Interferência da dieta hipoprotéica na síntese de CX3CL1/Fractalquina e endotelina em modelo experimental de infecção pelo Trypanosoma cruzi. i UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Reitor João Luiz Martins Vice-Reitor Antenor Barbosa Junior Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Tanus Jorge Nagem PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Coordenador Prof. Dr. Luís Carlos Crocco Afonso. ii UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO NÚCLEO DE PESQUISA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS – GRADUÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Interferência da dieta hipoprotéica na síntese de Fractalquina/CX3CL1 e endotelina em modelo experimental de infecção pelo Trypanosoma cruzi. Régia Ferreira Martins Orientação: DSc. André Talvani Co-Orientação: MSc. Fabiane Matos dos Santos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas do Núcleo de Pesquisa em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Ouro Preto, como parte integrante dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Ciências Biológicas, área de concentração: Imunobiologia de Protozoários. Ouro Preto 2010 iii . “A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. Essa é a fonte de toda a arte e ciência verdadeiras.” Albert Einstein iv Dedico este trabalho à vovó Regina, quem dedicou a vida a nossa família e nos ensinou verdadeiros valores. “Saudades: presença dos ausentes.” Olavo Bilac v M386i Martins, Régia Ferreira. Interferência da dieta hipoprotéica na síntese de CX3CL1/fractalkine e endotelina em modelo experimental de infecção pelo Trypanosoma cruzi [manuscrito] / Régia Ferreira Martins. – 2010. xi, 56f.: il., graf., tabs. Orientador: Prof. Dr. André Talvani. Co-orientadora: Profa. Dra. Fabiane Matos dos Santos. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas. Área de concentração: Imunobiologia de protozoários. 1. Desnutrição - Teses. 2. Endotelinas - Teses. 3. Chagas, Doença de - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título. CDU: 616.937 Catalogação: [email protected] AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por estar sempre comigo. Aos meus pais, Cláudio e Adriana, pela família que me deram, por fazerem parte de mim. Pelo amor e dedicação. A vocês meu eterno amor e gratidão! Aos meus irmãos Raissa, Caio e Cláudio obrigada por tudo. Amo vocês com que há de melhor em mim. À minha família. Vozinha Regina cuja ausência dói, mas as lembranças trazem para perto. Tia Gigi exemplo de força, exemplo de vida! Tia Marcininha por participar de tudo que acontece na minha vida. Tio André pelo carinho. Ao Juliano que me faz tão feliz, que mesmo longe está dentro do meu coração o tempo todo. Às minhas amigas de Cristina, irmãs de alma. Obrigada por fazerem a vida parecer tão doce. À República 171 pelos anos incríveis. As estelionatárias pela amizade e por me receberem de braços abertos. Amadas muito obrigada! De cada uma de vocês levo um pouco comigo. Ao Bruno, Filippe e Guilherme por estarem sempre por perto. Pelos momentos agradáveis nos corredores do ICEB, pelos cafés, conversas, por cada instante juntos. Amigos vocês me são muito especiais! Aos colegas e professores do Laboratório de Doença de Chagas da UFOP, pelos ensinamentos e conhecimentos compartilhados, especialmente a Professora Terezinha, Lívia e Ivo. À Fabiane pelo interesse, disponibilidade e ajuda com o projeto. À Ouro Preto, onde passei os melhores anos da minha vida. “Ah, Ouro Preto dos meus devaneios, das minhas andanças, das minhas recordações.” Ao Laboratório de Patologia da UFOP e à professora Camila pelo lindo trabalho e grande auxílio histopatológico! Ao Laboratório de Nutrição Experimental da UFOP e ao professor Marcelo Eustáquio pela ajuda e colaboração com nosso projeto. Ao Laboratório Professora Conceição Machado da UFMG. Professora Patrícia, Carlos e Luciano obrigada pela disponibilidade, atenção e carinho. Enfim, agradeço ao professor André Talvani pela oportunidade, compreensão, apóio e carinho. Por fazer parte deste projeto e ajudar a concretizá-lo. Obrigada sempre! Agradeço também, carinhosamente, aos animais deste projeto. "A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana." Charles Darwin vi RESUMO A cardiopatia chagásica, desenvolvida após a infecção pelo Trypanosoma cruzi (T. cruzi) é uma doença inflamatória crônica. Apresenta alterações vasculares significativas, a ponto de conduzir o hospedeiro vertebrado ao óbito. Múltiplos fatores parecem contribuir para os eventos cardiovasculares na doença de Chagas, mas a resposta imune do hospedeiro aparece como essencial tanto em modelo humano quanto experimental. Em particular, a produção de quimiocinas e de outros mediadores inflamatórios têm apresentado grande relevância na alteração da homeostase e contribuído para o recrutamento leucocitário, eventos primordiais para a patogênese da doença de Chagas. Conhecendo-se a precária situação nutricional das populações negligenciadas em áreas endêmicas para a doença de Chagas, e também a relação direta entre fatores nutricionais e a resposta imune do hospedeiro, este trabalho objetivou avaliar a interferência da deficiência protéica na resposta inflamatória cardíaca em modelo experimental da doença de Chagas. Utilizando-se ratos Fisher machos, induzimos uma desnutrição protéica nesses animais, seguida de infecção pelo Trypanosoma cruzi (cepa Y) e avaliamos a síntese da quimiocina Fractalquina/CX3CL1 e do peptídeo endotelina associados à lesão cardíaca durante as fases aguda e crônica da doença de Chagas. Observou-se que a deficiência protéica foi capaz de potencializar a síntese sistêmica de CX3CL1 e de endotelina, tanto na fase aguda quanto crônica da doença de Chagas, porém não foi capaz de controlar o aumento da carga parasitária na circulação sanguínea. Nossos dados mostram, pela primeira vez, a presença da CX3CL1 durante a infecção pelo Trypanosoma cruzi. E ainda, demonstrou a importância do estado nutricional do hospedeiro nas alterações imunes, pertinentes à doença de Chagas, no modelo experimental, sugerindo que a médio ou longo prazo, tais alterações poderiam contribuir para a progressão clínica da doença. Palavras chave: Desnutrição protéica; Fractalkine/CX3CL1; Endotelina; doença de Chagas. vii ABSTRACT Chagas' heart disease developed after Trypanosoma cruzi infection, is a chronic inflammatory disease. It presents significant vascular changes, the point of driving the vertebrate host to death. Multiple factors seem to contribute to cardiovascular events in Chaga's disease, but the host immune response appears to be essential both in human and experimental model. In particular, the production of chemokines and other inflammatory mediators have shown great importance in altering the homeostasis and contributing to leukocyte recruitment, events essential for the pathogenesis of the disease. Knowing the precarious nutritional situation of neglected populations in areas endemic for Chaga’s disease, and also the direct relationship between nutritional factors and host immune response, this study aimed to evaluate the role of protein deficiency in the inflammatory response rate during an experimental model of disease. Using Fisher male rats, we induced proteic malnutrition in these animals, followed by infection with Trypanosoma cruzi (Y strain) and evaluated the synthesis of the chemokine Fractalkine/CX3CL1 and peptide endothelin associated with cardiac injury during the acute and chronic phases of Chaga’s disease. It was observed that protein deficiency was able to enhance the systemic synthesis of CX3CL1 and endothelin in both acute and chronic Chaga’s disease, but was not able to control the increase in parasite load in the bloodstream. Our data show for the first time, the presence of CX3CL1 during infection with Trypanosoma cruzi. Also, we demonstrated the importance of nutritional status in the host immune changes, relevant to Chaga's disease in the experimental model, suggesting that the medium to long term, such changes could contribute to the progression of the disease. Keywords: Protein malnutrition; Fractalkine/CX3CL1; Endothelin; Chaga’s disease viii Tabela Tabela 1: Composição das dietas experimentais...............................................................................25 Lista de Figuras Figura 1: Morfologia do T. cruzi..........................................................................................................13 Figura 2: Esquema representativo da adaptação ao modelo de desnutrição protéica..........................23 Figura 3: Avaliação do ganho de peso dos animais.............................................................................29 Figura 4: Avaliação sérica das proteínas totais....................................................................................30 Figura 5: Avaliação dos níveis séricos de albumina............................................................................31 Figura 6: Avaliação dos níveis sanguíneos de hemoglobina...............................................................31 Figura 7: Parasitemia...........................................................................................................................32 Figura 8: Análise histopatológica do coração..................................................................................... .34 Figura 9: Análise morfométrica da celularidade do tecido cardíaco de ratos Fisher infectados com a cepa Y do T.cruzi, com dieta hipoprotéica ou normoprotéica.............................................................35 Figura 10: Avaliação morfológica do coração (peso do coração/peso coporal)..................................35 Figura 11: Avaliação dos níveis séricos e cardíacos de Endotelina.....................................................37 Figura 12: Avaliação dos níveis de Fractalquina/CX3CL1 no soro e no tecido cardíaco...................38 Figura 13: Análise imuno-histoquímica dos receptores da Fractalquina/CX3CL1 (CX3CR1) no tecido cardíaco.....................................................................................................................................40 Figura 14: Análise imuno-histoquímica de macrófagos no coração....................................................41 ix SUMÁRIO 1.0. INTRODUÇÃO 1.1. Trypanosoma cruzi e a epidemiologia da doença de Chagas ................................................... 12 1.2. O sistema imune na doença de Chagas ................................................................................... 15 1.3. Fractalquina/CX3CL1 e Endotelina na biologia vascular ........................................................ 16 1.4. O estado nutricional: aspectos gerais e sua relevância nas doenças parasitárias ..................... 19 2.0. OBJETIVOS 2.1. Objetivo geral .......................................................................................................................... 22 2.2. Objetivos específicos............................................................................................................... 22 3.0. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Proposição de um modelo de dieta hipoprotéica em ratos para o estudo da infecção pelo T. cruzi ................................................................................................................................................23 3.2. Animais ................................................................................................................................... 24 3.3. Dieta ........................................................................................................................................ 24 3.4. Avaliação nutricional .............................................................................................................. 25 3.5. Parasitemia .............................................................................................................................. 25 3.6. Histopatologia 3.6.1. Processamento histológico ............................................................................................... 25 3.6.2 Análise morfológica qualitativa e quantitativa dos tecidos ............................................... 26 3.7. Imunohistoquímica .................................................................................................................. 26 3.8. Reação imunoenzimática – ELISA 3.8.1. Fractalquina/CX3CL1 ...................................................................................................... 27 3.8.2. Endotelina......................................................................................................................... 27 3.9. Análises estatísticas ................................................................................................................. 28 x 4.0. RESULTADOS 4.1. Avaliação do estado nutricional: peso e dosagens bioquímicas .............................................. 29 4.2. Parasitemia e mortalidade ....................................................................................................... 32 4.3. Análise histopatológica e morfométrica do coração ............................................................... 33 4.4. Avaliação dos níveis cardíacos e séricos de Endotelina ......................................................... 36 4.5. Avaliação dos níveis da fractalquina/CX3CL1 no soro e no tecido cardíaco ......................... 37 4.6. Análise imunohistoquímica dos receptores da CX3CL1(CX3CR1) e macrófagos no coração ........................................................................................................................................... 39 5.0. DISCUSSÃO .............................................................................................................................. 42 6.0. CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 48 7.0. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 49 xi 1.0. INTRODUÇÃO 1.1. A epidemiologia da doença de Chagas e o Trypanosoma cruzi. Acredita-se que a doença de Chagas exista desde a antiguidade. Fragmentos de DNA, únicos de cinetoplasto de Trypanosoma cruzi (T. cruzi), foram isolados de múmias humanas do nordeste Chileno que datavam de aproximadamente 2.000 anos a.C. (Guhl et al, 1999). No entanto, estudos revelam que a primeiras infecções possam ter ocorrido há cerca de 7.000 anos a.C. Neste período, o ciclo silvestre da doença foi provavelmente estabelecido, onde os primeiros seres humanos (membros da cultura Chinchorro) junto com muitas outras espécies de mamíferos atuavam como hospedeiros (Aufderheide et al, 2004). Milhares de anos depois, em 1909, Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas durante uma expedição científica pelo interior de Minas onde a malária devastava o acampamento dos trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil descobriu o parasito, chamado T. cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz, no sangue de uma menina de três anos, Berenice. Foi seu trabalho memorável que descreveu a doença, a morfologia do parasito, bem como seu transmissor, hospedeiros e seu ciclo de vida (Brener, 1989). Atualmente, a doença Chagas representa um dos principais problemas médico-sociais brasileiros, acometendo cerca de 4 a 6 milhões de pessoas em todo o país. É uma doença crônica, incapacitante e debilitante de grande impacto sócio-econômico e cultural (WHO, 2002). A distribuição geográfica da infecção chagásica, incluindo os seus reservatórios e seus vetores, estende-se desde o sul dos Estados Unidos até o sul da Argentina e Chile. Assim, abrange todas as Américas, onde cerca de 90 milhões de pessoas estão expostas à infecção. Além disso, estima-se que 15 milhões de pessoas estejam infectadas pelo T. cruzi ou sejam portadoras da doença de Chagas em toda a América (Coura & Dias, 2009). O T. cruzi é um protozoário intracelular flagelado da ordem Kinetoplastidae, sendo assim classificado por apresentar em sua estrutura interna uma organela conhecida por cinetoplasto. Este microorganismo patogênico possui uma grande diversidade genética, já bem caracterizada. Seu ciclo biológico é bastante complexo, caracterizado pela presença de muitos estágios de desenvolvimento os quais podem ser observados no hospedeiro vertebrado e invertebrado (de Souza et al, 2002). Três formas do parasito são essencialmente estudas: amastigotas (Figura 1A), 12 epimastigotas (Figura 1B) e tripomastigotas (Figura 1C). As formas epimastigotas replicativas são encontradas no intestino posterior, nas fezes e urina do inseto vetor, bem como as formas tripomastigotas metacíclicas, infectivas para o homem. Tripomastigotas são encontradas nas células de muitos tecidos, principalmente no tecido cardíaco, e na corrente sanguínea do homem. Essas formas são incapazes de se replicar, tendo a função de interagir com a célula do hospedeiro a fim de penetrá-la e garantir sua sobrevivência. Ainda no hospedeiro vertebrado podem ser encontradas formas epimastigotas durante o final do ciclo intracelular, quando as amastigotas (formas replicativas intracelulares sem flagelo) se transformam em tripomastigotas, ou vice-versa, dando início a um novo ciclo (Ley et al, 1990). A infecção humana pode ocorrer através de transfusão sanguínea, transmissão congênita, acidentes de laboratório, transmissão oral e transplantes de órgãos, além da transmissão vetorial (principal forma de transmissão) (Prata, 2001). A B C Figura 1: Morfologia do T.cruzi. A) epimastigotas, formas replicativas; B) Ninho de amastigotas C) tripomastigota sanguíneo, forma infectante. Fonte: de Souza, 2002. Existe um grande número de insetos, família Ruduviidea, capazes de transmitir o T. cruzi, fazendo com que a doença de Chagas tenha uma ampla distribuição geográfica. Além disso, muitos mamíferos de grande importância epidemiológica servem como reservatórios naturais do parasito, dentre eles roedores e desdentados. A doença foi considerada, inicialmente, uma zoonose presente apenas no ambiente selvagem, mas após a invasão das matas pelo homem, houve uma dispersão dos vetores triatomíneos que se adaptaram ao novo ambiente e passaram a usar o homem como fonte de alimento, passando esta a ser considerada uma antropozoonose. A doença no homem apresenta uma grande variedade de manifestações clínicas, que provavelmente estão relacionadas à genética do parasito, bem como a do seu hospedeiro (Macedo et al, 2004). Entretanto, outros aspectos devem ser ressaltados como o microambiente, a resposta imune hospedeiro, a carga parasitária, o estado nutricional, dentre outro. 13 Sendo assim, a fase aguda ou inicial da doença é caracterizada pela curta duração e por sinais clínicos brandos e inespecíficos como, febre, edema ganglionar, geralmente de difícil reconhecimento ou específicos como, alta parasitemia e o sinal de Romaña ou chagoma de inoculação, que corresponde a uma inflamação local no sítio de penetração do parasito. É menos freqüente, porém provável, a ocorrência de miocardites, meningoencefalites, especialmente em indivíduos imunossuprimidos (Hoff et al, 1978) ou a ocorrência de óbitos nessa fase (apenas 5% dos casos de complicações cardíacas e neurológicas são fatais, especialmente em crianças). Nessa fase, o parasito pode levar o indivíduo infectado a um comprometimento do sistema imune, resultado da depleção de células do timo e intensa ativação policlonal de linfócitos (Reina-San-Martin et al, 2002). Após a fase aguda, a maioria dos indivíduos infectados pelo T. cruzi é conduzida para uma fase latente da doença, também conhecida como forma crônica indeterminada, permanecendo sem sintomatologia clínica detectável por décadas ou pela vida toda. Por outro lado, aqueles indivíduos que desenvolvem a fase crônica sintomática da doença (aproximadamente 35%) podem apresentar sinais patológicos característicos como cardiopatia (alterações eletrofuncionais cardíacas caracterizada por miocardite crônica que freqüentemente leva a cardiomegalia, falência congestiva crônica e arritmias) (Rocha et al, 2007), além de danos ao sistema nervoso periférico, alterações na motilidade esofágica e intestinal, levando ao quadro de megaesôfago e megacólon. Nessas alterações patológicas, há infiltrado de linfócitos (Hoff et al, 1978)), perda das células miocárdicas na cardiopatia (Palacius-Pru et al, 1989) e degeneração neuronal e denervação nos quadros digestivos (Koeberle, 1968; Adad et al, 1991). Podem ser observados também alterações neurológicas, tromboembolismo venoso, acidentes cerebrovasculares e choque isquêmico, sendo estas últimas a causa primária da morte súbita associada à doença (Rocha et al, 2007). Excluindo os casos inesperados de morte súbita, que podem surgir em qualquer fase da infecção (Prata et al, 1986), os demais casos relatados sucedem uma forma de acometimento cardiovascular típico da doença, a cardiopatia chagásica. A cardiopatia chagásica possui como característica principal um caráter progressivo e fibrosante, explicada por mecanismos como a proliferação celular no miocárdio, especialmente fibroblastos e linfócitos T (Tanowitz et al, 2003), necrose e apoptose das células cardíacas (Barcinski & DosReis, 1999), hiperplasia e hipertrofia celular (Arnaiz et al, 2002), resposta imune devido à persistência do parasito nos tecidos (Gea et al, 1993) e autoimunidade (Leon & Engman, 2001). 14 1.2. A resposta inflamatória na infecção pelo T. cruzi. A resposta inflamatória após a infecção pelo parasito é essencial para a resistência do hospedeiro, mas também é responsável por diversas patologias observadas no curso da doença. Uma vez na corrente sanguínea do hospedeiro, o parasito consegue escapar da lise pelo complemento devido à existência de moléculas reguladoras de ativação do sistema complemento em sua superfície celular (Krettli &Lima Pereira, 1981). No entanto, o reconhecimento de outras moléculas de superfície estimula a síntese de citocinas pró-inflamatórias, bem como de quimiocinas pelos macrófagos do hospedeiro. As citocinas produzidas durante a infecção como, TNF-α, IL-1, IFN- γ, IL-10 e TGF-β, são capazes de induzir e regular a produção de diferentes quimiocinas e alterar seu perfil de síntese por macrófagos e cardiomiócitos infectados (Teixeira et al, 2002). Estas citocinas induzem a morte do parasito pela liberação de oxido nítrico (NO) pelos cardiomiócitos e macrófagos, através da enzima óxido nítrico sintase (iNOS) (Aliberti et al, 1999). A eficiência da resposta imune gerada contra o parasito na fase aguda da infecção é responsável pela redução, porém não pela eliminação do parasito, conferindo resistência parcial ao hospedeiro (Krettli & Lima Pereira, 1981). A disseminação sistêmica do patógeno leva a um massivo infiltrado de células mononucleares no miocárdio, levando a produção de citocinas, quimiocinas e mediadores como o NO. O perfil de resposta imune, mediada por linfócitos T, que protege o hospedeiro e controla o parasitismo apresenta um perfil chamado de Th1. Por outro lado, o controle da inflamação aguda, que gera dano ao tecido, ocorre por meio de uma resposta de perfil Th2, através da produção das IL-4, IL-10 e TGF-β. Sendo assim, Th2 limita a ação das citocinas pró-inflamatórias produzidas por Th1 e inibe a liberação de NO (Mariano et al, 2008), o que possibilita a sobrevivência do parasito, previne a hiperatividade da resposta imune e a imunopatologia dos tecidos afetados (Holscher et al, 2000; Hughes & Kelly, 2006). A falta de competência da resposta imune em eliminar completamente o parasito, se deve também a existência de outra população de células T conhecidas como células T reguladoras (Treg) (CD4+CD25+) que modulam a resposta imune. As T reg suprimem a proliferação de células T e inibem a indução de autoreatividade destas células, função importante na prevenção de doenças autoimunes. As células T regs podem entrar em ação devido à produção de TGF-β e IL-10, presentes na infecção pelo T. cruzi (Mariano et al, 2008). 15 Dados mostraram que as lesões associadas à intensa resposta proliferativa e a liberação de citocinas, que ocorrem durante a fase aguda da infecção, são também observadas em células de pacientes chagásicos crônicos (da Silva et al, 2007). E, células T ativadas estão presentes em maior quantidade no infiltrado inflamatório dos pacientes sintomáticos, o que demonstra uma estreita relação entre essas células e o desenvolvimento da patologia na fase crônica (Cunha-Neto et al, 2005; Dutra et al, 1997). Além disso, Souza et al (2004) demonstraram que monócitos de pacientes com lesões cardíacas expressam níveis elevados TNF-α, citocina associada à progressão das lesões cardíacas, enquanto que em pacientes na fase indeterminada da infecção a citocina de expressão prevalente é a IL-10, responsável por controlar a parasitemia. E ainda, o número de macrófagos e monócitos é altamente elevado na doença de Chagas devido à potente reação inflamatória desencadeada (Melo et al, 2003). Estudos mostraram que a depleção de macrófagos, causa um aumento significativo no número de ninhos de amastigotas em cardiomiócitos. Esses dados indicam que durante a fase aguda da infecção a rápida produção, maturação e ativação de macrófagos são capazes de controlar a replicação do parasito, enfatizando o papel essencial dos macrófagos na resistência de ratos a doença de Chagas (Melo & Machado, 2001). Os macrófagos apresentam ao menos duas populações distintas (Itoh M et al, 1995). Os macrófagos residentes, ou histiócitos, possuem um antígeno de superfície reconhecido pelo anticorpo monoclonal ED2 (ou anti-CD68), enquanto que os monócitos apresentam um marcador lisossômico, reconhecido pelo anticorpo monoclonal ED1(ou anti-CD163) (Dijkstra et al, 1985). Alguns imunologistas consideram que as células ED1+ ED2- possam ser monócitos recém-chegados ao tecido enquanto que os residentes (ED1- ED2+), ainda que originários dos monócitos teriam passado, nos tecidos, a expressar novos antígenos (Barbé et al, 1990). 1.3. Fractalquina/CX3CL1 e endotelina na biologia vascular. As quimiocinas constituem-se numa superfamília de proteínas de baixo peso molecular com um papel fundamental nas reações inflamatórias (Mantovani et al, 2004). O recrutamento e a transmigração leucocitária são descritos como suas funções mais características, porém as quimiocinas também participam de eventos como angiogênese, produção de colágeno e homeostasia de estruturas vitais como o sistema cardiovascular e órgãos hematopoiéticos (Bacon & Oppenheim 1998, Kim 2004). Assim, as quimiocinas podem ser divididas funcionalmente em duas categorias, 16 quimiocinas inflamatórias, as quais recrutam leucócitos em resposta ao estresse fisiológico e, homeostáticas, responsáveis pelo tráfico basal de leucócitos e pela arquitetura de órgãos linfóides secundários (Moser & Loetscher, 2001; Zlotnik & Yoshie, 2000; Gerard & Rollins, 2001). A migração leucocitária em direção aos tecidos, durante um evento inflamatório, apresenta uma cascata de eventos moleculares envolvendo tanto as quimiocinas quanto seus receptores, ambos integrados as células co-participantes desses eventos: leucócitos e células endoteliais (Galkina & Ley 2007). A CX3CL1 é o único membro da família das quimiocinas CX3C, e pode ser encontrada na forma de proteína de membrana celular, agindo principalmente na retenção e adesão de leucócitos ou ainda em sua forma solúvel, sendo capaz de atrair monócitos/ macrófagos, células natural killers (NK) e células T (Bazan et al, 1997; Fong et al, 1998), onde seu receptor CX3CR1 é expresso. Pode ser encontrada também nas células endoteliais ativadas por citocinas inflamatórias como IFN-γ e TNF-α (McComb et al, 2008). Além disso, é capaz de agir na proliferação de células da musculatura lisa e, ainda ser expresso em plaquetas. Portanto, essas células, agindo separadamente ou em conjunto, funcionam como mediadoras no efeito da CX3CL1 na resposta inflamatória vascular (Liu et al, 2006). Recentes evidências sugerem que a CX3CL1 pode agir na progressão direta da resposta inflamatória, através da ativação de células NK e células dendríticas, desencadeando uma resposta imune com perfil Th1 (Ryu et al, 2008). Esta resposta é capaz de provocar a exacerbação da inflamação propiciando o envolvimento desta quimiocina na patofisiologia de diferentes doenças inflamatórias como aterosclerose, glomerulonefrite, rejeição a transplantes cardíacos ou mesmo doenças de caráter autoimune como artrite reumatóide (Galkina & Ley 2007; Schober, 2008). Além disso, estudos descrevem que a CX3CL1 funciona como quimiocina angiogênica, ou seja, ela é capaz de induzir a formação de novos vasos sanguíneos, crítica para a progressão do foco inflamatório (Ryu et al, 2008). A abundante expressão da CX3CL1 é detectada em cardiomiócitos, a qual estimula a expressão de genes envolvidos no desenvolvimento da hipertrofia e falência cardíaca (Husberg et al, 2008). A expressão da CX3CL1 está intimamente ligada ao processo inflamatório, sendo possível especular o seu envolvimento na progressão doença de Chagas, uma vez que esta apresenta um caráter tipicamente inflamatório. No entanto, o complexo de regulação dos mediadores inflamatórios e sua expressão, especialmente no tecido cardíaco, está longe de ser completamente entendido (Husberg et al, 2008). 17 Outro importante mediador inflamatório associado à biologia do endotélio é denominado endotelina. De fato, as endotelinas são peptídeos produzidos pelo endotélio com potente atividade vasoconstritora (especialmente a endotelina-1), normalmente estimuladas por mecanismos geradores de danos vasculares. Após síntese e liberação, as endotelina exercem muitas funções como a ativação de macrófagos, proliferação de fibroblastos na musculatura lisa vascular, regulação de funções vasculares, liberação de peptídeos natriuréticos pelos cardiomiócitos, além de inibir a liberação de renina pelos glomérulos e modular a ação da norepinefrina nas terminações nervosas simpáticas (Davenport & Maguire 2006). As endotelinas têm sido associadas aos processos ateromatosos e vários estados de doenças cardiovasculares. A endotelina-1, a saber, tem participação comprovada na insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal, hipertensão arterial, hiperlipidemia e doença de Chagas (Giannessi et al, 2001; Little et al, 2008). Distúrbios na produção e clearance da endotelina-1, contribuem diretamente para a fisiopatologia cardiovascular experimental na doença de Chagas. Foi descrito, em modelo murino, que alta expressão de endotelina no tecido cardíaco estaria associada diretamente à infecção pelo T. cruzi e que esse perfil contribuiria para a elevada produção do óxido nítrico (importante para o controle parasitário), para processo de fibrogênese e conseqüentemente para as alterações fisiopatológicas graves no endotélio vascular (Petkova et al, 2001; Machado & Camargos 2008). Além disso, a ação da endotelina, principalmente através dos receptores ETA, pode estimular os macrófagos a liberar citocinas, como TNF- α (Rae & Henriques, 1998), responsáveis por grande parte dos danos causados aos tecidos durante a doença de Chagas. Os altos níveis de IFN-γ e TNF-α, presentes durante a doença de Chagas, que coordenam a expressão de quimiocinas e também das endotelinas (Talvani et al, 2000; Gomes et al. 2003; Talvani et al, 2004), propiciam a ação de ambos os mediadores inflamatórios que também exercem importante papel durante a patogênese da cardiopatia chagásica (Engman & Leon, 2002). Dessa forma, torna-se evidente que tanto a CX3CL1 quanto a endotelinas constituem-se peças estruturais importantes na patogênese da doença de Chagas, principalmente na biologia cardiovascular. A compreensão do papel desses mediadores inflamatórios na geração dos eventos tromboembólicos após a infecção pelo T. cruzi poderia, em longo prazo, contribuir para ações farmacoterápicas preventivas na clínica da doença de Chagas. No entanto, a realidade da população afetada pelo T. cruzi traduz outro aspecto indiretamente associado à resposta imune da doença: um extensivo quadro de miséria e negligência ocasionado por diferentes instâncias sociais e políticas. Fruto dessa 18 condição precária surge uma inevitável condição de desnutrição em crianças e adultos pela insuficiência tanto na quantidade quanto na qualidade dos constituintes nutricionais. E nesse contexto, a redução drástica de proteínas na alimentação ocasionadas em diferentes momentos da infecção chagásica poderia interferir diretamente na geração da resposta imune e, dessa forma, alterar significativamente o curso clínico da doença. 1.4. O estado nutricional: aspectos gerais e sua relevância na doença de Chagas A nutrição é conceituada como a ciência dos alimentos capaz de estabelecer uma íntima relação entre a saúde e a vida dos indivíduos. Ela pode ser incluída entre os fatores capazes de alterar a integridade física, a capacidade produtiva ou mesmo a resistência do homem frente às doenças infecciosas e parasitárias. Em contrapartida, desnutrição compreende todas as inadequações dietéticas, bem como as deficiências de absorção e má utilização dos alimentos, capazes de criar condições para a ocorrência de doenças ou mesmo de desencadear ou exacerbar sintomas clínicos associados a elas (Forbes, 1978). A desnutrição é um dos maiores problemas socioeconômicos que ocorre em todo o mundo. Ainda hoje é possível notar a deficiência que existe na qualidade da alimentação das populações, especialmente dos países em desenvolvimento. As populações que vivem na linha da pobreza são as que mais sofrem com o déficit nutricional, uma vez que são negligenciadas. As conseqüências de uma má alimentação, ou a falta dela, podem ser desastrosas no que diz respeito ao crescimento, desenvolvimento e sobrevivência do indivíduo. E ainda, a incidência da anemia entre mulheres grávida, desses países, pode chegar a 80% (Sharma et al, 2003), o que atinge significativamente o feto. Há evidências na literatura de que os tipos de deficiência nutricionais não resultam apenas em anormalidades graves na anatomia do cérebro ou no retardamento mental ou fisiopatológico, mas também no surgimento e progressão de deficiências cognitivas, de aprendizagem (Ranade et al, 2008) e de comportamento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 1/3 das crianças no mundo sofram com a desnutrição e que aproximadamente 150 milhões de crianças com menos de cinco anos apresentam peso inferior para sua idade (WHO 2007) e que cerca de 182 milhões (32,5%) possuem baixa estatura (AACC/SCN 2000) devido à desnutrição. A desnutrição é responsável, direta ou indiretamente por 54% das cerca de 8 a 10 milhões de mortes de crianças com menos de cinco anos por ano, contribuindo com 53% das mortes associadas a doenças infecciosas entre crianças desta 19 faixa etária nos países em desenvolvimento (WHO 2002). Aproximadamente 20 a 30% das crianças gravemente desnutridas vão a óbito durante o tratamento em hospitais públicos (Schofield & Asworth, 1996). No Brasil, desde as décadas de 1970 e 1980 esse quadro vem tendo uma melhora, onde a prevalência da desnutrição foi reduzida em cerca de 60%, representando mais de um milhão de crianças (Ministério da Saúde 1996). A deficiência nutricional é capaz de prejudicar fenômenos imunológicos essenciais para a defesa no indivíduo. Especialmente na infância, tais deficiências podem ocasionar danos à formação do sistema imune, com o comprometimento de sua capacidade durante a idade adulta (CunninghamRundles et al, 2005). Na desnutrição, a maioria dos mecanismos de defesa do organismo está prejudicada (Chandra, 1997). Além disso, a infecção é a maior causa de morbidade e mortalidade em indivíduos severamente desnutridos (Morgan, 1997). A desnutrição está diretamente relacionada à debilidade do sistema imune, através do enfraquecimento da função fagocítica das células do sistema mononuclear, do sistema de complemento, da concentração de anticorpos e da produção de citocinas (Chandra, 2002). Nesta condição várias funções dos macrófagos encontram-se comprometidas (Borelli et al, 1998). Estas células são de importância fundamental no controle e na resolução dos processos infecciosos, na regulação da homeostase por participarem efetivamente da resposta inflamatória e do processo de reparação tecidual e estarem envolvidas na resposta imune tanto inata quanto adaptativa (Melo et al, 2006). Na infância os impactos e efeitos da desnutrição sobre o sistema imune e a formação de estruturas orgânicas são ainda maiores. A desnutrição protéica é causa secundária comum de imunodeficiência e susceptibilidade às infecções (Katona & Katona, 2008). A deficiência protéica severa em crianças é caracterizada clinicamente por manifestações como a redução de quase 70% do peso corporal, formação de edema e presença de anemia. Além disso, a desnutrição severa durante a infância afeta o desenvolvimento tímico, fato que compromete a imunidade através da redução prolongada da contagem de linfócitos circulantes (Savino, 2002). Esta imunodeficiência parece ser um fator primordial na susceptibilidade às infecções. Os primeiros trabalhos descritos na literatura relacionando o estado nutricional com a doença de Chagas foram desenvolvidos na década de 1960, utilizando o modelo murino, e demonstraram que a deficiência de pantotenato, piridoxina ou tiamina aumentavam a ação fagocíticas das células de defesa e o agravamento das lesões cardíacas, quando comparados aos animais com níveis dietéticos padrões (Yaeger & Miller 1960). Ainda nesta mesma década, Yaeger & Miller (1963) 20 demonstraram que a deficiência de riboflavina e a vitamina A favorecem o aumento da susceptibilidade dos animais à cepa Tulahuen do T. cruzi, fato que se mostrou mais justificado pelo estado de inanição dos animais do que pela deficiência nutricional propriamente dita. E ainda, Gomes et al., (1994) demonstraram que camundongos adultos submetidos a um grau severo de restrição protéica (4.75%) e infectados com as cepas Y ou CL de T. cruzi, apresentaram uma diminuição da resistência a infecção resultando em alta parasitemia e mortalidade, apesar das lesões cardíacas terem sido menos extensivas. Além disso, muitos autores têm demonstrado a interferência da deficiência dos micronutrientes (selênio, zinco e ferro) e vitaminas (vitamina E e A) no curso da doença de Chagas, a qual favorece o aumento das complicações cardiovasculares (Rivera et al, 2002;Carvalho et al, 2006), afeta o desenvolvimento do sistema imune, e conseqüentemente aumenta a carga parasitária na circulação sanguínea (Brazão V et al, 2008; Arantes et al, 2006; de Souza et al, 2003; Yaeger & Miller, 1963 ). Em especial, a desnutrição protéica, pelas limitações imunofisiológicas impostas ao organismo, parece repercutir mais intensamente na capacidade de resistência às doenças infectoparasitárias (Caulfield et al, 2004; Emery, 2005; Hughes & Kelly, 2006). A limitação protéica afeta diretamente a resposta imune inata e adquirida, havendo inclusive maior deficiência na resposta celular sobre a humoral (Cunningham-Rundies et al, 2005). Como conseqüência clínica desta deficiência alimentar, relata-se a presença de edemas, apatia, perda de massa muscular, hepatomegalia e anemia. Além da repercussão da dieta hipoprotéica na imunidade do indivíduo, algumas pesquisas demonstram sua interferência também nos mecanismos fisiológicos autonômicos do organismo (Oliveira et al, 2004; Tropia et al 2001). Portanto, a compreensão das alterações imuno-fisiológicas secundárias ao déficit protéico nos indivíduos infectados pelo T. cruzi torna-se fundamental para o entendimento das alterações clínicas associadas à doença de Chagas. Pela relevância da desnutrição em nosso país e, pelas décadas que distanciam os estudos pioneiros em desnutrição na doença de Chagas, poucos trabalhos são descritos na literatura científica envolvendo a infecção pelo T. cruzi. Diante da complexidade de variáveis que interpõem a evolução clínica da infecção pelo T. cruzi, talvez o aspecto nutricional do hospedeiro tenha sido um fato até hoje negligenciado, porém importante em processos imunofisiológicas tanto da cardiopatia chagásica crônica quanto dos eventos vasculares largamente descritos e associados os casos de morte súbita na doença de Chagas. 21 2.0. OBJETIVO 2.1. Objetivo geral O objetivo deste trabalho foi avaliar a interferência da dieta hipoprotéica na síntese da quimiocina CX3CL1 e do peptídeo vasoativo endotelina durante o processo inflamatório cardiovascular em ratos Fisher experimentalmente infectados pela cepa Y do T. cruzi. 2.2. Objetivos específicos • Adaptar o modelo de desnutrição protéica em ratos Fisher, possibilitando a sobrevivência dos animais infectados pelo T. cruzi por um longo período (120 dias, fase crônica); • Identificar as lesões no tecido cardíaco e vascular dos animais submetidos às dietas normoprotéica e hipoprotéica em associação com a infecção pelo T. cruzi na fase aguda e fase crônica da doença de Chagas; • Avaliar os níveis séricos e no coração da CX3CL1 e endotelina e, correlacioná-los a intensidade do infiltrado inflamatório durante as fases aguda e crônica da doença de Chagas, correlacionando esses achados ás respectivas dietas dos animais; • Avaliar a expressão qualitativa de receptores de CX3CL1, macrófagos residentes e recrutados no tecido cardíaco dos animais infectados pelo T. cruzi submetidos às dietas normoprotéica e hipoprotéica. 22 3.0. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Proposição de um modelo de dieta hipoprotéica em ratos para o estudo da infecção pelo T. cruzi. A introdução da dieta hipoprotéica no modelo murino (ratos), proposta na metodologia, tem sido largamente estuda e pré-testada no Laboratório de Nutrição Experimental, ENUT, UFOP. Porém, mediante a presença da elevada carga parasitária (T. cruzi), houve a necessidade de desenvolver um modelo capaz de se adequar à condição de “desnutrição” e “infecção” concomitantemente e, que permanecesse nesse estado por um longo período após a infecção para a caracterização da fase crônica da doença. O esquema abaixo ilustra o modelo proposto e adequado por nosso laboratório, no qual são explicitadas as várias etapas experimentais desenvolvidas desde o nascimento até o sacrifício dos animais (Figura 2). Após o desmame, com 21 dias de vida, as dietas normoprotéica e hipoprotéicas foram introduzidas aos grupos e oferecidas por um período necessário para o estabelecimento da deficiência protéica (14 dias). Em seguida, formas tripomastigotas do T. cruzi foram inoculadas em nos animais (grupo infectado), sendo estes sacrificados nos períodos estabelecidos como fase aguda (15 dias) e fase crônica (120 dias) da doença de Chagas experimental. Introdução das dietas 0 Fase aguda 21 21dias 35 14 dias Fase crônica 50 15 dias 170 120 dias Dias Nascimento Desmame Infecção Sacrifício Sacrifício (420x103 tripo/70g) Figura 2: Esquema representativo da adaptação ao modelo de desnutrição protéica. Modelo pré-estabelecido pelo Laboratório de Nutrição Experimental da Escola de Nutrição da UFOP. Durante as fases aguda e crônica da doença foram sacrificados 5 animais de cada grupo (Infectado com dieta normoprotéica, infectado com dieta hipoprotéica, não infectado com dieta normoprotéica e não infectado com dieta hipoprotéica). 23 3.2. Animais Ratos Fisher machos, com 21dias de vida, provenientes do Biotério da Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto, receberam uma dieta hipoprotéica contendo 6% de proteína durante 14 dias, após o desmame. Os grupos foram separados aleatoriamente, de forma que a média do peso dos animais de cada grupo não fosse superior a 2g, quando comparado aos demais grupos. Realizada a desnutrição, dez desses animais foram infectados intraperitonealmente (i.p.) com 420 x 103 formas tripomastigota/70 g de peso (Camargos et al, 2000) com a cepa Y do T. cruzi. O grupo controle recebeu a dieta normoprotéica contendo 15% de proteína. Desses animais, dez foram infectados, assim como os ratos do grupo que recebeu a dieta hipoprotéica. Após a infecção e os intervalos de tempo (15 dias fase aguda e 120 dias fase crônica) necessários para estabelecimento da doença, os animais foram sacrificados, os corações foram extraídos, fragmentado e conservados (de acordo com as técnicas utilizadas posteriormente) e o soro coletado para análises posteriores. O projeto contou com duas etapas experimentais, a fim de adaptar o modelo de desnutrição protéica à infecção pelo T. cruzi nas fases aguda e crônica da doença. Sendo assim, obtivemos quatro grupos com dez animais, na primeira e na segunda etapa da experimentação que se diferenciavam apenas pelo tempo de infecção. Todos os procedimentos e protocolos são realizados de acordo com a conduta preconizada pelo COBEA (Colégio Brasileiro em experimentação Animal) sobre pesquisa em animais. Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da UFOP. 3.3. Dieta A dieta hipoprotéica bem como a dieta normoprotéica empregadas neste procedimento, foram desenvolvidas pelo Laboratório de Nutrição Experimental, da Escola de Nutrição da UFOP e, foram ofertadas livremente, junto com água. Os animais permaneceram em salas com temperatura e luminosidade controladas. 24 Tabela 1: Composição das dietas experimentais para cada 3000g da dieta (g/KG). Ingredientes Amido de milho Caseína * Sacarose Óleo Fibras (celulose) Mistura de sais** Mistura de vitaminas** Colina Dieta NP Dieta HP 1597,5g 600g 300g 210g 150g 105g 30g 7,5g 1987,5g 210g 300g 210g 150g 105g 30g 7,5g (*) O teor de caseína usado nas dietas normoprotéica e hipoprotéica foram de 6% e 15% respectivamente. (**) Quantidades em gramas baseadas nos protocolos do Laboratório de Nutrição experimental do ENUTUFOP; teores de minerais e vitaminas baseados em Reeves et al (1993) 3.4. Avaliação nutricional Como parâmetro de avaliação do status nutricional utilizou-se o peso dos animais, através da pesagem semanal após o desmame, e dosagens bioquímicas. Além disso, após o sacrifício dos animais os corações foram retirados e pesados, a fim de permitir a análise comparativa destes com o peso corporal. O teor de albumina e proteínas totais foi determinado em soro e o teor de hemoglobina de sangue total, coletados por animal utilizando kits comerciais (Labtest Diagnóstica S.A®, Cat 99, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil). 3.5. Parasitemia Formas sanguíneas do T. cruzi foram contados em todos os animais infectados, diariamente, através de observação direta ao microscópio óptico utilizando-se 5 µl de sangue fresco entre lâmina e lamínula, coletados através da veia caudal dos animais (Brener Z, 1962). 3.6. Histopatologia 3.6.1. Processamento histológico Os corações foram fixados em solução de formol a 10% em PBS, desidratados em álcoois de concentrações crescentes (70%, 80%, 90%, 95% e 100%), diafanizados em xilol e incluídos em 25 parafina. Os blocos de parafina foram cortados em 4µm, corados pela técnica de hematoxilina e eosina (HE) e montados em lâminas para avaliação morfológica do infiltrado inflamatório e da presença de trombos. 3.6.2 Análise morfológica qualitativa e quantitativa dos tecidos cardíacos. Aspectos qualitativos dos tecidos cardíacos foram analisados e documentados. Para quantificação de celularidade dos tecidos cardíacos, 20 imagens de cada coração foram obtidas com a objetiva de 40 X através do software de captura de imagens Leica Application Suite do Laboratório multiusuário do NUPEB/UFOP. Posteriormente, as imagens foram avaliadas em um microscópio de luz acoplado a uma câmera pelo programa Leica Qwin, no mesmo laboratório, através da seleção de pixels com coloração característica para núcleos celulares corados por hematoxilina. O número de células quantificadas por imagem do mesmo coração foi somado e a média do número de células para cada grupo foi obtido. 3.7. Imuno-histoquímica Os fragmentos coletados foram acondicionados em Optimum cutting temperature compound médium (O.C.T.), congelado a -80oC. Posteriormente foram cortados a 7 µm de espessura em criostato e colocados em lâminas silanizadas. O tecido foi tratado com H2O2 30% e azida sódica (0,007g para 1 mL de PBS) em PBS por 10 min para bloquear a atividade de peroxidase endógena e em PBS/BSA 2% durante 20 min para o bloqueio de sítios inespecíficos. Após lavar com PBS por 10 min, as lâminas foram incubadas por uma hora com o anticorpo primário em PBS/BSA 2% (camundongo/coelho anti-rato anti-CD68, anti-CD163 (Abd Serotec, Kdlington, UK) e anti-CX3CR1 (BioVision, Cat 5537-100, Moutain view, USA) na diluição 1:400), lavadas novamente em PBS e incubados por mais uma hora com o anticorpo secundário conjugado ao complexo biotina-avidianaperoxidase (1:50) em PBS/BSA 2% . A reação foi revelada com DAB (Sigma Co., S. Louis, EUA) e DMSO por 10 minutos, usando sempre 100µl das soluções para cada lâmina. 26 3.8. Reação imunoenzimática - ELISA 3.8.1. Fractalquina/CX3CL1 O ensaio imunoenzimático para CX3CL1 foi realizado utilizando-se plasma e sobrenadante de macerado cardíaco proveniente de animais infectados ou não e submetidos à dieta normoprotéica ou hipoprotéica. De acordo com os Kits CX3CL1 (R&D System, Cat DY990, Abingdon, UK), foram adicionados 50 µl do anticorpo de captura diluído em PBS (0.8 µg/mL de PBS) em cada poço e a placa foi incubada overnight em temperatura ambiente. Após cada etapa eram adicionados 200 µl do tampão de lavagem (PBS Tween 20®0.05%) em cada poço e aspirado por três vezes. Bloqueado com reagente diluente (150 µl PBS/BSA 1%) por 1 hora, a placa recebeu as amostras e os padrões (50µl) e depois de 2 horas de reação foi adicionado o anticorpo de detecção (300 ng/mL de reagente diluente). Finalmente, 50 µl de estreptoavidina ligada à peroxidase na diluição de 1:200 foram adicionados à placa. Após revelação (H2O2 e tetrametilbenzidina 1:1) a intensidade de marcação foi realizada em leitor de ELISA utilizando-se o comprimento de onda de 450 nM. 3.8.2. Endotelina O ELISA para endotelina utilizou plasma e sobrenadante de macerado cardíaco proveniente de animais infectados ou não e submetidos à dieta normoprotéica ou hipoprotéica. De acordo com o Kit endotelia (Cayman Chemical’s Co.), foram adicionados a placa, previamente incubada com anticorpo de captura, 50 µl da amostra e do padrão (5ng/mL de tampão EIA) em cada poço juntamente com 50 µl do conjugado (endthelin AChE-Fab’ conjugate) e 2.5 µl de soro de rato não específico, a fim de bloquear anticorpos heterofílicos. Posteriormente, a placa é mantida overnight em 4° C e, 250 µl do tampão de lavagem (PBS Tween 20® 0.005%) são adicionados em cada poço e aspirados por cinco vezes. Após a lavagem, a placa é coberta com 100 µl de Reagente de Ellman, incubada por 30 - 90 minutos em temperatura ambiente e suavemente movimentada. Enfim, a placa é levada ao leitor de ELISA e lida utilizando-se o comprimento de onde de 405- 420 nM. Todos os reagentes são fornecidos pelo kit, com exceção das amostras. 27 3.9. Análise estatística Os parâmetros avaliados foram representados através da média de seus valores e respectivo erro médio padrão ou então, pelos valores absolutos com respectiva média (gráficos de dispersão). Utilizou-se One-way ANOVA para múltiplas comparações, testes de Tukey-Kramer HSD ou student-Newman multiple comparisons). Foi empregada a regressão linear para alguns valores bioquímicos, quando necessário. Todas as análises foram realizadas através dos programas INSTAT e GraphPad Prism. 28 4.0. RESULTADOS 4.1. Avaliação do estado nutricional: pesos e dosagens bioquímicas. Os dados da figura 3, utilizados na avaliação do estado nutricional dos animais, demonstram que os animais com dieta hipoprotéica apresentam um pequeno aumento de peso corporal tendendo a estabilidade após as primeiras semanas de infecção. Ao contrário, os animais com dieta normoprotéica tiveram um ganho de peso durante todo este período até o momento do sacrifício (Figura 2). Portanto, o ganho de peso corporal foi um dos parâmetros utilizados para avaliação do estado nutricional dos animais. NP - não infectado Ganho de peso corporal (g) HP - não infectado 140 NP - infectado 120 HP - infectado 100 80 60 40 * * 20 * 0 0 1 2 semanas/dieta hipoprotéica Desmame 20 3 1 42 Semanas após a infecção Infecção com o T. cruzi Figura 3: Avaliação do ganho de peso dos animais. Animais (ratos Fisher) pesados semanalmente após o desmame (até 15 dias após a infecção). Os grupos submetidos à dieta normoprotéico (linhas pretas) apresentaram um aumento significativo de massa corporal, durante as quatro semanas de vida, quando comparados aos grupos submetidos à dieta hipoprotéica (linhas vermelhas), não havendo influencia da infecção pelo T. cruzi neste parâmetro. Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por One-way ANOVA (Tukey-Kramer HSD). * p<0,05 quando comparamos animais submetidos à dieta normoprotéica com animais submetidos à dieta hipoprotéica. 29 Para confirmar a eficácia do modelo de dieta hipoprotéica, amostras de soro dos animais foram analisadas e demonstraram diferenças nos níveis de proteínas totais entre os animais que consumiam as dietas normoproéica e hipoprotéica, tanto na fase inicial da doença de Chagas (Figura 4A) quanto na fase crônica (Figura 4B). Isto nos permite afirmar que a dieta deficiente em proteína afetou consideravelmente os níveis séricos de proteínas totais nos animais, não havendo novamente interferência da infecção nesses parâmetros. A B 0.5 0.4 * * 0.3 Proteínas totais (mg/dL) Proteínas totais (mg/dL) 0.5 0.4 * * 0.3 0.2 0.2 NP HP Não infectados NP NP HP HP Não infectados Infectados pelo T. cruzi (15 dias) NP HP Infectados pelo T. cruzi (120 dias) Figura 4: Avaliação sérica das proteínas totais. Tanto na fase aguda (A) quanto na fase crônica (B) da infecção, os níveis séricos de proteínas totais foram significativamente menores nos animais que consumiam dieta hipoprotéica em relação aos animais que consumiam dieta normoprotéica, infectados ou não. As dosagens foram feitas após o sacrifício dos animais. Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por ANOVA One-way (TukeyKramer HSD). * p< 0,01. Na figura 5, podemos observar que os níveis de albumina apresentaram-se significativamente reduzidos no grupo com dieta hipoprotéica independentemente da ocorrência da infecção quando comparados ao grupo de dieta normoprotéica. No entanto, apesar desta diferença, os animais que consumiam a dieta hipoprotéica foram capazes de manter estáveis seus níveis de albumina mesmo após um longo período de restrição de proteína. 30 0.4 Albumina (mg/dL) Albumina (mg/dL) 0.4 0.3 * * 0.2 * 0.3 * 0.2 0.1 0.1 NP HP Não infectados NP NP HP HP Não infectados Infectados pelo T.cruzi (15 dias) NP HP Infectados pelo T. cruzi (120 dias) Figura 5: Avaliação dos níveis séricos de albumina. Tanto na fase aguda (A) quanto na fase crônica (B) da infecção, os níveis séricos de albumina foram significativamente menores nos animais que consumiam dieta hipoprotéica em relação aos animais que consumiam dieta normoprotéica, infectados ou não, tanto na fase aguda quanto na fase crônica da infecção. As dosagens foram feitas após o sacrifício dos animais. Os dados acima estão apresentados como média+/SEM e analisados por ANOVA One-way (Tukey-Kramer HSD). O índice sanguíneo de hemoglobina utilizado para caracterizar o modelo de desnutrição em ratos, demonstrou que na fase aguda da doença, apenas os animais deficientes em proteínas não infectados (figura 5A) apresentaram diferenças em relação aos demais grupos. E, aos 120 dias de infecção (fase crônica), após um tempo mais prolongado de dieta hipoprotéica, as diferenças entre os estes grupos se exacerbaram (figura 5B). B A 0.50 Hemoglobina (g/dL) Hemoglobina (g/dL) 0.5 0.4 *& 0.3 0.45 * & 0.40 0.35 0.2 NP HP Não infectados NP NP HP Infectados pelo T. cruzi (15 dias) HP Não infectados NP HP Infectados pelo T. cruzi (120 dias) Figura 6. Avaliação dos níveis sanguíneos de hemoglobina. Análise bioquímica realizada após o sacrifico dos animais em fase aguda (15 dias de infecção) (A) e fase crônica (120 dias e infecção) (B). Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por ANOVA One-way (Tukey-Kramer HSD). * p< 0,05; &: diferença entre os grupos submetidos à mesma dieta. 31 4.2. Parasitemia e mortalidade. Na figura 7, a curva de parasitemia, usada para caracterizar a infecção através da contagem de formas tripomastigotas na circulação sanguínea, mostra que os animais com dieta hipoprotéica apresentam um pico (3 dias após a infecção) significantemente maior (p <0,001) do que os animais com dieta normoprotéica. Entretanto, os dois grupos mostraram o mesmo período pré-patente e tempo de parasitemia (15 dias após a infecção). * Parasitos/0.1 ml de sangue 200000 * Dieta normoprotéica (NP) Dieta hipoprotéica (HP) 150000 100000 50000 0 0 2 4 6 8 10 12 Dias após infecção Figura 7. Parasitemia. Ratos Fisher infetados com 420 x 103 tripomastigotas da cepa Y do T. cruzi. É evidente uma diferença no pico de parasitemia dos animais com dieta HP (n=10) em relação aos animais com dieta NP (n=10). Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por ANOVA (student-Newman multiple comparisons test). * p<0,001 quando comparamos animais submetidos à dieta normoprotéica com animais submetidos à dieta hipoprotéica. As taxas de mortalidade foram determinadas em cada grupo de animais. Na fase aguda (15 dias de infecção) a sobrevivência foi de 100% em todos os grupos, já na fase crônica (120 dias de infecção) um animal de cada grupo morreu, exceto no grupo alimentado com dieta normoprotéica não infectado (dados não mostrados). 32 4.3. Análise morfológica e morfométrica do coração. A análise histopatológica dos tecidos cardíacos dos animais alimentados com dieta normoprotéica (Figura 8C) e hipoprotéica (Figura 8D) infectados pelo T.cruzi na fase aguda da infecção revelou a presença de intenso infiltrado inflamatório, sobretudo perivascular, com predomínio de células mononucleares e áreas de necrose. Na fase crônica (120 dias após a infecção), os animais que consumiam dieta normoprotéica (Figura 8E) e hipoprotéica (Figura 8F) apresentaram tecido cardíaco relativamente preservado, com focos discretos de inflamação, com predomínio de células mononucleares. Tanto os animais não infectados e alimentados com dieta normoprotéica (Figura 8A) quanto os animais não infectados e alimentados com dieta hipoprotéica (Figura 8B) apresentaram tecido cardíaco preservado. Com relação à vasculatura cardíaca, a análise qualitativa permitiu observar alterações morfológicas entre os grupos infectados, como a dilatação dos vasos sanguíneos, além destes se mostrarem repletos de hemácias quando comparados aos grupos não infectados (dados não mostrados). Além disso, em um coração foi verificado a presença de vasos obstruídos por hemácias e fibrina (trombos) (dados não mostrados). Os outros tecidos infectados encontram-se preservados com focos de inflamação discretos, principalmente mononuclear. A quantificação do infiltrado inflamatório, realizado através da contagem de núcleos celulares dos fragmentos de tecido cardíaco, demonstrou que o número de células inflamatórias no coração dos animais deficientes em proteínas é igual ao dos animais que consumiam a dieta normoprotéica, não havendo influência do período de restrição protéica ou tempo de infecção, fase aguda (figura 9A) ou fase crônica (figura 9B). 33 A B C D E F Figura 8: Análise histopatológica do coração. Cortes histológicos de coração de ratos Fisher corados com hematoxilina e eosina. Animais que consumiam dieta normoprotéica (A) e hipoprotéica (B) não infectados. Tecido muscular estriado cardíaco preservado apresentado cardiomiócitos (seta) longos, ramificados e anastomosados com núcleo central vesiculoso e fracamente corado. Entre as redes de cardiomiócitos é possível observar vasos sanguíneos. Ratos que consumiam dieta normoprotéica (C) hipoprotéica (D) infectados por 15 dias (fase aguda). Miocardite difusa com presença de infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear (seta). Presença de fibras cardíacas necróticas (cabeça de seta). Ratos que consumiam dieta normoprotéica (E) e hipoprotéica (F) infectados por 120 dias (fase 34 crônica). Miocárdio com presença focal de discreto infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear (seta); 350 A * B * 2 Núcleos celulares / 74931 µ m 2 Núcleos celulares / 74931 µ m aumento de 400X. 300 250 200 150 100 50 0 NP HP NP Não infectado HP 250 * * NP HP 200 150 100 50 0 NP Infectado pelo T. cruzi (15 dias) HP Não infectado Infectado pelo T. cruzi (120 dias) Figura 9: Análise morfométrica da celularidade do tecido cardíaco de ratos Fisher infectados com a cepa Y do T.cruzi, com dieta hipoprotéica ou normoprotéica. O número de células inflamatórias foi avaliado através da contagem de núcleos presentes no tecido cardíaco. As amostras foram obtidas na fase aguda (A) e fase Crônica da infecção (B) e não houve diferença entre o grupo infectado que consumia dieta hipoprotéica em relação ao grupo infectado que consumia dieta normoprotéica. Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por One - way ANOVA (Tukey-Kramer HSD). * p<0,05 quando comparamos os animais submetidos à dieta normoprotéica infectados com os animais não infectados submetidos à mesma dieta e animais submetidos à dieta hipoprotéica infectados quando comparados aos animais não infectados submetidos à mesma dieta. A B coração/peso corporal (g) Coração/peso corporal (g) * 0.006 * 0.004 0.002 0.000 NP HP Não infectados NP HP 0.006 0.002 0.000 NP Infectados pelo T. cruzi (15 dias) HP Não infectados 35 * * 0.004 NP HP Infectados pelo T. cruzi (120 dias) Figura 10: Medida do coração de ratos Fisher infectados com a cepa Y do T.cruzi realizada através da fração peso do coração pelo peso corporal. As medidas foram feitas durante o sacrifício dos animais na fase aguda e na fase crônica da infecção. Os corações tiveram um aumento significativo (p<0,01) nos animais submetidos à dieta hipoprotéica infectados ou infectados pelo T. cruzi quando comparados aos animais submetidos à dieta normoprotéica infectado ou não infectados pelo T. cruzi, durante a fase aguda (15 dias após a infecção) (A) ou fase crônica da infecção (120 dias após a infecção) (B). Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por One - way ANOVA (TukeyKramer HSD). A análise do tamanho do coração realizada durante o sacrifício dos animais demonstrou que, os ratos que consumiam a dieta hipoprotéica, estando infectados ou não pelo T.cruzi, tiveram um aumento significativo (p<0,05) do coração quando comparados ao grupo que consumia dieta normoprotéica infectados ou não infectados durante as fases aguda (figura 10A) e crônica (figura 10B) da infecção. 4.5. Avaliação dos níveis cardíacos e séricos de Endotelina. Na figura 11A, podemos observar que os níveis séricos de endotelina apresentaram-se significativamente mais altos (p<0,001) nos animais deficientes em proteínas quando comparados aos demais grupos. E ainda, os animais infectados e deficientes em proteínas mostraram níveis mais elevados de endotelina quando comparado ao grupo apenas infectado (p<0,05). Após um longo período de restrição protéica, a diferença entre os grupos com dieta hipoprotéica se extingue, permanecendo apenas diferença entre os animais que consumiam dietas distintas. Podemos notar também, que após um tempo maior de infecção, os níveis de endotelina entre os grupos com dietas normoprotéica e hipoprotéica infectados são invertidos e a diferença entre os grupos com dieta normoprotéica fica evidente (p<0,001) (figura 11B). A dosagem de endotelina no sobrenadante cardíaco mostrou que os animais deficientes em proteínas e infectados pelo T. cruzi apresentaram diferenças (p<0,001) nos níveis desta proteína quando comparados com o grupo que consumia a mesma dieta ou dieta normoprotéica, infectados ou não (figura 11C). Depois de um tempo mais prolongado com a dieta hipoprotéica, os níveis de endotelina cardíaco dos animais não infectados elevaram-se consideravelmente tornando clara a diferença entre este grupo e os demais. Além disso, é possível notar que dentre os animais infectados, os que possuem a restrição protéica apresentaram níveis significativamente mais elevados do que aqueles consumidores de dieta normoprtéica (figura 11D). 36 A B Endotelina sérica (pg/ml) Endotelina sérica (pg/ml) 150 &* 200 150 * 100 & 50 & 100 * 50 0 0 NP HP NP Não infectados NP HP HP NP Não infectados Infectados pelo T. cruzi (15 dias) HP Infectados peloT. cruzi (120 dias) D C 250 *& 200 150 100 * & 50 0 NP HP Não infectados NP * 150 Endotelina/coração (pg/ml) Endotelina/coração (pg/ml) * & 100 50 0 HP NP Infectados pelo T. cruzi (15 dias) HP Não infectados NP HP Infectados pelo T. cruzi (120 dias) Figura 11: Avaliação dos níveis séricos e cardíacos de endotelina. Dosagem de endotelina obtida do soro (A e B) e sobrenadante do macerado cardíaco (C e D) de ratos Fisher infectados pela cepa Y do T.cruzi, através do teste de ELISA. Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por One – way ANOVA (Tukey-Kramer HSD). p<0,05; &: diferença entre os grupos submetidos à mesma dieta. 4.6. Avaliação dos níveis de CX3CL1 no soro e no tecido cardíaco. A figura 12A mostra que os níveis séricos da CX3CL1 encontram-se significativamente mais elevados (p<0,05) nos animais deficientes em proteínas e infectados pelo T.cruzi quando comparados ao grupo de animais infectados submetidos à dieta normoprotéica, durante a fase aguda 37 da infecção (15 dias). Durante a fase crônica (120 dias de infecção) (Figura 12B) e um período mais prolongado de restrição protéica, os níveis séricos de CX3CL1 tornam-se mais elevados entre os animais submetidos à dieta hipoprotéica não infectados quando comparados aos outros grupos, incluindo o grupo submetido à dieta hipoprotéica infectado. A dosagem de CX3CL1 no sobrenadante cardíaco não mostrou diferença entre os grupos, seja durante a fase aguda (Figura 12C) ou fase crônica (Figura 12D) da infecção. B A * 75 CX3CL1 sérica (pg/ml) CX3CL1 sérica (pg/ml) 75 50 25 0 NP HP Não infectados NP HP * & 50 25 0 NP Infectados com o T. cruzi (15 dias) C 20 CX3CL1/coração pg/ml CX3CL1/coração pg/ml 16 12 8 4 HP Não infectados NP HP Infectados com o T. cruzi (120 dias) D 15 10 5 0 0 NP HP Não infectados NP NP HP HP Não infetados Infetados pelo T.cruzi (15 dias) NP HP Infetados pelo T.cruzi (120 dias) Figura 12: Avaliaçãos dos níveis de Fractalquina/CX3CL1 no soro e no tecido cardíaco. Os níveis séricos de CX3CL1 dosados em ratos Fisher infectados pelo T.cruzi, mostraram aumento significativo entre os animais do grupo submetido à dieta hipoprotéica em relação aos demais na fase aguda da infecção (A). Na fase crônica os níveis séricos de CX3CL1 ficaram significativamente elevados no grupo submetidos à dieta hipoprotéica não infectados quando comparado com os demais grupos. As dosagens de CX3CL1 medidas no tecido cardíaco não apresentaram diferenças tanto na fase aguda (C) quanto na fase crônica (D) da infecção. Os dados acima estão apresentados como média+/- SEM e analisados por One – way ANOVA (Tukey-Kramer HSD). p<0,05; &: diferença entre os grupos submetidos à mesma dieta (p<0,01). 38 4.7. Análise imuno-histoquímica dos receptores da CX3CL1 (CX3CR1) e macrófagos no coração. A expressão de receptores CX3CR1 em células do tecido cardíaco caracterizada pela técnica de imunohistoquímica, é demonstrada através da marcação de cardiomiócito e células de defesa de ratos Fisher infectados pela cepa Y do T. cruzi alimentados com dieta normoprotéica (Figura 13C) e hipoprotéica (Figura 13D). Os tecidos cardíacos dos animais submetidos à dieta normoprotéica e infectados ou submetidos a dieta hipoprotéica e infectados apresentam o mesmo perfil de expressão dos receptores de CX3CL1 (CX3CR1), sendo diferentes apenas quando comparados aos animais não infectados. ED1 é um marcador específico para micróglia, macrófagos ativados. Através da técnica de imunohitoquímica, sua marcação revela a presença de resposta inflamatória em rato. Na figura 14, podemos observar a marcação de macrófagos recrutados (ED1) no tecido cardíaco de ratos Fisher infectados pelo T.cruzi, alimentados com dieta normoprotéica (Figura 14C) e hipoprotéica (Figura 14D). E ainda, macrófagos ED2 (macrófagos residentes) podem ser observados no coração dos animais que consumiam dieta normoprotéica (Figura 14E) e dieta hipoprotéica (Figura 14F) infectados pelo T. cruzi na fase aguda da infecção (15 dias). 39 A B C D Figura 13: Análise Imuno-histoquímica dos receptores de CX3CL1 (CX3CR1) no tecido cardíaco. Figura ilustrativa. Ratos Fisher alimentados com dieta NP (A) e HP (B) não infectados. Animais submetidos à dieta normoprotéica (C) hipoprotéica (D) infectados pelo T. cruzi na fase aguda (15 dias após a infecção) (n=2). Coloração marrom de cardiomiócitos expressando receptores da CX3CL1 (CX3CR1). Aumento de 400X. 40 A B C D E F Figura 14: Análise Imuno-histoquímica de macrófagos do coração. Figura ilustrativa. Corte histológico de coração de ratos Fisher corados pela técnica de imunoperoxidase. Animais submetidos à dieta normoprotéica (A) e hipoprotéica (B) não infetados. Determinação de macrófagos recrutados (ED1) (setas) em ratos Fisher infectados pela cepa Y do T.cruzi na fase aguda (15 dias de infecção) alimentados com dieta normoprotéica (C) e hipoprotéica (D) (n=2) e macrófagos residentes (ED2) (setas) em ratos Fisher infectados pela cepa Y do T.cruzi na fase aguda (15 dias de infecção) alimentados com dieta normoprotéica(C) e hipoprotéica (D) (n=2). Aumento de 200X. 41 5.0. DISCUSSÃO O modelo experimental de desnutrição protéica proposto nesse trabalho teve como finalidade permitir o estudo da associação entre infecção pelo T. cruzi e sua relação com o estado nutricional do hospedeiro. Uma vez que o modelo de desnutrição (dieta constituída de 6% de caseína, uma redução de 60 % da proteína oferecida na dieta normoprotéica) já estava pré-estabelecido pelo Laboratório de Nutrição Experimental da Escola de Nutrição, houve a necessidade de adaptá-lo a infecção. A necessidade de um inóculo com elevada carga parasitária (420x103 tripomastigotas/70g de peso) deveu-se a grande resistência do rato a infecção, no entanto, Carvalho et al (2006) afirmam, baseados em dados provenientes de pacientes chagásicos, que o rato representa um bom modelo no estudo da imunopatologia comparativa para a doença de Chagas. Além disso, estes animais são capazes de desenvolver rapidamente a deficiência alimentar por possuir um metabolismo acelerado permitindo que os estudos ocorram em um curto espaço de tempo e, ainda, apresentam ciclo reprodutivo curto e são de fácil manuseio. Modelos animais têm sido amplamente utilizados na caracterização da desnutrição, a fim de se entender as suas conseqüências no desenvolvimento e no metabolismo do indivíduo (Portman, 1987; Tonkiss et al, 1993; Morgane et al, 1993; Manjarrez et al, 1998). O estudo da desnutrição protéica é um importante fator ou ferramenta no estudo de diversas doenças infecciosas, sendo reconhecida como a maior causa de imunodeficiência, uma vez que sua ocorrência encontra-se intimamente relacionada à ineficiência da atuação do sistema imune contra agentes patogênicos e ser, ainda hoje, comum em áreas sócio-economicamente precárias e endêmicas para diversas parasitoses (Chandra, 1991). A interação entre a desnutrição e a infecção parece enfraquecer ainda mais a resposta imune levando à alteração nas populações de células de defesa e aumentando ativação de mediadores inflamatórios (Dulger et al, 2002). Dentre tais mediadores podemos citar as citocinas pró-inflamatórias, largamente associadas às etapas iniciais de algumas doenças parasitárias (ex. infecção pelo protozoário T. cruzi), levando a uma intensificação da resposta inflamatória sistêmica. Durante este processo de infecção versus desnutrição, alguns nutrientes são perdidos e a soma do gasto energético do hospedeiro para montar a resposta imune, associado à limitação nutricional da sua dieta, pode resultar na diminuição da absorção de nutrientes pelo intestino (Nova et al, 2002; Reid et al, 2002; Johann-Liang et al, 2000, Keusch, 2003) agravando ainda mais o quadro da desnutrição. Sendo assim, a associação da infecção pelo T. cruzi a 42 uma dieta deficiente em proteínas, gera danos aos tecidos, especialmente ao tecido cardíaco, através da exacerbação da resposta inflamatória. A deficiência protéica, bem como outras carências nutricionais, gera conseqüências negativas ao sistema imune facilitando o estabelecimento de infecções, muitas vezes pela incapacidade de eliminar o patógeno do organismo. Silva et al (1987), observaram que tanto camundongos convencionais (CV) quanto germ free (CFW) alimentados com dieta hipoprotéica e infectados com a cepa CL do T. cruzi apresentam parasitemia mais elevada que os animais saudáveis. Corroborando com a literatura, nossos dados demonstram que a carga parasitária presente na circulação sangüínea dos animais que foram alimentados com dieta hipoprotéica foi significativamente superior que a dos animais alimentados com dieta normoprotéica. Poucos estudos têm elucidado especificamente o efeito do estado nutricional no curso da infecção pelo T.cruzi (de Andrade & Zincker, 1995). Entretanto, o papel do status nutricional na prevenção de doenças já foi foco em muitos estudos (Blumberg, 1995; Harrige, 1996), assim como a extensão de suas conseqüências no desenvolvimento de patologias. Portanto nossos dados mostram-se importantes na tentativa de reforçar essa compreensão da doença de Chagas em associação a um déficit protéico alimentar podendo, dessa forma, interferir positivamente ou negativamente na eficácia da resposta imune e conseqüentemente, no curso da infecção. A fim de avaliar a eficácia da dieta hipoprotéica utilizada no modelo proposto, alguns parâmetros bioquímicos (proteínas totais, hemoglobina e albumina) foram analisados. A análise das proteínas totais é importante na avaliação do estado nutricional e no diagnóstico e tratamento de uma série de doenças e perturbações metabólicas e/ou nutricionais (Motta, 2003). Nossos dados mostraram, como na literatura, que o consumo deficiente de proteínas altera os níveis séricos de proteínas totais provocando sua redução significativa tanto no modelo animal (Figura 4) quanto no humano (Waterlow & Alleyne, 1974, Kim et al, 1994; Oliveira et al, 2004). Os níveis sanguíneos de hemoglobina mostraram-se significativamente reduzidos no grupo de animais submetidos à dieta hipoprotéica não infectados pelo T. cruzi quando comparado aos demais grupos. Por meio de vias ainda não definidas, nossos dados mostraram que a infecção pelo T. cruzi em concomitância com a dieta hipoprotéica parece ser capaz de estabilizar os níveis de hemoglobina no sangue destes animais tanto na fase aguda (Figura 6A) quanto na fase crônica (Figura 6B). Além de proteínas totais e hemoglobina, a albumina pode ser considerada um importante marcador bioquímico na avaliação do estado nutricional e indicador prognóstico de várias doenças 43 (Cabral, et al, 2001). De acordo com o estudo de Oliveira & Angelis (2001), ratos Swiss submetidos à dieta hipoprotéica (3% de caseína) tiveram uma redução significativa nos níveis de albumina quando comparados aos animais submetidos à dieta normoprotéica. Estes dados corroboram com nossos achados onde o consumo de dieta hipoprotéica também propiciou uma diminuição (p<0,05) nos níveis de albumina (Figura 5). Deste modo, a alimentação deficiente em proteínas, induziu nos animais (ratos) significativa diferença no ganho de peso quando comparados com os animais alimentados com a dieta normoprotéica (Figura 3). Segundo, Dubowitz (1965), Lhemelandu (1985) & Oliveira et al (1999), a grande perda de massa muscular é ocasionada pela depleção de proteínas do tecido muscular esquelético, rico reservatório protéico (Alves et al, 2008), decorrente da deficiência protéica. Além disso, Vituri et al (2008) mostraram que animais alimentados com dieta hipoprotéica apresentaram uma redução no consumo destas dietas, podendo favorecer a redução ou deficiência no ganho de massa corpórea dos animais. E ainda, Cunha et al (2002) mostraram que corações de pacientes com desnutrição crônica apresentaram o peso do coração pelo peso corporal significativamente (p< 0,05) maior do que os indivíduos saudáveis. Este fenômeno pode ser interpretado como uma estratégia do coração para manter sua preservação relativa em conseqüência à intensa perda de peso corporal. Em concordância com os dados destes autores, nossas análises mostraram que em decorrência da restrição protéica o grupo de animais alimentados com dieta hioprotéica apresentou peso do coração proporcionalmente maior em relação ao peso do corpo, quando comparado ao grupo dos animais de dieta normoprotéica tanto na fase aguda da infecção (Figura 10A) quanto na fase crônica (Figura 10B). Uma vez estabelecida a eficácia do modelo empregado de deficiência protéica, o próximo passo foi avaliar sua interferência no mecanismo inflamatório dos animais, principalmente envolvendo a participação de uma quimiocina em particular: a CX3CL1. Em modelos animais de infecção pelo T. cruzi, foi descrita a participação de algumas quimiocinas como a CCL2/MCP-1, a CCL3/MIP-1alfa, a CCL5/RANTES, a CXCL9/MIG e a CXCL10/IP-10 em lesões cardíacas de camundongos em fase crônica da doença (Teixeira et al, 2002). Estas quimiocinas, expressas no miocárdio de camundongos infectados pelo T. cruzi, podem contribuir para o intenso infiltrado inflamatório através do recrutamento de células T CD8+ e CD4+ e, portanto, para o estabelecimento e manutenção da miocardite (Machado et al, 2005). Foi observado ainda que animais deficientes do receptor CCR5 apresentaram elevada redução do infiltrado celular no coração, indicando a importância destes receptores na migração de linfócitos e 44 controle da replicação local do parasito (Machado et al, 2005). Por outro lado, apesar de inúmeros relatos sobre a participação de uma quimiocinas denominada CX3CL1 em diversos processos inflamatórios (Harrison, et al, 1998; Chakravorty et al, 2002), nenhuma inferência até o momento havia sido feita para o processo inflamatório cardíaco associado à doença de Chagas. Sabe-se que sua expressão é ativada pela presença de citocinas pró-inflamatórias como, IL-1, IFN-γ, TNF-α ou ainda pela presença de LPS (Bazan et al, 1997; Pan et al, 1997). Através de seu único receptor, CX3CR1, expresso em cardiomiócitos (Figura 14) ou em outras células inflamatórias como monócitos/macrófagos ED1 (Figura 14 C e D) e ED2 (Figura 14 E e F), células NK, células endoteliais e algumas células T (Imai et al, 1997), essa quimiocina representa um novo tipo de molécula capaz de participar do tráfego leucocitário, além de exercer funções na adesão e quimioatração de células circulantes para o sítio inflamatório (Al-Aoukaty et al, 1998). E nesse sentido, alguns estudos demonstraram que a persistência do processo inflamatório e da ativação do sistema imune podem favorecer o desenvolvimento da falência cardíaca (Mann, 2005; Aukrust et al, 2004). Em um estudo desenvolvido por Melo & Machado (2001) sobre a contribuição dos fagócitos mononucleares para resistência de ratos infectados com a cepa Y do T. cruzi, esse demonstrou que durante a infecção aguda há significativa ativação de monócitos do sangue periférico. Além disso, foi demonstrado, por análise do processo inflamatório cardíaco, um elevado parasitismo acompanhado de processo inflamatório mononuclear intenso e difuso com grande número de macrófagos ativados. Os dados destes autores mostraram então, que a fase inicial da infecção pelo T. cruzi induz uma rápida produção, maturação e ativação dos monócitos/macrófagos do sistema imune a fim de controlar a replicação do T. cruzi, enfatizando o papel fundamental dessas células para a resistência do modelo murino (ratos) durante a doença de Chagas. Estes resultados corroboram com nossos achados, onde todos os animais infectados apresentaram o mesmo perfil inflamatório sem distinção para o tipo de dieta recebida (Figuras 8 e 9). Da mesma forma que não houve diferença na análise qualitativa do infiltrado de macrófagos (Figura 14). É sabido também, que a doença de Chagas provoca uma série de anormalidade das funções cardíacas, podendo haver uma estreita relação entre estas alterações cardíacas com o aumento nos níveis séricos de CX3CL1 visto em nossos resultados (Figura 12A). E ainda, estudos epidemiológicos relataram a associação do estado nutricional, em fases iniciais da vida, ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares na vida adulta (Sawaya et al, 1995; Sawaya et al, 45 2003; Sawaya & Roberts, 2003). Tropia et al (2001) demonstraram os efeitos deletérios da desnutrição protéica (6% de proteína), após o período de amamentação, sobre o sistema cardiovascular, como o aumento do tônus vasomotor simpático dos animais. Ainda, animais submetidos à dieta hipoprotéica apresentam níveis basais de freqüência cardíaca elevados, bem como da pressão arterial (Oliveira et al, 2004), além de demonstrarem perturbação na homeostase desse órgão (Loss et al, 2007). Desse modo, os níveis séricos elevados de CX3CL1, parecem estar relacionados a algum tipo de desequilíbrio funcional do sistema cardiovascular uma vez que tanto a dieta hipoprotéica quanto a infecção pelo T. cruzi favorecem as alterações cardíacas. No entanto, a desnutrição protéica parece ser um fator determinante e acelerador, já que os animais apenas infectados pelo T. cruzi não apresentaram aumento ou alteração nos níveis de CX3CL1. Até o momento a quimiciocina CX3CL1 tem sido associada principalmente a doenças cardiovasculares (Husberg et al, 2008). Na doença de Chagas, era esperado que tal quimiocina pudesse exercer um papel definidor de patologia, uma vez que parte das lesões ocorre no endotélio, local de sua ampla expressão, e ao longo do tecido cardíaco. Por outro lado, a análise dos receptores de CX3CL1 (CX3CR1) no tecido cardíaco mostrou que estes eram igualmente expressos tanto nos animais infectados com dieta hipoprotéica quanto naqueles com dieta normoprotéica (Figura 13). Damås et al (2005) demonstraram que o tratamento com fármacos do grupo das estatinas reduz a expressão de mediadores inflamatórios, bem como da resposta inflamatória mediadas por células mononucleares do sangue periférico ativadas por CX3CL1. A proposta desse grupo é que o sistema CX3CL1/CX3CR1 possa constituir, num futuro próximo, um alvo na terapêutica para as doenças cardíacas. Como, ainda, na literatura não existem estudos relacionando a participação desta quimiocina na progressão da doença de Chagas, nossos dados, ainda em modelo experimental, abrem caminhos para maiores investigações em outros modelos empregando a CX3CL1 no processo de imunopatogênese/prognóstico clínico para a doença. Um outro mediador inflamatório que apresenta um papel na biologia vascular semelhante ao da CX3CL1 é a endotelina. A endotelina participa do remodelamento cardíaco e dos processos inflamatórios de doenças crônicas (Mulder et al, 1997; Kedzierski et al, 2001; Guarda et al, 1993). Além disso, recentes evidências demonstraram que endotelina-1 exerce um importante papel na progressão da patogênese da cardiopatia chagásica (Mulder et al, 1997; Kedzierski et al, 2001; Guarda et al, 1993). Durante a infecção aguda pelo T.cruzi níveis séricos elevados de endotelina-1, bem como de sua expressão no endotélio vascular e endocárdico, são observados. Nosso estudo 46 mostrou que durante a fase aguda da infecção pelo T. cruzi, também em ratos, os níveis séricos de endotelina apresentaram-se elevados no grupo de animais alimentados com dieta normoprotéica quando comparados aos animais não infectados que consumiam a mesma dieta. É possível observar que após um período mais longo de infecção (120 dias) os níveis séricos de endotelina entre estes dois grupos se exacerbam. No entanto, independente da fase da doença avaliada (aguda ou crônica), tanto os níveis séricos quanto os níveis cardíacos de endotelina sofreram influência direta da dieta hipoprotéica. De forma geral, a deficiência protéica é capaz de alterar a homeostase vascular e cardíaca e promover a liberação de mediadores inflamatórios (Oliveira et al, 2004; Loss et al, 2007) Da mesma forma, a infecção pelo T. cruzi também é capaz de desencadear, por si só, uma resposta inflamatória dependente de moléculas antigênicas do parasito que alteraria a hemodinâmica vascular, autonômica, elétrica e funcional do órgão cardíaco (Kaysen, 2001; Rocha et al, 2007). Tendo em foco a realidade de regiões específicas da América latina onde a infecção pelo T. cruzi e o precário quadro nutricional coexistem, a hipótese que moveu esse estudo experimental nos direcionou para a interferência nutricional sob a resposta inflamatória, em especial, sob a síntese de CX3CL1 e endotelina. Estes mediadores sofreram interferências da infecção pelo T. cruzi e da dieta deficiente em proteínas, levando a crer que tal coexistência poderia contribuir para a progressão da cardiopatia chagásica ou outros danos vasculares associados a essa doença. Esse estudo, inédito pela apresentação da CX3CL1 na infecção pelo T. cruzi, abrirá perspectivas para novos estudos envolvendo essa quimiocina na doença de Chagas seja de forma isolada, seja em concomitância com estratégias nutricionais e/ou terapêuticas. 47 6.0. CONCLUSÃO O presente estudo envolvendo o modelo murino (rato) no estudo da dieta hipoprotéica interferindo na síntese de CX3CL1 e endotelina durante as fases aguda e crônica da doença de Chagas permitiu concluir que: • O modelo proposto de desnutrição foi adequado por permitir a sobrevida dos animais infectados até a fase crônica da doença (120 dias); • As dietas hipoprotéica e normoprotéica, per si, não alteraram o padrão de lesão tecidual nos animais infectados pelo T. cruzi; • Os níveis de CX3CL1 e endotelina foram afetados (elevados tanto no soro quanto no tecido cardíaco) em função do tempo de infecção e da restrição protéica; • Os níveis de CX3CL1 e endotelina, bem como a qualidade da dieta não alteraram o padrão de lesão tecidual cardíaco nos animais infectados pelo T. cruzi; • Os receptores da CX3CL1 (CX3CR1) mostraram-se mais expressivos nos animais infectados pelo T. cruzi, no entanto não foi observado interferência da desnutrição protéica nesse padrão de receptores, durante a fase aguda da infecção; • O infiltrado de macrófagos (residentes ou recrutados) mostrou-se mais expressivos nos animais infectados pelo T. cruzi, no entanto não foi observado interferência da desnutrição protéica nesse padrão, durante a fase aguda da infecção; • A dieta hipoprotéica, bem como a presença do T. cruzi, foram capazes de interferir positivamente na síntese de mediadores inflamatórios CX3CL1 e endotelina, mas sem exercer interferência no padrão inflamatório tecidual observado em modelo experimental (rato) da doença de Chagas. 48 • A dieta hipoprotéica foi capaz de interferir na carga parasitária dos animais, mostrando que a restrição alimentar de proteínas favorece o pico elevado de parasitemia. • A restrição protéica interferiu diretamente no peso do coração, favorecendo um aumento proporcional deste em decorrência da deficiência protéica. 49 7.0. 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