“Com os homens nunca se pode estar seguro de tudo, enquanto

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“Com os homens nunca se pode estar seguro de tudo, enquanto que com os animais ou
com outros seres naturais isso é possível. Por muita programação biológica ou cultural que
tenhamos, os homens podem sempre finalmente optar por algo que não está no programa (pelo
menos, não totalmente). Podemos dizer SIM ou NÃO, queremos, ou não queremos. Por muito
pressionados que nos vejamos pelas circunstâncias, nunca temos um só caminho a seguir, mas
vários.
Quando te falo de liberdade é a isto que me estou a referir. Ao que nos diferencia das
térmitas e das marés, de tudo o que se move de modo necessário e irremediável. Se é verdade
que não podemos fazer sempre o que nos apetece, também é certo que não somos obrigados a
querer fazer uma só coisa. Convém fazer aqui dois esclarecimentos sobre a liberdade: primeiro:
não somos livres o que nos acontece (Ter nascido em tal dia e em tal país, ser filho dos nossos
pais, Ter um cancro ou ser atropelado por um carro, sermos bonitos ou feios (...), mas livres para
respondermos ao que nos acontece deste ou daquele modo (obedecer ou revoltarmo-nos,
sermos prudentes ou temerários, vingativos ou resignados, andamos na moda ou disfarçados de
homens das cavernas, defender Tróia ou fugir, etc...).
Segundo: ser livre para tentar algo, não significa que o alcancemos infalivelmente. A
liberdade (que consiste em escolher dentro do possível) e a omnipotência (que será conseguir
sempre o que se quer) não são a mesma coisa.
Na realidade existem muitas forças que limitam a nossa liberdade, desde terramotos e
passando por doenças, até tiranos. Todavia a nossa liberdade é uma força no mundo, a nossa
força. Se falas com pessoas, sem dúvida que verás que a maioria tem muito mais consciência
daquilo que limita a sua liberdade do que da própria liberdade: dir-te-ão: Liberdade? Mas de que
liberdade me falas? Como podemos ser livres, se a televisão nos enfia coisas pelos olhos
adentro, se os governantes nos enganam e nos manipulam, se os terroristas nos ameaçam, se
as drogas nos escravizam, e se, para além disso, me falta dinheiro para comprar uma moto que
é o que eu quero?
Se estiveres um pouco atento, verás que os que assim falam parece que se estão a
queixar, mas na realidade estão muito satisfeitos por saberem que não são livres. No fundo
pensam: Uf! Que grande peso nos saiu de cima! Como não somos livres, não podemos ter culpa
de nada do que nos acontece...”
Fernado Savater, Ética para um amador
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