A FALA FINALISTA EM UMA OFICINA SOBRE EVOLUÇÃO EM

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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
A FALA FINALISTA EM UMA OFICINA SOBRE EVOLUÇÃO EM ESPAÇO DE
EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
Carolina de Athayde Mendonça (Instituto de Biociências, USP)
Amanda Matias Guedes (Instituto de Biociências, USP)
Andréa Grieco Nascimento (Instituto de Biociências, USP)
Beatriz Foganholi Fernandes (Instituto de Biociências, USP)
Crislaine Jeaninne Batista de Farias (Instituto de Biociências, USP)
RESUMO
A Estação Biologia (EB) é um espaço de educação não formal que recebe visitas escolares
para a realização de atividades com propósitos específicos. Foram gravadas duas visitas de
alunos do 5° ano do Ensino Fundamental I que realizaram a oficina sobre evolução Trilha da
Biodiversidade. As falas foram transcritas e classificadas como finalistas, evolutivas ou
híbridas. No discurso dos mediadores predominam as falas evolutivas, ao passo que no dos
alunos, as finalistas. Contudo, se os mediadores forem considerados individualmente,
percebe-se que a proporção dos tipos de fala é variado ao longo da visita. Foram selecionados
dois mediadores para a realização de entrevistas. Os resultados mostram que a fala finalista é
usada como uma maneira de simplificar o discurso e torná-lo menos redundante.
PALAVRAS CHAVE
Educação não formal, ensino de evolução, finalismo, fala teleológica, ferramenta de discurso.
I. INTRODUÇÃO
Apesar da vasta evidência científica que corrobora a Teoria da Evolução, uma grande
porcentagem do público americano não entende ou aceita seus princípios (SPIEGEL et al.,
2006). As concepções equivocadas de estudantes a respeito de mudanças intraespecíficas e
adaptações têm se mostrado consistentes e difíceis de serem mudadas. Assim, fazem-se
necessários estudos que busquem compreender os processos de ensino-aprendizagem de tal
tema.
A maior parte dos trabalhos sobre ensino-aprendizagem de evolução tem como
sujeitos de pesquisa adolescentes e/ou adultos. Entretanto, como explicam Evans et al. (2010),
os diferentes modos de raciocínio aparecem cedo na infância e estão associados a diferentes
viéses cognitivos que fazem ideias evolucionistas parecerem contra-intuitivas. Assim, pode-se
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imaginar que a compreensão de como as crianças constroem seus conceitos sobre evolução
pode elucidar os obstáculos de aprendizagem que são observados em adolescentes e adultos.
Espaços de educação não formal são locais de estudo valiosos para tais investigações.
Como já foi observado por Spiegel et al. (2006), museus têm um papel importante na
educação de crianças e adultos sobre evolução. Na mesma linha, Chagas (2015) afirma que,
durante os últimos trinta anos, a educação não formal tem sido também considerada um
importante contexto para o aprendizado do tema. O foco principal tem sido entender como o
público, seja escolar ou espontâneo, compreende os conceitos evolutivos, bem como avaliar
as exposições e suas potenciais contribuições no ensino do tema.
Em seu trabalho, Sepuldeva e El-Hani (2007) investigaram os obstáculos
epistemológicos e ontológicos à compreensão do conceito darwinista de adaptação entre
estudantes brasileiros dos níveis médio e superior do ensino. Entre os seis dificultadores
identificados, um deles foi o finalismo que, segundo os autores, é utilizado por grande parte
dos alunos para explicar a existência das adaptações em termos do propósito que pretendem
satisfazer. Tais interpretações podem ocorrer em duas versões: explicitando a intervenção de
um agente externo dirigindo o processo evolutivo ou por meio de uma interpretação
teleológica imanente.
O finalismo é uma linha de pensamento de cunho materialista, fundamentada a partir
da lógica Aristotélica. Uma breve revisão dessa doutrina indica que esta foi, provavelmente, a
base para a construção das propostas de Darwin para toda a dinâmica evolucionista. Ainda na
Biologia Moderna, persistem uma série de explicações com abordagem finalista, as quais
muitos pensadores e cientistas consideram essencial para a evolução biológica (DE CASTRO,
2011). O conceito de fim no presente estudo é evidenciado por questionamentos do tipo “para
quê”, que revelam o raciocínio de que a evolução é direcionada no sentido de um objetivo
final. Essa ideia seria considerada por Evans (2008) como pertencente a uma família de
concepções equivocadas teleológicas, que consideram que o desenvolvimento biológico
progride em direção a um propósito definido.
Num contexto educativo, é importante salientar que, para Gelman e Rhodes (2012),
existem cinco motivos principais pelos quais o pensamento essencialista pode apresentar
obstáculos para a compreensão da evolução, são eles: a suposição de que entidades são
estáveis e imutáveis; a existência de barreiras impermeáveis entre categorias; subestimação da
variabilidade ou o tratamento da variabilidade como mero ruído; a ideia de que causas são
inerentes aos indivíduos; e, por fim, a noção platônica de essência ideal. Dessa forma, um viés
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essencialista poderia levar a uma visão de que a mudança evolutiva é limitada, teleológica,
pré-ordenada ou que progride no sentido de um ideal.
Mesmo que o educador tenha o entendimento de que a evolução não é um processo
finalista, é muito difícil descrever um comportamento animal sem se referir ao seu propósito
ou função (EVANS, 2008). De fato, no espaço de educação não formal em que o presente
trabalho foi realizado, observa-se que os mediadores, apesar de serem estudantes de
graduação de Ciências Biológicas, apresentam constantemente em seu discurso falas
teleológicas.
II. OBJETIVOS
1. Identificar falas finalistas e evolutivas no discurso de mediadores e visitantes da EB.
2. Verificar se e como elas variam ao longo de uma visita.
3. Compreender o porquê do uso da fala finalista por parte dos mediadores.
III. METODOLOGIAS
III.I Local de estudo
A EB é um projeto de extensão universitária do Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo. Trata-se de um espaço de educação não formal, não-museal que
recebe visitas escolares, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Este espaço realiza
atividades com propósitos específicos, durante um curto prazo; o público visitante não passa
por processo avaliativo ou recebe certificação após o término das atividades; o controle é
interno e democrático; a intencionalidade é centrada no aprendiz; a organização do
conhecimento é acadêmica por estar vinculada a uma instituição de ensino superior; as
atividades são semiestruturadas e pode-se dizer que possui um currículo, porém, determinado
internamente (BIASUTTI, 2013).
As atividades contemplam as diferentes áreas da Biologia e buscam colocar o visitante
como agente ativo na construção do saber (ANDRADE; FERNANDES; MENDONÇA,
2014), problematizando as situações e desafiando-o constantemente. Elas são desenvolvidas
em uma concepção de ensino-aprendizagem construtivista, considerando ao mesmo tempo, as
possibilidades do sujeito e as condições do meio (WEISZ; SANCHEZ, 2002). O roteiro da
visita é escolhido previamente pelos professores em diálogo com os educadores do espaço.
Quando requisitado com antecedência, também é possível fazer adaptações às atividades já
existentes ou até desenvolver novas atividades, de acordo com a demanda de cada escola.
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III.II Descrição da oficina
A Trilha da Biodiversidade é uma das oficinas mais populares da EB. Ela é
recomendada para alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, mas pode ser adequada
também para o Ensino Fundamental I. Seu objetivo é que os alunos compreendam o conceito
de evolução por seleção natural, ao entrarem em contato com diferentes contextos nos quais
pode-se evidenciar sua atuação. Ela tem duração de 1h15min e é dividida em duas fases:
1. Jogo das Garças: Neste primeiro momento, todos os alunos estão na sala da EB e são
divididos em cinco grupos. Cada um deles recebe: (a) um lago - representado por um
retângulo de feltro azul, (b) sete peixes azuis dentro do lago com imãs - feitos com
feltro azul, (c) sete peixes verdes dentro do lago com imãs - feitos com feltro verde e
(d) uma garça com imã na ponta do bico - feita de pelúcia.
Um mediador explica que cada grupo deve selecionar uma pessoa para ser a
garça e que ela deve comer o maior número de peixes possível dentro do tempo
estipulado. Ao sinal do mediador, os alunos abrem o lago e têm cerca de 15 segundos
para comer os peixes. Ao término do tempo, os resultados são compilados na lousa
para análise. Por meio de perguntas provocativas, o mediador discute as seguintes
questões com os alunos: (1) Qual tipo de peixe foi mais predado?, (2) Por que o peixe
verde foi mais predado?, (3) O que é camuflagem?, (4) O peixe azul é melhor do que
o peixe verde?, (5) Se houvesse uma proliferação de algas verdes no lago, qual peixe
sobreviveria mais?, (6) A seleção natural atua sobre as garças?. Pretende-se que o
jogo seja um primeiro contato com o tema evolução a ser mais explorado no restante
da oficina.
2. Rodízio entre etapas: Neste segundo momento, são formados três a cinco grupos,
dependendo do número de alunos na turma. Eles fazem um rodízio entre cinco etapas,
sendo duas localizadas no fitotério do Instituto de Biociências e três situadas na sala
própria da EB. A ordem dessas estações não é fixa, mas todos os grupos passam por
todas. Segundo a descrição de Sato (2015), cada uma delas aborda um aspecto
diferente da evolução por seleção natural:
a. Bicho-pau: demonstraçaõ do animal vivo, na qual os aspectos da camuflagem
saõ o centro da discussão.
b. Esqueletos: três esqueletos de aves e um esqueleto de morcego medeiam os
conceitos de divergência e convergência evolutiva. As aves são: um galo, um
pinguim e uma coruja, cada qual com características específicas que
permitiram sua forma de vida.
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c. Aquários: os estudantes são convidados a compreender a evolução em um
cenário de comunidade, com diferentes nichos e adaptações.
d. Suculentário: plantas de ambientes áridos ou com escassez de recursos hídricos
ilustram outro contexto de convergência biológica.
e. Estufa com plantas carnívoras: as adaptações que permitiram a carnivoria em
ambientes de baixos recursos minerais medeiam mais um contexto de
convergência biológica.
III.III Protocolo de coleta de dados
Para análise das falas dos educadores e dos alunos, foram coletados dados durante
duas visitas à EB, ocorridas nos dias 12 e 19 de março de 2015. Os visitantes estudavam na
mesma escola e cursavam o 5° ano do Ensino Fundamental I. Durante a execuçaõ da atividade
Trilha da Biodiversidade, os 22 alunos foram divididos em três grupos em cada visita. Ao
longo do percurso pelas estações, cada grupo foi acompanhado por dois monitores. É
importante notar que as duplas naõ necessariamente foram as mesmas nas duas visitas.
Para o registro dos discursos durante a visitaçaõ , cada grupo permaneceu com um
gravador com câmera filmadora Zoom Q2HD, carregado por um aluno ou mediador. Além
disso, um dos monitores da dupla filmou o grupo de maneira a se ter uma visaõ geral do
acontecimento, captando gestos, expressões corporais e facilitando a identificaçaõ do locutor.
III.IV Categorias de análise e classificação das falas
No total das duas visitas, foram registradas as conversas de seis grupos de visitantes.
Todas as falas foram transcritas pela equipe de Sato (2015) e classificadas como finalistas,
evolutivas e híbridas, conforme critérios apresentados na Tabela I. Para alguns tipos de fala,
foram estabelecidos critérios específicos: (1) falas curtas de alunos, em resposta aos
mediadores, tais como “sim” e “não”, não foram classificadas; (2) falas interrogativas não
foram classificadas; (3) descrições da função de estruturas não foram consideradas finalistas.
Por exemplo: “Ele usa os bigodinhos dele pra apalpar o chão e tudo que tá ao redor dele.”
Em um primeiro momento, cada autora analisou as falas de dois grupos de alunos e
monitores independentemente. Em um segundo momento, foi feita a validação das
classificações em duplas. Quando julgado necessário, houve consulta com as outras autoras.
Por último, quando houve consenso sobre a classificação das falas, dois mediadores foram
selecionados para serem entrevistados. A entrevista foi semi-estruturada e baseada nas
seguintes questões:
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1.
2.
3.
4.
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O que você entende por finalismo?
Como você vê o finalismo na sua ação?
Como você vê o finalismo no ensino de Evolução?
Discutir os dados da pessoa, tentando entender a razão pela qual ela utilizada a fala
finalista.
Tabela I: Descrição e exemplos para cada uma das categorias de classificação de falas utilizadas.
Categoria
Finalista
Evolutivas
Híbrida
Descrição
Exemplos
Evolução como um
processo direcionado e
intencional (CATLEY;
NOVICK; SHADE,
2010).
“É, mas por que que ela tem um pescoção? Porque ela tem
que pegar o grão no chão. Ela tem que alcançar o chão.
Então tem o pescoço grande.”
Presença de um ou mais
conceitos centrais da
evolução darwiniana
(SPIEGEL, et al, 2006).
“(...) é... assim como os peixes, eles são pássaros, são aves e
eles tiveram um ancestral comum. Então, todas as aves que
a gente tem hoje vieram de um, de uma espécie de ave , de
uma, sei lá, dinossauro ave, que aí foi aos poucos formando
vários grupos de aves diferentes.”
Fala que apresenta
elementos das falas
finalista e evolutiva.
“Como, qual foi a adaptação que ele teve pra poder, é... que
que acabou dando... possibilitou ele voar?”
IV. RESULTADOS
Os dados referentes às duas visitas foram somados a fim de verificar quais as
categorias de falas eram mais presentes nos discursos de visitantes e monitores. Considerando
o tempo total de visita e o número total de falas classificadas, a classe de falas com maior
frequência no discurso dos monitores é a de falas evolutivas (56%), seguida da finalista (34%)
e híbrida (10%). No caso dos alunos, a finalista é predominante no discurso (64%), seguida
das evolutivas (34%) e híbridas (2%), como pode ser observado na Figura 1.
Figura 1: Frequências das categorias de falas no discurso de monitores e visitantes, considerando as duas visitas.
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Como descrito anteriormente, a atividade Trilha da Biodiversidade é dividida em
cinco estações. Os visitantes, separados em grupos, percorrem todas elas, porém em ordem
cronológica diferente. Com o intuito de verificar a variação das falas no decorrer da visita, os
dados foram analisados ao longo do tempo e em função do número de falas classificadas em
cada estação. Assim, dividiu-se as conversas de acordo com cada etapa da atividade,
analisando, em separado, as frequências das categorias em estudo para monitores e visitantes.
Como pode ser observado na Figura 2B, ao longo da visita, os alunos apresentam
falas finalistas em maior frequência em relação às demais categorias. A primeira estação
concentra a maior ocorrência dessas falas (85%). A segunda, no entanto, exibe uma variação
nas frequências: as falas finalistas decaem para 56%, ao mesmo tempo que as evolutivas
aumentam de 7% para 39%. As falas híbridas no discurso dos estudantes é pouco recorrente,
chegando a zero na terceira estação e permanecendo sem alterações até o fim da atividade. As
falas finalistas e evolutivas não variam muito após a segunda estação.
A Figura 2A mostra que, durante toda a visita, a fala evolutiva é a predominante no
discurso dos monitores, seguida da finalista e, por último, da híbrida. No decorrer das cinco
estações, as falas não oscilam muito. Apesar das tendências gerais, ao fazer a análise das falas
individuais dos monitores, percebe-se que existe uma grande variação do comportamento das
categorias ao longo da visita. Sendo assim, foram selecionados dois monitores que
apresentam padrões diferentes para a realização das entrevistas.
Figura 2: (A) Frequências das categorias de falas no discurso dos monitores em cada estação. (B) Frequências
das categorias de falas no discurso dos visitantes em cada estação. F: finalista; E: evolutiva; H: híbrida.
IV. I Monitor 1
Nas falas do Monitor 1, as categorias se distribuem da seguinte maneira (Figura 3A):
evolutivas (59%), finalistas (26%) e híbridas (15%). Percebe-se que, ao longo da visita
(Figura 3B), existem variações das proporções de cada uma das categorias. Na primeira
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estação, predominam as falas evolutivas (57%), seguidas das finalistas (29%) e híbridas
(14%). Na segunda estação, ocorre uma diminuição das falas evolutivas (43%) e híbridas
(14%). Ao mesmo tempo, as falas finalistas aumentam e se igualam às evolutivas. Na terceira
estação, ocorrem apenas falas evolutivas (100%). Na quarta estação, o percentual de falas
evolutivas cai para 75% e as híbridas aumentam para 25%. Na quinta estação, as falas
evolutivas continuam a diminuir (57%). Por sua vez, as falas finalistas aumentam (43%) e as
híbridas zeram.
Figura 3: (A) Frequência total das categorias de falas do Monitor 1 durante toda a visita. (B) Frequências das
categorias de falas do Monitor 1, em cada estação da atividade. F: finalista; E: evolutiva; H: híbrida.
Para este monitor, finalismo é: “quando um ser vivo tem uma estrutura e a gente
atribui essa estrutura como uma finalidade. Então a gente correlaciona essa estrutura com
uma finalidade.” Ele afirma que usa a fala finalista como uma maneira rápida de se falar
conceitos de evolução: “Embora seja errado, você acaba falando isso por uma questão de
facilidade. Então se você dá a lógica geral da coisa e depois começa a falar assim, você
espera que as pessoas entendam o que você tá falando pela lógica geral.”
Ao ser apresentado às análises de suas falas, o monitor fez a seguinte interpretação:
“(...) no começo, eu tento fazer o bom biólogo darwiniano. Vejo que não tá rolando. Aí na
segunda eu viro e falo, eu tenho que mudar um pouco a estratégia aqui, vamos começar a
tentar dialogar mais. Aí eu começo a usar um pouquinho o finalismo aqui e tal, para
aproximar. Fica até mais interessante o discurso. Aí depois na terceira, eu jogo o boom do
biólogo darwiniano. E aí depois eu vou cansando disso porque a vida faz a gente cansar.
Esta visita é muito longa e a gente fala muito e, no final, acaba cansando mesmo e acho que
fala finalista é uma coisa muito mais prática. “
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IV.II Monitor 2
Nas falas do Monitor 2 analisadas em três das cinco estações, as categorias se
apresentam da seguinte forma (Figura 4A): evolutivas (65,2%), finalistas (30,4%) e híbridas
(4,3%). Percebe-se que, ao longo da visita (Figura 4B), existem variações das proporções de
cada uma das categorias. Na primeira estação, predominam as falas evolutivas (62,5%),
seguidas das finalistas (37,5%), sem ocorrência de falas híbridas. Na segunda estação, ocorre
um pequeno aumento das falas evolutivas (67%) e híbridas (8,3%). Ao mesmo tempo, as falas
finalistas diminuem para 25%. Na terceira estação, o percentual de falas evolutivas não se
altera, as falas finalistas aumentam para 33,3%, sem ultrapassar sua frequência na primeira
estação, enquanto as híbridas zeram.
Figura 4: (A) Frequência total das categorias de falas do Monitor 2 durante toda a visita. (B) Frequências das
categorias de falas do Monitor 2, em cada estação da atividade. Sós estão representadas 3 das 5 estações, pois o
monitor não teve falas em duas delas. F: finalista; E: evolutiva; H: híbrida.
Este monitor entende finalismo da seguinte maneira: “quando você explica algum
conceito, explicando o porquê que ele foi, porque que ele surgiu, porque que surgiu aquilo,
evolutivamente falando. Um exemplo disso é você falar: ‘Ah, esse dente foi feito para
mastigação, surgiu para mastigação.’ É um conceito evolutivo não correto.”. Para o monitor,
a fala finalista é um recurso para simplificar o discurso: “Às vezes, pra eu não ter que falar a
todo momento: ‘Ah, esta característica surgiu e foi favorecida, passou adiante… toda aquela
questão evolutiva’. No meio da aula, pra eu não ter que explicar tudo isso, eu acabo usando
talvez esse termo para simplificar.”
Quando apresentado às análises de suas falas, o monitor interpretou-as da seguinte
forma: “Eu tive uma menor quantidade de falas finalistas porque a gente não sabe qual é o
conceito prévio do aluno. Então, na dúvida, vamos ter o nosso discurso bem lapidado, tentar
ao máximo não levar ele à interpretação finalista. Então acho que eu tomei um cuidado aí.
(...) talvez, no começo, eu tenha me apegado muito à diversidade e às características
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morfológicas daqueles seres e ao funcionamento daquelas características. E, no final, o meu
discurso finalista diminuiu talvez porque seja no final que eu amarro tudo, junto todas as
características que foram discutidas e então explico isso sobre o viés da evolução, com mais
calma.”
V. DISCUSSÃO
Os entendimentos que os dois monitores entrevistados têm sobre evolução estão de
acordo com a definição proposta por Catley, Novick e Shade (2010). Pode-se perceber que
ambos entendem que a evolução não é um processo finalista e, inclusive, afirmam que a fala
finalista é equivocada. Entretanto, eles fazem uso dela em quase todas as estações ao longo da
visita. Possíveis explicações para esta aparente contradição podem ser encontradas nas
entrevistas com os próprios monitores. O Monitor 1 diz que a fala finalista é uma maneira
mais rápida e interessante para falar de evolução e, desta maneira, aproxima mais os alunos do
diálogo. De maneira similar, o Monitor 2 afirma que é uma estratégia para simplificar o
discurso e que torna a fala menos redundante.
Entretanto, ambos entendem que, para que a fala teleológica possa ser utilizada, é
necessário que os aprendizes já tenham contato com o conceito darwiniano de evolução. Para
o Monitor 1, no caso da atividade Trilha da Biodiversidade, tal contato acontece no Jogo das
Garças. Por isso, ao longo da visita, ele busca referenciá-lo e relacioná-lo a novos contextos,
economizando tempo de fala para poder explorar os materiais biológicos de cada estação. Já o
Monitor 2 utiliza uma estratégia diferente: em um primeiro momento dentro de cada estação,
ele apresenta um discurso predominantemente finalista ao apresentar os visitantes à
diversidade e características morfológicas dos materiais. Em seguida, quando estes já
possuem o repertório desejado, o monitor explica suas origens sob um viés evolucionista.
Portanto, a fala teleológica é utilizada pelos monitores no sentido de simplificar seu
discurso. Deve-se levar em consideração que seres humanos são predispostos a entenderem
evolução de uma maneira teleológica e a maneira como cientistas falam sobre seleção natural
pode aumentar esta predisposição (GALLI; MEINARDI, 2011). Contudo, os resultados
mostram que a proporção de falas finalistas dos alunos diminui ao longo da visita, ao mesmo
tempo que as evolutivas dos alunos aumentam. Isso pode indicar que, apesar de as falas
teleológicas dos monitores estarem presentes, os alunos têm um entendimento de que a
evolução não é finalista. Contudo, futuros trabalhos são necessários para melhor compreensão
das aprendizagens dos alunos na visita.
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VI. CONCLUSÃO
Ao comparar a variação de frequência de falas finalistas e evolutivas presentes nos
discursos dos educadores e alunos analisados, nota-se um aumento inicial, seguido da
manutenção do número de falas evolutivas dos alunos. A partir de tais dados e de entrevistas
com dois mediadores, é possível depreender que as falas teleológicas utilizadas por eles
parecem não prejudicar a compreensão darwinista de evolução por parte dos alunos, a partir
do momento em que há uma exposição prévia desse conceito ou desde que ele seja reforçado
posteriormente. Nesse sentido, há a possibilidade de o uso de falas finalistas ocorrer como
ferramenta de simplificação do discurso no contexto do ensino de evolução.
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