página 15-17
(2) Substitua d4T e considerar a substituição de AZT ou ABC com TDF ou use um regime poupador de INRT.
iii. Dos factores de risco modificáveis descritos, o tratamento medicamentoso é reservado para certos subgrupos
onde os benefícios ultrapassam os riscos. Por cada redução de 10 mmHg na pressão arterial sistólica, e por cada
redução de 1 mmol/L (39 mg/dL) no colesterol total e com o uso aspirina, pode se obter uma redução de risco
cardiovascular de 20-25%; o efeito é cumulativo. Estudos observacionais sugerem que deixar de fumar resulta em
cerca de 50% menos risco de doença cardiovascular.
iv. Veja a discussão sobre o tratamento medicamentoso das pessoas com menor risco cardiovascular em www.nhlbi.
nih.gov/guidelines/cholesterol/atp3_rpt.htm
v. Os níveis alvo dos diversos parâmetros (TA, colesterol, glicemia...) devem ser usados como orientação e não são
definitivos - expressa em mmol/L com mg/dL entre parênteses. Os níveis-alvo para TG não estão listados porque
a contribuição da hipertrigliceridemia para o risco cardiovascular é incerta, e, portanto, se esta condição deve ser
tratada, consulte a página 36.
vi. A evidência do benefício quando usado em pessoas sem história de doença cardiovascular (incluindo os
diabéticos) é menos consistente. A pressão arterial deve ser controlada antes de o uso de aspirina em tal contexto.
159
Capítulo 4
As recomendações actuais da OMS para a prevenção e manejo de doença
cardiovascular em geral (independentemente do status HIV) estão resumidas na
tabela abaixo27 (www.who.int/cardiovascular_diseases/publications/pen2010/en).
Está prevista uma actualização destas recomendações em 2014.
quadro 49: Resumo das intervenções baseadas em evidencias para a redução da
morbimortalidade pelas principais doenças não comunicáveis e que podem ser implementadas
no nível primário de atenção e em contextos com recursos limitados.
Considerações
• Os factores de risco clássicos (hipertensão, tabagismo, etc) estão associados
a cardiopatia isquémica e doença cerebrovascular em indivíduos infectados
e não infectados pelo HIV. Estes factores também estão presentes na
população moçambicana, especialmente nos homens urbanos.
• Os pacientes HIV+ com contagens de CD4 baixas (particularmente aqueles
com menos de 200 cels/mm3 no momento actual ou a qualquer altura no
passado) apresentam um risco ainda maior de sofrer eventos cardiovasculares,
quando comparado com os seropositivos sem imunodepressão. Em ambos
os grupos, a identificação e controlo dos factores de risco é o passo chave
para a prevenção da cardiopatia isquémica e do acidente vascular cerebral.
• Na infecção pelo HIV, a viremia descontrolada junto com a imunossupressão
devem ser considerados, além dos factores de risco clássicos, assim como o
possível papel dos IPs e do abacavir, quando se faz uma avaliação do risco
cardiovascular individual.
160
Capítulo 4
Outras Doenças Cardíacas nos Pacientes Infectados pelo HIV
A prevenção e o tratamento da cardiopatia isquémica pode não ser a principal
prioridade na hora de abordar a patologia cardíaca no paciente com HIV, como foi
explicado na introdução.
O estudo Landmark Heart of Soweto comparou as características de mais de
5,000 pacientes seropositivos e seronegativos que se apresentavam com doença
cardíaca em KwaZulu-Natal, África do Sul. Nesta coorte de pacientes, a cardiopatia
isquémica, a hipertensão arterial e a diabetes foram significativamente menos
frequentes nos indivíduos com HIV em relação aos seronegativos. Ao contrário,
a cardiomiopatia e a pericardite foram significativamente mais comuns no grupo
com HIV.3 Um excerto de uma das tabelas do estudo é apresentada abaixo, onde
aparece a distribuição das causas de doença cardíaca em pacientes infectados pelo
HIV (coluna da esquerda) vs não infectados (coluna do meio). A cardiomiopatia
associada ao HIV (CMO) foi responsável por quase 40% dos casos de doença
cardíaca em pacientes infectados pelo HIV, seguida de pericardite em 13% (total de
51% para estas duas condições). A cardiopatia isquémica representou apenas 2,7%
dos casos infectados pelo HIV, contra 12% nos não infectados. quadro 50: Causas de patologia cardíaca atendendo ao seroestado. Landmark Heart of
Soweto, KwaZulu-Natal, África do Sul
HIV-pos (N=518)
HIV-neg (N=4810)
P
Cardiomiopatia Associada ao HIV
A cardiomiopatia associada ao HIV é uma condição definidora de estadio 4 da
OMS para SIDA. Foi originalmente descrita em pacientes com contagem de CD4
baixa que não estavam em TARV; foi caracterizada como a “diminuição da fracção
de ejecção do ventrículo esquerdo (VE) ou dilatação do VE avaliada através de
ecografia, com ou sem sintomas de insuficiência cardíaca (Remick 2014)28, e
muitas vezes se apresenta ou evolui com insuficiência cardíaca grave e rapidamente
progressiva”. Os pacientes com cardiomiopatia por HIV podem apresentar
161
Capítulo 4
arritmias, cianose, ou síncope (Bartlett)21. É irreversível uma vez que ocorre,
embora o início do TARV retarde a sua progressão. Na fase inicial, no entanto,
pode ser assintomática (embora detectável por ecocardiograma).
A cardiomiopatia sintomática associada ao HIV tem uma alta taxa de mortalidade, especialmente na ausência de TARV. Um estudo de insuficiência cardíaca aguda
em vários países africanos descobriu que a infecção pelo HIV estava associada a
um aumento de 60% da mortalidade nos 180 dias que seguiram ao episódio agudo,
comparado com a taxa de mortalidade nos pacientes não infectados pelo HIV com
insuficiência cardíaca aguda.29
Sliwa et al. (2012)30 descreveram as características clínicas em três grupos de
pacientes sul-africanos infectados pelo HIV com cardiomiopatia associada ao HIV
(vide tabela abaixo).
• Grupo A: pacientes sintomáticos com sinais de insuficiência cardíaca, com
ou sem ventrículos dilatados e com evidência de disfunção sistólica do
ventrículo esquerdo;
• Grupo B: pacientes assintomáticos submetidos a ecocardiografia de rotina e
na qual se encontra a disfunção ventricular esquerda;
• Grupo C: Pacientes hospitalizados com estadio 4 da OMS e que desenvolvem
insuficiência cardíaca na ausência de evidência prévia de doença cardíaca.
quadro 51: Características clínicas da cardiomiopatia associada ao HIV em pacientes africanos
162
Capítulo 4
Para tratar a cardiomiopatia associada ao HIV é imprescindível o início de TARV.
Também podem ser necessárias medidas farmacológicas usadas para o manejo da
insuficiência cardíaca (diuréticos, inibidores da ECA e outros, ver tabela acima),
para além do tratamento das infecções oportunistas existentes.
No entanto, a cardiomiopatia associada ao HIV deve ser diferenciada de outras
causas de insuficiência cardíaca e cardiomegalia, como a cardiopatia hipertensiva,
a cardiomiopatia alcoólica, a patologia valvular reumática, a desnutrição, a
cardiopatia pós-parto ou a fibrose endomiocárdica. Em Botswana (Schwartz et al. 2012)32, um estudo realizado em pacientes que
apresentavam cardiomegalia revelou que a maioria dos pacientes (63%) eram
HIV +. Embora a cardiomiopatia associada ao HIV foi a causa mais comum de
cardiopatia nos pacientes infectados pelo HIV, explicou menos da metade dos
casos observados (vide a tabela abaixo).
quadro 52: Leque de patologia cardíaca atendendo ao seroestado para HIV em 179
pacientes com cardiomegalia
Note que o aumento do diâmetro do mediastino no Raio-x pode ser causado
por cardiomegalia assim como por derrame pericárdico; quando disponível, o
ecocardiograma pode ser muito útil para distinguir estas duas condições.
Finalmente, como tantas outras condições do estádio 4, a cardiomiopatia associada
ao HIV pode ser evitada com o início atempado de TARV!
163
Capítulo 4
HIV e Pericardite
A pericardite no contexto da infecção pelo HIV pode ter várias causas. A causa
tratável mais importante na África Subsaariana é a tuberculose que afecta o
pericárdio (vide tabela abaixo de Mayosi et al. que compara as causas de pericardite/
derrame pericárdico em população africana, na primeira coluna, e não-africana na
segunda coluna).31
quadro 53: Causas de derrame pericárdico massivo em pacientes Africanos e em séries de
pacientes fora de África
Ntsekhe (2013)33 descreve quatro estadios clínicos da pericardite tuberculosa. As
manifestações clínicas são diferentes em cada estadio (vide tabela abaixo):
quadro 54: Os 4 estadios da TB pericárica
Mayosi et al. (2006)34 descrevem os achados clínicos, a radiografia de tórax e
os achados do ECG em pacientes africanos (com e sem HIV) com pericardite
tuberculosa. Clinicamente, quase 90% dos pacientes infectados pelo HIV estavam
na classe funcional 2 ou superior, e cerca de 1/3 estavam hemodinamicamente
instáveis (quase 1 em cada 4 com tamponamento cardíaco).
164
Capítulo 4
O diagnóstico e o tratamento da pericardite tuberculosa é o mesmo em pacientes
infectados pelo HIV e não infectados, exceptuando os pacientes com tuberculose
infectados pelo HIV que também devem começar o TARV. O diagnóstico e
manejo podem ser um desafio, onde há acesso limitado de ecocardiograma e
pericardiocentese, e é muitas vezes um diagnóstico presuntivo.
Thienemann2, na tabela abaixo, lista outras possíveis causas de doença do pericárdio
associadas ao HIV.
quadro 55: Causas de patologia do pericárdio em população HIV+ atendendo à contagem
de CD4
Tal como no caso de cardiomiopatia associada ao HIV, a pericardite tuberculosa é
evitável, através do início atempado de TARV e através de profilaxia com Isoniazida!
165
Capítulo 4
Pontos-Chave da Sessão
• O risco de doença cardiovascular na população moçambicana pode
ser muito elevado, e está particularmente associado à hipertensão não
controlada.
• O risco de doença cardiovascular é ainda maior em pacientes infectados
pelo HIV, do que em pacientes não infectados.
• Os indivíduos com HIV têm um risco consideravelmente maior de
apresentar cardiomiopatia associada ao HIV ou pericardite de causa
infecciosa, quando comparado com o risco de cardiopatia isquémica
ou acidente vascular cerebral, especialmente se têm imunodepressão
avançada e ainda não recebem o TARV.
• Com a introdução dos IPs (e abacavir), juntamente com a transição
epidemiológica (de “doenças da pobreza ou infecciosas” para “doenças
da abundância ou metabólicas”), o perfil dos factores de risco
cardiovascular na população moçambicana está a mudar. Na população
moçambicana geral a identificação sistemática e tratamento dos factores
de risco cardiovascular - especialmente hipertensão e tabagismo - deve
ser uma prioridade na atenção primária de saúde. • Uma estratégia global para a prevenção e tratamento das complicações
cardíacas importantes associadas ao HIV em Moçambique pode incluir:
• Identificar os factores de risco convencionais para a doença cardíaca
(tabagismo, obesidade, hipertensão, sedentarismo, etc) e tentar
controlá-los. Reservar agentes hipolipemiantes para pacientes em
maior risco, sem esquecer as interacções medicamentosas.
• Considerar o uso da escala de risco DAD para estimar o risco
cardiovascular (ao invês da escala de Framingham) em pessoas
infectadas pelo HIV, para evitar a sobrestimação do risco
cardiovascular e ter em conta a influência do esquema de TARV
utilizado.
• Iniciar o TARV atempadamente e implementar a profilaxia com
isoniazida quando indicado a fim de evitar a cardiomiopatia
dilatada associada ao HIV e as complicações cardíacas derivadas
da infecção tuberculosa.
• Avaliar os novos pacientes HIV+ na procura de sinais e sintomas
de doença cardíaca.
• Quando os pacientes infectados pelo HIV apresentam-se com
dispneia ou edema, considerar a doença cardíaca, bem como a
pulmonar, renal e hepática.
166
Capítulo 4
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C apí tulo 5
Reacções Adversas em
Pacientes com HIV
Índice Capítulo 5
Introdução...................................................................171
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e
Possíveis Efeitos Adversos.....................................172
Abacavir (ABC).................................................................172
Estavudina (d4T).............................................................173
Lamivudina (3TC)...........................................................173
Tenofovir (TDF)................................................................174
Zidovudina.........................................................................175
Efavirenz..............................................................................176
Nevirapina..........................................................................177
Lopinavir/ritonavir.........................................................178
Efeitos Adversos mais Importantes
em Pacientes HIV+ recebendo TARV..................180
Anemia e Neutropenia em pacientes
em uso de AZT (Zidovudina).................................180
Neuropatia Periférica Causada por
Medicamentos antiretrovirais................................181
Insuficiência Renal.........................................................183
Acidose Láctica...............................................................184
Reacção de Hipersensibilidade.............................184
Lipodistrofia......................................................................185
Pontos-Chave da Sessão.........................................185
Referências...................................................................186
Capítulo 5
5. Reacções Adversas em Pacientes
com HIV
Introdução
Os pacientes que iniciam o TARV ou outros medicamentos, podem apresentar
algum desconforto que resulta da reacção perante os medicamentos que estão
sendo tomados e que se manifesta através de sinais e sintomas específicos ou
alterações dos resultados laboratoriais. Esta situação chama-se efeito adverso ou
efeito secundário. Por vezes, os efeitos adversos podem ser severos ainda que na
maioria dos casos são leves a moderados.
A detecção atempada das reacções adversas e a pesquisa dos efeitos secundários
menos relevantes pode evitar casos graves e ajudar na sua resolução, melhorando a
adesão ao tratamento bem como o risco de falência terapêutica.
A prevenção das reacções adversas é tão importante quanto o seu diagnóstico e
manejo, e baseia-se na adequada análise do perfil de risco de cada paciente antes da
introdução do TARV ou substituição do esquema terapêutico.
Para um correcto diagnóstico das reacções adversas, os clínicos devem ter em conta
os seguintes elementos chave, a saber:
• A monitoria adequada dos pacientes, através da avaliação clínica e de testes
laboratoriais, o que irá permitir a detecção atempada de possíveis reacções
adversas;
• A avaliação certa do momento em que iniciou o quadro que sugere uma
potencial reacção adversa, isto é, o clínico deve pesquisar se os sinais/
sintomas iniciaram antes ou depois da introdução dum certo fármaco;
• A avaliação do grau de severidade da reacção adversa e a consideração de
outras opções que possam explicar o quadro (fazer o diagnóstico diferencial).
De salientar que pelo facto de alguns dos conteúdos relativos a este tema terem sido
abordados em outras sessões, aqui não serão revistos e a abordagem iniciará por
alistar as reacções adversas associadas a cada MARV.
Nesta sessão serão apresentados os seguintes conteúdos:
• Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possiveis Efeitos Adversos
• Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo TARV
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
171
Capítulo 5
Medicamentos Antiretrovirais (MARVs) e Possíveis Efeitos
Adversos
Abacavir (ABC)
A OMS descreve os efeitos adversos por Abacavir segundo mostra a tabela seguinte.
(para cada MARV, será apresentada uma tabela semelhante com os seguintes
conteúdos: 1ª coluna: reacção adversa; 2ª coluna: factores de risco; 3ª coluna: manejo).1
Segundo o guião nacional de TARV:
ABACAVIR
EFEITOS ADVERSOS
Reacção de
hipersensibilidade com
sintomas sistémicos,
respiratórios e/ou
gastrointestinais, em
geral com febre e sem
acometimento de mucosas.
INTERAÇÃO COM ARV
Nenhuma descrita
OUTRAS INTERAÇÕES
Etanol aumenta em 41% níveis
séricos de ABC (significado
clínico desconhecido). ABC
­clearance de metadona em 22%.
Apresentação inicial pode
ser confundida com “virose”.
Após reexposição pode
ser grave (casos fatais
foram descritos). Por isso
não recomenda-se a sua
reintrodução nesses casos.
A reacção de hipersensibilidade será descrita mais abaixo.
172
Capítulo 5
Estavudina (d4T)
Segundo a OMS:
Segundo o guião nacional de TARV:
ESTAVUDINA
EFEITOS ADVERSOS
Neuropatia periférica,
pancreatite, acidemia
assintomática,
lipoatrofia.
Raro: acidose láctica,
com esteatose hepática
(grave, pode ser fatal).
INTERAÇÃO COM ARV
OUTRAS INTERAÇÕES
•• Medicamentos associados
Zidovudina: potencial redução
com neuropatia periférica, tais
da actividade anti-retroviral
como isoniazida, etambutol,
por antagonismo. Contraetionamida, fenitóina,
indicado uso concomitante.
hidralazina, glutetimida,
Didanosina: embora haja evidências
vincristina e cisplatina,
de que a combinação com ddI
devem ser evitados ou
aumenta o risco de neurotoxidade,
administrados com precaução.
pancreatite, acidose láctica e
•• Metadona (↓d4T). Não há
lipoatrofia, a combinação não é
necessidade de ajuste de dose.
contra-indicada. Entretanto deve
ser evitada em gestantes.
Lamivudina (3TC)
Segundo a OMS: não há reacções adversas destacadas com este MARV
Segundo o guião nacional de TARV:
LAMIVUDINA
EFEITOS ADVERSOS
Raramente associado a efeitos
adversos. Embora, como todos
ITRN, possa potencialmente
causar acidose láctica com
esteatose hepática, parece
estar entre os mais seguros
quanto a estes efeitos.
173
INTERAÇÃO COM ARV
Sem interacção.
OUTRAS INTERAÇÕES
Cotrimoxazol (­↑3TC). Não há
necessidade de ajuste de dose
Capítulo 5
Tenofovir (TDF)
Segundo a OMS:
Segundo o guião nacional de TARV:
TENOFOVIR
EFEITOS ADVERSOS
Embora em geral bem tolerado
e pouco associado a efeitos
adversos, deve-se prestar
atenção à insuficiência renal
(sindrome de Fanconi), que é o
efeito adverso mais importante.
Outros efeitos adversos: acidose
láctica e esteatose hepática,
astenia, cefaléia, diarréia,
náuseas, vómitos e flatulência;
174
INTERAÇÃO COM ARV
OUTRAS INTERAÇÕES
Didanosina: aumenta os
níveis séricos deste fármaco
em 40%(reduzir dose ddI
para 250mg/dia se >60kg
ou 200mg/dia se <60kg).
Ganciclovir, cidofovir:
monitorar toxicidade renal.
IP: TDF pode aumentar o nível
sérico de alguns IPs, entretanto
não há recomendação de ajustar
doses. Atazanavir: reduz-se os
níveis séricos deste fármaco
quando usado com Tenofovir.
Usar tenofovir somente com
ATV/r (300mg/100mg).
Capítulo 5
Zidovudina
Segundo a OMS:
Segundo o guião nacional de TARV:
ZIDOVUDINA
EFEITOS ADVERSOS
Mielossupressão,
particularmente anemia e
neutropenia. Náusea e vómito.
Astenia, mal-estar geral, cefaléia,
insónia, hiperpigmentação
cutânea,ungueal e de mucosas.
Raro: acidose láctica,
com esteatose hepática
(grave, pode ser fatal).
O uso prolongado de
ZDV foi associado com
miopatia sintomática.
175
INTERAÇÃO COM ARV
Estavudina: potencial
redução da actividade
anti-retroviral
por antagonismo.
Contra-indicado uso
concomitante.
OUTRAS INTERAÇÕES
•• ↑ risco de toxicidade
hematológica: Ganciclovir,
Anfotericina B, fluocitosina,
Cotrimoxazol , dapsona,
pirimetamina, citostáticos,
sulfadiazina e Interferon.
Monitorar anemia
e neutropenia.
•• ↑ níveis do AZT: Probenecida,
fluconazol, paracetamol,
metadona, atovaquona,
ácido valpróico. Monitorar.
Capítulo 5
Efavirenz
Segundo a OMS:
Segundo o guião nacional de TARV:
EFAVIRENZ
EFEITOS ADVERSOS
Exantema, síndrome de
Stevens-Johnson.
Sintomas neuropsiquiátricos:
distúrbios do sono
(sono agitado, insónia,
sonolência, pesadelos,
sonhos bizarros) tonturas,
vertigens, irritabilidade,
agitação, depressão, euforia,
dificuldade de concentração
Elevação de transaminases.
Dislipidemia. Teratogenicidade
(em macacos).
INTERAÇÃO COM ARV
OUTRAS INTERAÇÕES
Indinavir: diminui o IDV
Aumentar a dose de IDV
para 1000mg de 8/8h.
•• Uso concomitante contraindicado: astemizol, terfenadina,
midazolam, triazolam, cisaprida,
derivados de ergotamina e
claritromicina, Hipérico (fitoterapia)
Lopinavir/r: ↓ LPV.
Aumentar a dose de
LPV/r para 3cp 12/12h.
INNTR: Potencial
interacção. Contraindicada associação
•• Rifampicina (↓ EFV), mas não se
recomenda ajuste da dose do EFV.
•• Rifabutina (↓ Rifabutina). Ajustar a
dose de Rifabutina para 450mg /dia.
•• Anticonvulsivantes: podem diminuir
níveis do EFV e do fenobarbital,
fenitoína e carbamazepina.
Considerar alternativas terapêuticas.
Metadona (↓ metadona). Considerar
ajuste da dose de metadona
•• Etinilestradiol: ↑ níveis séricos.
O conteúdo relativo aos efeitos adversos envolvendo o Sistema
Nervoso Central é desenvolvido na unidade sobre Manifestações
Neurológicas do HIV.
176
Capítulo 5
Nevirapina
Segundo a OMS:
Segundo o guião nacional de TARV:
NEVIRAPINA
EFEITOS ADVERSOS
INTERAÇÃO COM ARV
OUTRAS INTERAÇÕES
Exantema, Síndrome de
Stevens-Johnson, Hepatite
medicamentosa, elevação
de transaminases (tóxica ou
no contexto de reacção de
hipersensibilidade grave).
Indinavir: ↓ IDV. Considerar
ajuste da dose de IDV
para 1000mg 8/8h.
•• Uso concomitante contraindicado: rifampicina,
ketoconazol, cápsula de alho,
erva de são João, ginseng,
echinacea e gingko biloba.
Lopinavir/r: ↓LPV. Aumentar
a dose de LPV/r para
533/133mg 12/12h.
Ritonavir: diminui RTV.
Na há necessidade
de ajuste de dose.
177
•• Metadona: ↓ metadona,
considerar ajuste de dose.
•• Atenção: A NVP ↓
etinilestradiol. Usar
método contraceptivo
alternativo ou adicional.
Capítulo 5
Lopinavir/ritonavir
Segundo a OMS:
178
Capítulo 5
Segundo o guião nacional de TARV:
RITONAVIR
EFEITOS ADVERSOS
Intolerância gastrointestinal
(Diarréia, náusea e vómito,
flatulência, alteração
do paladar, anorexia).
Parestesia (perioral e
de extremidades).
Cefaléia, astenia,
tonturas, insónia.
Elevação do CPK
e ácido úrico.
Possível aumento
de sangramento em
hemofílicos.
Aumento das transaminases,
hepatite clínica.
Dislipidemia, lipodistrofia,
hiperglicemia, diabetes.
INTERAÇÃO
COM ARV
Didanosina: ↓
absorção de RTV.
Administrar com
intervalo mínimo
de 1 hora.
Nevirapina:
↓ RTV. Não há
necessidade de
ajuste de doses.
Indinavir: ↑ IDV.
Ajustar as doses
para: IDV 800mg
+ RTV 100mg,
ambos de 12/12h.
OUTRAS INTERAÇÕES
•• Uso concomitante contra-indicado: meperidina, piroxicam,
propoxifeno, amiodarona, encainida, flecainida, propafenona,
quinidina, beperidil, derivados do ergot, sinvastatina, lovastatina,
astemizol, terfenadina, cisaprida, bupropriona, closapina,
pimozida, clorazepato, alprazolam, diazepam, estazolam,
flurazepam, midazolam, triazolam, zolpidem, cápsula de alho.
•• Rifampcina (↓ RTV). Não há necessidade de ajuste de dose.
•• Rifabutina (↑ Rifabutina). Ajustar dose de Rifabutina.
•• Ketoconazol (↑ ketoconazol). Não exceder a
dose de ketoconazol de 200mg/dia.
•• Desipramina (↑ desipramina). Considerar a
redução da dose de desipramina.
•• Teofilina (diminui teofilina). Monitorar teofilina
•• Metadona (diminui metadona). Considerar
aumento de dose da metadona.
•• Fenobarbital, fenitoina e carbamazepina: possíveis alterações
da AUC das drogas. Monitorar os anticonvulsivantes.
•• Metronidazol, tinidazol, secnidazol e dissulfiram (efeito antabuse
com o conteúdo de álcool da preparação de Ritonavir).
•• Suplementos a base de alho aumentam
toxicidade do RTV. Evitar o uso.
•• Sildenafil (aumenta sildenafil). Não exceder a dose de 25mg/48h.
•• Aciclovir (maior risco de nefrolitiase).
Atenção: O RTV↓ etinilestradiol. Usar método
contraceptivo alternativo ou adicional.
LOPINAVIR/r
EFEITOS ADVERSOS
Intolerância
gastrointestinal (Diarréia,
náusea e vómito).
Parastesia (perioral e
de extremidades).
Possível aumento de
sangramentos em
hemofílicos. Aumento
das transaminases,
dislipidemia, lipodistrofia,
hiperglicemia e diabetes.
179
INTERAÇÃO
COM ARV
OUTRAS INTERAÇÕES
Didanosina:
↓ a absorção.
Administrar
com intervalo
mínimo de 1h.
Efavirenz ou
Nevirapina: ↓
LPV. Aumentar
a dose de LPV/r
para 533/133mg
2x/dia.
•• Uso concomitante contra-indicado: rifampicina, flecainida,
propafenona, derivados de ergot, astemizol, terfenadina, cisaprida,
triazolam, lovastatina, sinvastatina, midazolam, erva de São
João, cápsula de alho, echinacea, gingseng e giko-biloba.
•• Carbamazepina, fenitoína, fenobarbital ou
dexametasona (diminui LPV). Usar com precaução.
•• Atorvastatina ou cerivastatina (↑ inibidores da HMG-coA
redutase). Considerar uso de drogas alternativas.
•• Rifabutina (↑ Rifabutina). Reduzir a dose de
Rifabutina a 75% da dose usual recomendada.
•• Medicamentos com potencial interacção que requerem estreito
monitoramento ou ajuste de dose: amiodarona, bepridil, lidocaína
(sistémica), quinidina, ciclosporina, rapamicina, felodipina,
nifedipina, nicardipina, metadona, ketoconazol, itraconazol.
•• Sildenafil (↑ sildenafil). Não exceder a dose de 25mg x48h.
Atenção: O RTV ↓ etinilestradiol. Usar método
contraceptivo alternativo ou adicional.
Capítulo 5
É importante começar com a revisão de estas tabelas, contudo nelas há falta
de muita informação relevante. Por exemplo, estas tabelas não falam sobre a
frequência ou gravidade de cada reacção adversa, sobre como diagnostica-la ou
qual é o diagnóstico diferencial em cada caso.
Por isso, de forma sucinta, serão dadas a seguir as informações relevantes para cada
uma das reacções adversas mais importantes aos diferentes MARVs.
Efeitos Adversos mais Importantes em Pacientes HIV+ recebendo
TARV
Anemia e Neutropenia em pacientes em uso de AZT (Zidovudina)
• Definição: diminuição da quantidade de hemoglobina após a introdução de
AZT.
• Factores de Risco: Não descritos.
• Medicamentos envolvidos: principalmente AZT; também Cotrimoxazol
(CTZ) pode produzir citopenias; a maioria dos medicamentos
quimioterápicos.
• Incidência: devido ao uso de diferentes definições de anemia, a incidência
pode não ser comparável entre os diferentes estudos. No ensaio DART,
20% dos casos após a introdução de TARV (5% de anemia severa com
hemoglobina < 6.5 g/dL); num outro estudo em Costa de Marfim2,
houve 5% de casos com hemoglobina <=6.9 g/dL; Num estudo na Índia3
a incidência de anemia foi de 9.4% em pacientes que recebiam AZT; Até
20% das mulheres grávidas recebendo AZT num estudo em Moçambique4
teve anemia. A neutropenia por AZT é mais comum que a anemia, e esta
descrita em até 8% dos pacientes que recebem este medicamento.
• Padrão temporal: Geralmente durante os primeiros 6 meses após a
introdução do tratamento, contudo, pode aparecer muito mais tarde.
• Monitoria: avaliação da hemoglobina antes e após a introdução do TARV
contendo AZT.
• Diagnóstico: para avaliar a existência de anemia deve ser solicitado o teste
de hemoglobina ou hemograma completo. Os sinais e sintomas podem
incluir palidez, astenia e fraqueza. Se a anemia for severa e de instauração
aguda, pode-se apresentar como um quadro de insuficiência cardíaca
congestiva. No caso de neutropenia grave e sintomática, os pacientes
podem apresentar infecções bacterianas em diversas localizações (abcessos
cutâneos, pneumonias, meningite) que podem ser graves.
180
Capítulo 5
• Diagnóstico diferencial: anemia de estadio 3 secundária a HIV, malária,
tuberculose, infecção disseminada por Salmonella não-tiphy, deficiência de
ferro ou outros micronutrientes, hemorragias, gravidez, presença de cancro,
hemoglobinopatias, condições oportunistas que infiltram a medula óssea.
• Graus de severidade:
• Tratamento: em caso de anemia/neutropenia de grau 3 ou 4, a Zidovudina
deve ser suspensa e substituida por um medicamento alternativo, geralmente
TDF ou ABC.
Neuropatia Periférica Causada por Medicamentos antiretrovirais
• Definição: neuropatia sensitiva e distal que aparece ou agrava após a
introdução do TARV.
• Anti-retrovirais implicados: d4T, ddI
• Factores de risco: idade avançada, doença por HIV avançada, sexo
masculino
• Padrão temporal: é um efeito adverso tardio, geralmente aparece vários
meses após a introdução do tratamento
• Incidência: 10-30% de pacientes recebendo ddI em países ricos, 13% em
Índia (com d4T), 56% em Malawi (d4T)2. Nas tabelas que seguem pode-se
encontrar informação relativa à incidência e factores preditores em Ruanda8.
• Diagnóstico: em Moçambique, o diagnóstico é clínico, a partir da presença
de dor de perfil neuropático (tipo queimadura) acompanhada de redução
da sensibilidade e abolição/diminuição dos reflexos osteo-tendinosos. A
força muscular esta conservada. Em casos severos, e por causa da afectação
da sensibilidade profunda, o paciente pode apresentar alteração da marcha,
sem que se trate de um problema motor.
181
Capítulo 5
• Diagnóstico diferencial: doença por HIV avançada (neuropatia por HIV);
neuropatia causada por diabetes mellitus ou insuficiência renal; deficiência
de vitamina B12; alcoolismo; toxicidade por isoniazida;
• Grau de Severidade:
182
Capítulo 5
• Tratamento: suspender d4T e trocar por outro medicamento (AZT, TDF,
ABC)
Insuficiência Renal
• Definição: A insuficiência renal é caracterizada pelo aumento dos valores
de creatinina sérica ou pela diminuição do filtrado glomerular avaliado a
partir do cálculo da depuração de creatinina.
• A prevalência de alterações da função renal em pacientes com HIV pode ser
muito elevada (até 30% dos casos em algumas séries9). As causas são várias:
•
•
•
A própria infecção por HIV;
Secundário a alguns medicamentos, particularmente o Tenofovir;
Relacionada com outras patologias co-existentes como HTA e
diabetes mellitus.
• Factores de risco para a toxicidade por TDF: idade avançada, IMC baixo,
coexistência de DM e/ou HTA, CD4 baixo, co-existência de hepatopatia
crónica, uso de medicamentos nefrotóxicos.
• Padrão temporal: variável, está descrita a ocorrência de insuficiência renal
aguda assim como crónica, em media de 7 meses após a introdução do
medicamento.10
• Monitoria: deve ser avaliada a função renal antes da introdução de Tenofovir
e de forma periódica após o início. Em Moçambique o protocolo nacional
recomenda a avaliação da função renal de 6 em 6 meses após a introdução de
TDF. Para avaliar a função renal aconselha-se a monitoria da depuração de
creatinina (calculada a partir da creatinina sérica) e do sedimento urinário
(urina II).
• Diagnóstico: O desenvolvimento de insuficiência renal pode ser agudo
ou crónico. Geralmente é assintomático, unicamente detectado a partir
da avaliação da função renal:creatinina sérica, depuração de creatinina,
sedimento urinário. Pode-se manifestar como um quadro de hipertensão
arterial grave (crise hipertensiva), uremia (náuseas e vómitos, geralmente
com diurese conservada).
• Tratamento: O Tenofovir deve ser evitado em pacientes com Depuração
de creatinina abaixo de 60 ml/min. Em pacientes que recebem TDF e
experimentam uma diminuição da depuração de creatinina, o medicamento
deve ser suspenso e substituído. Deve ser evitado o uso de outras medicações
com potencial de nefrotoxicidade em pacientes em uso de TDF, e devem
ser monitorados rigorosamente em caso de se precisar de associar estes
medicamentos.
183
Capítulo 5
Acidose Láctica
• Definição: elevação dos níveis de lactato sérico acompanhado de sintomas
secundários à acidose
• Medicamentos envolvidos: em geral INTR, particularmente d4T, ddI, AZT.
Não tem sido descrito com TDF ou ABC.
• Factores de Risco: IMC elevado ou muito baixo, sexo feminino, boa adesão
ao TARV
• Padrão temporal: Geralmente 3 ou mais meses após a introdução do
medicamento.
• Monitoria: não há monitoria específica.
• Graus de gravidade: a acidose láctica é sempre uma urgência médica.
Incidência: 19 casos/1,000 pessoas/ano de observação numa coorte na
África do Sul, com uma mortalidade de 29%.2
• Diagnóstico: os sintomas são inespecíficos e incluem astenia, náuseas,
vómitos, dor abdominal, dor muscular, dispneia e perda de peso. Estes
sintomas pode- se acompanhar de hepatomegalia (causada por esteatose
hepática), elevação de enzimas hepáticas2. Nos locais onde não está
disponível a medição dos níveis séricos de lactato, a existência de um anião
gap >13 mmol/L pode sugerir o diagnóstico.
• Diagnóstico diferencial: falência terapêutica, condições oportunistas como
TB ou outras
• Tratamento: com níveis de lactato < 5 mmol/L, observar e reavaliar. Se os
sintomas persistem ou agravam, parar o medicamento. Com níveis de lactato
sérico ≥ 5mmol/L, parar todo o esquema de TARV até a normalização e
nunca reintroduzir o fármaco suspeito.
Reacção de Hipersensibilidade
• Definição: reacção mediada pelo sistema imune em que o organismo reage
de forma exagerada contra um alérgeno ou antígeno estranho. Neste caso o
alérgeno é um antígeno proveniente de um medicamento.
• Medicamentos envolvidos: ABC e NVP
• Incidência: 3- 4% em séries publicadas em países com recursos. Há escassa
informação em relação aos locais com recursos limitados.2
• Factores de risco: para a reacção de hipersensibilidade por Nevirapina,
apresentam maior risco os pacientes com contagens de CD4 mais elevadas
(>250 cels/mm3) e as mulheres de forma particular. Não estão descritos os
factores de risco associados à reacção de hipersensibilidade por Abacavir.
• Padrão temporal: primeiras 6 semanas para o Abacavir e primeiras 16
semanas para Nevirapina.
184
Capítulo 5
• Monitoria: é clínica. Informar aos pacientes para voltarem à US sempre que
apresentarem rash cutâneo com ou sem febre após o início do tratamento.
• Diagnóstico: rash cutâneo maculo-papular geralmente eritematoso e com
edema subcutâneo, acompanhado de sintomas gerais como febre, mal-estar,
náuseas, vómitos, diarreia. Pode-se acompanhar de elevação de enzimas
hepáticas e/ou leucopenia. As reacções mais graves podem cursar com
hipotensão, broncoespasmo e provocar a morte. O quadro clínico agrava-se
com a toma de cada novo comprimido do medicamento. Este é um dado
chave para o diagnóstico das reacções de hipersensibilidade.
• Tratamento: suspender o medicamento envolvido e substituir.
Lipodistrofia
• Definição: redistribuição da gordura corporal característica (acúmulo a
nível do tronco e diminuição nos membros e nádegas).
• Medicamentos envolvidos: INTR, particularmente ddI e d4T; algo menor
com AZT; INNTR (Efavirenz); IPs; Raltegravir
• Diagnóstico: clínico. A gordura tende a acumular no tronco (abdómen,
região dorso cervical, mamas) e a diminuir nos membros, região glútea e face.
• Tratamento: a lipodistrofia não é reversível. Deve-se aconselhar a prática de
exercício físico, substituir os MARVs implicados, especialmente ddI, d4T ou
AZT por outros com menor potencial como TDF ou ABC.
Pontos-Chave da Sessão
• As reacções adversas aos anti-retrovirais e outros medicamentos
usados nos cuidados do doente de HIV são frequentes.
• Podem ser confundidas com outros problemas, por exemplo, novas
infecções ou SIR.
• A maioria delas são leves a moderadas, mas podem ser graves e causar
mortalidade.
• A toxicidade pode ter um impacto negativo na adesão dos pacientes
ao tratamento.
• A detecção atempada pode evitar casos graves, ao permitir a suspensão
e substituição do medicamento suspeito.
185
Capítulo 5
Referências
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the Use of Antiretroviral Drugs for
Treating and Preventing HIV Infection.
Recommendations for a public health
approach. Geneva: WHO Press; 2013.
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limited formulary. The Journal of infectious
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adverse events after generic HAART in
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4. Jamisse L BJ, Hitti J, Gloyd S, Manuel R,
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AIDS. Jun 2012;23(6):403-407.
186
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Mugabo J, Atte EF, Reid T. Stavudine- and
nevirapine-related drug toxicity while
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factors in a three-year cohort in Kigali,
Rwanda. Transactions of the Royal Society
of Tropical Medicine and Hygiene. 2009.
9. Wyatt CM, Arons RR, Klotman PE,
Klotman ME. Acute renal failure in
hospitalized patients with HIV: risk
factors and impact on in-hospital
mortality. AIDS 2006; 20:561–565.
10. Madeddu G, Bofanti P, De Socio G,
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Tenofovir renal safety in HIV-infected
patiens: Results from the SCOLTA proyect.
Biomed Pharmacother 2008;62:6-11.
C apí tulo 6
Sarcoma de Kaposi
Índice Capítulo 6
Introdução.................................................................. 189
Epidemiologia da Infecção por VHH-8
e do Sarcoma de Kaposi........................................ 190
Prevalência da Infecção por VHH-8
em África............................................................................190
Prevalência da Infecção por VHH-8
em Moçambique..........................................................191
Epidemiologia do SK em Pacientes
com HIV/SIDA em África...........................................191
Sarcoma de Kapose e Mortalidade.................... 192
Síndrome de Imuno-reconstituição
por Sarcoma de Kaposi (KS-SIR).......................... 193
Prevenção da Morbilidade e Mortalidade
Associada ao Sarcoma de Kaposi....................... 194
Início Atempado de TARV nos pacientes
com HIV.............................................................................194
Identificação e Estadiamento dos
Pacientes com Sarcoma de Kaposi....................195
Diagnóstico de SK Pulmonar.........................196
Diagnóstico Diferencial do
Sarcoma de Kaposi Pulmonar.......................198
Estadiamento do Sarcoma de Kaposi......199
Tratamento do Sarcoma de Kaposi.................... 202
Tratamentro antiretroviral e Sarcoma
de Kaposi...........................................................................202
Indicações para Quimioterapia no
Tratamento do Sarcoma de Kaposi...................203
Tratamento da Síndrome de Imunoreconstituição por Sarcoma de Kaposi...........205
Outras considerações no Manejo
do Sarcoma de Kaposi Pulmonar.......................208
Tratamento Paliativo em Pacientes
com Sarcoma de Kaposi...........................................212
Outras complicações da infecção por
VHH-8............................................................................ 213
Doença Multicêntrica de Castleman................213
Linfoma Efusivo Primário (LEP).............................214
Pontos-Chave da Sessão........................................ 215
Referências.................................................................. 216
Capítulo 6
6. Sarcoma de Kaposi
Introdução
O Sarcoma de Kaposi é uma neoplasia multifocal que se apresenta como máculas,
pápulas, placas e nódulos de cor vermelha ou roxa na pele, gânglios e outros órgãos.
As lesões cutâneas podem ser duras ou moles, únicas ou numerosas e inicialmente
podem aparecer como manchas escuras. O sarcoma de Kaposi é causado pelo vírus
herpes humano 8 (VHH-8).1,2 Na ausência do vírus, não acontece o sarcoma de
Kaposi.
Pensa-se que o VHH-8 é transmitido através do contacto com fluidos corporais
infectados, como a saliva, esperma ou outros. Contudo, os padrões de transmissão
podem variar de umas populações para outras.
O sarcoma de Kaposi é uma doença maligna, que pode aparecer na pele, na boca,
nos gânglios, no aparelho gastrointestinal e/ou nos pulmões e vias respiratórias.
Pode ser assintomático ou muito agressivo. Nas pessoas com HIV pode-se
apresentar como síndrome de imuno-reconstituição (SIR). Mais adiante nesta
sessão serão classificados os pacientes com SK consoante ao seu risco de progressão
e prognóstico da doença. A infecção por VHH-8 está também relacionada com o
aparecimento de certos linfomas e outras complicações nos pacientes HIV+. Por
vezes, estas patologias, muito menos frequentes que o SK, podem aparecer em
simultâneo com o SK.
Nesta sessão serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
•
•
•
•
•
Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi;
Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma de Kaposi;
Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KS-SIR);
Tratamento do Sarcoma de Kaposi;
Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi;
Outras complicações da infecção por VHH-8.
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
189
Capítulo 6
Epidemiologia da Infecção por VHH-8 e do Sarcoma de Kaposi
Prevalência da Infecção por VHH-8 em África
A infecção pelo VHH-8 não tem uma distribuição geográfica homogénea. Sua
prevalência varia entre países e dentro do mesmo país. Por exemplo, o mapa que
se segue (de Shebl et al, 2013)3 mostra a distribuição do sarcoma de Kaposi e do
VHH-8 (avaliado a partir da presença de DNA do vírus no sangue) em diferentes
regiões de Uganda. Neste país a prevalência de infecção por VHH-8 é muito
elevada, motivo pelo qual, o sarcoma de kaposi endémico (aquele não ligado ao
HIV) é relativamente frequente. Este estudo incluiu indivíduos HIV+ e HIV-. No estudo acima mencionado, a infecção por VHH-8 associou-se com o sexo
masculino, meio rural e status sócio-económico baixo, assim como com certas
regiões do país. A infecção foi apenas ligeiramente mais prevalente em pessoas
com HIV.
190
Capítulo 6
Prevalência da Infecção por VHH-8 em Moçambique
Num estudo populacional de âmbito nacional4, a prevalência de anticorpos contra o
VHH-8 foi de 21.4%, sem grandes diferenças entre as regiões do país (18.7%, 24.3%
e 21.4% no norte, centro e sul respectivamente). A prevalência global aumenta com
a idade. Segundo estes dados, Moçambique é um dos países africanos com infecção
endémica por VHH-8, e devido à co-existência da pandemia de HIV, é necessário
aumentar a cobertura de tratamento antiretroviral para evitar um “surto” de
sarcoma de Kaposi relacionado com o HIV.
Apesar de que a infecção por VHH-8 acontece em HIV+ e também em HIV-, é
muito mais provável a progressão para SK na presença de HIV. Em 1981, uma
epidemia de sarcoma de kaposi nos EUA anunciou a pandemia de HIV/SIDA.5
O sarcoma de Kaposi, uma patologia extremamente infrequente na população
dos EUA, foi mais de 3,500 vezes mais frequente em indivíduos HIV+ do que na
população geral durante aqueles anos, e mais de um terço dos pacientes com HIV
desenvolveu sarcoma de Kaposi.5
Contudo, em contextos onde a infecção por VHH-8 é frequente na população geral,
o aumento de risco de aparecimento de SK em pacientes com HIV em relação aos
seronegativos pode ser menor.
Epidemiologia do SK em Pacientes com HIV/SIDA em África
Algumas das informações relativas à incidência de SK em população seropositiva
provêm de África do Sul, resumidas a seguir por Mosam:
“Devido à disseminação imparável da infecção por HIV, o SK é agora o cancro mais
frequente entre os homens, e o segundo mais prevalente nas mulheres, em muitos
locais de África”.
Um estudo de caso-controlo com 8,487 participantes em Johannesburgo, RSA,
identificou os cancros mais comuns em população negra ao longo de 10 anos (1995
– 2004). Os dados são apresentados na tabela seguinte6:
Cancros mais prevalentes na população negra (Johannesburg 1995-2004)
Homens
191
Esófago (17%)
Mulheres
Colo uterino (32%)
Próstata (13%)
Mama (25%)
Pulmão (10%)
Esófago (6%)
Boca e orofaringe (8%)
Endométrio (5%)
Sarcoma de Kaposi (6%)
Ovário (4%)
Capítulo 6
A infecção por HIV associou-se com um aumento do risco de desenvolvimento
de alguns cancros: um risco 50 vezes maior para sarcoma de Kaposi, 6 vezes maior
para linfoma não Hodgkin, 1.5-2 vezes maior para o cancro de colo uterino, o
cancro anogenital, o cancro de pele e o linfoma de Hodgkin.
Outro estudo sul-africano referido também por Mossam el al., analisou a evolução
temporal da incidência de sarcoma de Kaposi na população negra na província
de KwaZulu-Natal durante um período de 23 anos (1983-2006). O estudo mostra
o aumento dramático na incidência de sarcoma de Kaposi desde a época prévia à
epidemia de HIV e até o momento actual.
As taxas de incidência ajustadas para idade nesta região aumentaram de menos de 1
caso por 100.000 pessoas/ano para 15 casos por 100.000 pessoas/ano. Este aumento
aconteceu em ambos os sexos: aumento de 50 vezes nas mulheres (de 0.2 até 11.1
casos/100.000 pacientes/ano e 20 vezes nos homens (de 1.0 até 19.7 casos/100.000/
ano). O aumento geral foi de 30 vezes (de 0.5 até 14.8 casos/100.000/ano). Este
aumento exponencial na incidência de sarcoma de Kaposi espelha a epidemia de
HIV, com taxas de prevalência que passaram de 1.6% em 1989 para 39% em 2006.6
Sarcoma de Kaposi e HIV em Moçambique: numa coorte de pacientes com
HIV na província de Maputo (2010), 19% dos pacientes elegíveis ao TARV foi
diagnosticado com sarcoma de Kaposi na altura do início do seguimento.7
Sarcoma de Kapose e Mortalidade
O sarcoma de Kaposi é uma condição oportunista maligna definidora de estadio
4 segundo a classificação para HIV/SIDA da OMS e acareta um elevado risco de
mortalidade. Num estudo de MSF publicado em 2013, sobre causas de morte em
25 programas de tratamento de HIV/SIDA (10 países diferentes, 7 deles em África),
a presença de SK quase duplicou o risco de morte (HR 1.84) mesmo após o ajuste
para outros factores de risco como a contagem baixa de CD4.8
Num outro estudo em África do Sul9, também publicado em 2013, o risco de morte
aumentou em mais de 3 vezes em pacientes HIV+ com sarcoma de Kaposi: após
ajuste para género, CD4 inicial, idade, local de tratamento, tuberculose e ano de
início de TARV, os pacientes com SK tinham 3 vezes mais probabilidade de morrer
a qualquer altura após a introdução de TARV (HR: 3.62; IC95% 2.71-4.84) quando
comparado com os pacientes sem SK. O aumento de risco foi maior durante o
primeiro ano de TARV (HR 4.05; IC95% 2.95-5.55) e diminuiu posteriormente. Os
pacientes com SK tinham uma recuperação imunológica menor, em média 29 cels/
mm3 menos que aqueles sem SK, e tinham menor probabilidade de ter um aumento
igual ou superior a 50 cels/mm3 durante os primeiros 6 meses de tratamento.
192
Capítulo 6
A mortalidade nos pacientes com SK era ainda maior se o SK era visceral, cursava
com aparecimento de SIR ou se apresentava em associação com linfoma por VHH8. (vide mais informações adiante nesta sessão).
Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi (KSSIR)
Para além do risco global de morte que a presença de sarcoma de Kaposi confere,
esta patologia pode apresentar-se como SIR. A SIR por SK representa um risco de
morte acrescentado. No estudo sobre prevalência de SK na província de Maputo
mencionado anteriormente, durante os primeiros 10 meses de TARV, 8 pacientes
(8/69, 11.6%), apresentaram SIR por SK, numa média de tempo de 13.8 semanas
após a introdução do TARV. Nesta coorte, 2 pacientes morreram (25%).7 A análise
multivariada identificou 4 preditores independentes de SIR por sarcoma de Kaposi:
•
•
•
•
Existência de SK clínico prévio ao tratamento (HR 91.7);
DNA do VHH-8 detectável no plasma (HR 24.4);
Hematocrito <30% (HR 26.5);
Carga viral de HIV elevada (HR 34.6 por cada logarítmo de carga viral a
mais).
Os resultados deste estudo em Moçambique são semelhantes aos de outros locais
em África. Um estudo10 desenhado para avaliar a incidência, os factores preditores
e os resultados da SIR por SK em pacientes com SK que iniciavam o TARV e que
tentava comparar estes resultados em locais com e sem limitação de recursos,
encontrou o seguinte: Um total de 58/417 (13.9%) pacientes com SK apresentaram
SIR, com uma incidência 2.5 vezes maior em pacientes na África vs pacientes
da Europa (P <0.001). Todos as seguintes variáveis foram identificadas como
preditores independentes de SIR por sarcoma de Kaposi:
• TARV como único tratamento para o sarcoma de Kaposi (HR 2.97; IC95%
1.02-8.69);
• Estadio T1 de sarcoma de Kaposi (HR 2.96; IC95% 1.26–6.94);
• Carga viral de HIV acima de 5 log (HR 2.14; IC95% 1.25-3.67).
A carga viral detectável do VHH-8 também permitiu predizer a ocorrência de SIR
por SK entre 259 pacientes avaliados num outro estudo10 (HR 2.98; IC95% 1.237.19). Neste estudo houve 19 óbitos por SIR-SK, todos eles em coortes de África
subsaariana. A mortalidade por SK foi 3 vezes superior em África e os factores
associados com maior mortalidade foram:
193
Capítulo 6
• Presença de SIR por SK (HR 19.24; IC95% 7.62–48.58);
• Ausência de tratamento com quimioterapia (HR 2.35; IC95% 1.09–5.05);
• CD4 prévios ao TARV ≤ 200 cels/mm3 (HR 2.04; IC95% 0.99–4.2);
• Carga viral do VHH-8 detectável no início do tratamento (HR 2.12;
IC95% 0.94–4.77). Prevenção da Morbilidade e Mortalidade Associada ao Sarcoma
de Kaposi
Para evitar a elevada morbilidade e mortalidade relacionada com o Sarcoma de
Kaposi todos os seguintes passos são necessários:
•
•
•
•
Primeiro, iniciar o TARV atempadamente nos pacientes com HIV;
Segundo, identificar e estadiar precocemente os casos de SK;
Terceiro, referir para o tratamento com quimioterapia quando indicado;
Quarto, gerir a SIR e os sinais/sintomas relativos à resposta inflamatória
perante o tumor na altura da reconstituição imune;
• Quinto, reconhecer outras condições malignas associadas à infecção pelo
VHH-8;
• Sexto, identificar e gerir dos efeitos adversos provocados pela quimioterapia
para SK.
Início Atempado de TARV nos pacientes com HIV
Em África do Sul, a incidência de SK foi 5 vezes maior em pacientes com HIV que
não tinham iniciado o TARV, quando comparada com a dos pacientes em TARV
(Bohlius et al.).11 Veja a figura que segue, proveniente deste estudo:
Quadro 56: Incidência cumulativa de SK antes e depois do início de TARV (RSA).
Figure 1. Cumiulative incidence of Kaposi’s Sarcoma
before and after starting antiretroviral therapy (ART) in
South Africa. Time zero refers to start of observation (i.e.
enrolment into the cohort) plus 30 days in patients not on
ART and to start of ART plus 30 days in patients on ART.
ART: Antiretroviral Therapy
194
KS: Kaposi’s Sarkoma
Capítulo 6
Identificação e Estadiamento dos Pacientes com Sarcoma de Kaposi
Como diagnosticar sarcoma de Kaposi? Para começar, é imprescindível realizar
um exame físico completo com destaque para a pele, áreas ganglionares e boca, em
todos os pacientes com diagnóstico recente de infecção por HIV.
Idealmente esta avaliação deveria ser feita a cada consulta, ainda que provavelmente
seja suficiente e mais prático repetir o exame físico apenas naqueles pacientes com
CD4 baixos ou não disponíveis.12
No exame físico o clínico deve procurar:
• Lesões planas ou elevadas, com aumento da coloração, a nível da pele e da
mucosa oral;
• Edema na face, área genital e extremidades com ou sem lesões ulceradas;
• Adenopatias.
Imagens: Lesões de sarcoma de Kaposi em diversas localizações13
195
Capítulo 6
A seguir deve perguntar ao paciente pela existência de dispneia, tosse, hemoptise ou
sangramento intestinal, e solicitar Rx de tórax sempre que possível. Normalmente
os sintomas gastrointestinais e respiratórios deveriam ser investigados em
profundidade através da realização de endoscopia e broncoscopia, ainda que muito
provavelmente isto não seja possível na maioria de casos”.
É importante salientar que o SK visceral (respiratório ou gastrointestinal) acontece
geralmente em pacientes que também apresentam lesões por SK cutâneo, ainda que
haja excepções.14
Bartlett calcula que mais de 95% dos pacientes com sarcoma de Kaposi tem
envolvimento cutâneo, aproximadamente 30% tem SK a nível da cavidade oral,
40% tem afectação do tracto gastrointestinal e entre 20 e 50% dos pacientes tem envolvimento pulmonar. Aboulafia15 afirma que estudos post-mortem realizados
em pacientes com SK mucocutâneo, revelam que 47-75% tinham também
afectação pulmonar e que quase todos os que apresentam SK pulmonar tinham
lesões mucocutâneas.
Diagnóstico de SK Pulmonar
É particularmente importante identificar os pacientes com SK pulmonar, uma
vez que esta patologia é facilmente confundida com outros quadros clínicos que
requerem de uma abordagem totalmente diferente, nomeadamente tuberculose,
PCP, Pneumonias bacterianas. Perante a suspeita de SK pulmonar devem ser
excluídas outras causas de patologia pulmonar, como tuberculose e outras infecções
oportunistas. Aboulafia15 resume na seguinte tabela a apresentação clínica do SK
pulmonar em 11 estudos diferentes:
quadro 57: Achados clínicos mais comuns no SK em diversas séries (Aboulafia)
196
Capítulo 6
Segundo esta tabela, os sinais e sintomas mais comuns em pacientes com SK
pulmonar são:
•
•
•
•
•
•
Tosse: quase 100% dos pacientes com SK pulmonar sintomático;
Dispneia: quase 100% dos pacientes com SK pulmonar sintomático;
Hemoptise: 30-55% dos pacientes;
Outros sintomas B (febre e sudorese): 36-100%;
Infecções oportunistas prévias ou em simultâneo ao SK: 20-80%;
Dor torácica: 10-55%.
Aboulafia, no mesmo artigo resume ao achados radiológicos do sarcoma de Kaposi pulmonar. Veja a tabela a seguir e as imagens radiológicas que se mostram:
quadro 58: Achados radiográficos do Sarcoma de Kaposi pulmonar
Variáveis
Parênquima
Pleura
Linfadenopatias
intratorácicas
Achados
Infiltrados retículo-nodulares devido à infiltração pulmonar pelo tumor
Infiltrado intersticial difuso ou infiltração linear e septal
Consolidação pulmonar focal ou colapso No início, as lesões parenquimatosas podem não ser visíveis no Rx
Derrame pleural em um ou ambos hemitórax de quantidade variável
No SK pulmonar avançado, 10-20% dos pacientes têm aumento dos gânglios hiliares ou mediastinais
* From McGuiness e Denton et al
Imagens: Rx tórax e TAC torácica em paciente com SK, mostrando progressão da doença
197
Capítulo 6
Na era de TARV, os pacientes com SK pulmonar podem sobreviver alguns anos,
quando são tratados com TARV e quimioterapia, contudo, o prognóstico é
consideravelmente pior nos pacientes com SK e afectação pulmonar. Veja a figura
seguinte de Palmieri19:
Quadro 59: sobrevivência media em pacientes com SK diagnosticados na era do TARV,
comparando aqueles com e sem afectação pulmonar
Diagnóstico Diferencial do Sarcoma de Kaposi Pulmonar
Como saber se a causa de um derrame pleura é devida a SK ou a outra complicação
derivada da presença do HIV? O diagnóstico diferencial do derrame pleura em
pacientes com HIV/SIDA inclui o Sarcoma de Kaposi, a tuberculose, a pneumonia
complicada, outros tumores, a insuficiência renal avançada, a insuficiência cardíaca
e algumas infecções oportunistas pulmonares, incluindo a criptococose pulmonar,
a infecção por micobactérias atípicas, a PCP e outras.20
A radiologia torácica, a toracocentese, a broncoscopia e a microbiologia de escarro,
incluindo os testes moleculares como GeneXpert, podem ajudar a determinar
a causa. No caso de derrame pleural por SK, o líquido é descrito como sendo
um exsudado serosanguinolento ou hemorrágico. A amostra obtida a partir da
toracocentese não é muito rentável para diagnosticar sarcoma de kaposi, mas
deve ser obtida sempre que possível para excluir a existência de infecção por
micobactérias.15
198
Capítulo 6
Estadiamento do Sarcoma de Kaposi
Algumas formas de sarcoma de Kaposi têm um risco maior de apresentar
complicações e morte em relação a outras. Para poder estadiar o sarcoma de Kaposi
num paciente, é imprescindível realizar anamnese e exame físico completos,
segundo foi descrito acima.21
Quadro 60: Sistema de Estadiamento para Sarcoma de Kaposi. Clinical Trials Group
Oncology Committee2
0
1
Tumor (T)
Confinado à pele e/
ou gânglios e com
doença oral mínima*
- Edema/ ulceração associado ao tumor
- SK oral extenso
- SK em outros locais além dos gânglios (visceral)
Sistema immune (I)
CD4 ≥ 200 c/mm3
CD4 < 200 c/mm3
Doença sistémica (S)
Sem antecedentes de
candidíase oral ou outras
condições oportunistas
Sem sintomas B†
Performance status
≥ 70 (Karnovsky)
- Antecedentes de candidíase oral ou outras condições
oportunistas
- Sintomas B presentes
- Performance status < 70
* define-se como doença oral mínima a presença de lesões orais não nodulares confinadas ao palato
† Sintomas “B” são a febre inexplicada, sudorese e perda involuntária de > 10% do
peso corporal ou diarreia persistente e inexplicada por mais de 2 semanas
Esta classificação permitiu predizer o prognóstico em pacientes HIV+ com SK antes
que o TARV estivesse disponível. A sobrevivência foi muito menor em pacientes
classificados na categoria de mau prognóstico para cada uma das variáveis (T, I, S).
Segundo os resultados de este estudo a sobrevivência média foi a seguinte21:
Sobrevivência média
T0: 27 meses
T1:15 meses
I0: 40 meses
I1: 13 meses
S0: 22 meses
S1: 16 meses
Uma análise multivariada indicou que
o grau de imunodepressão foi o melhor
preditor do prognóstico, contudo o grau
de extensão da doença (T) permitiu
também predizer o prognóstico, especialmente nos pacientes sem imunodepressão avançada.
Conclusão: a classificação da ACTG (T/I/S) permite predizer a sobrevivência dos
pacientes com sarcoma de Kaposi associado à infecção por HIV. O estadio do
tumor (T) e o grau de imunodepressão (I) fornecem a melhor informação neste
sentido.
199
Capítulo 6
Para um estadiamento completo o clínico deve considerar também o resultado de
CD4, os antecedentes do paciente, o performance status ou estado geral e outras
complicações da doença. A avaliação inicial deveria ser registada com um nível de
detalhe que permita monitorar a melhoria clínica ou a progressão da doença.
O impresso nacional para a recolha de informação durante a avaliação inicial dos
pacientes com Sarcoma de Kaposi é reproduzido a seguir:
Quadro 61: Ficha clínica de Sacroma de Kaposi
200
Capítulo 6
Como já foi referido anteriormente, o sistema de estadiamento apresentado, foi
desenvolvido antes do TARV estar disponível. Em avaliações posteriores foi
observado que a contagem de CD4 era um factor de risco menos importante nos
pacientes que recebiam TARV. Actualmente existem critérios modificados para
a classificação, que não contemplam esta variável, uma vez que se considera que
todos os pacientes com diagnóstico de SK e HIV devem iniciar o TARV de forma
eficaz e sem demora.
A seguir apresenta-se a classificação de Sarcoma de Kaposi em Moçambique,
segundo o guião de TARV Nacional:
Durante a avaliação clínica de pacientes com SK, deve-se lembrar que o SK pode
apresentar-se como SIR e também pode estar associado a outras condições ligadas
à infecção pelo VHH-8 (doença de Castleman, Linfoma primário efusivo). Nestes
casos, o prognóstico é pior que nos casos de SK isolado. (vide mais informações
adiante nesta sessão).
201
Capítulo 6
Tratamento do Sarcoma de Kaposi
O tratamento do Sarcoma de Kaposi contempla 3 componentes:
• TARV
• Quimioterapia
• Tratamento paliativo
Tratamentro Antiretroviral e Sarcoma de Kaposi
Todos os pacientes com SK devem iniciar o tratamento antiretroviral com um
esquema de TARV eficaz, uma vez que o SK é uma condição definidora de estadio
4 da OMS.
Uma parte dos pacientes com Sarcoma de Kaposi poderá apresentar melhoria
apenas com o TARV. Num estudo realizado em Uganda, aproximadamente
60% dos pacientes HIV+ com SK permaneceu estável apenas com TARV e sem
progressão da doença que justificasse a indicação de quimioterapia. Os restantes
40% morreram ou precisaram de quimioterapia ao longo do seguimento.23
Num outro estudo realizado em Uganda24 onde foram seguidos 1,121 indivíduos,
17 (1.5%) foram diagnosticados com sarcoma de Kaposi antes do diagnóstico de
HIV (sarcoma de Kaposi prevalente) e outros 18 pacientes (1.6%) foram também
diagnosticado com SK ao longo do período de seguimento do estudo (seguimento
médio de 56 meses). Os factores de risco para desenvolver SK foram os seguintes:
• Sexo masculino (OR ajustada 2.41; IC95% 1.20–4.86);
• CD4 basal < 50 cells/mm3 (OR ajustada 3.25; IC95% 1.03–10.3).
Neste estudo, 65% dos pacientes com SK prevalente e 72% dos pacientes que
desenvolveram SK ao longo do estudo experimentou regressão completa. Por sua
vez, 64% dos pacientes que foi mantido num esquema de TARV com INNTR (18/28
pacientes) e 86% dos que foram trocados para um esquema de TARV contendo um
inibidor da protease (6/7 pacientes), experimentou regressão das lesões de SK, ainda
que as diferenças entre os grupos não tenham sido estatisticamente significativas
(P = 0.23). A mortalidade neste estudo associou-se claramente com a presença de
doença por SK visceral (HR 19.22; IC95% 2.42–152). Outros estudos apresentam resultados menos favoráveis. Num estudo na RSA,
somente 39% dos pacientes com sarcoma de Kaposi teve boa evolução apenas com
TARV.25
Pensa-se que o uso de inibidores da protease pode melhorar a evolução do sarcoma
de Kaposi em pacientes em TARV, contudo este facto não tem sido confirmado
ainda. Um estudo26 que comparou coortes de pacientes com diferentes esquemas
de TARV (por um lado TARV contendo IP e por outro, outros esquemas) observou
uma diminuição na ocorrência de novos casos de sarcoma de Kaposi na coorte de
pacientes que recebia TARV com IP potenciado. Este estudo não incluiu pacientes
202
Capítulo 6
com SK ao início do seguimento. Outro estudo semelhante, envolveu pacientes
com diagnóstico de SK na altura da introdução do TARV e neste caso, não foram
encontradas diferenças entre os diferentes braços do estudo.23
Indicações para Quimioterapia no Tratamento do Sarcoma de Kaposi
Todos os pacientes com sarcoma de Kaposi que apresentam risco de morte
imediato devido às lesões (lesões orais muito extensas e que interferem com a
alimentação ou respiração ou outras lesões viscerais sintomáticas) devem receber
quimioterapia. Para pacientes com doença menos avançada, não há consenso sobre
os benefícios da quimioterapia. Estas incertezas podem ter sido esclarecidas com
a publicação de um ensaio clínico de grandes dimensões que tratou com TARV
todos os pacientes com estadio T0 e com TARV e quimioterapia aos pacientes
com estadio T1. Os pacientes com estadio avançado do sarcoma de Kaposi (T1)
receberam quimioterapia com antraciclinas liposomais. A seguir apresentamos os
detalhes deste estudo:
• Desde 1998 foram arrolados no estudo realizado na Inglaterra um total de 303
pacientes com o estadio T0 e 166 pacientes com estadio T1. Os pacientes com
estadio T0 tinham uma contagem de CD4 mais elevada (P < 0.001); 90% dos
pacientes com estadio T0 e 84% dos pacientes com estadio T1 recebeu terapia
em consonância com a abordagem planificada no estudo. O tempo médio de
seguimento foi de 4,6 anos. A sobrevivência média foi de 89%. Foram registados 54
óbitos, dos quais 15 devidos directamente ao sarcoma de Kaposi. A sobrevivência
desagregada por grupos foi de 92% para os pacientes com estadio T0 e 83% para os
pacientes com estadio T1 (P < 0.001).27 Neste estudo aproximadamente 10% dos
pacientes inicialmente estadiados como T0 acabou recebendo outros tratamentos
para sarcoma de Kaposi, como cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, por causa
do sarcoma de Kaposi ou de outras patologias malignas diagnosticadas ao longo
do período de seguimento do estudo. A seguir está representado o gráfico que
mostra a sobrevivência nos 2 braços do estudo:
quadro 62: Sobrevivência media em 469 pacientes em função do estadio de SK
203
Capítulo 6
Conclusões: Este estudo fornece evidência de que o estadiamento clínico, com
destaque para a componente T do estadiamento, é uma base sólida que permite a
escolha de pacientes elegíveis a receber quimioterapia. A quimioterapia pode ser
adiada na maioria dos pacientes com estadio T0. Esta abordagem para manejo dos
casos de sarcoma de Kaposi baseada no estadio clínico, permite atingir taxas de
sobrevivência elevadas em pacientes com sarcoma de Kaposi avançado, permitindo
ao mesmo tempo poupar a exposição à quimioterapia na maioria de casos com
estadio precoce. Contudo, é de salientar que neste estudo, foram usados esquemas
de quimioterapia baseados em antraciclinas liposomais. Estes fármacos não estão
disponíveis de forma rotineira no nosso contexto.
• Um estudo anterior realizado na África do Sul que usou apenas fármacos
quimioterápicos de baixo custo fornecidos pela OMS (quase todos eram
casos com estadio T1), mostrou uma melhoria dos resultados clínicos em
pacientes tratados com quimioterapia e TARV em relação aos pacientes
tratados apenas com TARV, mas sem aumento da sobrevivência.
Resultados: 59 pacientes foram randomizados para receber o TARV e 53
pacientes, TARV + quimioterapia. A resposta clínica do SK aos 12 meses
foi de 39% no braço de TARV e 66% no braço de TARV + Quimioterapia
(diferença de 27%; IC95% 9-43%; P = 0.005). Nessa altura, 77% dos pacientes
continuava vivo, sem diferenças entre os braços (P = 0.49). Neste estudo,
a qualidade de vida e a taxa de resposta do SK foi superior no braço que
recebeu quimioterapia + TARV mas a sobrevivência não melhorou.25
• Finalmente, o estudo seguinte apresenta resultados encorajadores em
relação ao tratamento do sarcoma de Kaposi em crianças. Nesta série de
casos de Maputo, um total de 24 crianças completaram quimioterapia para
sarcoma de Kaposi; 5 delas tiveram remissão completa e 19 tiveram 6090% de redução das lesões cutâneas. O desaparecimento gradual das lesões
aconteceu após a finalização da quimioterapia em todos os casos (entre 1
e 10 meses após finalizar). A remissão mantida durante uma média de 27
meses (20-36) foi observada em todos os pacientes excepto em 3. Estas 3
crianças sofreram recaída do sarcoma de Kaposi; 2 tiveram uma recaída
transitória que melhorou sem necessidade de mudanças de esquema de
TARV ou outros tratamentos e a terceira criança teve recaída cutânea e
ganglionar motivou a administração de quimiotarapia com Paclitaxel, sem
benefícios. Neste estudo, 4 das crianças com remissão completa obitaram
após a finalização da quimioterapia. Pensa-se que as mortes não tiveram
relação com a quimioterapia, sendo 2 por malária severa e outras de causa
não conhecida.2
204
Capítulo 6
Tratamento da Síndrome de Imuno-reconstituição por Sarcoma de Kaposi
Apesar do TARV estar indicado para todos os pacientes com diagnóstico de
Sarcoma de Kaposi e HIV, a introdução de TARV em pacientes com infecção por
VHH-8 pode provocar SIR. Para além do risco geral de mortalidade por causa
do Sarcoma de Kaposi, a ocorrência de SIR nestes pacientes representa um risco
de morte adicional. A SIR por SK pode-se manifestar como lesões mucocutânes,
viscerais ou ambas.
Numa coorte nos EUA, a SIR por SK com afectação visceral (geralmente pulmonar),
teve a taxa de mortalidade mais elevada (50%) de todas as formas de SIR existentes
(incluindo SIR secundário a TB, CMV, PCP ou criptococo). O sarcoma de Kaposi
sem envolvimento visceral não mostrou aumento da mortalidade por SIR nesta
coorte28 (Achenbach).
No estudo Sulafricano apresentado anteriormente (Mosam 2012)25, houve 23 casos
de SIR por SK e 10 deles (43.5%) resultaram em óbito.
Na coorte de Manhiça descrita anteriormente, durante os primeiros 10 meses de
TARV 8 pacientes (8/69, 11.6%) apresentaram SIR por SK, uma média de 13,8
meses após a introdução do TARV.7 2 pacientes (25%) morreram. O SK a nível mucocutâneo também pode-se manifestar como SIR, após a introdução
do TARV. Numa série de casos publicada, as lesões de SK preexistentes aumentaram
em tamanho e número (média de 20 lesões mais por paciente durante o episódio de
SIR) e em alguns casos se apresentaram com dor e edema (Leidner)29. A fotografia
abaixo mostra a rápida progressão de uma lesão orofaríngea de pequeno tamanho
antes da introdução de TARV, e que cresce de forma evidente e fica visível também
no outro lado, após a reconstituição imune que segue à introdução de TARV.
A SIR por sarcoma de Kaposi envolve frequentemente os pulmões. Pode-se
205
Capítulo 6
apresentar com febre, dispneia, tosse, perda de peso e aparecimento de infiltrados
pulmonares ou derrame pleural no Rx tórax, e geralmente associa-se com lesões
de SK mucocutâneas. O SK pulmonar pode-se semelhar com um quadro de TB
(SIR-TB) ou de PCP (SIR-PCP) e pode-se apresentar em simultâneo com estas
patologias. As taxas de mortalidade são muito elevadas nestes casos (100% no
estudo de Mosa25). Um exemplo de evolução dramática das imagens do Rx de tórax
num paciente com SIR por SK pulmonar mostram-se a seguir (Friedland30). Nota:
este paciente sobreviveu!
Imagem A: Rx torax realizado 14 semanas
antes da admissão no hospital
Imagem B: progressão evidente dos
infiltrados pulmonares com consolidações
confluentes perihiliares e perivasculares
Os pacientes com sarcoma de Kaposi extenso, especialmente aqueles com
envolvimento visceral (e particularmente a nível do aparelho respiratório, isto é,
pulmões, pleura, gânglios intratorácicos) apresentam um pior prognóstico (elevada
mortalidade após a introdução do TARV). Uma parte importante dos casos devese à elevada carga tumoral que faz com que os pacientes apresentem agravamento
de sintomas respiratórios como consequência da reconstituição imune que leva
ao reconhecimento das células tumorais e a conseguinte reacção inflamatória, que
pode comprometer a vida a curto prazo. A identificação dos pacientes com elevado
risco de apresentar síndrome de imuno-reconstituição por SK pode permitir uma
gestão atempada de complicações:
• Pacientes com lesões de crescimento rápido em outras localizações (pele e
nódulos linfáticos);
206
Capítulo 6
• Pacientes sintomáticos (com sintomas respiratórios) devidos a lesões de SK
antes da introdução do TARV: exemplo, derrame pleural;
• Pacientes com lesões orais (palato) muito extensas.
Nestes casos, a oxigenoterapia, a toracocentese evacuadora, se for necessário de
forma repetida, assim como a pleurodese química, podem permitir a melhoria
clínica. Estes casos complexos e graves devem ser geridos sempre que possível em
locais com um mínimo de recursos.
O tratamento da SIR por SK não é diferente do tratamento do SK (TARV,
quimioterapia quando indicado e tratamento de suporte).
Contudo, há algumas particularidades no manejo da SIR por SK: ao invés do
que acontece em outros casos, a administração de corticóides pode provocar um
agravamento da SIR. Já foram publicados alguns casos de pacientes sem HIV e com
doenças auto-imunes como a artrite reumatóide, que recebiam tratamento com
corticóides e que desenvolveram lesões de sarcoma Kaposi. Nestes casos, houve
remissão das lesões ao suspender os corticóides (Louthrenoo).31
Em 1989, Gill32 publicou uma série de 7 casos de pacientes HIV+ (6 dos quais com
diagnóstico prévido de SK) que apresentaram agravamento de lesões já existentes
ou aparecimento de novas lesões (alguns com mais de 100 lesões ou com ulceração
e edema) a nível mucocutâneo e visceral, nos 30 dias que seguiram à introdução
de corticóides (geralmente para o manejo de outras condições oportunistas como
PCP ou linfoma não Hodgkin). Todos eles melhoraram nas 8 semanas seguintes à
interrupção dos corticóides.
Em 1992, Elliott el al33 reportaram o aparecimento de lesões de SK em pacientes
com TB e HIV que recebiam prednisolona. Neste estudo, a incidência de SK foi
de 4.2 casos/100 pacientes/ano de seguimento, com nenhum caso reportado entre
pacientes sem tratamento com prednisolona34.
Por último, Volkow já reportou casos de exacerbação de SK devido a SIR com
comprometimento vital após a introdução de corticóides.35
Por estes motivos, alguns (ainda que nem todos) dos cientistas e especialistas
concluem que NÃO devem ser administrados corticóides a pacientes com SIR por
SK (Meintjes36, Stover37).
O guião Nacional de TARV igualmente desaconselha o uso de corticóides em
pacientes com sarcoma de Kaposi, com a excepção dos casos nos quais não há
alternativa:
207
Capítulo 6
Resumo: os pilares para o manejo da SIR por Sarcoma de Kaposi são TARV,
quimioterapia (quando indicado), anti-inflamatórios não esteróides e tratamento
de suporte (oxigenoterapia, toracocentese se indicado...)
Outras considerações no Manejo do Sarcoma de Kaposi Pulmonar
Segundo Light, o derrame pleural por sarcoma de Kaposi é difícil de gerir. A
pleurodese com tetraciclina não funciona em muitos dos casos. A pleurodese com
talco pode ser a melhor opção.20
Após a decisão de indicar quimioterapia, esta deve ser administrada garantindo
as medidas de segurança. Todos os agentes quimioterápicos têm toxicidade e
nem todos os pacientes irão tolerar a quimioterapia(QT). Isto implica que por
vezes, a eficácia e os resultados do tratamento na prática clínica pode ser pior que
aquele mostrado nos ensaios clínicos. Em Moçambique as recomendações sobre a
quimioterapia para SK são as seguintes:
Recomendações Específicas do Tratamento de SK associado ao HIV em Adultos:
• Iniciar o TARV em todos os casos, independentemente do CD4;
• Se SK com estadiamento T0 S0/T0 S1: Iniciar apenas TARV;
• Se SK com estadiamento T0 S0/T0 S1 que não responde em 6 meses ao
TARV e/ou múltiplas lesões, administrar :
• QT: Doxorubicina 60 mg/m2 + Vincristina 2mg, cada 3-4 semanas
• Se SK com estadiamento T1 S0/T1 S1:
QT: Doxorubicina 60 mg/m2 + Bleomicina 15 U
E.V. + Vincristina 2 mg, cada 3-4 semanas
Os principais efeitos adversos da QT de primeira linha para SK em Moçambique são:
a) Depressão medular, que se manifesta pelo aparecimento/agravamento da
anemia, neutropenia e trombopenia (todos os fármacos, especialmente
doxorrubicina);
b) Toxicidade cardíaca (dose dependende e cumulativa por Doxorrubicina);
c) Neuropatia mista sensitivo-motora (vincristina);
d) Sintomas gastrointestinais altos (vómitos, geralmente agudos e autolimitados).
As recomendações para o manuseamento da quimioterapia também segundo o
Guião Nacional de TARV são:
208
Capítulo 6
209
Capítulo 6
210
Capítulo 6
É importante salientar que a Doxorrubicina e Daunorrubicina liposomais, que neste
momento são consideradas a segunda linha de quimioterapia em Moçambique, são
de facto os medicamentos de primeira escolha em países sem limitação de recursos
(Kreil 201443). As formulações liposomais têm como alvo apenas as células tumorais
e não as células humanas sãs, o que permite taxas de resposta maiores com menor
toxicidade (Smart in HATIP12).
Durante e após a quimioterapia, a evolução das lesões de sarcoma de Kaposi deve
ser monitorada e registada no processo clínico. As reacções adversas devem ser
também monitoradas. O formulário para o seguimento de pacientes com SK é
reproduzido a seguir:
211
Capítulo 6
Tratamento Paliativo em
Pacientes com Sarcoma de
Kaposi
Uma vez que o prognóstico da
maioria dos pacientes com SK
avançado é mau é necessário
considerar o tratamento paliativo.
Francis et al.44 utilizam a escala
chamada African Palliative Outcome
Scale no artigo publicado em relação
ao tratamento do SK no Malawi.
Smart12 (HATIP) também recolhe
algumas orientações para melhorar a
qualidade de vida dos pacientes com
SK, nomeadamente:
• Uso de amitriptilina para manejo
da dor neuropática (noite);
• Massagens para o linfedema;
• Penso local para as lesões
ulceradas (água morna),
• Creme de metronidazol para
lesões com mau cheiro);
• Controle da dor (com derivados
mórficos se for necessário).
212
Capítulo 6
Outras complicações da infecção por VHH-8
A doença de Castleman e o linfoma efusivo primário (LEP), apesar de serem muito
menos menos frequentes que o sarcoma de kaposi, fazem parte das complicações
da infecção por VHH-8, e têm, duma forma geral, pior prognostico. Estas
patologias devem ser suspeitadas particularmente em pacientes com SK que
mostram deterioração clínica, uma vez que as duas patologias podem acontecer
em pacientes com SK. A seguir se descrevem de forma breve.
Doença Multicêntrica de Castleman
Trata-se de uma doença linfoproliferativa causada pela infecção por VHH8. Os pacientes HIV+ com esta condição se apresentam com febre, fraqueza,
linfadenopatia generalizada e citopenias39. Ainda que inicialmente pode regredir e
progredir, a evolução pode também ser muito agressiva, cursando com síndrome
hematofágica e anasarca secundário, insuficiência renal e hepática (Borie16) e
pode finalmente sofrer transformação para linfoma não Hodgkin (Volberding40).
75% dos pacientes nos quais é diagnosticada a doença de Castleman, apresentam
sarcoma de Kaposi mucocutâneo (Borie16). O diagnóstico é feito a partir da
biópsia. O prognóstico é mau (sobrevivência media 11 meses numa revisão citada
por Borie), e não existe um tratamento padronizado (Borie16). Na seguinte tabela
Carbone et al. são descritos os sinais/sintomas da doença41:
quadro 63: Características na apresentação de casos de Doença Multicêntrica de Casttleman
associada ao HIV. Revisão.
213
Capítulo 6
Linfoma Efusivo Primário (LEP)
Este é outra complicação derivada da infecção pelo VHH-8. O LEP é uma variante
do linfoma não Hodgkin que afecta às serosas (pleura, pericárdio e peritoneu) e
que pode se apresentar em pacientes com imunodepressão avançada e infecção
pelo VHH-8 (Borie)16. É pouco comum (3% dos linfomas associados a SIDA
[Borie]). Cursa com febre, dispneia, anemia (50%), derrame pleural (85%), ascite
(50%), hepatoesplenomegalia (66.7%). O sarcome de Kaposi esta presente em 3070% destes casos. Clinicamente pode se assemelhar à TB pleural ou sarcoma de
Kaposi pulmonar. O diagnóstico é feito a partir da citologia do líquido pleural. O
prognóstico é mau (sobrevivência média 6 meses) e não há nenhum tratamento
padronizado, contudo alguns esquemas de quimioterapia como CHOP tem sido
utilizados com resposta em alguns casos (Borie).
Na tabela seguinte, Ammari42 resume as características clínicas do LEP a partir dos
dados de 6 estudos:
quadro 64: Características do LEP a partir de 6 séries publicadas
Conclusão: Em pacientes com doença avançada por sarcoma de Kaposi, os clínicos
devem pensar também na possibilidade de coexistência de SIR por SK, LEP,doença
de Castleman e linfoma associado. Além destas, outras condições oportunistas
podem se apresentar com um quadro semelhante ao de sarcoma de Kaposi ou
acontecer em simultâneo.
214
Capítulo 6
Pontos-Chave da Sessão
• O vírus herpes humano 8 (VHH-8) é uma infecção oportunista
que pode provocar diversas patologias malignas associadas a SIDA:
sarcoma de Kaposi, LEP, doença de Castleman.
• O VHH-8 pode também causar sarcoma de Kaposi em pacientes
HIV negativos, especialmente se estes pacientes apresentam
imunodepressão pelo uso de corticóides ou por outras causas.
• O início atempado de TARV e a adesão mantida reduzem de forma
importante a incidência de sarcoma de Kaposi e outras condições
associadas à infecção por VHH-8.
• O sarcoma de Kaposi é a complicação mais frequente da infecção por
VHH-8. Sem tratamento, o prognóstico é mau, mas pode responder
parcialmente ao TARV + Quimioterapia quando indicada. Ambos
tratamentos estão disponíveis em Moçambique.
• Quando o sarcoma de Kaposi é diagnosticado num paciente, o clínico
deve estadiar para concluir se é necessário indicar quimioterapia
junto ao TARV, ou apenas é necessário iniciar o TARV.
• As complicações derivadas da infecção por VHH-8 incluem a SIR
por sarcoma de Kaposi particularmente a nível pulmonar, a doença
de Castleman e o LEP.
• A melhor forma de gerir o sarcoma de Kaposi é iniciar o TARV
atempadamente, antes que os pacientes estejam severamente
imunodeprimidos.
215
Capítulo 6
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218
C apí tulo 7
Desafios no Diagnóstico
da Co-infecção
Tuberculose e HIV
Índice Capítulo 7
Introdução................................................................221
Epidemiologia da TB em Moçambique:
O Problema do Subdiagnóstico........................221
Erros na Avaliação de Sinais e
Sintomas da Tuberculose...................................... 223
Falhas em Avaliar Sinais e Sintomas
da Tuberculose..................................................... 223
Demora na Avaliação de TB........................ 224
Baixa Sensibilidade dos Meios
Diagnósticos Disponíveis.............................. 224
Epidemiologia da TB em Crianças:
Problemas Específicos no Diagnostico
da TB Pediátrica.......................................................225
Subdiagnóstico e Subtratamento de TB
Resistente às Drogas.............................................227
Estudos que Mostram uma Prevalência
de TB Resistente em Moçambique................ 228
Causas da Tuberculose Droga
Resistente....................................................................229
Consequencias de TB-MDR................................. 232
Mortalidade........................................................... 232
Custo.......................................................................... 233
Teste de Gene Xpert: Vantagens no
Diagnóstico de TB (vs outros métodos
de diagnóstico habituais)....................................235
Vantagens científicas............................................... 235
Gene Xpert: Vantagens Operacionais.......... 239
Gene Xpert: Desafios Operacionais................ 240
Introdução de Gene Xpert e Resultados
do Tratamento da TB.............................................243
Revisão das Directrizes Moçambicanas
sobre Gene-Xpert..................................................244
Resultados do Teste GeneXpert e
Contuda........................................................................... 248
Diagnóstico de TB em Crianças:
Particularidades......................................................250
Pontos-Chave da Sessão......................................252
Referências................................................................253
Capítulo 7
7. Desafios no Diagnóstico da
Co-infecção Tuberculose e HIV
Introdução
Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da Tuberculose.
Porém, como o sistema imune ainda consegue controlar as infecções, a maioria
destas pessoas não desenvolve a doença tuberculosa.
A incidência de tuberculose tem aumentado com o surgimento da epidemia do
HIV/SIDA. A maioria dos doentes co-infectados pelo HIV e TB encontram-se em
África. As pessoas infectadas pelo HIV têm maior probabilidade de desenvolver a
doença tuberculosa quando também estão infectadas pelo bacilo da tuberculose
devido à fraqueza do seu sistema imune. Além do risco aumentado de sofrer de
TB, as pessoas HIV+ também têm maior chance de recorrência e de morrer de
tuberculose.
Na África Sub-Sahariana e também em Moçambique, a maioria dos doentes
com TB são seropositivos. Por exemplo, um estudo realizado na província de
Manica e publicado em 2012, reportou que 71% dos pacientes com tuberculose
recentemente diagnosticada e com resultados disponíveis para os testes de HIV
eram seropositivos.1
O objectivo desta sessão é descrever os três principais factores contribuintes para o
aumento da carga de TB (e TB/HIV) em Moçambique, a saber:
• O diagnóstico tardio da TB;
• O sub-diagnóstico da TB resistente aos medicamentos (incluindo MDR e
XDR); • O sub-diagnóstico da TB em crianças.
Epidemiologia da TB em Moçambique: O Problema do Subdiagnóstico
Em Moçambique pensa-se que a incidência de TB esta aumentando, e a proporção
de casos de tuberculose detectados, em relação aos esperados continua sendo
baixa. Veja a figura abaixo extraída do Relatório de TB da OMS de 2012. A linha
verde representa a incidência global, a linha vermelha representa a incidência de
TB associada ao HIV entre 1990 e 2011.2 Como se mostra no gráfico, apenas cerca
ITECH 2015 - TITULO DE PUBLICACAO
221
Capítulo 7
de um terço dos casos de tuberculose estimados são diagnosticados e notificados
no País (segundo a OMS, cerca de 34%). quadro 64: Nº Estimado de Casos de TB POR 10.000 Habitantes e por Ano (2012)
A TB é provavelmente sub-diagnosticada em todo o mundo. De acordo com
Lawn et al.3, estima-se que um terço de novos casos de TB não é diagnosticado.
O diagnóstico é dificultado especialmente nos países com menos recursos, como
Moçambique onde se estima que dois terços dos casos não são diagnosticados. Os
motivos do fraco diagnóstico são os seguintes:
• Baixa sensibilidade da baciloscopia convencional;
• Disponibilidade limitada de raio-X, biópsia e cultura;
• Falta de garantia de qualidade.
A tuberculose não diagnosticada causa morbilidade e mortalidade nos próprios
pacientes, assim como transmissão evitável de TB no agregado familiar e
na comunidade. A incapacidade para diagnosticar a tuberculose pode ter
consequências piores para os pacientes que, para além da tuberculose são
seropositivos e desconhecem seu seroestado, porque o tratamento da TB sem
TARV não vai impedir a progressão da doença por HIV. Num estudo realizado
em três unidades sanitárias na Província de Manica, o tratamento da TB sem
TARV, teve como resultado um pequeno aumento (e sem significado estatístico)
da contagem de CD4 (um aumento de 19 células/ml), enquanto que a contagem de
CD4 aumentou em 81 células/ml (estatisticamente significativo) em pacientes que
receberam ambos tratamentos.4
222
Capítulo 7
Causas do Sub-diagnóstico em Moçambique
O sub-diagnóstico pode ocorrer por vários motivos:
• Baixa suspeita de tuberculose;
• Incapacidade para confirmar a presença de TB por causa das limitações de
meios diagnósticos disponíveis, ou;
• Outros constrangimentos relacionados com o paciente e o sistema de saúde.
Erros na Avaliação de Sinais e Sintomas da Tuberculose
Dois estudos realizados em Moçambique têm documentado o rastreio incompleto
para TB e/ou a avaliação incompleta de suspeitos de tuberculose. • Numa avaliação sobre as práticas de rastreio de TB realizada entre 2004
e 2008 em 30 US com TARV em Moçambique, apenas 61% dos registos
médicos documentou a realização de rastreio de TB, e em apenas 5% dos
registos médicos o rastreio incluiu todos os sintomas importantes5 . Houve
também uma considerável heterogeneidade entre os locais, com coberturas
de rastreio de tuberculose muito variáveis (desde 2% a até 98% dos pacientes,
dependendo do local), conforme descrito na figura abaixo de Auld et al. As
práticas de rastreio de TB melhoraram ao longo do tempo.
• Num outro estudo realizado no Hospital Central da Beira, a baciloscopia do
escarro só foi solicitada em 93 (39,7%) de 234 pacientes hospitalizados com
provável TB; neste estudo apenas 150 (64,1%) tinham radiografia de tórax.6
quadro 65: Percentagem de processos clínicos com registo de informação sobre rastreio de
TB em 30 US
223
Capítulo 7
Demora na Avaliação de Casos Suspeitos de TB
Um terceiro estudo descreveu as contribuições relacionadas com os pacientes e
o sistema de saúde, na demora do diagnóstico e tratamento da tuberculose na
província de Sofala. Os pesquisadores concluíram que os atrasos na procura de
serviços médicos da parte dos pacientes (entre o início dos sintomas e a chegada
a uma unidade sanitária) contribuíram com 61 dias de atraso no diagnóstico,
enquanto os problemas do sistema de saúde (demora entre a primeira consulta
no Centro de saúde e o início do tratamento da TB) contribuíram com 62 dias
adicionais para este atraso.7 Isso significa que a demora média entre o início dos
sintomas e o diagnóstico da TB nesta população foi de cerca de 4 meses!
Baixa Sensibilidade dos Meios Diagnósticos Disponíveis
A microscopia de escarro simples (baciloscopia) subestima a prevalência de
tuberculose, mesmo nos locais com capacidade laboratorial muito boa. Num
estudo realizado em dois centros de referência para tuberculose (Hospital
Central de Maputo e Hospital Geral de Machava), foram avaliados pacientes com
tuberculose e co-infectados pelo VIH, através de microscopia de escarro e cultura.
A baciloscopia detectou 73.4% (235/320) dos pacientes infectados por VIH e com
infecção por Mycobacterium tuberculosis confirmada por cultura.8 A sensibilidade
reportada de 73.4% é provavelmente mais alta do que a sensibilidade deste teste
em unidades sanitárias periféricas, onde o pessoal do laboratório pode ser menos
experiente. A sensibilidade da microscopia do escarro em geral não é satisfatória
não apenas em Moçambique mas também em outros países. Esta sensibilidade
é particularmente baixa em dois grupos de pacientes: Pacientes seropositivos e
crianças.
Getahun9 fez uma metaanálise a partir de estudos de pacientes com TB/VIH em
11 países diferentes e concluiu que em pacientes com TB/HIV cuja tuberculose foi
confirmada através de cultura, PCR, ou Raio-X do toráx, a microscopia do escarro
foi incapaz de detectar até 64% dos casos de TB.
Num grande estudo publicado em 2011 com pacientes infectados por VIH na
África do Sul, a microscopia de escarro teve uma sensibilidade de 28% (comparado
ao padrão ouro que é a cultura), mesmo depois de avaliar várias amostras. Veja a
tabela proveniente deste estudo abaixo10:
224
Capítulo 7
quadro 66: Sensibilidade e especificidade da baciloscopia de escarro em pacientes com
TB/HIV (TB confirmada por cultura)
Epidemiologia da TB em Crianças: Problemas Específicos no
Diagnóstico da TB Pediátrica
Os testes padrão para diagnóstico da tuberculose como a baciloscopia de escarro,
têm um desempenho tão fraco no grupo de crianças de menor idade, que a OMS
nem sequer tentou estimar a prevalência de TB em crianças pequenas até 2012.
Segundo a OMS2 não existe um teste diagnóstico fácil de usar e com suficiente
precisão para diagnosticar tuberculose em crianças. A maioria das crianças tem
tuberculose paucibacilar, que é mais difícil de diagnosticar através da baciloscopia
de escarro e cultura. Muitas crianças, sobretudo as mais novas não são capazes
de expectorar. O diagnostico é feito normalmente usando uma combinação de
critérios clínicos e outros testes. Não existe um algoritmo universalmente validado.
Nos locais onde se tentou uma identificação sistemática de crianças com TB activa,
foi encontrada uma prevalência da tuberculose pediátrica mais alta do que o
esperado, especialmente em crianças infectadas por VIH.
Um estudo em Malawi11 (Buck et al.) descreveu a prevalência da tuberculose em
4,874 crianças inscritas numa unidade sanitária em Lilongwe e encontrou que 32%
tinha tido diagnóstico de tuberculose pelo menos uma vez; a idade média na altura
do diagnóstico foi apenas de 3,8 anos. Das 1,561 crianças infectadas por VIH e
diagnosticadas com tuberculose, 225 (14.4%) tinha morrido.
225
Capítulo 7
A taxa de mortalidade foi particularmente alta nas faixas etárias mais baixas (veja
a tabela abaixo):
quadro 67: Descrição da coorte pediátrica TB/HIV. Malawi
Numa análise retrospectiva semelhante, que avaliava o diagnóstico de TB em
crianças seropositivas em Quénia12 (Braitstein et al.) foi encontrada uma incidência
muito alta de TB, sobretudo logo após o início do seguimento. Os factores de risco
identificados nesta análise foram a imunossupressão avançada, a ausência de TARV
e a orfandade.
quadro 68: Taxa de incidência e intervalo de confiança (95%) de TB em crianças HIV+, de
acordo com o tempo transcorrido desde o início do seguimento.
226
Capítulo 7
quadro 69: Risco relativo (ajustado e não ajustado) e intervalo de confiança de 95% de
apresentar diagnóstico de TB após o início do seguimento
Como os estudos acima citados incluíram crianças que foram diagnosticadas por
meios clínicos e radiológicos, além de crianças com baciloscopia positiva, estes
números podem ter sobrestimado a incidência de TB. Contudo, estes estudos
mostram que o universo de crianças nas quais deve ser suspeita e pesquisada a
existência de TB é muito elevado, e todas elas devem ser avaliadas com a maior
atenção possível.
Sub-diagnóstico e Sub-tratamento de TB Resistente às Drogas
O problema geral de sub-diagnóstico da TB é ainda maior quando considera-se
apenas a TB resistente a drogas. A prevalência da tuberculose multidroga-resistente
(definida como a infecção por Mycobacterium tuberculosis resistente à isoniazida
e rifampicina)3 está aumentando em todo o mundo e o seu diagnóstico é ainda
mais complexo. Em 2011, estima-se que houve mais de 300.000 casos de TB-MDR
globalmente. A capacidade global para o reconhecimento da TB-MDR é limitada,
e pensa-se que 90% de casos existentes em 20113 não tinham sido diagnosticados.
A consequência de não reconhecer a tuberculose resistente é que a instauração
de tratamento com esquemas inadequados pode criar resistência ainda maior, que
pode então, ser transmitida na comunidade.
227
Capítulo 7
Estudos que Mostram a Prevalência de TB Resistente em Moçambique
No estudo realizado por Nunes et al. descrito acima8 (diagnóstico de TB nos Centros
de Referência de TB em Moçambique), 17% (44/258) dos pacientes com resultados
de sensibilidade disponíveis tinham TB resistente a pelo menos uma droga antituberculose (isoniazida, rifampicina ou estreptomicina); este número incluiu
23 pacientes que nunca tinham sido tratados para TB no passado, sugerindo a
existência de transmissão de TB resistente no nosso contexto. Neste mesmo estudo
5% (13/258) teve TB-MDR. A tabela 3 deste artigo, apresentada abaixo, descreve
o padrão de resistência/sensibilidade observada. Pensa-se que a alta prevalência de
resistência a INH indica alto risco de desenvolvimento de TB-MDR na população
Moçambicana.
quadro 70: Distribuição de isolados de M. Tuberculose provenientes de 279 pacientes, de
acordo com os padrões de resistência a isoniazida, rifampicina, etambutol e estreptomicina, e
em relação ao antecedente de tratamento para TB prévio.
Um estudo de âmbito nacional, avaliou a prevalência de resistência a drogas em
mais de 1.000 pacientes moçambicanos com TB. Foi detectada resistência a uma ou
mais drogas contra a tuberculose em 11,3% dos casos novos e 23,3% dos casos em
retratamento; Por sua vez foi detectada TB-MDR em 3,5% dos casos novos e 11,2%
dos casos em retratamento. Entre os casos novos, a TB-MDR estava presente em
2,1% dos pacientes sem HIV versus 4,5% dos seropositivos.14
Um estudo ainda mais recente realizado na região centro de Moçambique
determinou que 7,3% dos pacientes com tuberculose e baciloscopia negativa tinha
resistência a rifampicina, segundo os achados do teste GeneXpert, ainda que estes
dados não foram confirmados por cultura e teste de sensibilidade.16
Dados de vigilância epidemiologia internacional sugerem que actualmente,
Moçambique detecta apenas 16% dos casos de TB-MDR.17
228
Capítulo 7
Causas da Tuberculose Resistente a Drogas
A TB- MDR pode surgir mesmo em pacientes que recebem um tratamento
adequado e que apresentam boa adesão, por causa da variabilidade individual no
metabolismo dos fármacos. Contudo, esta situação não é frequente.18 O principal
factor de risco para o surgimento de resistência às drogas anti-tuberculose é
o tratamento incorrecto da TB (por exemplo, a adesão fraca ou intermitente, a
selecção incorrecta das drogas prescritas, a posologia incorrecta e a má qualidade
das próprias drogas).19 Alguns dos principais factores de risco para a transmissão
de tuberculose resistente incluem a hospitalização20 e a exposição domiciliar ou ao
nível da comunidade.21
A maior parte da discussão sobre o surgimento de resistência ao HIV (numa outra
unidade neste manual) é também aplicável à emergência de resistência às drogas
anti-tuberculose. Os princípios fundamentais são: • O regime inicial do paciente deve incluir várias drogas activas (a primeira
linha de tratamento da TB deve usar quatro drogas activas) combinadas
num regime apropriado. Se os bacilos (ou o vírus) do paciente já tivessem
resistência a um/vários dos fármacos desde o início, o tratamento pode falhar.
Neste caso a replicação dos bacilos (ou do vírus) não será completamente
suprimida, e cada evento de replicação irá acontecer na presença de
medicamentos, o que poderá levar à selecção de estirpes resistentes a outros
fármacos que inicialmente eram eficazes. Neste sentido deve-se trabalhar
(a nível individual do pacientes e também a nível do sistema de saúde)
para alcançar taxas de adesão muito elevadas. A baixa adesão permite uma
oportunidade para o surgimento de nova resistência;
• A Cultura e o teste de sensibilidade a antibióticos (TSA) devem ser
solicitados sempre que estiver indicado, para permitir a identificação de
casos com resistência às drogas;
• Devem ser tomadas as medidas necessárias para reduzir/limitar a possível
transmissão de resistência dentro do agregado familiar, da comunidade, na
sala de espera ou na enfermaria do hospital.
Como já foi referido, a TB-MDR pode ser secundária (emergência de resistência
aos medicamentos de TB durante o tratamento inadequado) e pode também ser
primária (transmissão de TB-MDR dentro do agregado familiar ou da comunidade).
Alguns exemplos da África do Sul são dados abaixo:
Andrews et al.22, em KwaZulu Natal, descobriram que o antecedente de tratamento
da tuberculose com ocorrência de abandono ou falência, aumentava muito o risco
de desenvolver TB-MDR. O risco foi 51 vezes maior (OR 51.7) em caso de falência
do tratamento e 25 vezes maior (OR 25) em caso de abandono.
229
Capítulo 7
quadro 71: Factores de risco ajustados para desenvolver TB-MDR e TB-XDR
• Num outro estudo sobre TB-MDR em KwaZulu-Natal, Bantubani et
al.20 concluíram que os factores de risco mais importantes para TB-MDR
foram o tratamento para TB anterior ou actual, a história de hospitalização
prolongada e o sexo masculino.
quadro 72: Analise dos factores de risco associados com TB-MDF
230
Capítulo 7
• Em 2011 Cox et al. descreveram a prevalência de TB-MDR em Khayelitsha,
um bairro periférico e populoso na Cidade do Cabo. Neste estudo foi
encontrada TB-MDR em 3,3% dos novos casos de tuberculose e em 7,7%
dos casos de re-tratamento. Uma vez que o número absoluto de casos novos
com resistência era elevado, concluíram que houve transmissão importante
de TB-MDR dentro da comunidade. Neste estudo conclui-se que mais
de 80% dos casos de TB-MDR foram transmitida dentro da comunidade
(vs menos de 20% que aconteceram em pacientes com antecedentes de
tratamento prévio para TB), vide figura abaixo:
quadro 73: Casos de Tuberculose notificados no bairro de Khayelitsha em 2008 (Cape Town)
231
Capítulo 7
Consequências de TB-MDR
As principais consequências da resistência às drogas são o aumento da mortalidade,
o aumento da duração e custo do tratamento da TB, o aumento da transmissão de
TB-MDR no seio da comunidade e o aumento da prevalência de TB de extrema
resistência a drogas (TB-XDR). Define-se TB-XDR como aquela que apresenta
resistência frente a Isoniazida, rifampicina, uma fluoroquinolona e pelo menos
1 dos medicamentos injectáveis de segunda linha (amikacina, kanamicina,
capreomicina).
Mortalidade
A figura abaixo (da OMS 20122) descreve os resultados do tratamento da TB-MDR
(incluindo mortalidade) por região. Observe que a taxa de cura em África é de 45%
(comparada com 86% para casos novos de TB em locais com elevada prevalência
de TB):
quadro 74: Resultados do tratamento em pacientes com TB-MDR por regiões (2009 OMS)
Duração do tratamento
Os regimes padrão de tratamento da OMS para pacientes com TB-MDR
recomendam 20 meses de tratamento com drogas de segunda linha.
232
Capítulo 7
Custo
A Figura abaixo (OMS 20122) mostra a diferença entre o custo unitário do
tratamento de primeira vs segunda linha para TB. Como pode-se observar, em
países de baixa renda, o custo unitário do tratamento de segunda linha é em média
71 vezes superior ao do tratamento de primeira linha:
quadro 75: Custo total e custo unitário da 1ª e 2ª linha de Tratamento para TB em 99 países
(2009-2013), segundo o nível de renda dos países.
O tratamento de TB-XDR é geralmente de 24 meses, com um custo ainda maior do
que os regimes de TB-MDR. Dheda18 relata que, apesar dos casos de TB MDR e
XDR representarem apenas 3% da carga de TB na África do Sul, gastam até 35%
do orçamento para medicamentos anti-tuberculose.
233
Capítulo 7
A mortalidade de TB-XDR é ainda maior do que a mortalidade por TB-MDR (vide
a figura abaixo de Dheda):
quadro 76: Curva de sobrevivência (Kaplan-Meier) de casos de TB, atendendo ao padrão de
resistência entre 2005 e 2007.
Um dos principais mecanismos que favorecem o desenvolvimento de TB-XDR
é o uso de medicamentos padrão de primeira e segunda linha em pacientes que
apresentam TB resistente, e que não contêm um número suficiente de fármacos
activos contra a tuberculose MDR. Este problema não é fácil de ultrapassar em
Moçambique, dada a pouca disponibilidade de cultura e de testes de sensibilidade
às drogas anti-tuberculose.
234
Capítulo 7
Teste de Gene Xpert: Vantagens no Diagnóstico de TB (vs outros
métodos de diagnóstico habituais)
Em 2011, a OMS recomendou a utilização de uma nova modalidade de diagnóstico
molecular, o teste GeneXpert. Este teste permite o diagnóstico de TB através
da detecção de DNA do Mycobacterium tubeculosis, e permite em simultâneo a
identificação de resistência a rifampicina (R). Esta tecnologia já está disponível em
Moçambique, embora o acesso ainda seja limitado. O teste tem grandes vantagens
científicas, mas também apresenta alguns desafios operacionais importantes
relacionados com a detecção de tuberculose pulmonar e a determinação da
resistência a rifampicina. Estes benefícios e desafios serão descritos abaixo. Uma
secção posterior irá discutir as implicações de uso de GeneXpert no resultado do
tratamento dos pacientes.
Vantagens Científicas do teste GeneXpert
As principais vantagens científicas do teste GeneXpert incluem:
• Maior sensibilidade e especificidade comparativamente à microscopia,
ao algoritmo da OMS para detecção de TB pulmonar com baciloscopia
negativa e, provavelmente à radiografia de tórax; • Detecção de resistência a rifampicina no momento do diagnóstico de
tuberculose;
• Também pode ser utilizado em amostras diferentes de escarro para a
detecção de tuberculose.
Nota: O protocolo moçambicano permite o uso de GeneXpert em amostras
obtidas da punção ganglionar. Futuramente poderá ser aplicado em outras
amostras (LCR, fezes, urina).
Uma revisão recente (Cochrane database) avaliou a sensibilidade e a especificidade
do teste GeneXpert para o diagnóstico de TB pulmonar em diversos estudos. Estes
resultados provêm de estudos realizados num ambiente controlado (pesquisa). O
abstract desta revisão é apresentado no quadro abaixo23:
O teste GeneXpert também rendeu mais do que a baciloscopia fora do ambiente de
pesquisa, quando foi avaliado em condições reais, em Centros de Saúde de África
e contando com pessoal clínico básico. Num estudo multicêntrico publicado em
201425, que incluiu pacientes da África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia e Tanzânia, a
sensibilidade global da microscopia foi de 50,0% (em relação à cultura), enquanto
a do GeneXpert foi de 83,3%.
235
Capítulo 7
A meta-análise incluiu dados de 27 estudos com um total de 9557 participantes. 16
estudos (59%) foram implementados em países de renda media e baixa.
Como teste inicial (em substituição da baciloscopia), a sensibilidade do teste Xpert®
MTB/RIF foi de 89% (IC 95% [85%-92%]) e a especificidade foi de 99% (IC 95% [98%99%]), (dados provenientes de 22 estudos com um total de 8998 participantes, com
2953 casos de TB confirmada e 6045 sem TB).
Aplicado em sequencia apenas nos casos com baciloscopia negativa, a sensibilidade
do teste Xpert® MTB/RIF foi de 67% (IC 95% [60%-74%]) e a especificidade foi de
99% (IC 95% [98%-99%]), (dados provenientes de 21 estudos, 6950 participantes).
Para os casos de TB com baciloscopia e cultura positiva, a sensibilidade do teste
Xpert® MTB/RIF foi de 98% (IC 95% [97%-99%]), (dados provenientes de 21 estudos,
1936 participantes).
Para os casos de pacientes com infecção por HIV, a sensibilidade do teste Xpert®
MTB/RIF foi de 79% (IC 95% [70%-86%]), (dados provenientes de 7 estudos, 1470
participantes).
Entre 180 amostras com micobactérias não tuberculosas, o teste Xpert® MTB/RIF foi
positivo apenas numa amostra (14 estudos, 2626 participantes).
Comparativa com a baciloscopia de escarro
Quando comparado com a baciloscopia de escarro, o teste Xpert® MTB/RIF
aumentou a detecção de TB entre casos confirmados por cultura em 23% (IC 95%
[15%-32%]), resultados provenientes de 21 estudos, 8880 participantes.
Em resumo, se estes resultados de sensibilidade são aplicados a uma coorte teórica
de 1000 pacientes suspeitos de TB, na qual 10% tem TB, o teste Xpert® MTB/RIF iria
detectar 88 casos e iria perder 12 casos, enquanto a baciloscopia iria detectar 65
casos e perder 25 casos.
Resistencia a Rifampicina
A sensibilidade do teste Xpert® MTB/RIF para a detecção de resistência a rifampicina
foi de 95% (IC 95% [90%-97%]); dados provenientes de 17 estudos com 555
resultados positivos para resistência a rifampicina. A especificidade foi de 98% (IC
95% [97%-99%]); dados provenientes de 24 estudos com 2411 casos de resultados
negativos para resistência.
Em resumo, se os resultados de sensibilidade para a detecção de resistência a
rifampicina fossem aplicados a uma coorte hipotética de 1000 pacientes com TB,
na qual 15% tivessem resistência a rifampicina, o teste Xpert® MTB/RIF iria detectar
143 casos de resistência e iria perder 8 casos; o teste iria identificar 833 pacientes
como sendo sensíveis a rifampicina e iria classificar de forma errada 17 casos como
sendo resistentes.
236
Capítulo 7
Curiosamente, dois estudos já relataram que a vantagem do teste GeneXpert sobre
a baciloscopia é ainda maior nos pacientes infectados pelo HIV e com doença
avançada.
• Um estudo Sul-Africano descobriu que o teste GeneXpert tem um
desempenho melhor do que a microscopia de escarro em pacientes com
TB/VIH com contagens baixas de células CD4, com cifras de hemoglobina
inferiores e sintomáticos. A tabela abaixo, proveniente desse estudo,
compara o desempenho da baciloscopia e do GeneXpert em população
com co-infecção TB/HIV e com diferentes níveis de CD426 (outros estudos
mostram resultados contrários, vide mais abaixo).
Quadro 77: Sensibilidade da baciloscopia vs GeneXpert em amostras de escarro, e
do teste LAM (detecção Ag em urina) vs GeneXpert em amostras de urina, estratificada
segundo a contagem de CD4
• Na Etiópia, a sensibilidade do teste GeneXpert para a detecção de TB foi de
46,7% nos pacientes com CD4> 200 cels/mm3, contra 82,9% em pacientes com
CD4 ≤ 100 cels/mm3. O GeneXpert também foi mais sensível em pacientes
HIV+ nos estadios III e IV da OMS (76,3% e 83,3% respectivamente), em
comparação com os que tinham estadios I e II da doença (33,3% e 44,4%).24
• Numa meta-análise de estudos que comparava o desempenho do teste
GeneXpert e do algoritmo da OMS para o diagnóstico da tuberculose em
pacientes com baciloscopia negativa, a sensibilidade e especificidade de
237
Capítulo 7
Gene Xpert (sempre tendo como teste de referência a cultura de amostra de
escarro) foi de 67% e 98% respectivamente. A sensibilidade e especificidade
do algoritmo da OMS foi de 61% e 69% respectivamente. Ao contrário do
que foi mostrado nos 2 estudos anteriores (RSA e Etiopia), o algoritmo e
também o teste GeneXpert tiveram pior desempenho nos locais onde a
prevalência de HIV foi alta, mas o GeneXpert manteve um desempenho
muito razoável, especialmente no que diz respeito à especificidade.27
• Num estudo na Zâmbia que tentava comparar o desempenho da radiografia
de tórax e do teste GeneXpert no diagnóstico de TB, a radiografia de tórax
demonstrou a mesma sensibilidade que o GeneXpert para a detecção
de tuberculose pulmonar, mas foi muito menos específica (23,2% de
especificidade em comparação com GeneXpert). Este estudo não contou
com a cultura como teste de referência.29 Obviamente a radiografia de tórax
não pode detectar resistência a rifampicina em nenhuma situação.
• Vários estudos têm avaliado a capacidade do teste GeneXpert para detectar
tuberculose em outras amostras/fluídos corporais para além do escarro.
Uma meta-análise recente concluiu que o teste GeneXpert parece promissor
para a detecção de tuberculose nos gânglios linfáticos e no líquor mas não
no líquido pleural,30 segundo mostra a figura abaixo.
Quadro 78: Sensibilidade do GeneXpert aplicado a diferentes tipos de amostras
• No Malawi, o teste GeneXpert também tem sido utilizado para pesquisar
a presença de Micobacterium tuberculosis em amostras de sangue.
Embora a aplicação do teste em sangue não identificou nenhum caso de
tuberculose que não tivesse sido também detectado por outros meios (como
o teste GeneXpert de escarro), os pacientes com resultado positivo em
amostras de sangue isto é, com micobacteremia, tiveram uma mortalidade
substancialmente maior.31 Segundo estes resultados, o teste GeneXpert
238
Capítulo 7
aplicado a amostras de sangue poderá ser útil para identificar pacientes com
tuberculose e com prognóstico particularmente mau.
• Num outro estudo na África do Sul, o teste GeneXpert detectou mais casos
de tuberculose pulmonar e extra-pulmonar a partir da análise de amostras
de urina do que a partir de amostras de escarro (CROI abstrat 811LB,
reproduzidas no final deste documento)32 em pacientes hospitalizados. O
rendimento deste procedimento para o diagnóstico de TB foi tão alto que os
autores sugeriram que fosse recomendado a realização do teste GeneXpert
na urina de forma rotineira a todos os pacientes na altura da admissão
hospitalar, em contextos com elevada prevalência de TB e HIV.
Gene Xpert: Vantagens Operacionais
As vantagens operacionais conhecidas do teste GeneXpert para diagnosticar TB
incluem:
• Identificação rápida da infecção por TB e da resistência a rifampicina; • O processamento é automatizado, sendo assim a qualidade não varia com o
nível de habilidade do utilizador como é o caso de microscopia do escarro.
Segundo um estudo multicêntrico levado a cabo por Lawn e tal. e publicado em 20133,
o diagnóstico é mais rápido com GeneXpert do que com outros testes complementares.
Num estudo realizado num hospital de Johannesburg, a introdução do teste
GeneXpert resultou em início de tratamento de TB significativamente mais rápido,
comparando com a demora no início de tratamento quando eram usados os
resultados do raio X do tórax e da cultura.33 Vide a figura abaixo. Quadro 79: Demora até o início de tratramento para TB desde a realização do teste GeneXpert.
239
Capítulo 7
Um grupo na África do Sul reportou que a introdução do GeneXpert foi um sucesso
num centro de saúde periférico, mesmo não havendo nenhum pessoal adicional
de laboratório contratado. Não houve necessidade de “Habilidades especializadas“
dado que o pessoal com ensino secundário e sem formação laboratorial, executou
os ensaios de GeneXpert depois de 2 dias de formação.34
Gene Xpert: Desafios Operacionais
Os desafios operacionais conhecidos do teste GeneXpert para a detecção de TB e
TB resistente a drogas incluem:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Necessidade de Pessoal;
Tempo de processamento de duas horas ou mais
Custos
Capacidade (número de amostras que podem ser processadas em
simultâneo);
Disponibilidade de reagentes/cartuchos/fornecimento estável de energia;
Pode detectar organismos de TB tanto inactivos como vivos, o que leva ao
erro no diagnóstico caso seja organismo inactivo;
Existem alguns resultados de resistência a Rifampicina falsos positivos; Necessidade de revisão de Normas Nacionais, registos, protocolos e fichas etc;
A técnica pode ter uma taxa de falha significativa quando usada em
condições subóptimas (por exemplo, com oscilações de energia).
A seguir são explicados com mais detalhe alguns destes desafios:
Necessidade de pessoal: Um Centro de Saúde Sulafricano com uma alta carga de
casos TB/VIH precisou de 2.5 trabalhadores adicionais para a introdução do teste
GeneXpert.34
Demora para a obtenção de resultados: O estudo de Clouse et al mencionado
acima nos recorda que “2-horas” é o tempo estimado para o processamento das
amostras. Deve-se adicionar o tempo que leva para colher as amostras, preparar
amostra para processamento, para o preenchimento dos registos e reporte dos
resultados ao clínico e paciente.34 Num estudo recente realizado em Moçambique,
o tempo de espera para os resultados podia chegar a 7 dias, especialmente para
amostras de pacientes referidas dos distritos e locais remotos.16
Custos: Cada cartucho custa pouco menos de 10 dólares (preços recentemente
negociados), os aparelhos custam entre 15,700 e 65,500 dólares na África do Sul (o
preço não inclui os custos de importação e qualquer melhoria necessária da rede
eléctrica).30
240
Capítulo 7
Outros requisitos operacionais: Clouse et al. reportaram que para além de contratar e treinar novo pessoal, o seu Centro de Saúde teve que construir uma cabina especial externa para a colheita de amostras de escarro, comprar máscaras N-95 para
a protecção individual do pessoal, garantir uma temperatura operacional ≤30° C
e um fornecimento estável de energia, conectar o equipamento de GeneXpert ao
computador, fazer manutenção regular e calibração de instrumentos e providenciar um espaço para armazenar os cartuchos do aparelho. Também elaboraram
novos protocolos para poder localizar os pacientes que estavam a espera dos resultados (isto incluiu a recolha dos números de telefone dos pacientes quando disponível, a colheita de informação sobre a roupa dos pacientes nas salas de espera
para permitir sua identificação) e para lançamento dos resultados na base de dados
nacional de TB.34
Moçambique estabeleceu as seguintes normas para a instalação de GeneXpert nas
Unidades Sanitárias do Sistema Nacional de Saúde:
Capacidade: O aparelho GeneXpert apresenta-se em vários tamanhos, para
acomodar um número de amostras variável. Clouse et al reportaram que a sua
clínica na África de Sul precisou de 2 aparelhos de 4 módulos para processar uma
media de 15 amostras por dia.34
241
Capítulo 7
Moçambique seleccionou o aparelho para 4 módulos como padrão:
Falha da técnica: Num estudo multicêntrico que decorreu em vários países,
incluindo Moçambique, sobre a implementação do teste GeneXpert em condições
reais, o aparelho foi incapaz de produzir um resultado válido em cerca de 10%
dos testes. A taxa de fracasso foi ainda maior em Moçambique. As falhas foram
associadas a vários factores, incluindo interrupções no abastecimento de energia
em mais de 25% do tempo assim como problemas na qualidade de cartuchos que
agora se acham resolvidos.16
Resultados falso positivo sobre resistência a rifampicina: Num dos estudos sulafricanos citado acima, aproximadamente a metade das amostras identificadas
pelo GeneXpert como resistentes a rifampicina foram consideradas como falsos
positivos (após avaliação a partir de cultura e TSA), embora o número de amostras
fosse pequeno.10 Isto levou à necessidade de desenvolver novos protocolos para o
manejo de pacientes com TB resistente a rifampicina determinada pelo GeneXpert.
De acordo com Nicol et al, a África do Sul optou em iniciar tais pacientes em
regimes de TB-MDR enquanto se aguarda pelo resultado da cultura e TSA para
confirmar a resistência a rifampicina e/ou outras drogas anti-TB. Esta abordagem
requer de capacidade para cultura de micobactérias.35
Outros desafios resultantes da implementação do teste GeneXpert: uma vez o
teste GeneXpert é introduzido, é necessário criar protocolos para gerir os casos
suspeitos de tuberculose pulmonar com resultado negativo de GeneXpert. Embora
o teste GeneXpert seja mais sensível do que a baciloscopia, ainda tem taxas
elevadas de resultados falso negativo. Há uma discussão internacional sobre o
melhor protocolo para o manejo de casos suspeitos de TB que testam negativo para
GeneXpert. Nessa discussão surgem 3 opções:
• Fazer cultura nos casos suspeitos e que testam negativo para GeneXpert;
242
Capítulo 7
• Aplicar o algoritmo da OMS para tuberculose BK negativa ou
• Repetir a análise com GeneXpert.35
A África de Sul optou por introduzir o teste GeneXpert como teste inicial para
diagnosticar tuberculose (substituindo a baciloscopia de escarro). Moçambique
opta por indicar o teste nos casos em que a baciloscopia é negativa (teste em
sequencia, seguindo a baciloscopia negativa).
Introdução de Gene Xpert e Resultados do Tratamento da TB
A aplicação de um novo teste diagnóstico para TB não vai melhorar o resultado
clínico nos pacientes se não forem tratados atempadamente com um regime de
tratamento eficaz.
Dois estudos sul-africanos mostraram que o uso de GeneXpert aumentava o
rendimento diagnóstico de TB satisfatoriamente, mas sem nenhuma diminuição
na mortalidade dos pacientes (abstracts CROI 95 e 96LB).36,37
Num estudo multicêntrico em vários países da África Austral, o teste GeneXpert
foi mais sensível que a baciloscopia e o uso de GeneXpert permitiu reduzir
substancialmente o tempo de demora até o início do tratamento antituberculose,
comparado com baciloscopia do escarro. Contudo, o resultado nos pacientes aos 6
meses foi semelhante, entre aqueles nos quais se aplicou o GeneXpert e nos que se fez
baciloscopia. A explicação para este resultado é que provavelmente muitos pacientes
com resultado negativo da baciloscopia de escarro foram tratados para TB com base
na suspeita clínica e resultados do Raio X.25 (vide a figura abaixo, a proporção em
tratamento anti-tuberculose não foi diferente em ambos braços do estudo25):
Quadro 80: Proporção de pacientes em tratamento para TB ao longo do tempo (linhas
vermelhas GeneXpert; linhas azuis baciloscopia)
243
Capítulo 7
Assim sendo, onde a prática de tratamento empírico de TB é comum, a introdução
de GeneXpert pode não mudar substancialmente o número de suspeitos de TB que
iniciam o tratamento,39 embora provavelmente vai reduzir o tempo para iniciar o
tratamento antituberculose e aumentar a detecção de TB-MDR, sobretudo onde
não há capacidade real para cultura.
Conclusão: pode-se afirmar que o resultado clínico nos pacientes e a prevenção do
desenvolvimento e transmissão de cepas resistentes a drogas depende da capacidade
do sistema para seleccionar regimes adequados de tratamento para todos os
pacientes com TB e garantir que todos os pacientes que iniciam o tratamento
para TB completam o tratamento. O aumento do número de pacientes que são
diagnosticados com TB num sistema que não garante o tratamento completo e
correcto pode, de forma paradoxal, aumentar a carga de TB resistente a drogas nos pacientes, nas suas famílias e na comunidade (IUATLD). Revisão das Directrizes Moçambicanas sobre Gene-Xpert
Moçambique esta introduzindo de forma progressiva e com apoio de parceiros
o teste GeneXpert. Contudo, o País optou por introduzir o teste como segundo
teste diagnóstico. A baciloscopia continua sendo o teste de primeira escolha
para o diagnóstico de TB. A seguir são apresentados os critérios para o pedido de
GeneXpert em Moçambique:
Em todos estes casos e quando disponível, o teste GeneXpert é indicado após o
resultado negativo da baciloscopia:
• Diagnóstico para casos de baciloscopia negativa
i. Indivíduos HIV+;
ii.Outras causas de imunodepressão, incluindo diabéticos;
iii. Crianças menores de 5 anos que não conseguem expectorar, somente para
amostras de expectoração induzida e/ou aspirado gástrico em jejum.
Nos seguintes casos o teste GeneXpert poderá ser feito paralelamente à baciloscopia
quando estiver disponível
• Suspeito de TB resistente (TB-MDR): fazer GeneXpert em paralelo com
a baciloscopia:
i. Retratamento após recaída, falência ou abandono;
ii. Caso novo, BK+ sem conversão da baciloscopia depois de dois meses de
tratamento;
iii. Contacto com um paciente com TB-MDR;
vi. Trabalhador de saúde, mineiro, prisioneiro.
• Paciente HIV+ grave (com sinais de perigo) deverá realizar o GeneXpert
em paralelo com a baciloscopia.
244
Capítulo 7
Além das amostras de escarro, o teste GeneXpert poderá também ser aplicado a
amostras de material ganglionar obtidas a partir de PAAF (punção aspiração com
agulha fina). Este teste não esta validado para uso em outras amostras diferentes de
escarro (ou aspirado gástrico) e material puncionado de adenopatias.
O Teste GeneXpert deve ser utilizado APENAS para o diagnóstico inicial de TB
e nunca para o controlo do tratamento, por se tratar de uma técnica molecular, o
que faz com que o teste continue sendo positivo durante algum tempo apesar do
sucesso do tratamento. Há reportes da existência de um pequeno número de casos
com resultado falso positivo de GeneXpert após ter completado tratamento para
TB com sucesso até 5 anos antes, e que tinham sido declarados curados (Boyles)40.
A técnica do GeneXpert® MTB/RIF é utilizada apenas para o
diagnóstico da TB, nunca para o controlo de tratamento.
Para o processamento de amostras para teste GeneXpert, o procedimento é similar
ao utilizado para a colheita, transporte e conservação de amostras de baciloscopia
e cultura:
•
•
•
•
245
Colheita ao ar livre/longe de outras pessoas;
2 amostras (a segunda em jejum);
Amostras conservadas de 2-8°C, no máximo por 4 dias;
Transporte com condições de segurança, acompanhado das requisições.
Capítulo 7
O teste GeneXpert não esta disponível em todo o país. A disponibilidade actual
(2013) do GeneXpert é a que mostra o seguinte mapa:
províncias que usam Gene-xpert
Os locais prioritários para a implementação de GeneXpert em Moçambique são
dados abaixo:41
246
Capítulo 7
Serão usados os critérios abaixo para seleccionar unidades sanitárias prioritárias:41
247
Capítulo 7
Resultados do Teste GeneXpert e Conduta
Os resultados do GeneXpert aparecem na janela do computador (exemplo abaixo):
Um resultado positivo no teste Gene Xpert confirma a existência de Tuberculose:
• GeneXpert positivo e sem resistência a RIF confirma a existência de bacilos
sensíveis a Rifampicina. Neste caso o protocolo nacional orienta para o inicio de
tratamento padrão para o caso (novo ou retratamento, dependendo do paciente)
• GeneXpert positivo e com resistência a RIF confirma a existência de bacilos
de TB resistentes a Rifampicina. Neste caso o protocolo nacional orienta
para o início de tratamento para TB-MDR e para o pedido de Cultura e
TSA se não tiverem sido solicitados anteriormente. O tratamento para TBMDR deverá ser mantido até a chegada dos resultados de sensibilidade, que
poderão permitir o ajuste do tratamento.
Para além dos resultados positivos ou negativos para MTB e resistência a RIF, o
aparelho pode produzir os seguintes resultados: erro, inválido, pass, ou fail.
Inválido: !
INVALID (INVÁLIDO)
A presença ou a ausência de MTB não pode ser determinada, repita o teste com a
amostra restante. O SPC não preenche os critérios de aceitação, a amostra não foi
processada adequadamente ou o PCR foi inibido.
·
MTB INVALID (MTB INVÁLIDO): Não pode ser determinada a presença ou
·
SPC—FAIL (SPC—NÃO APROVADO); o resultado do alvo do MTB é
·
Probe
ausência de ADN de MTB.
negativo e o Ct do SPC não está dentro do intervalo válido.
Check—PASS
(Verificação
da
sonda—APROVADA);
todos
os
resultados de verificação da sonda são aprovados.
ERROR (ERRO)
·
248
MTB—NO RESULT (MTB—SEM RESULTADO)
·
SPC—NO RESULT (SPC—SEM RESULTADO)
·
Probe Check—FAIL* (Verificação da sonda—NÃO APROVADA)*; um ou
mais resultados da verificação da sonda falharam.
*Se a verificação da sonda for aprovada, o erro é causado por uma falha de um
componente do sistema.
Capítulo 7
Erro:
A seguir apresenta-se o algoritmo do PNCT para a testagem, que orienta para a
tomada de decisão com base no resultado do teste GeneXpert.
Quadro 81: Tomada de decisão com base no resultado do teste GeneXpert (Rascunho)
249
Capítulo 7
Diagnóstico de TB em Crianças: Particularidades
A integração da tuberculose infantil dentro dos Programas Nacionais de
Controlo da Tuberculose de muitos países tem sido difícil pelo facto da falta de
um diagnóstico consistente e preciso. Por isso, o peso real da TB infantil e sua
importância continuam sendo incertos e controversos.
Em Moçambique, em 2011, foram notificados 47.452 casos de TB no país, dos
quais 3.214 eram crianças, representando 6.7% do total de pacientes com TB nesse
ano.42 Segundo estimativas da OMS, a proporção de TB pediátrica numa certa
comunidade oscila de 3 a 25%, dependendo de vários factores, entre outros, da
prevalência da doença nesse contexto.42
Num estudo publicado em 1990 sobre TB na África Austral43, com uma incidência
da TB de 171/100.000 habitantes, as crianças representavam 15% do peso total da TB.
Num outro estudo realizado também na África do Sul, numa comunidade
com elevada incidência de casos de TB (1.149/100.000 habitantes) as crianças
constituíam 39% do peso total da TB.44
Os estudos citados, e também a figura abaixo ilustram o facto seguinte: Pode-se
observar que um aumento linear de casos de Tuberculose, acompanha-se de um
aumento exponencial de casos de TB infantil. Segundo este modelo, quanto maior
for a carga de TB num contexto, maior será a proporção de casos de TB infantil.
Quadro 82: Carga de doença TB crescente em crianças conforme aumenta a incidência de
TB.45
250
Capítulo 7
Todos estes estudos mostram que em Moçambique a TB pediátrica é um problema
pouco visível e negligenciado, uma vez que se trata de um contexto com elevada
prevalência de HIV e de TB e provavelmente a proporção de casos de TB pediátrica
encontrados deveria ser maior.
O diagnóstico de tuberculose em crianças baseia-se numa anamnese detalhada
(incluindo a história epidemiológica), exame físico e investigações relevantes,
tais como o Teste de Mantoux quando indicado, o RX do tórax e a baciloscopia.
Embora a confirmação bacteriológica seja infrequente nas crianças com TB, esta
deverá ser realizada sempre que possível.
A seguir apresenta-se o algoritmo nacional para diagnóstico de TB em crianças
menores de 14 anos.
Quadro 83: Diagnóstico de TB em crianças menores de 14 anos
251
Capítulo 7
Segundo o algoritmo, toda criança com 2 ou mais sinais e sintomas sugestivos de
TB e com contacto de TB identificado deve ser considerada como tendo TB, e deve
iniciar o tratamento sem demora (avançando pelas caixas vermelhas do algoritmo)
Os testes de sensibilidade cutânea como o teste de Mantoux, apenas estão indicados
em Moçambique no caso de crianças sintomáticas nas quais não há evidência de
contacto com um caso de TB.
Pontos-Chave da Sessão
• Moçambique enfrenta um aumento no número de casos de TB. As
principais causas são o sub-diagnóstico de TB, o sub-diagnóstico da TB
resistente e finalmente o sub-diagnóstico de TB nas crianças.
• O teste diagnóstico disponível de forma rotineira nas US é a baciloscopia,
cuja sensibilidade é baixa.
• O rastreio rotineiro de sinais/sintomas da TB nos pacientes HIV+ é
chave para o diagnóstico atempado da doença.
• A profilaxia com INH e o controlo da transmissão da infecção nas US
pode ajudar a reduzir a transmissão e prevalência da TB.
• Os novos testes diagnósticos como GeneXpert podem aumentar a
capacidade de detectar novos casos e de diagnosticar casos resistentes a
rifampicina.
• A aplicação correcta dos novos testes pode trazer vantagens contudo,
é necessário que os sistemas de saúde garantam que os pacientes
diagnosticados finalizem o tratamento com esquemas eficazes.
• É necessário aumentar a capacidade para realizar cultura para
micobacterias e testes de sensibilidade a antituberculosos (TSA), para
poder identificar e controlar o desenvolvimento de TB resistente
• O diagnóstico da TB infantil representa um desafio. O algoritmo para
o diagnóstico da TB em crianças deve ser aplicado correctamente, para
permitir o tratamento atempado dos casos suspeitos.
252
Capítulo 7
Referências
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Capítulo 7
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