PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA Processo n º Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA Réu: MUNICÍPIO Y SENTENÇA Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO BAHIA propôs a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, em defesa dos interesses de XXXXX, em face do MUNICÍPIO Y. Sustenta que XXXX necessita fazer uso contínuo de três medicamentos, CLOPIDOGREL 75 mg, SELOZOK 200 mg e CILOSTAZOL 100mg, por ser portador de doença cardíaca, acrescentando que o assistido não possui condições financeiras de arcar com o custo da medicação prescrita. Aduz que tentou solução na via administrativa, expedindo ofício à Secretaria Municipal de Saúde, entretanto não logrou obter o medicamento almejado. Juntou procuração, documentos pessoais e relatórios médicos às fls. 12/20. Às fls. 22/27, decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se ao requerido o fornecimento dos medicamentos descritos na petição inicial, sob pena de multa diária de R$ 800,00, em caso de descumprimento. Às fls. 33/44, comunicação da interposição de agravo de instrumento pelo Município, contra a decisão liminar. Às fls. 45, decisão deste juízo que manteve a liminar por seus próprios fundamentos. Às fls. 47/62, contestação enviada por fax, e original tempestivamente juntada às fls. 63/70, acompanhada de documentos de fls. 71/121, onde a Procuradoria Geral do Município arguiu, preliminarmente, inépcia da petição inicial por impossibilidade jurídica do pedido, porquanto não caberia ao Poder Judiciário interferir na política pública de saúde de responsabilidade do Chefe do Poder Executivo. Ainda preliminarmente, afirmou que não há interesse de agir, uma vez que os medicamentos listados na petição inicial não fazem parte do padrão de remédios fornecidos pelo SUS. Aduziu que é parte passiva ilegítima para a causa, argumentando que o Estado da Bahia que deveria figurar no pólo passivo da demanda, conforme portaria do SUS que relaciona o medicamento. Argumentou por fim, que o pedido viola o princípio federativo e a cláusula da reserva do possível. _____________________________________________________________________________________________ PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA Às fls. 121/129, decisão do relator que negou seguimento ao agravo de instrumento, por manifesta improcedência, bem como acórdão que negou provimento ao agravo regimental. Às fls. 131/142, réplica à contestação apresentada pela parte autora, acompanhada de fotografias para atestar as condições de saúde do paciente. É o relatório. Decido. Presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, bem como satisfeitas as condições da ação, e sendo a prova dos autos exclusivamente documental, passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC. Inicialmente, verifico que as questões preliminares suscitadas se referem eminentemente ao mérito da causa, motivo pelo qual serão a seguir devidamente analisadas. A saúde é um direito fundamental de qualquer cidadão, de valor inestimável, devendo ser prestado pelo Estado, conforme preceito contido no art. 196 da Carta Magna. "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. " A Constituição da República ainda dispõe que: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. A obrigação do fornecimento da medicação é pois, consectário constitucional da garantia fundamental à saúde, direito social previsto no artigo 19. Infraconstitucionalmente, dispõe a lei 8.080/90 a obrigatoriedade do Estado através do Sistema Único de Saúde - SUS, em prover as medidas necessárias, inclusive farmacêuticas, para proporcionar o acesso dos cidadãos a assistência à saúde (art. 6º, I, "d, do dispositivo legal citado). Assim, o cidadão que tem o seu direito à saúde preterido pelo ente _____________________________________________________________________________________________ PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA encarregado de sua promoção, deve encontrar amparo judicial para a obtenção do bem da vida almejado, já que o Estado, em todas as suas esferas de poder, deve assegurar o direito à vida e à saúde, fornecendo gratuitamente o tratamento médico, que a família não tem condições de custear. Não se trata, portanto, de interferência indevida do Judiciário na política pública de saúde, como alegou a parte ré, mas sim de uma atuação garantidora dos direitos fundamentais e concretizadora do princípio da dignidade da pessoa humana, função tipicamente exercida pelo Poder Judiciário. Privar o paciente dos medicamentos necessários e serviços médicos e complementares especializados, implicará no risco concreto de morte, cabendo ao Poder Judiciário, como concretizador dos direitos fundamentais, assegurar a proteção do direito à saúde e dignidade. Registre-se que a responsabilidade entre os entes políticos é solidária, e obriga igualmente União, Estados, Distrito Federal e Municípios, já que o Sistema Único de Saúde é uno, orgânico e hierarquizado, no qual todos os entes federados possuem idênticas responsabilidades, de forma que as ações podem ser proposta contra um, alguns ou todos eles, de conformidade com o entendimento jurisprudencial pacificado (STJ, AgRg no Ag 886974 / SC, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 29/10/2007 p. 208; AgRg no Ag 961677 / SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 11/06/2008). Por outro lado, descabida é a alegação da reserva do possível, pois não se pode transferir para o indivíduo que necessita do tratamento de saúde a responsabilidade pelos entraves financeiros ou orçamentários do Poder Público, sobretudo quando está em questão o direito à vida, bem maior, protegido constitucionalmente. Ademais, a alegação do Município de ser medida mais “onerosa” em termos financeiros, está desacompanhada de qualquer comprovação nos autos sobre a sua incapacidade orçamentária. Neste sentido, após análise da prova documental acostada aos autos, sobretudo dos relatórios médicos de fls. 16/19, bem como das fotografias de fls. 140/142, verifico que razão assiste à parte autora. Conforme atesta o relatório de fls. 16, o paciente foi submetido a tratamento cardíaco, além de cirurgia complexa, e é portador de síndrome progressiva. Ainda segundo o relatório médico, a evolução da doença é agressiva e progressiva, com curso inexorável, sobrevindo a morte acaso não ministre os medicamentos adequados. Assim, restou comprovada a necessidade dos medicamentos para o paciente, necessários ao restabelecimento da sua saúde, ante a debilidade do seu estado de saúde, aliada a sua idade avançada. _____________________________________________________________________________________________ PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA Cumpre pontuar, por fim, que os medicamentos em questão têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não se enquadrando, portanto, na categoria dos medicamentos sem registro, off label ou experimentais. Assim, verifica-se que o acionado não pode deixar de fornecer os medicamentos necessários, prescritos por profissional com habilitação técnica, sob pena de cometimento de flagrante ilegalidade. Nesta linha de entendimento, os princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé objetiva, da segurança e da confiança devem preponderar, com o objetivo de proteger o bem mais essencial, a vida. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para, confirmando a liminar deferida e tornando-a definitiva, DETERMINAR ao Município Y que forneça os medicamentos CLOPIDOGREL 75 mg, SELOZOK 200 mg e CILOSTAZOL 100mg mensalmente ao paciente, sob pena de multa diária de R$ 800,00 (oitocentos reais), em caso de descumprimento. P.R.I.C Município Y, 12 de novembro de 2015. Adriana Tavares Lira Juíza de Direito _____________________________________________________________________________________________