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Empatia ou o dom de ver através dos olhos do outro
Escrito por Sofia Teixeira, com entrevista a Ana Sofia Nava, psiquiatra
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segunda, 01 julho 2013 17:52
Getty Images
Compreender, sentir ou imitar os outros são capacidades que, apesar de inatas, aperfeiçoamos
continuamente. A ajudar-nos nesta tarefa - tão complexa e que, no entanto, fazemos com tanta
facilidade - estão vários grupos de neurónicos, chamados neurónios-espelho.
Nós sabemos que é pouco delicado, mas experimente bocejar expressivamente numa reunião de
família, amigos ou trabalho e fique atento para ver o que acontece. O mais provável é que, uma após a
outra, todas as pessoas presentes bocejem também.
Da mesma forma, não é por acaso que, quando sorri a alguém, por norma vê o gesto ser retribuído.
Parece que o bocejo, como o sorriso, assim como mil e uma outras acções são contagiosos.
Mas há outros exemplos: quantas vezes não deu já por si a ficar angustiado quando alguém lhe relata
uma experiência de aflição pela qual passou? E porque é que fica com medo quando vê um filme de
terror? E o conceito de “vergonha alheia”, conhece?... Afinal, o que leva a este contágio? O que nos
leva a fazer aquilo que as outras pessoas fazem?
A explicação de todos estes exemplos reside numa mesma capacidade, comum a todos os seres
humanos: a empatia. Como nos explica a psiquiatra Ana Sofia Nava, a empatia pode ser definida como
a capacidade natural de nos apercebermos das emoções e dos sentimentos dos outros e de poder ir em
seu auxílio. Ou ainda, no campo psicanalítico, a capacidade de penetrar com o pensamento e o
sentimento na vida interior de outra pessoa. É, portanto, a capacidade de vivenciar o que a outra pessoa
vivencia, mesmo que, normalmente, num grau atenuado.
Ver e sentir
É esta capacidade de ver e sentir o mundo através dos olhos e mente dos outros que nos permite aceitar
opiniões e interesses diferentes, ter tolerância religiosa e cultural, apreciar um livro ou um quadro.
Além disso, esta habilidade inata - que alguns autores apelidam de every-day mind reading (leitura do
pensamento no dia a dia) - facilita tremendamente a vida em sociedade.
O “segredo” para saber o que vai na cabeça das outras pessoas é simplesmente observá-las. Repare:
basta entrar numa festa e olhar em redor para começar a perceber uma enorme quantidade de
sentimentos e emoções de quem está à sua volta. Ao olhar para o comportamento das pessoas e para a
sua interacção percebe automaticamente que a pessoa X está aborrecida, a pessoa Y está a tentar
agradar à pessoa A, que a pessoa B, que está ao lado, observa essa tentativa e está divertida com ela…
e uma infinidade de outros sentimentos e emoções de cada uma das pessoas em seu redor.
Acontece que a empatia era definida como a capacidade de compreender o que o outro pensa ou
sente…até à descoberta dos neurónios-espelho. Percebeu-se então que não se trata de apenas de
compreender o outro, mas antes de sentir o mesmo que o outro.
Uma descoberta fascinante: os neurónios-espelho
Como muitos outros achados históricos, os neurónios-espelho foram descobertos por acaso. A equipa
do neurocientista Giacomo Rizzolatti, da Universidade de Parma, estava a estudar a atividade dos
neurónios responsáveis pelo planeamento e execução de movimentos. Um grupo de macacos tinha
elétrodos colados na cabeça e, de cada vez que agarravam ou movimentavam um objeto, um grupo de
neurónios do córtex pré-motor, nos lobos frontais, “disparava”, sendo essa atividade visível e registada
num monitor.
E foi então que aconteceu. Era verão, estava calor e um dos alunos entrou no laboratório de gelado na
mão. E quando o levou à boca, aconteceu o impensável: os monitores apitaram sinalizando actividade
no córtex pré-motor. Mas o macaco estava imóvel …. a observar o estudante.
Depois de mais testes e experiências com os símios, os investigadores constataram aquilo em que
nunca ninguém tinha imaginado ser possível: a mera observação de alguém a desempenhar uma acção
activava as mesmas áreas do cérebro que eram ativadas quando era o próprio animal a desempenhar a
acção. Ou seja, o cérebro do macaco não fazia grande distinção entre pegar em comida ou ver alguém a
pegar em comida. E adivinhe: o nosso também não.
Claro que o cérebro humano vai mais longe pelo que o sistema de neurónios-espelho é mais evoluído e
não só permite executar e compreender as ações dos outros, mas também suas intenções, o significado
dos comportamentos, os sentimentos, os pensamentos e as emoções. E aqui está: é por isso que boceja,
que sorri, fica angustiado, com medo ou vergonha quando vê os outros ficarem.
“Estudos de neuroimagem funcional em seres humanos demonstraram que os circuitos neuronais
envolvidos na execução de uma ação sobrepõem-se àqueles que são ativados aquando da observação da
mesma ação”, elucida Ana Sofia Nava. Mas não é só: outros estudos, explica a psiquiatra, demostraram
mesmo que esta rede neuronal também se ativa sempre que um indivíduo imagina a sua própria ação,
imagina a ação de outro ou quando imita as ações executadas por alguém.
“Estes resultados interessantíssimos explicam claramente a necessidade de modelos de identificação
para a aprendizagem de perícias físicas e provavelmente também para outro tipo de perícias,
nomeadamente relacionais e afetivas”, conclui a psiquiatra.
Empáticos desde o berço
Esta capacidade empática e de imitação não é exclusiva dos adultos, nem sequer das crianças. Embora
de forma muito mais rudimentar, acontece desde o berço.
Experimente deitar a língua de fora a um bebé recém-nascido e, espante-se, o mais provável é que ele
lhe devolva o gesto, faça-lhe uma careta enrugada e observe-o, ensaiando a mesma a expressão. O ser
humano é um imitador por excelência e, sobretudo durante a infância, é assim que aprende quase tudo.
A expressão popular “dar o exemplo” faz todo o sentido.
Aliás, na década de 70 - estavam ainda os neurónios-espelho por descobrir - o investigador Andrew
Meltzoff estudou a capacidade de imitação de bebés recém-nascidos e as conclusões às quais chegou
foram surpreendentes. Os recém-nascidos, muitos com apenas com algumas horas de vida, têm
capacidade para imitar expressões faciais dos adultos.
Este facto é ainda mais surpreendente pelo facto de se saber que, como nos explica Ana Sofia Nava, as
raízes do nosso self formam-se apenas no segundo ano de vida de uma criança. “Sabe-se hoje em dia
que o córtex parietal inferior, em conjunto com o córtex pré-frontal, tem um papel crucial no
reconhecimento eu/outro, e como tal, é fundamental para a empatia”, explica a psiquiatra.
A empatia e suas variações
A empatia não é um fenómeno de tudo ou nada. “Existem diversas formas de empatia que podem,
grosso modo, ser divididas em aspectos mais emocionais e outros mais cognitivos”, esclarece Ana
Sofia Nava. São disso exemplo o chamado contágio emocional que ocorre quando o nosso estado
emocional resulta da percepção do estado emocional do outro, mas também a empatia cognitiva,
quando assumimos a perspectiva da outra pessoa, ou ainda os comportamentos pró-sociais, que passam
pela tomada de atitudes de modo a reduzir o mau estar do outro.
E, claro, não temos todos a mesma capacidade empática. Porquê? De acordo com a psiquiatra, uma das
diferenças de personalidade que pode explicar esta diferença na regulação das emoções é o
temperamento, que regula a qualidade e intensidade das respostas emocionais e que emerge durante a
infância.
Por outro lado, também sabemos intuitivamente que o nosso nível de empatia não é igual com toda a
gente ou com todas as situações. Um exemplo paradigmático disso tem sido testado por vários grupos
de investigadores, o teste do “Sr. Bonzinho” e do “Sr. Malcriado”.
O teste é simples: os investigadores colocaram dois indivíduos, cada um numa sala distinta, para
manterem um diálogo com os vários voluntários sobre temas mundanos como cinema e televisão. Os
homens tinham ambos instruções comuns e muito específicas quanto ao tipo de linguagem corporal que
deveriam ter durante a conversa (como bocejar, esticar os braços, cruzar os braços, apoiar a mão no
queixo, etc.), já no que toca ao trato, foram-lhes pedidas posturas bastante diferentes: um devia ser
simpático, concordante e amigável, ao outro foi pedido que fosse rude, desinteressado e discordante.
Há medida que a conversa progredia algo extraordinário começa a acontecer: os voluntários do “Sr.
Bonzinho” começam a imitá-lo, esticando ou cruzando os braços, pouco tempo depois de ele o fazer,
bocejando no fim de ele abrir expressivamente a boca, levando a mão à cara quando ele a leva. Como
os voluntários gostaram do “Sr. Bonzinho”, os seus cérebros instruíram-nos a imitá-lo, numa tentativa
inconsciente de fortalecer os laços entre eles.
E, adivinhe… isso mesmo: ninguém imitou o “Sr. Desagrável”. Inconscientemente, as pessoas
tentaram demarcar-se o mais possível daquela personagem pouco simpática.
A empatia em terapia psicanalítica
Para um terapeuta promover a cura de um paciente não lhe basta a capacidade interpretativa, a empatia
desempenha uma importância igualmente central. E esta empatia, não é apenas a empatia inata e de
experiência de vida, é uma capacidade flexível que se aprende e que se treina. “A empatia não é apenas
a ressonância do afeto entre o eu e o outro, envolve (…) a motivação e é ativada voluntariamente”,
esclarece a psiquiatra Ana Sofia Nava. São disso exemplos, o treino de médicos e psicoterapeutas ou a
reeducação de personalidades antissociais.
Parte integrante dessa aprendizagem é a auto-análise: “ só a partir da introspeção da nossa própria
experiência podemos compreender como se deve sentir a outra pessoa numa circunstância psicológica
similar”, explica Ana Sofia Nava. Isto não quer dizer, acrescenta a psiquiatra, que a experiência do
psicoterapeuta seja a mesma que a do outro (paciente), mas antes que a semelhança das experiências
permite uma aproximação às experiência dos outros.
A psiquiatra explica que quanto maior for a similaridade e a familiaridade entre o analista e o seu
analisando, mais fácil será para o analista compreender as emoções que está a captar. Além disso, esta
é uma variável especialmente importante nos primeiros contactos, que são determinantes para se poder
estabelecer a chamada aliança terapêutica. Por norma há uma reciprocidade, ou seja, se o analista
empatiza mais com o paciente, o paciente também pode empatizar mais com o analista e, quando esta
dinâmica não ocorre pode acontecer que o paciente não adira ao tratamento.
“Esta é também a explicação para o facto de na vida do dia a dia haver pessoas com quem
empatizamos mais e outras com as quais empatizamos menos”, esclarece a psiquiatra.
A experiência de vida é pois essencial ao analista, mas os conhecimentos teóricos também são
fundamentais enquanto dimensão mais elaborada - voluntária e consciente –já que permitem a
explicação ao doente das suas emoções e sentimentos.
“De um modo simplista, não basta aprendermos a deixar-nos contagiar livremente pelas emoções dos
nossos doentes, é fundamental estarmos munidos de ferramentas teóricas para lhes darmos uma
explicação com sentido”, remata a psiquiatra.
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