UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RELAÇÃO ENTRE INDIVÍDUO E AS INSTITUIÇÕES NA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL TARCÍSIO VILTON MENEGHETTI DECLARAÇÃO “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”. ITAJAÍ (sc), de de 2010. ___________________________________________ Professor Orientador: JOSEMAR SIDINEI SOARES UNIVALI – Campus Itajaí-SC UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO RELAÇÃO ENTRE INDIVÍDUO E AS INSTITUIÇÕES NA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL TARCÍSIO VILTON MENEGHETTI Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Doutor Josemar Sidinei Soares Itajaí, dezembro de 2010 AGRADECIMENTOS À Ordem Natural, possível de ser compreendida racionalmente por uma consciência cultivada; Ao Professor Josemar Soares, o Mestre que me auxiliou a despertar, demonstrando que uma vida de realizações, liberdade e felicidade é possível, e que depende de nós; Aos meus pais, Iêda e Ironi, ao meu irmão Leonardo, e a todos os familiares, pelo incentivo, carinho, formação, auxílio em momentos decisivos e compreensão durante toda uma vida; À Dra. Aulia Esper, pelo exemplo e possibilidade de autoconhecimento e realização pessoal-profissional; À UNIVALI, nas pessoas do Reitor Prof. Mário César dos Santos, Diretor do CEJURPS, Prof. José Carlos Machado, Coordenador do Curso de Direito, Prof. Osmar Facchini, pelo incentivo e construção de um espaço propício ao desenvolvimento acadêmico, profissional e existencial; Ao Prof. José Everton da Silva, por tantas oportunidades criadas; À Bruna, por me encorajar a enfrentar a mim mesmo; Aos grandes amigos Tiago, Matheus e Renan, verdadeiros amigos no sentido aristotélico do termo, pois buscam acima de tudo estimular o melhor de cada um, tanto no trabalho como nos momentos de lazer; À Isadora, por trabalhar junto em um semestre ininterrupto de atividades, sempre com lealdade, dedicação e resultados; Aos tantos e queridos amigos do Grupo Paidéia, ao longo destes anos de convivência, em especial William, Beatriz, Ágatha, Vithória, João e Leandro. A todos que participaram desta minha caminhada, sempre estimulando o desenvolvimento pessoal e profissional. DEDICATÓRIA A todos Nós, que ao construirmo-nos como pessoas construímos todas as instituições, e juntos temos o dever e a responsabilidade de aprimorá-las. 4 “Para nós, portanto, já está presente o conceito de espírito. Para a consciência, o que vem-a-ser mais adiante, é a experiência do que é o espírito: essa substância absoluta que na perfeita liberdade e independência de sua oposição – a saber, das diversas consciências-de-si para si essentes – é a unidade das mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é Eu”. HEGEL, Fenomenologia do Espírito 5 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, novembro de 2010 Tarcísio Vilton Meneghetti Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Tarcísio Vilton Meneghetti, sob o título Relação entre Indivíduo e as Instituições na Filosofia do Direito de Hegel, foi submetida em novembro à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Prof. Dr. Josemar Sidinei Soares (Orientador), e Profa. Msc. Fabiana de Bittencourt Rangel (Examinadora) e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]). Itajaí, dezembro de 2010 Prof. Dr. Josemar Sidinei Soares Orientador e Presidente da Banca Profa. Msc. Fabiana de Bittencourt Rangel Coordenação da Monografia SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................... IX INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 ........................................................................................................ 13 INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL .................................... 13 1.1 A FILOSOFIA DO ESPÍRITO NO SISTEMA HEGELIANO ........................... 13 1.2 A FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ............................................................................................................................. 18 1.2.1 A vontade livre ............................................................................................. 20 1.2.2 Vontade livre e direito .................................................................................. 23 CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 27 A FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL: DIREITO ABSTRATO, MORALIDADE E ETICIDADE .......................................................................................................... 27 2.1 O DIREITO ABSTRATO ................................................................................ 27 2.2 A MORALIDADE ........................................................................................... 31 2.3 A ETICIDADE ................................................................................................ 35 CAPÍTULO 3 ........................................................................................................ 40 AS INSTITUIÇÕES NA ETICIDADE: FAMÍLIA, SOCIEDADE CIVIL E ESTADO40 3.1 A FAMÍLIA ..................................................................................................... 40 3.2 A SOCIEDADE CIVIL .................................................................................... 44 3.3 O ESTADO ..................................................................................................... 48 3.4 HEGEL E A CONTEMPORANEIDADE ......................................................... 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 56 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................................. 59 RESUMO Inserida numa linha de pesquisa voltada à filosofia política, esta pesquisa pretende analisar a relação entre indivíduo e as instituições na Filosofia do Direito de Hegel. Nesse sentido, o trabalho articula-se logicamente primeiro com uma introdução à filosofia política hegeliana; depois com a apresentação dos três momentos da obra em estudo: direito abstrato, moralidade e eticidade; e por fim, com a análise das três instituições mais importantes: família, sociedade civil e Estado. Resulta que as instituições são essenciais para a realização da Liberdade do indivíduo, porém nenhuma delas é em absoluto. É o movimento de realização da Liberdade por meio das instituições que se torna o essencial. Para tanto, foi utilizado o método indutivo, através da pesquisa bibliográfica. Em relação às obras de Hegel, foram utilizadas, para a Enciclopédia, a tradução de Paulo Meneses, e para a Filosofia do Direito, as traduções do Prof. Dr. Marcos Lutz Müller, esparsas em diversos cadernos publicados, de forma que nesse caso utilizar-se-á somente a referência através de parágrafos. Palavras-chave: Indivíduo. Instituições. Liberdade. INTRODUÇÃO A relação entre indivíduo e as instituições sempre foi uma das investigações centrais da filosofia do direito, desde a República platônica que buscava construir o Estado Ideal como reflexo da alma dos cidadãos. Depois viriam momentos de sublime inspiração, como a procura pelo bem comum na Política de Aristóteles, a reprodução do Estado perfeito na Cidade de Deus de Agostinho, o surgimento do Leviatã hobbesiano, o valor singular do Indivíduo no liberalismo de Locke e a necessidade da vontade geral de Rousseau. Também Marx necessitará passar por essa reflexão, a partir de sua constatação de que as Instituições são reproduções da ideologia da classe dominante que manipula os indivíduos. O anarquismo defenderá a extinção das Instituições proclamando assim a possibilidade de Liberdade da pessoa. O liberalismo econômico propõe a redução das mesmas, deixando ao singular a possibilidade de se guiar por si só nas relações mercantis. Ao final do século XX presenciamos a derrocada do socialismo e do liberalismo, e o que vemos surgir é um meio-termo entre ambos: a política e o direito devem buscar o bem comum, a equidade, a redução das desigualdades sociais, a harmonia entre o Indivíduo e a sociedade. O Estado precisa proteger o valor da maioria. Nem o capitalismo desenfreado nem o socialismo utópico. Como se vê, a filosofia, o direito, a política, a sociologia, a economia, as ciências humanas em sua totalidade repensam continuamente a relação entre Indivíduo e as Instituições, pois é nessa dialética que se desenvolve a possibilidade de concretização do bem comum, de equidade, de progresso social e econômico, mas também de Liberdade individual ou supressão da mesma. Quem é o Indivíduo? Ele é Indivíduo porque vive em sociedade? Ele deve visar o bem próprio ou o bem comum? Qual a finalidade das Instituições, e aqui como Instituições nos referimos ao Estado, à sociedade civil, à família, ao direito, e também à escola, à universidade, ao hospital, à penitenciária, aos partidos políticos, aos sindicatos, enfim, são todos Instituições, são todos entes criados pelo homem para auxiliar na promoção de um determinado bem. E que bem é esse? O Estado quer que o indivíduo se realize, seja feliz, ou apenas que tenhamos igualdade social? A sociedade civil, o que deseja? A família, para que serve, seria 11 para dar estabilidade emocional, econômica, social e moral ou educar a pessoa para a vida? Qual a função da penitenciária? E da universidade? Enfim, o que buscam realizar as Instituições? Qual o papel das Instituições? Este trabalho não pode e nem pretende oferecer conclusões definitivas, pois trata de um tema que atravessa a história da civilização ocidental. As mais elevadas mentes de nossa cultura indagaram sobre a questão, e até agora não temos respostas acabadas. Esta pesquisa apresenta apenas a visão de um autor: Hegel. E mesmo limitando-nos a Hegel, não é simples esta empreitada. Já houve quem interpretasse no filósofo alemão um fundamentador do totalitarismo e quem visse nele um defensor do liberalismo econômico. A obra principal desta pesquisa é a Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, de Hegel, na qual o filósofo apresenta a realização da Ideia de Liberdade pelo Indivíduo, por meio da sua interação com as Instituições do mundo ético: Família, Sociedade Civil e Estado. Os comentadores, em geral, convergem no sentido de que a Liberdade em Hegel se dá na ação do Indivíduo junto às Instituições. Porém, o que isso pode significar ao fundo? Se as Instituições são realmente necessárias para a Liberdade seriam elas o caminho para a Liberdade do Indivíduo? Ou seja, é o Indivíduo dependente das Instituições? Ou, na verdade o Indivíduo é quem realiza a sua Liberdade, e, nesse sentido, as Instituições são apenas momentos históricos, existenciais e contingenciais, isto é, instrumentos utilizados pelo Indivíduo para alcançar a sua finalidade maior. Diante dessa possibilidade de interpretação as Instituições seriam reduzidas a meio, e o Indivíduo resplandeceria em sua máxima importância na filosofia política hegeliana. Eis a indagação que conduz todo este trabalho: como se dá a relação entre Indivíduo e as Instituições na perspectiva da realização da Ideia de Liberdade em Hegel? Tal problemática nos levará ao cerne da questão da Eticidade em Hegel. A Eticidade é a realização da Ideia de Liberdade no mundo dado, onde a vontade livre encontra a harmonia entre o Indivíduo e as Instituições. É nessa harmonia que se situa a Liberdade hegeliana. A complexidade do tema se 12 revela diante desta dificuldade: é preciso avançar para o centro da eticidade e ali tentar identificar se há preponderância do Indivíduo ou das Instituições. Espera-se que este trabalho, ainda que não suficiente para solucionar a problemática, possa suscitar novas pesquisas e contribuir nos avanços dessa fundamental investigação para a contemporaneidade: afinal, ainda hoje, vivemos mergulhados nessa complexa relação com as Instituições. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de 1 Investigação foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7. 1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83. 2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86. 3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2226. 4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54. 5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25. 6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37. 7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209. CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL 1.1 A FILOSOFIA DO ESPÍRITO NO SISTEMA HEGELIANO Antes de adentrar na filosofia política de Hegel é preciso tecer algumas considerações acerca de seu sistema filosófico, pois as dialéticas jurídicas, políticas, sociais engendram-se conforme aquilo que está exposto no sistema hegeliano como um todo, a tal ponto que Vieillard-Baron afirma que “on ne peut pás comprendre la philosophie hégélienne du droit sans la replacer le système entier. É preciso ter sempre então uma noção da totalidade do sistema hegeliano.” Tal sistema está apresentado na Enciclopédia das Ciências Filosóficas, obra de três volumes que serve de compêndio, uma vez que reúne basicamente todas as suas discussões anteriores e inclusive algumas que depois seriam aprofundadas numa estrutura lógica, em que se torna compreensível a ligação entre tantas temáticas e obras diversas. Na Enciclopédia temos a Ciência da Lógica no primeiro volume, que pode muito bem ser considerada a ontologia hegeliana, uma vez que apresenta o que significa ser, vir-a-ser, Ideia, conceito, e tantas outras categorias fundamentais para a filosofia de Hegel. O segundo volume apresenta a Filosofia da Natureza, que é o desenvolvimento da Ideia na realidade física de nosso mundo. Aqui estão as leis biológicas, químicas, etc. Por fim, no seio da vida natural engendra-se a Filosofia do Espírito, terceiro volume. E é aqui que se situa o objeto do presente estudo. Por 14 Espírito já não entendemos apenas as ideias lógicas simples nem a Natureza, mas a consciência e a realidade humana. A vida animal não é consciente de si mesma, não sabe por que existe nem se responsabiliza por sua existência. Somente o homem vive essa dimensão maior que é ter plena consciência de estar vivo, de viver em sociedade, de agir e pensar, de se relacionar com o Outro. De fato, a vida humana é a mais complexa entre todos os organismos provindos da Natureza. Essa autonomia de consciência, contudo, acarreta na responsabilidade da Liberdade. Ser consciente de que vive significa poder decidir o que fazer da própria existência. E é nessa esfera que se situam as discussões da Filosofia do Espírito, conforme assinala Hegel no § 382 da Enciclopédia: A essência do espírito é, por esse motivo, formalmente a liberdade, a absoluta negatividade do conceito enquanto identidade consigo. Segundo essa determinação formal, ele pode abstrair de todo o exterior e de sua própria exterioridade, de seu próprio ser-aí; pode suportar a negação de sua imediatez individual, a dor infinita, isto é, nessa negatividade conservar-se afirmativamente, e ser idêntico a si mesmo. Essa possibilidade é sua universalidade abstrata, essente para si dentro de si mesma.8 A essência do espírito é formalmente a Liberdade. Isso significa que para essa essência se tornar algo efetivo, é preciso que deixe de ser apenas formal para também ser presente no Indivíduo e no mundo. Esse é o projeto de realizar a Liberdade no mundo. Trata-se de um parágrafo complexo, e que pode ser melhor compreendido ao atentar-se à própria explicação de Hegel, logo a seguir na forma de adendo: A substância do espírito é a liberdade, isto é, o não-ser-dependente de um Outro, e referir-se a si mesmo. O espírito é o conceito efetivado, essente para si, [e] que a si mesmo tem por objeto. [...] A liberdade do espírito, porém, não é simplesmente a independência do Outro, conquistada fora do Outro, mas no Outro; não chega à efetividade pela fuga perante o Outro, mas pela vitória sobre ele. [...] Essa potência sobre todo o conteúdo nele presente forma a base da liberdade do espírito. Mas, em sua imediatez, o espírito só é livre em si segundo o conceito ou a possibilidade, não ainda segundo a efetividade: a liberdade efetiva, assim, não é algo essente de modo imediato no espírito, mas algo a ser produzido por sua atividade. 8 ENC, p. 23. § 382. 15 Desse modo, [é] como o produtor de sua liberdade [que] temos de considerar na ciência o espírito. O desenvolvimento total do espírito apresenta somente o “fazer-se livre”, do espírito, de todas as formas de seu ser-aí que não correspondem a seu conceito: uma libertação que ocorre porque essas formas são transformadas em uma efetividade perfeitamente apropriada ao conceito do espírito.9 A Liberdade é uma possibilidade, que pode vir a se tornar efetivada. É responsabilidade do Indivíduo realizar da Liberdade em si mesmo e no mundo. Não basta ao espírito ser livre em conceito ou em possibilidade, é necessário que o seja de modo efetivo no mundo. Também é substancial compreender o início da citação, quando se afirma que a Liberdade passa pela autonomia em relação ao Outro, mas que essa autonomia não é fugir do Outro, mas uma vitória no Outro. Isso será demasiadamente importante para se compreender a exposição de todo este trabalho. A relação do Eu com o Outro deve ser uma relação de independência para ambos, porém sem a exterminação de uma das partes. O extermínio do Outro não é Liberdade, mas fuga do Outro. E essa mensagem Hegel já expôs de modo decisivo e emblemático na célebre dialética entre senhor e escravo na Fenomenologia do Espírito. A intersubjetividade é essencial para a Filosofia do Espírito de Hegel. E isso pode ser extraído da parte final da citação acima. A Liberdade se faz quando o espírito liberta-se de todas as formas que não são próprias ao conceito do espírito. Essas formas precisam ser transformadas em uma efetividade perfeitamente apropriada ao conceito do espírito. Isso se tornará mais assimilável ao longo do trabalho, quando for apresentado que a Liberdade não passa pela eliminação das Instituições, mas na transformação dessas em algo apropriado ao conceito do espírito. Tal discussão é o cerne da presente pesquisa. Em síntese, o espírito consiste numa dialética de intersubjetividade do Indivíduo com a Natureza e o mundo. O homem nasce em um mundo que é um Outro, e depois se vê rodeado de outros seres-Outros, outros homens. Por fim, há as todas as construções racionais humanas, como o direito, a moral, as Instituições, as ciências e assim por diante. Tudo isso é um Outro, que me 9 ENC, p. 23-24. § 382. Adendo. 16 provoca a agir de um determinado modo. Porém, todas essas construções refletem também a vontade humana em transformar o mundo natural em um mundo humano, e isso é algo fundamental quando se pensa em Liberdade diante do mundo. O § 384 da Enciclopédia auxilia nesse entendimento: O manifestar – que enquanto [é] o manifestar da idéia abstrata e passagem imediata, vir-a-ser da natureza – enquanto manifestar do espírito, que é livre, é [o] pôr da natureza como de seu mundo; um pôr que como reflexão é ao mesmo tempo [o] pressupor do mundo como natureza autônoma. O manifestar no conceito é [o] criar do mundo como ser do espírito, no qual ele se proporciona a afirmação e verdade de sua liberdade. Em outras palavras, o movimento de se pôr no mundo pressupõe que esse mundo é uma natureza autônoma. Mas o homem a transforma, e a partir daí essa natureza autônoma torna-se mundo humano, o mundo como ser do espírito. Nesse processo reside a afirmação e a verdade da Liberdade em Hegel. Como se verá mais adiante, não se pode pensar a Liberdade em Hegel apenas na Liberdade individual, na minha Liberdade, na tua Liberdade. Antes disso, a Liberdade é uma ideia que se engendra no espírito, e o espírito envolve tanto os particulares, os Indivíduos singulares, como a relação entre eles, nas formas da família, da sociedade civil, do Estado, e inclusive na relação de todos eles com o mundo. Trata-se, portanto, de uma Liberdade em sentido bastante amplo. Tal amplitude pode ser melhor compreendida com as palavras de Peperzak: The further development of Hegel’s philosophy of spirit, which has now reached its appropriate foundation or “soil”, consists in the gradual unfolding of the spirit’s self-determination through aspectual manifestations of its reason-ability, which it then transcends and integrates as moments of its own life. As Wissen, this life is not a passive reception; rather, it is a position, production, and creation (Erschaffung). The spirit’s eternal movement appears in Hegel’s systematic discourse as a development or unfolding (Entwicklung) from its emptiest to its most fulfilled actuality, which is found in the absolute freedom of perfect self-knowledge as the highest praxis of creative and self-relevatory “actuosity”.10 A partir do momento que o espírito produz o mundo à sua reflexão, atualiza não apenas o mundo, mas a si mesmo. Esse trabalho de criação 10 PEPERZAK, Adriaan. Modern Freedom: Hegels Legal, Moral and Political Philosophy. Dordreeht: Kluwer Academic Publishers, 2001. 17 do mundo produz a efetivação da ideia de Liberdade num movimento gradual consoante ao de autorrevelação do espírito. O espírito reconhece-se subjetivamente no sujeito, objetivamente no mundo, e de modo absoluto na ideia, tal como expõe a divisão da Filosofia do Espírito que se apresenta abaixo sintetizada no § 385 da Enciclopédia: O desenvolvimento do espírito é este: 1º) O espírito é na forma da relação a si mesmo: no interior dele lhe advém a totalidade ideal da ideia. Isto é: o que o seu conceito é, vem-a-ser para ele; para ele, o seu ser é isto: ser junto de si, quer dizer, ser livre. [É o] espírito subjetivo. 2º) [O espírito é] na forma da realidade como [na forma] de um mundo a produzir e produzido por ele, no qual a liberdade é como necessidade presente. [É o] espírito objetivo. 3º [O espírito é] na unidade – essente em si e para si e produzindose eternamente – da objetividade do espírito e de sua idealidade, ou de seu conceito: o espírito em sua verdade absoluta. [É] o espírito absoluto. No espírito subjetivo temos a divisão em antropologia, fenomenologia, estudada mais profundamente na obra Fenomenologia do Espírito (1807) e psicologia. Aqui se analisa o Indivíduo enquanto consciência, enquanto singularidade em seus aspectos internos e na sua relação com os demais. Trata-se de um estudo eminentemente existencial e, por vezes, inclusive psicológico. O espírito nesse momento é subjetivo justamente por explorar os aspectos da subjetividade humana, a qual se apresenta em cada consciência, porém em cada uma de modo diferente. Dois sujeitos possuem dilemas, complexidades e aspectos internos sempre distintos. Depois da realidade singular do homem passa-se ao estudo da realidade objetiva e concreta, que é o mundo externo. Este trabalho se concentrará no estudo dessa parte, pois é aqui que se fazem presentes as relações sociais, jurídicas, políticas, morais entre as pessoas. Com efeito, é nesse momento que se pode estudar a relação entre o Indivíduo e as Instituições. O espírito é então objetivo porque explora questões que envolvem todos os Indivíduos da mesma maneira, numa universalidade. É na universalidade que se estuda o direito, a ética e a política, pois essas dimensões são criadas visando o universal, ainda que esse deva conter o particular. O espírito objetivo se desdobra no direito abstrato, na moralidade 18 e na eticidade, Instituições que serão analisadas mais profundamente neste trabalho. Por fim, o espírito absoluto, que contém o subjetivo e o objetivo, é a Arte, a Religião e a Filosofia. Trata-se do Saber Absoluto, da verdade absoluta. Aqui o espírito retorna a ser ideia, mas ideia produzida eternamente por ela mesma. O espírito absoluto é uma dimensão da filosofia hegeliana que está para além do homem, das Instituições e do mundo porém contém todos eles. Feita essa apresentação introdutória ao sistema hegeliano, cabe agora introduzir a obra Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, pois é nela que se pode analisar a relação entre Indivíduo e as Instituições, uma discussão fundamental da problemática do espírito objetivo, que consiste em objeto dessa obra. 1.2 A FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES As Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, obra de 1821, uma das últimas a serem publicadas pelo autor, é aquela em que Hegel traz de forma mais sistemática seu pensamento político. Ao se analisar a estrutura lógica da Filosofia do Direito, compreende-se como a filosofia política, abrangendo seus aspectos sociais, políticos e jurídicos, não pode ser separada do Todo, tratada como uma ciência a parte, mas sim vista como integrante efetiva dessa totalidade orgânica. Para Hegel, jamais devemos pensar o Todo como soma de fatores, mas sempre como uma unidade completa, conforme se observa logo no § 2. A Ciência do Direito é uma parte da Filosofia. Por isso ela tem de desenvolver a idéia, como aquela que é a razão de um objeto, a partir do conceito ou, o que é o mesmo, ela tem de dirigir o seu olhar ao próprio desenvolvimento imanente da coisa mesma. Como parte, ela tem um ponto de partida determinado, o qual é o resultado e a verdade daquilo que precede e do que constitui a assim chamada demonstração do mesmo. Por isso, o conceito do Direito, segundo o 19 seu devir, cai fora da ciência do Direito, e sua dedução é aqui pressuposta, e é preciso admiti-lo como dado.11 A Ciência do Direito, portanto, não é uma ciência autônoma, mas parte de um conjunto mais amplo, a ciência filosófica, de forma que qualquer Ideia ou conceito abordado nesse campo deve também ser submetido à lógica da totalidade, isto é, obedecer a caminhos determinados pela filosofia. As Instituições jurídicas propostas por Hegel, então, não podem ser analisadas somente como conceitos políticos e jurídicos, mas também sob um olhar tanto lógico como existencial, ou seja, não podemos pensar o direito, a comunidade, a família e o Estado separados de uma estrutura lógica, nem separados da parte mais essencial ao qual repousa toda a filosofia hegeliana: a figura do Indivíduo, da consciência12. Rosenfield ressalta que uma releitura nesse viés revela um novo conceito de Indivíduo, o de Indivíduo (Mitglied) como membro da comunidade.13 Por fim, deve-se referir que apenas nessa perspectiva é possível compreender a relação entre o desenvolvimento do Espírito e a realização da Ideia de Liberdade, ambas temáticas centrais da obra analisada. Com isso Hegel propõe que as Instituições jurídicas e políticas são antes o trabalho existencial do Indivíduo, ou seja, o trabalho da consciência de si que opera no mundo tendo como finalidade a realização da Ideia de Liberdade, representada por Hegel como a eticidade.14 Pensar a manifestação da Ideia de Liberdade é o trabalho principal da Filosofia do Direito, e qualquer análise das Instituições propostas nessa obra devem conter o paralelo com essa premissa. O solo do Direito é, em geral, o [elemento] espiritual e o seu lugar mais preciso e o seu ponto de partida [é] a vontade que é livre, de maneira que a liberdade constitui sua substância e a sua 11 FD, Introdução, § 2. Em sua primeira grande obra, a Fenomenologia do Espírito (1807), Hegel apresenta um processo de formação (Bildung), onde trabalha a construção existencial da consciência, desde seus estágios mais primitivos, até o Saber Absoluto. Tal obra, ainda, é considerada como uma Introdução ao Sistema da Ciência, ou seja, todos os trabalhos posteriores de Hegel passam antes pela compreensão desta obra. Em Hegel o político, o ético, o jurídico, e mesmo o lógico, nunca estão separados do existencial, do humano. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses com a colaboração de Karl-Heinz Efken e José Nogueira Machado. Petrópolis: Vozes, 2005. 13 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 14. 14 “A unidade entre o indivíduo e a totalidade, a vontade e o pensamento, o conceito e a história, o lógico e o político são problemas centrais da filosofia política hegeliana. Neste sentido, é apenas necessário salientar que esta unidade não pode ser pensada como uma soma de partes isoladas umas das outras, mas, ao contrário, a unidade vive da atualização de suas próprias diferenças. Se for rompida esta relação onde uma determinação põe e é posta pela outra, a própria Idéia da liberdade sai prejudicada. Poder-se-ia, ainda, acrescentar que o lógico, o especulativo, o conceitual brotam do seu próprio conteúdo político, ético. ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 15. 12 20 determinação e que o sistema do direito é o reino da liberdade efetivada, o mundo do espírito produzido a partir do próprio espírito como uma segunda natureza.15 O reino do Espírito Objetivo, então, seria aquele onde o Espírito produziria a partir de si próprio o conceito da liberdade realizada no mundo. Trabalhar a realização da Ideia de Liberdade somente é possível quando se compreende que toda articulação no mundo dado manifesta-se através da vontade livre do Indivíduo. Sendo assim, o projeto hegeliano em sua filosofia política é pensar o caminho racional, isto é, efetivado pela consciência de si nos planos político, ético, jurídico, social, através de seus desdobramentos como pessoa (Person) no direito abstrato, sujeito (Subjekt) na moralidade e membro (Mitglied) da comunidade na eticidade,16 que são justamente os três momentos da obra. Contudo, o movimento inicia-se pela vontade livre do Indivíduo, de forma que é necessário antes explorar os pontos fundamentais daquilo que Hegel entende por vontade livre. 1.2.1 A vontade livre O espírito objetivo busca realizar a Ideia de Liberdade no mundo. Nesse processo encontra-se a construção das Instituições. Porém, isso tudo se encontra em um processo, em um vir-a-ser. Como se formam as Instituições? De onde surge o direito? São todas construções humanas. Ora, uma construção somente é posta porque antes foi querida. Logo, está implícito que o ponto de partida da realização da Liberdade é a vontade. Portanto, antes de se analisar as Instituições, é necessário compreender como se dá o movimento da vontade livre do homem, que de certa forma é o motor que permite a possibilidade tornar-se efetiva. Sem a vontade livre não há como a ideia de uma Instituição ou do próprio direito 15 FD, Introdução, § 4. BOURGEIS, Bernard. O pensamento político de Hegel. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 1999. p. 90-91. 16 21 tornarem-se reais no mundo. Da mesma forma, a Ideia de Liberdade só pode ser efetivada pela vontade livre. Rosenfield apresenta a importância da vontade dentro da filosofia hegeliana como: Na verdade, a vontade dá forma ao mundo à medida que começa a reconhecer-se no produto de seu próprio trabalho. A experiência da consciência e a vontade na sua atividade reflexiva, não se confundem como um querer indeterminado que construiria o mundo a partir do nada. A atividade da vontade é uma síntese política original entre a teoria e a prática, pois a vontade elabora, no seu agir, as pressuposições a partir das quais ela empreendeu o seu caminho e que se tornam, assim, suas próprias determinações.17 Eis a importância fundamental do movimento realizador da vontade livre: aquilo que a vontade realiza torna-se a sua própria determinação. Aquilo que o Indivíduo elabora torna-se parte dele. Mais adiante Rosenfield apresenta o seu conceito de vontade livre: Trata-se do movimento de atualização lógica do conceito na individualidade do mundo. Uma substancialidade que é nada mais do que o movimento de fazer e refazer constantemente o processo de dissolução e produção de si em cada uma e no conjunto das “determinidades” assim produzidas. O conceito torna-se, então, individual na imediação do ser. O processo de concreção é um processo de individuação. [...] Trata-se do movimento lógico de produção do conceito da vontade à medida que este conceito começa a perceber-se (e conhecer-se) como o ponto terminal de um processo que, tornando-se presente na interioridade da vontade, pode empreender novamente seu processo de “reposição”. Se o fim é o começo, ele o é porque ambos possuem um mesmo fundamento. A substância é, então, sujeito.18 A vontade livre é acima de tudo ação negadora. O Eu põe a sua vontade e transforma um dado do mundo externo. Esse ato é em um primeiro momento destruidor, porque aniquila o dado externo precedente. Em seguida, tornase um ato criador, pois atualiza o dado anterior em um novo dado, agora elaborado conforme a vontade do Indivíduo. O Eu se abre de sua interioridade à exterioridade do mundo de modo a realizar dialética com as determinações já existentes. 17 18 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel. p. 35. ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel. p. 46. 22 O ato da vontade livre pode ser exemplificado numa simples frase como “Eu quero alguma coisa”, tal como apresenta Rosenfield. Ora, ao dizer isso, o sujeito (o Eu) afirma que escolheu fazer algo com uma coisa específica. Logo, essa coisa receberá a ação da vontade livre e será transformada. Aqui, percebemos uma nova nuance do conceito de Liberdade dentro da vontade livre. Eu escolho uma coisa para pôr minha vontade livre, posso colocar aqui ou lá, depende de minha decisão. Ademais, mesmo naquela coisa escolhida, eu posso pôr minha vontade de várias formas. Se adquiro a carne de um animal eu posso consumi-la ou comercializá-la, por exemplo. Entre essas possibilidades abre-se a Liberdade de decisão. O resultado dessas decisões da vontade livre é o que transformará o mundo de um modo ou de outro modo. A história é sempre o resultado de decisões da vontade livre, que escolheu fazer isto e não aquilo, e desse modo e não de outro. O sistema desse conteúdo, tal como ele se encontra imediatamente na vontade, é somente uma multidão e uma multiplicidade de impulsos, dos quais cada um, ao lado de outros, é, em princípio, o meu, e, simultaneamente, é algo de universal e indeterminado, que tem os mais variados objetos e modalidades de satisfação. Pelo fato de que, nessa dupla indeterminidade, a vontade se dá a forma da singularidade (§ 7), ela é vontade que decide, e somente enquanto vontade que, em princípio, decide, é vontade efetiva.19 Particularmente interessante para entender esse parágrafo é o estudo do Prof. Marcos L. Müller, que afirma o verbo “decidir” nesse texto traduz dois verbos da língua germânica, beschliessen e entschliessen, sendo que ambos contêm a raiz comum em schliessen, que significa fechar, cerrar, encerrar. O primeiro verbo citado traduz a ideia de pôr fim. Porém, o segundo verbo é utilizado por Hegel no sentido originário do prefixo ent, em alemão, quando então ainda era usado no sentido de contra. Dessa forma, entschliessen surge como abrir, descerrar, o oposto do primeiro. Este jogo linguístico revela o sentido essencial do decidir em Hegel: ao mesmo tempo em que fecha, abre. Isto é, ao decidir isto, eu fecho a escolha em uma ação, excluindo as demais. Em contrapartida, esaa escolha abre novas possibilidades, pois haverá consequências advindas dela. Em síntese, a vontade livre é um movimento do Eu com a individuação de uma coisa, e um movimento que nega o dado atual para transformá19 HEGEL, FD, § 12. 23 lo em um novo. Nesse novo dado o sujeito reconhece-se, pois é resultado de sua vontade, de seu movimento. É pelo decidir esta e não aquela ação que a minha vontade torna-se efetiva, pois esse conteúdo de decisão é conteúdo que produz Liberdade. As Instituições e a organização social, bem como a história, portanto, são resultados da vontade livre humana. Com isso, pode-se afirmar que a vontade livre é a determinação que cria e dá validade a todas as Instituições, sendo que inclusive o direito posto é resultado da ação da vontade livre. 1.2.2 Vontade livre e direito O direito é algo posto por uma vontade livre, e não uma vontade livre singular qualquer, mas uma vontade livre racional, em si e para si, que já superou a finitude da subjetividade e da objetividade. Esse entendimento é essencial para se compreender o conteúdo do § 29 da Filosofia do Direito: O fato de que um ser-aí em geral seja ser-aí da vontade livre, isso é o Direito. – Ele é, portanto, em princípio, a liberdade enquanto ideia. A definição kantiana e, também, a mais geralmente aceita, cujo momento principal é “a restrição da minha liberdade ou arbítrio, assim que ele possa coexistir com o arbítrio de cada um, segundo uma lei universal”, por um lado contém somente uma determinação negativa, a da restrição, [ao passo que] por outro, o positivo, a lei universal ou assim chamada lei da razão, a concordância do arbítrio de cada um com o arbítrio do outro, redunda na conhecida identidade formal e no princípio de contradição. A mencionada definição do Direito contém o ponto de vista, difundido precipuamente desde Rousseau, segundo o qual, o que deve ser a base substancial e o primeiro não é a vontade enquanto sendo em si e para si, enquanto vontade racional, não é o espírito, enquanto espírito verdadeiro, mas sim enquanto indivíduo particular, enquanto vontade do singular em seu arbítrio peculiar. A crítica hegeliana a Kant e ao entendimento mais comum sobre a ideia de Direito consiste em que essa visão vê apenas o direito enquanto 24 Liberdade como restrição da ação alheia. Eu limito o meu arbítrio para que ele possa coexistir com o arbítrio dos outros. Outra crítica dirige-se a esse posicionamento que parte do singular apenas. Sou eu, Indivíduo singular, que restrinjo minha Liberdade tal como o outro restringe a dele. Essa é inclusive a prerrogativa que sustenta a teoria contratualista que predomina na filosofia política moderna. Hegel debruça-se sobre esse problema sob outro ângulo. Para a vontade livre racional não há restrição da minha Liberdade, pois a vontade livre efetiva é uma vontade universal que põe o direito como algo que produz Liberdade a todos. O direito, então, não vem a ser resultado da ação de Indivíduos singulares, mas da totalidade. Embora a vontade singular esteja contida no direito, ela se situa no plano do espírito objetivo, e, portanto, é acima de tudo a produção de um povo, de uma comunidade. Um direito posto é o caminho lógico de uma comunidade civilizada. A vontade consegue, assim, enunciar na realidade imediata o que pensa de si, pois expressa agora, ao nível dos fatos, do desenvolvimento da cultura (civilização), que todos os indivíduos são iguais e que, graças a isso, atuam na sua vida cotidiana em função de tornar cada vez mais vivo o sistema que forma o direito. Em outras palavras, este sistema jurídico é, ao mesmo tempo, uma “posição” e uma pressuposição. O direito vem a ser uma “posição” à medida que resulta efetivamente de um desenvolvimento da civilização e, como “posição”, é uma pressuposição de toda mediação posterior, pois a mediação produz na imediação do real o que está essencialmente contido em toda pressuposição verdadeira. A “posição” resultante desse processo concretiza o seu movimento de autodeterminação. O direito tende a enriquecer-se à medida que o conceito totaliza seu movimento de figuração, no processo pelo qual ele se apresenta a si.20 O sistema jurídico é um sistema vivo, que se atualiza conforme o desenvolvimento da civilização que o produz. Quanto mais elevado o desenvolvimento do espírito de determinado povo, assim o será o seu sistema jurídico. Como se vê, o direito é analisado do ponto de vista do universal, pois é esse que o põe. 20 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 57. 25 O direito vem a ser ainda o ser-aí (Dasein) da vontade livre de um povo expressa na exterioridade das coisas. O direito fixa o ponto, determina racionalmente que algo deve ser realizado deste modo e não de outro. Há uma infinidade de possibilidades que podem ser fixadas como direito positivo, porém aquele povo decidiu, pela vontade livre, pôr estas leis e não aquelas. E essas decisões, que são históricas, refletem o desenvolvimento do povo. Por isso o direito é vivo e presencia-se na atualização constante. E o que movimenta essa atualização é a vontade livre infinita, que está sempre negando e realizando o que antes se figurava apenas como Ideia, a Liberdade. É por isso que Peperzak dá tamanha ênfase ao direito como ser-aí da Liberdade. The circle is closed: Right is “the Dasein of free will” (§ 29) or “actualized freedom” (§ 4). The idea of freedom (or the no longer abstract, but actualized concept of free will) is the concept of right. This concept must now, in its turn, actualize itself to become the idea of right (§ 1), and the unfolding of this new actualization is the task of the philosophical science of right (§§ 1 and 31). Because freedom is “the highest determination of spirit”, right is sacred – the most sacred of all objective realities.21 A ênfase tem objetivos claros, tanto por parte de Hegel como de seus comentadores. Hegel é o primeiro filósofo moderno a fundamentar e defender o sistema jurídico como essencialmente a realização da Liberdade, em oposição à tradicional visão do direito como restrição, como dever. A lei não é criada para possibilitar o convívio com o outro, mas para potencializar esse convívio. O direito traduz a realidade que se vive naquele povo. O direito expressa o grau de Liberdade conquistada. Quando analisar a Constituição, na última seção da Filosofia do Direito, Hegel apresentará um exemplo marcante que fundamenta também a discussão atual, que é a história de que Napoleão, depois de conquistar a Espanha, tentou empurrar uma Constituição melhor e mais justa aos espanhóis, porém esses a rejeitaram veementemente. Para Hegel tal fato é normal, pois a Espanha não havia conquistado um grau de Liberdade suficiente para compreender aquela Constituição que Napoleão oferecera. Nessa linha de pensamento comenta Maspétiol: 21 PEPERZAK, Adriaan. Modern Freedom: Hegels Legal, Moral and Political Philosophy,p. 217. 26 […] le droit est l’expression sublimée de la force collective transcendante. Le “droit” au sens large hégélien est l’ensemble du social objectivité au sein duquel une certaime negation de l’individu concret est la condition nécessaire de l’existence de la collectivité. Le Volksrecht corresponda u Volksgeist, lequel ne constitue pás une entité mystique ou métaphysique, mas traduit les relations de toute espèce, - naturelles, techniques, économiques, Morales et intellectuelles, - que expliquent à un moment donné l’état d’une nation et la ligne de son développement. Le “droit” est un Volksrecht tout à la fois par son origine, par as formation et par son objet; il est “présence de la liberté dans l’extérieur et, à ce titre, entre dans une pluralité de relations avec cet extérieur et avec lês autres personnes” (ENC. Pr. 496); il est l’incarnation de l’idée dans la figure concrète d’un peuple determine.22 O direito expressa todas essas relações mencionadas por Maspétiol, que se dão de modo diferente em cada civilização. Essa diferença também se dá pelo fato de o conceito de direito não ser igual ao modo de como esse se realiza na prática. Não basta o direito estar positivado, é preciso um movimento completo de autonomia dos Indivíduos e da coletividade que permita a esse direito se efetivar como algo realizado. Pode-se afirmar que o direito é a base que garante a Liberdade. Contudo, o direito não basta, é preciso analisar como a vontade livre perfaz-se e realiza esses direitos. E é nesse ponto que se adentra a discussão principal do presente trabalho: a relação entre Indivíduo e as Instituições na Filosofia do Direito de Hegel. Até aqui vimos o direito e a Liberdade como conceitos. De agora em diante é preciso observar se esses conceitos efetivam-se no mundo dado, se realizam o conteúdo que representam. Tal atividade, como já salientado anteriormente, é movida pela vontade livre. A exposição da vontade livre realizando a si mesma atende a seguinte divisão: direito abstrato, moralidade e eticidade, momentos que serão analisados no próximo capítulo. 22 MASPÉTIOL, Roland. Esprit Objectif et Sociologie Hégélienne. Paris: Jvrin, 1983. p. 60-61. CAPÍTULO 2 A FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL: DIREITO ABSTRATO, MORALIDADE E ETICIDADE 2.1 O DIREITO ABSTRATO As Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito de Hegel são concebidas numa estrutura dialética, sendo o primeiro momento o estágio do direito abstrato, em que nos situamos no plano das relações jurídicas. Por isso, o direito abstrato, aqui vale o direito formal e objetivo, é posto como lei ou como contrato. Assim, ele abrange tanto os atos civis como criminais. O direito abstrato é já o primeiro momento da realização da Liberdade, o que aqui ocorre de forma ainda imediata. Contudo, essa imediaticidade já integra o movimento da Liberdade, uma vez que o direito abstrato é uma realidade produzida por um movimento da Liberdade. Imediaticidade, em Hegel, significa que aquele momento ou figura que ainda não foi mediada pelo Indivíduo, superada e atualizada em novo momento. No direito abstrato o Indivíduo surge como vontade singular, como pessoa, que por sua vez está ligada à ideia da propriedade. “O ser-aí que esta dá à sua liberdade é a propriedade. O direito como tal é o direito formal, abstrato” 23. Trata-se de um direito que abstrai a particularidade (Besonderheit) do indivíduo – o interesse particular, os impulsos, desejos, pulsõespara, deste modo, surgir o indivíduo compreendido segundo a universalidade de pessoa em sua acepção jurídica (Person), isto é, pessoa com capacidade jurídica, com direitos e deveres. A pessoa, enquanto capacidade jurídica, é a figura formal do direito que pertence a um indivíduo. Surge desta noção a igualdade formal entre os indivíduos. A partir destas ponderações, implica reconhecer que o conteúdo primeiro da vontade está em consideração com o indivíduo 23 ENC, § 487, p. 282. 28 em sua relação jurídica com outros e que o indivíduo, em sua finitude, com o conceito de pessoa, se reconhece como infinito, universal e livre.24 O direito abstrato, ao conceder capacidade jurídica de direitos e deveres a todos os Indivíduos em uma igualdade formal é obrigado a abstrair de todos suas particularidades (interesses particulares, impulsos, desejos, pulsões), pois, neste mundo interno, cada Indivíduo é distinto do outro. É nesse sentido que a igualdade é formal, pois ela ignora as diferenças e vê a todos de uma mesma forma: todos, independentemente de suas diferenças, são capazes de direitos e deveres, e por isso são iguais perante a lei. Ora, isso já é movimento da Liberdade, pois assim o direito reconhece que todos, como pessoas, são racionalmente capazes de relacionaremse de modo adequado em suas relações jurídicas. Se o direito foi posto pelos Indivíduos, seja uma lei, seja um contrato, significa que essas pessoas pretendem cumprir o que estabeleceram, logo as manifestações interiores de cada um não deveriam ser relevadas. Ademais, a obediência à lei é também uma das primeiras manifestações de superação do plano natural, pois representa um primeiro domínio interior do Indivíduo. A consciência sabe que possui pulsões e interesses particulares, mas segue aquilo que é determinado juridicamente, pois sabe que a construção do direito positivo foi algo posto pela sua vontade livre. Encerrou-se o capítulo anterior tratando da vontade livre como fundamento do direito positivo. Portanto, espera-se que o Indivíduo cumpra aquilo que ele mesmo estabeleceu. É daí que decorre o imperativo formal do direito abstrato: “sê uma pessoa e respeita os outros como pessoas (sei eine Person und respektiere die anderen als Personen)”. É nesse viés que se realiza a satisfação das relações jurídicas entre as pessoas no direito abstrato. Contudo, a imperfeição existente no direito abstrato é justamente o fato de esse momento limitar-se a um formalismo legal. Isso pode ser melhor compreendido ao se acompanhar brevemente o percurso da dinâmica do 24 SOARES, Josemar Sidinei. Consciência de si e Reconhecimento na Fenomenologia do Espírito e suas implicações na Filosofia do Direito. 314f. 2009. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. p. 153. 29 direito abstrato em seus três momentos constitutivos: a possessão e a propriedade, na qual a pessoa relaciona-se consigo mesma; o contrato e a alienação da coisa, em que a pessoa relaciona-se com outra pessoa; o crime ou a in-justiça, que é a situação conflitual que deflagra a imperfeição. Possessão e propriedade não são sinônimos. A possessão está muito mais ligada à manifestação das pulsões e desejos do Indivíduo em se apropriar de algo. Tal desejo pode ser inclusive em nível biológico, como apropriarse de um alimento. Já a propriedade possui caráter racional diferenciado, pois representa a vontade livre do Indivíduo em realizar no mundo externo a sua Liberdade interna. Eu aproprio-me de algo e transformo em minha propriedade porque ali repousarei o meu ser-aí. Antes de o Indivíduo agir na coisa, essa é apenas natural, nem justa nem injusta. Ao agir, transformando este dado natural em um dado elaborado pelo homem, o indivíduo está colocando sua vontade singular na coisa, transformando-a em propriedade privada. Com isso a propriedade vem a ser existência concreta da pessoa. Contudo, a existência da propriedade implica também na relação necessária com o outro, pois, se eu tenho o direito de ter uma propriedade, ao mesmo tempo tenho o dever de respeitar o direito de o outro ter a propriedade. Aqui surge essa intersubjetividade no mundo jurídico, que consiste em uma pessoa possuir a propriedade privada, mas para ela de fato ser privada, é necessário que os outros a respeitem como privada. Só há propriedade privada quando o Indivíduo se abstém de subtrair a propriedade alheia. Dessa relação intersubjetiva nasce o contrato. Ora, se a propriedade é minha, eu posso abandoná-la ou mesmo cedê-la a outro. O contrato então consiste nessa relação jurídica entre duas pessoas que negociam determinada propriedade privada. Porém, o que deve ser observado aqui é que o contrato, embora realizado em conjunto, manifesta interesses particulares de ambas as partes. Cada pactuante aceita o contrato porque vê ali benefícios a ele, e não um interesse geral que seria de valor a todos. A crítica hegeliana aqui é direcionada aos filósofos contratualistas, sobretudo Rousseau. Um contrato sempre permanece com a 30 vontade particular de cada parte num processo intersubjetivo a vontades particulares de outros, porém disso aí não se erguer a uma vontade comum entre todos. Com isso a teoria contratualista está condenada sempre a ser uma teoria atomística, uma soma de Indivíduos que a partir disso comporiam a sociedade e o Estado como organismos. Esse entendimento é essencial, pois cumpre a passagem para a parte final do direito abstrato, que é a in-justiça. Observa-se como Méthais alude a essa comparação: Ce qui vicie tout la doctrine du Contrat social, c’est d’être en son fond un individualisme partrant d’une déduire mécaniquement une association ou l’Etat se ferait par convention. Dès lors, la théorie même de l’Etat, centre de toute philosophie politique, et la volontés générale qui définirait, selon Rousseau, le peuple en corps, ne parvient jamais à se poser comme substantielle, lês volontés particulières, quand elles arrivent à fusioner, aboutissant contradictoirement à s’autodétruire.25 A teoria do contrato social possui a mesma imperfeição que se presencia em qualquer contrato. Partindo de vontades singulares, que respeitam o pacto, mas que o estabelecem visando fins particulares, não há como se impedir a in-justiça ou a quebra do mesmo. Tanto a fraude a um contrato como o crime que fere uma lei ou direito positivo somente acontecem quando o Indivíduo passa a ver o direito apenas em sua aparência, e por isso põe a sua vontade na violação do direito. Esse ato violento é acima de tudo uma agressão à Liberdade do outro, e que por isso possui o direito de resistir. Contudo, o que está em jogo é que a simples existência do direito e do dever não impede a existência da injustiça. Ou seja, o direito pode somente regular os aspectos jurídicos e externos entre os Indivíduos, não possuindo, contudo, força para ingressar na vontade subjetiva da consciência.26 25 MÉTHAIS, Pierre. Contrate et volonté générale selon Hegel et Rousseau. In: D’HONDT, Jacques (org.). Hegel et le siècle des Lumières. Paris: Presses Universitaires de France, 1974. 26 O direito abstrato não prospera numa sociedade ética porque a coerção não é uma determinação ética, mas sim um instrumento que priva o desenvolvimento da vontade livre. “Quer dizer, se a coerção é o elemento essencial do Direito, a vida ética e a liberdade não podem ser pensadas a partir de um sistema da coerção recíproca universal”. MÜLLER, Marcos Lutz. O Direito Natural de Hegel. In: ROSENFIELD, Denis (coord.). Estado e Política: a filosofia política de Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 47. 31 Nada impede que uma parte rompa com o contrato, mesmo sendo isso considerado anti-jurídico.27 É a finitude do direito, que se vê impotente para controlar os aspectos morais de cada consciência. Como o direito abstrato regula apenas formalmente as relações jurídicas, abstraindo para isso as particularidades subjetivas, não possui condições de evitar o crime, pois esse nasce de uma decisão interna do Indivíduo em não considerar mais o direito como essencial para ele, a ponto de poder ser violado. Conclui-se o direito abstrato como a Instituição que regula as relações jurídicas na perspectiva da igualdade formal, ignorando as particularidades subjetivas de cada pessoa. No que tange a relação entre Indivíduo e Instituição, o direito abstrato medeia a realização da liberdade a partir do momento em que nasce da superação do plano natural. Por outro lado, o direito pode parecer reduzir a Liberdade do Indivíduo, pois exprime que ele deve respeitar os outros como proprietários e pactuantes do direito positivo. Ao fim, é essencial para a Liberdade pois é nesse respeito que se possibilitam as relações jurídicas, em especial as contratuais, que movimentam a sociedade civil. No direito abstrato o Indivíduo aprende a viver sob leis externas, e isso já é Liberdade dos impulsos naturais e particulares. A imperfeição do direito abstrato está em não poder adentrar a esfera interior e subjetiva da consciência, o que nos remete ao segundo momento da Filosofia do Direito: a Moralidade. 2.2 A MORALIDADE Como resultado, cumpre-se a passagem ao segundo estágio da dialética da Filosofia do Direito, “refletida sobre si mesma, de modo que tem seu 27 A coerção e o contrato, como Hegel expõe ao final da seção do direito abstrato, não impedem o surgimento do crime nem das injustiças em geral. Cf. FD, Direito Abstrato, § 104. 32 ser-aí no interior de si, e por isso está determinada ao mesmo tempo como [vontade] particular – [é] o direito da vontade subjetiva, a moralidade” 28 . A impotência e o vazio do direito abstrato remetem a vontade livre para dentro de si, para o interior da consciência de si. A moralidade é o momento onde Hegel discute os aspectos subjetivos e morais que permeiam a consciência, o Indivíduo é não somente pessoa, mas também sujeito, isto é, capaz de pensar por si.29 A representação da Liberdade é retirada da Coisa exterior e trazida para o mundo psíquico e intelectivo. A moralidade não é uma Instituição, tal como o direito abstrato e a família, a sociedade civil e o Estado, que serão analisados mais adiante. Contudo, ela é um elemento fundamental para a relação com as outras Instituições, pois é a interioridade do Indivíduo que fará dialética com os demais momentos constitutivos da Filosofia do Direito. É a moralidade que garante o direito de expressão da subjetividade e da singularidade de cada um, o que é essencial para se evitar a supremacia das Instituições sobre os Indivíduos. Hegel trabalha nessa seção discussões sobre a intenção e a relação dessa com a ação que está por vir a ser praticada.30 Aqui, cada sujeito tem o seu conceito de bem, o seu “fim último absoluto do mundo, e o dever para o sujeito, que deve ter o discernimento no bem, é fazer dele a [sua] intenção e produzi-lo por sua atividade”31. Isso é tão evidente na moralidade que toda ação do Indivíduo é realizada com a intenção de satisfazer a própria felicidade, e inclusive quando isso passa por beneficiar o universal, o faz somente como meio, e não fim último. A satisfação subjetiva do próprio indivíduo (incluindo o apreciar-se a si mesmo na honra e na glória) está também abrangida nos fins que são válidos em si e para si; a isso acrescentou o intelecto abstrato a vã afirmação de que só tais fins são dignos e os fins subjetivos e objetivos se excluem. Esta convicção torna-se um malefício quando chega ao ponto de considerar a satisfação subjetiva, só porque ela existe (o que sempre acontece em qualquer obra que se completa), com o fim essencial do agente e o fim objetivo como meio que apenas serviu para isso.32 28 ENC, § 487, p. 282. FD, Moralidade, § 131. 30 FD, Moralidade, § 132. 31 ENC, § 507, p. 292. 32 “Indem auch die subjektive Befriedigung des Individuums selbst (darunter die Anerkennung seiner in Ehre und Ruhm) in der Ausführung an und für sich geltender Zwecke enthalten ist, so ist beides: die Forderung, daß nur ein solcher als gewollt und erreicht erscheine, wie die Ansicht, als ob die 29 33 Ora, essa visão de pura preocupação com os próprios interesses também desabaria em situação semelhante ao direito abstrato com o crime e a in-justiça, por exemplo. Em busca dessa satisfação subjetiva, o Indivíduo cria o seu conceito de Bem, o qual se torna o seu fim último de vida, a ideia que norteia todas as suas ações. O Bem é a idéia, enquanto unidade do conceito da vontade e da vontade particular, - na qual o direito abstrato, assim como o bempróprio, a subjetividade do saber e a contingência do ser-aí exterior estão suprimidos enquanto subsistentes por si, contudo, ao mesmo tempo, aí contidos e conservados segundo a sua essência, - a liberdade realizada, o absoluto fim último do mundo.33 Interessante notar que na ideia de Bem está conservado inclusive o direito abstrato, pois o Bem está intimamente ligado ao conceito da vontade. Tudo que o Indivíduo age, ou seja, põe uma vontade sua, é porque aquela ação lhe representa um bem, ou lhe trará um bem. O problema é que esta ideia de Bem é limitada e escolhida por cada sujeito, que o faz tendo em vista suas convicções, opiniões, preferências, etc. Isso é tão subjetivo que aquilo que um sujeito entende por Bem pode ser o que outro entende por mal, desabando numa pluralidade de visões contrapostas. Hegel é enfático ao abordar o problema do completo subjetivismo: O direito da vontade subjetiva consiste em que aquilo que ela deve reconhecer como válido seja por ela discernido como bom, e que uma ação, entendida como o fim que entra na objetividade exterior, seja a ela imputada como lícita ou ilícita, boa ou má, legal ou ilegal, segundo o seu conhecimento do valor que a ação tem nessa objetividade.34 objektiven und die subjektiven Zwecke einander im Wollen ausschließen, eine leere Behauptung des abstrakten Verstandes”. FD, A intenção, § 124, HW 7, p. 232. 33 “Das Gute ist die Idee, als Einheit des Begriffs des Willens und des besonderen Willens, in welcher das abstrakte Recht, wie das Wohl und die Subjektivität des Wissens und die Zufälligkeit des äußerlichen Daseins, als für sich selbständig aufgehoben, damit aber ihrem Wesen nach darin enthalten und erhalten sind, - die realisierte Freiheit, der absolute Endzweck der Welt”. FD, O Bem e a certeza moral, § 129, HW 7, p. 243. 34 “Das Recht des subjektiven Willens ist, daß das, was er als gültig anerkennen soll, von ihm als gut eingesehen werde und daß ihm eine Handlung, als der in die äußerliche Objektivität tretende Zweck, nach seiner Kenntnis von ihrem Werte, den sie in dieser Objektivität hat, als rechtlich oder unrechtlich, gut oder böse, gesetzlich oder ungesetzlich zugerechnet werde”. FD, O Bem e a certeza moral, § 132, HW 7, p. 245. 34 Portanto, na moralidade cada Indivíduo consegue inclusive classificar aquilo que ele entende por lícito ou ilícito, bom ou mal, legal ou ilegal. Ora, esse completo relativismo denuncia a própria limitação da moralidade puramente subjetiva. Se o Bem, a ideia mais importante da moralidade, não consegue dissiparse do mal, pois ambos decorrem do mesmo princípio: a preferência do sujeito, como de fato poderia a moralidade erguer-se a uma verdadeira Liberdade? Do modo como é constituída ela inclusive é incapaz de evitar a existência do crime no direito abstrato, pois nada impede que o sujeito veja a lei como má, e a sua ação como boa. Contudo, o que se conserva de importante no estudo da moralidade para a presente pesquisa, que é estudar a relação entre Indivíduo e as Instituições na Filosofia do Direito de Hegel? Na moralidade todo sujeito age não tendo em vista a lei externa ou o contrato externo, como ocorria no direito abstrato, mas conforme uma certeza moral interior, ele age porque vê naquela ação um Bem. O limite da moralidade é esse contraste, e o momento em que a consciência transcende a sua vontade livre, posta no “meu” querer, e a coloca num dever-ser, encontra-se a eticidade.35 Ou seja, o Indivíduo precisa seguir agindo tendo em vista o Bem que está dentro dele como certeza moral, contudo, esse Bem precisa deixar de ser um Bem subjetivo, apenas limitado às suas preferências, para se tornar um Bem universal, um Bem vivo conforme a ideia de eticidade, tema do terceiro momento da Filosofia do Direito. Por fim, a Moralidade deixa um legado precioso: o direito de o Indivíduo agir conforme aquilo que ele entende como correto internamente. Sem esse dado relevante, como contestar as leis quando injustas? Como contestar o governante quando corrupto? A moralidade é a garantia da subjetividade de lutar contra uma possível objetividade que não realize a Liberdade de todos. E essa Liberdade realizada se dá na esfera da eticidade. 35 FD, Moralidade, § 142. 35 2.3 A ETICIDADE A eticidade é o terceiro momento da Filosofia do Direito, é a “vontade substancial enquanto efetividade, conforme ao seu conceito, no sujeito e totalidade da necessidade – [é] a eticidade, na família, na sociedade civil e no Estado” 36 . A eticidade, em breves palavras introdutórias, situa-se no momento em que a consciência de si transcendeu tanto a formalidade vazia do direito abstrato como a intencionalidade apenas subjetiva da moralidade, e por isso é considerada o reino da Liberdade realizada. Contudo, deve-se entender essas passagens não como negações aniquiladoras, em que o momento anterior simplesmente deixou de existir, mas como superação, isto é, um movimento racional e efetivo que trouxe para dentro de si aquelas determinações, mas agora atualizadas num plano mais elevado. Em outras palavras, a eticidade contém tanto o mundo jurídico do direito abstrato como a compreensão da existência de um mundo interior e subjetivo na moral de cada Indivíduo. E a conversão de todo esse universo para um mundo livre é justamente a sua atividade; a atividade da vontade livre, “é a plena realização do espírito objetivo, a verdade do espírito subjetivo e do espírito objetivo mesmos”. Qualquer discussão acerca do mundo ético hegeliano deve prescindir da leitura de seu conceito logo no § 142 da Filosofia do Direito: A Eticidade é a Idéia de Liberdade enquanto Bem Vivo, que tem o seu saber e o seu querer na consciência de si, e que se torna realidade efetiva mediante o agir da consciência de si. Esta ação tem o seu fundamento em si e para si e sua finalidade motora no ser ético. A Eticidade é onde a Idéia de Liberdade se torna presente no mundo e natureza da consciência de si.37 Nessas linhas está todo o movimento dialético da Filosofia do Direito. A Eticidade é a realização da Ideia de Liberdade justamente por ser um Bem 36 HEGEL, G. W. F. Grundlinien der Philosophie des Rechts oder Naturrecht und Staatswissenschaft im Grundrisse. Tradução livre. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1982 (Werke in zwanzig Bänden 7). § 142, p. 292. 37 HEGEL, G. W. F. Grundlinien der Philosophie des Rechts oder Naturrecht und Staatswissenschaft im Grundrisse, § 143, p. 293. 36 Vivo, não é o bem da moralidade, concebido apenas em si, e vinculado a aspectos subjetivos e psicológicos de cada Indivíduo, sujeitos às mais variadas deturpações provocadas pela consciência; é um Bem Vivo justamente porque nasce de um movimento dialético, existencial, presente no mundo. Para Hegel, o movimento de autodeterminação do conceito é chamado de infinitude, e a infinitude é o que constitui o movimento da Vida. A eticidade, portanto, nasce e se desenvolve pela reflexão racional e viva dos Indivíduos, não deste ou aquele, mas de todos eles. É um pensamento universal que se torna realidade com a ação prática no mundo dado, que transformado conforme a vontade livre da consciência de si, torna-se a verdadeira natureza dessa. O resultado da eticidade, a finalidade de sua construção é o ser ético. A eticidade não é o mundo jurídico, nem o mundo moral, mas o mundo ético, surgido da vontade racional e livre dos Indivíduos, do seu saber e do seu querer. O saber é a apreensão conceitual, é o entendimento do mundo interno e externo construído a partir das reflexões dialéticas; já o querer é a vontade posta no mundo a partir destes entendimentos. A combinação entre o saber efetivo e a vontade livre constitui essa construção viva que é o mundo ético. As Instituições e as leis que estão contidas no mundo ético, portanto, jamais podem ser entendidas como coerção estatal, limitação do livre-arbítrio, mas como vontades livres postas no mundo, se aquelas Instituições e aquelas leis existem, é porque foram postas pelos Indivíduos. “A substância que se sabe livre, em que o dever-ser absoluto é igualmente ser, tem efetividade como espírito de um povo” 38. O mundo ético tem a representação da sua objetividade, externamente, nas Instituições e nas leis, e “este conteúdo é para si necessário, e ergue-se acima das opiniões e preferências subjetivas: onde as leis e as instituições existentes são em si e para si”. Para a consciência em geral viver com essas regras é o momento de Liberdade, e segui-las constitui um dever ético, tendo em vista que esse dever não é posto por um outro, mas uma condição interna da consciência de si, porque a substância ética, isto é, a essência que permeia o mundo ético, que condiciona a existência efetiva das Instituições e leis não é um dado externo, mas sempre interno a cada Indivíduo, tendo em vista que ela só existe porque eles a criaram. A substância ética não é um dado imediato, a priori, mas construção livre dos Indivíduos, postos pelo seu querer e saber. 38 ENC, § 514, p. 295. 37 As determinações da vontade só adquirem autonomia pelo seu movimento de realização efetiva. O caráter imediato das leis e poderes éticos torna-se, então, a expressão do movimento ideal pelo qual a substância aparece a si na imediação do ser, compreendendose melhor a afirmação de que a autoridade ética é mais firme do que a autoridade da natureza. Com efeito, o homem deve conformar-se tanto às leis de uma com às de outra para poder recolher os seus frutos, mas a sua diferença reside em que a primeira é portadora de um processo de mediação política que faz com que seja o que ela é.39 Esse movimento consiste na superação do plano natural. Não há Liberdade em se viver dependente dos ciclos da Natureza, e também não há transformação do mundo nem a si mesmo. Superar esse plano exige a relação intersubjetiva com o outro, exige o aprimoramento de relações sociais, jurídicas, econômicas, etc. Na substancialidade ética o homem vive conforme uma segunda natureza, pois as leis e Instituições criadas por ele se tornam internas ao sujeito, como se integrasse sua própria natureza. O dever ético de viver nessas normas não é estrangeiro, como se coagisse o Indivíduo a viver desse modo, mas algo interno a eles, querido e sabido por eles. As leis e instituições tornaram-se determinações substanciais, sendo que a relação do indivíduo com estas determinações substanciais, a sua atitude, determina-se pelo dever ético (Pflicht). O indivíduo debe obedecer a essas leis e instituições, pois elas expressam o seu ser substancial. Logo, quando Hegel utiliza a noção de relação (Verhältnis) para caracterizar a atitude dos indivíduos em relação aos deveres, ela deve ser relacionada não com a noção do dever-ser (Sollen) mas com a noção de substância (Substanz).40 Com isso o indivíduo internaliza as leis e Instituições como seu ser ético, o qual para ele se torna um dever-ético obedecer. A noção de dever-ético em Hegel significa que não se trata de qualquer dever, mas somente daqueles examinados livremente e incorporados pelos Indivíduos. O Indivíduo se vê nas Instituições, é o seu reflexo, de modo que a partir do momento que aquelas não mais conferirem essa condição, ele pode ou inclusive deve dizer ‘não’ a elas. Aqui se situa o valor da moralidade para a dialética com as Instituições, por exemplo, a 39 40 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 147 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 148 38 capacidade de examinar se aquela estrutura externa condiz com a minha vontade livre. O envolvimento do Indivíduo com as leis e Instituições éticas implica em nova passagem, da pessoa do direito abstrato e do sujeito moral ao membro de uma comunidade. O dado central aqui é que para construir leis e Instituições comuns a serem obedecidas como dever-ético, é necessário que haja um processo de reconhecimento entre os Indivíduos. [...] a consciência eleva-se a uma nova apreensão de si graças à relação mediada que estabelece com outrem. Além do mais, a sua verdadeira existência efetua-se somente por meio desse movimento de reconhecimento. Uma nova relação entre o indivíduo e a comunidade está “posta”, de tal modo que a negatividade inscrita nas relações entre os indivíduos, ou entre estes e os costumes vigentes, ou ainda entre as leis e os costumes, consiste em uma relação de reconhecimento que eleva o indivíduo à consciência de si como membro de uma comunidade. Logo, a liberdade é o processo de efetuação das suas próprias determinações, inclusive daquelas que implicam a dissolução dos indivíduos na vida comunitária ou, de modo inverso, a resolução dos conflitos comunitários da vida ética dos indivíduos. O indivíduo adquire uma nova posição – expressão de si e de outrem – em um movimento de reconhecimento recíproco que medeia a substancialidade ética.41 Logo, o essencial é que o Indivíduo se reconheça nos outros, nos costumes, nas leis e nas Instituições. É ests processo de reconhecimento que torna possível todos obedecerem às leis e Instituições sem violarem a própria interioridade. É por isso que se costuma dizer que a obediência às instituições em Hegel não é estrangeira como aquela em Hobbes, por exemplo. A ideia dos costumes também implica em fator temporal, pois os costumes modificam-se conforme a vontade livre dos Indivíduos e comunidades, a tal ponto que em duas épocas se veem costumes completamente distintos ou mesmo em duas comunidades na mesma época. Com isso, Hegel sinaliza que não defende este tipo de lei ou aquele sistema jurídico, todos são válidos desde que nasçam da vontade livre dos Indivíduos de uma comunidade emanada nos costumes. 41 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 150. 39 Por fim, é importante frisar que a passagem do Indivíduo em membro de uma comunidade não se trata, para Hegel, de supressão da Liberdade individual, mas apenas do livre-arbítrio. O individual supera a simples tendência de seguir apenas as pulsões naturais para viver dentro de leis e Instituições éticas. Trata-se de domínio de si mesmo. É o próprio indivíduo que se reconhece como membro de uma comunidade e atualiza-se para essa condição, e não uma aceitação da perda da Liberdade, como defendia Rousseau, por exemplo. Nessa lógica manifesta-se o reino da eticidade, agora é importante analisar suas três mais importantes Instituições. A substância ética, como ponto central da dialética da eticidade, constitui-se de três momentos: a família, a sociedade civil, e o Estado. CAPÍTULO 3 AS INSTITUIÇÕES NA ETICIDADE: FAMÍLIA, SOCIEDADE CIVIL E ESTADO 3.1 A FAMÍLIA Assim como Aristóteles o faz em sua Política, Hegel concebe a família como a primeira manifestação do Estado, é o primeiro corpo, natural e imediato. Tanto o Estado hegeliano como a polis aristotélica partem desse pressuposto. Na família está presente a universalidade natural, o ser-aí substancial, mas elevado a uma determinação espiritual. Constitui-se, ainda, numa relação ética, porque duas singularidades se unem numa só pessoa por meio do amor, que forma o matrimônio. O matrimônio possui importante função de cultivo da substancialidade ética em Hegel, pois é o primeiro momento em que duas consciências liberam-se de suas personalidades naturais e singulares para uniremse em totalidade numa só pessoa. De fato é necessário um processo de reconhecimento recíproco entre ambos. Por isso se diz que a família é a base natural da eticidade em Hegel, pois é esse reconhecimento no Outro que será primordial para o espírito ético também na sociedade civil e no Estado. Por isso Hegel concebe o matrimônio não como mera formalidade, mas como dever ético, que sustenta a eticidade imediata. Está posta a universalidade de singularidades, e essa universalidade passa a ser vista também como singularidade pelas demais unidades familiares. “A propriedade da família como uma só pessoa [...] recebem um interesse 41 ético, por meio da comunidade, em relação à qual estão igualmente os diversos indivíduos que constituem a família”42. A unidade familiar se relaciona com as outras unidades familiares por meio do patrimônio, que é a riqueza familiar que permite o consumo de bens pelos integrantes familiares bem como o relacionamento com outras famílias. A família não é, então, uma soma de individualidades mas uma relação orgânica em que cada cumpre uma função determinada, sendo a mais importante a que provém do papel do chefe da família, cujo trabalho de providência econômica, de aquisição de bens, de representação exterior da unidade familiar, em suma, de individualização do ser ético visa ao bem-estar e à organização interna desta pessoa substancial. [...] Cada membro tem o direito de dispor de uma parte dos bens comunitários sob a condição de que não se trate de uma apropriação individual, pois o patrimônio familiar é o bem de todos.43 O pai é o chefe da família porque ele é quem vai ao mundo externo e conquista a riqueza que será usufruída por todo o organismo familiar. Contudo, o pai não é o chefe autoritário, de tal forma que os demais membros também participam ativamente da riqueza familiar. O papel do pai como chefe de família é apenas um papel quase meritocrático, já que ele é quem adquire a maior parte da riqueza. Também não se pode deixar de ignorar que a família analisada por Hegel é a família da Idade Moderna, na qual o pai era voltado ao mundo externo, ao trabalho na sociedade civil, enquanto a esposa dedicava-se, sobretudo, ao lar. Nota-se que Hegel busca formular na família uma verdadeira base natural para a sua ideia de eticidade. A família como totalidade orgânica, na qual cada membro cumpre sua função e assim usufrui do todo, é a visão organicista que Hegel pretende empreender em sua ideia de Estado. Logo, o que aparece junto desse movimento da Instituição da família é que ela é acima de tudo preparação para as demais Instituições. 42 43 ENC, § 520, p. 297. ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 159 42 Isto se torna mais claro quando analisado o terceiro momento da família, que é também o da sua dissolução: aquilo que Hegel chama de segundo nascimento dos filhos, “na educação que faz deles pessoas autônomas” 44. O grande sentido existencial da família, então, é a formação ética dos filhos, isto é, prepará-los para serem autônomos na vida pública. E esse dever ético é também ao mesmo tempo o momento da dissolução familiar, quando o jovem retira-se do antigo convívio e decide adentrar a sociedade civil. Com esse movimento, os singulares vem a ser para si, passam a viver conforme suas vontades próprias, e não ancorados na estrutura familiar. Esse movimento de dissolução, contudo, posteriormente virá a ser também responsável pela perpetuação da Instituição familiar, pois os mesmos singulares que agora se encontram autônomos no seio da sociedade civil se unirão a outrem, formando novas famílias. Logo se vê que Hegel entende a família como um momento educacional, de formação humana, um estágio onde se requer o preparo ético dos filhos tendo como finalidade a vida civil. Não é um formar para dentro, mas para fora da Instituição familiar. Na estrutura ética do Estado, Hegel não concebe a família como fim, mas como meio necessário a consecução desses fins. Na Fenomenologia do Espírito, Hegel já analisara a família grega, explicando que sua ideia geral era justamente a preparação de singulares para a Cidade. A família contribuía com a Cidade preparando tanto os Indivíduos que a sustentarão na vida pública, como aqueles que defenderão sua manutenção em tempos de guerra. É esse espírito basilar que Hegel aspira trazer para a família moderna, não um sentido finalista, central na sociedade, mas uma parte importante de sua constituição. Na família formam-se muitos dos Indivíduos que representarão a vida pública no Estado, até porque a família é justamente o primeiro momento, imediato e natural, do Estado. Esse movimento de dissolução é realizado pelos filhos, pois esses, diferentemente dos pais, não escolheram integrar aquela família, eles simplesmente nasceram nela, de modo que a ação de retirar-se da Instituição familiar é acima de tudo movimento de realização da Liberdade. Diferentemente dos pais, a criança não se encontra na família por uma vontade livre, ou ética, por um reconhecimento. O desejo de 44 ENC, § 521, P. 298. 43 negar esta instituição, de ver-se compelido a formar sua própria família, é acima de tudo uma atividade reflexiva, negadora. Num primeiro momento parecer-se-ia que a ação negadora de suprassumir a família supera a substância ética da comunidade. No entanto, o que se verá depois é que tal ação representa o nascimento de uma nova relação ética, por um duplo motivo: primeiro, porque a negação da família objetiva a criação de uma nova família, o jovem abandona seu antigo lar para erguer sua própria morada, através do reconhecimento de outro indivíduo, donde, não será um simples ser educado e mantido materialmente pelos pais, mas sim o verdadeiro chefe de família, o responsável direto pelos interesses comunitários.45 O filho deseja construir suas próprias relações éticas, mas para isso antes deve buscar sua própria autonomia. É notável o fato de Hegel ver na ação negadora da família um movimento essencial para a realização da ideia de Liberdade. O movimento do filho é manifestação lógica da dialética hegeliana. O Indivíduo nasce numa Instituição que não escolheu. O ato de negação é o desejo vivo de mediatizar o que antes era tão-somente uma imediaticidade natural. O filho precisa efetivar a própria história, do contrário não pode se tornar partícipe do todo no Estado, não pode contribuir no seio da substancialidade ética. O filho, então, precisa sair do ambiente familiar e aventurar-se sozinho na sociedade civil. O resultado da dissolução familiar é o ingresso do Indivíduo na sociedade civil46. É a passagem da vida universal para vida singular, na sociedade civil o Indivíduo não é membro da comunidade familiar, mas um particular em relações especialmente jurídicas e econômicas com os demais. 45 SOARES, Josemar Sidinei. Consciência de si e Reconhecimento na Fenomenologia do Espírito e suas implicações na Filosofia do Direito, p. 209 46 Em Estado, Governo, Sociedade, Bobbio delineia várias acepções acerca de sociedade civil, relacionando o uso primordial do termo às famosas conotações trazidas por Hegel e Marx. Cf. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. 12. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2005. 44 3.2 A SOCIEDADE CIVIL A sociedade civil é o momento do Espírito Objetivo em que a singularidade cria a sua Liberdade dentro da universalidade efetiva do Estado. A ideia de sociedade civil, ademais, é produto histórico, vindo a nascer somente com o mundo moderno, com aqueles agentes econômicos e livres que passaram a prosperar nos burgos. A expressão original empregada por Hegel, bürgerliche Gesellschaft, pode ser traduzida tanto como sociedade civil como sociedade civilburguesa. Hegel afirma que no somente moderno a Liberdade econômica alcança sua plena existência, isto é, o direito do Indivíduo poder prosperar por si só, sem a necessidade de objetivar, antes e sobre qualquer outra intenção, um bem comum. Na sociedade civil, cada particularidade alarga-se ao extremo, atualizando o sistema ético num modelo atomístico, no qual cada Indivíduo vive somente para si, guiado por interesses egoísticos buscando apenas o próprio lucro. É o momento que se busca, inclusive, negar a substancialidade ética. Dessa maneira, a substância vem a ser apenas uma conexão universal, mediatizante, de extremos autônomos e de seus interesses particulares; a totalidade, desenvolvida em si mesma, dessa conexão é o Estado enquanto sociedade civil, ou enquanto Estado exterior.47 Essa relação somente de conexão entre os Indivíduos é entendida por Hegel como sistema das necessidades (Bedürfnisse). Na sociedade civil o Indivíduo anseia realizar todas as suas necessidades, que variam desde os instintos biológicos até o usufruir de prazeres estéticos. Porém, para alcançar essas necessidades, deverá, necessariamente, relacionar-se com outros Indivíduos. O resultado disSo é que, por mais que o princípio da sociedade civil seja a particularidade, todos dependem-se reciprocamente. Para obter determinado produto ou serviço, depende do comércio ou produção do outro, e assim por diante, logo todos os cidadãos estão relacionados entre si na riqueza geral da nação. No mundo industrial, onde cada vez mais proeminente é a divisão do trabalho, mesmo os interesses egoístas somente podem ser satisfeitos através 47 ENC, § 523, p. 298. 45 do trabalho do outro. “A possibilidade da satisfação delas põe-se aqui na conexão social que é a riqueza universal, da qual todos obtêm sua satisfação” 48 . Resulta disso que, por mais que na sociedade civil as singularidades existam para prioritariamente satisfazer suas necessidades, a universalidade está presente, como o sistema que regula todas as relações econômicas entre os particulares. Com isSo surge uma relação intersubjetiva que liga a todos os Indivíduos envolvidos na sociedade civil, a interdependência econômica. Esse processo é também a superação do plano natural de relações. O animal nasce em um círculo restrito de possibilidades, já o homem, ao relacionar-se com outro, amplia suas possibilidades de satisfação das necessidades. Surge, assim, que a atividade econômica forma o homem, pois por forçá-lo a se relacionar com os outros, potencializa as possibilidades de satisfação pessoal. Por isso a atividade econômica forma o homem no sentido de que a relação com os demais propicia o desenvolvimento tanto coletivo como singular. Fator essencial para esta formação pela atividade econômica é o trabalho. O trabalho já foi analisado por Hegel na Fenomenologia do Espírito como o momento em que a consciência serva alcança a liberdade ao trabalhar e transformar o mundo. Naquela obra se trabalha a essência de toda a atividade laboral, é atemporal. Já na Filosofia do Direito o trabalho que se analisa é acima de tudo atividade profissional, econômica, que se manifesta na sociedade civil. O trabalho da Fenomenologia, porém, está mantido e presente no trabalho da Filosofia do Direito. Observa-se o processo formado do trabalho dentro do sistema das necessidades: Em contato com a multiplicidade das determinações e dos objetos que despertam interesse desenvolve-se a formação teórica, não só uma multiplicidade de representações e conhecimentos, mas, também, uma mobilidade e uma rapidez do representar e do passar de uma representação a outra, o captar relações intrincadas e universais etc., - a formação do entendimento em geral, por conseguinte, também, a da linguagem. – A formação prática pelo trabalho consiste na carência que se gera a si mesma e no hábito da ocupação em geral, depois, na restrição do seu fazer, em parte segundo a natureza do material, em parte, sobretudo, segundo o 48 ENC, § 524, p. 298-9. 46 arbítrio dos outros, e num hábito, que se adquire por essa disciplina, de atividade objetiva e de habilidades universalmente válidas.49 Logo, pelo trabalho, o Indivíduo forma-se tanto teoricamente quanto na prática. Forma-se teoricamente na aquisição de conhecimentos e habilidades provindas da própria ocupação, e na prática ao fazer o produto em si. Rosenfield analisa a formação interna que se faz no indivíduo pelo trabalho: O homem, representando-se subjetivamente as relações de trabalho criadas, desenolve novas capacidades de assimilação das técnicas produzidas, tornando-se simultaneamente consciente de que estas relações de trabalho são móveis, novas e determinadas. [...] O ato individual de produção de um objeto torna-se o momento através do qual a natureza interioriza-se no processo de trabalho e o homem se faz objetivo e real, na transformação prática do mundo.50 Outro fator importantíssimo levantado por Hegel é que no sistema das necessidades a tendência é que os Indivíduos queiram cada vez mais satisfazer novas necessidades, que iriam desde o consumismo através de instintos biológicos até o fenômeno do luxo. Essa variabilidade de produtos exige que o mundo do trabalho priorize a especialização, de modo que um Indivíduo torna-se bastante apto naquela única atividade que realiza. Tal movimento intensifica ainda mais a interdependência econômica entre todos na sociedade civil. Desse desenvolvimento surge uma crítica surpreendente de Hegel. O filósofo já alertara que esta excessiva especialização no trabalho acabaria por reduzir o mesmo à mera atividade mecânica, na qual o homem se tornaria apenas uma peça, facilmente substituível. Com isso o trabalho deixa de ser ato criativo e de transformação do mundo para se tornar algo apenas mecânico. 49 “An der Mannigfaltigkeit der interessierenden Bestimmungen und Gegenstände entwicklelt sich die theorestiche Bildung, nicht nur eine Mannigfaltigkeit von Vorstellungen und Kenntnissen, sondern auch eine Beweglichkeit und Schnelligkeit des Vorstelens und des Übergehens von einer Vorstellung zur anderen, das Fassen verwickelter und allgemeiner Beziehungen usf. – die Bildung des Verstandes überhaupt, damit auch der Sprache. – Die praktische Bildung durch die Arbeit besteht in dem sich erzeugenden Bedürfnis und der Gewonheit der Beschäftigung überhaupt, dann der Beschränkung seines Tuns teils nach der Natur des Materials, teils aber vornehmlich nach der Willkür anderer, und einer durch diese Zucht sich erwerbenden Gewohnheit objektiver Tätigkeit und allgemeingültiger Geschicklichkeiten”. FD, O trabalho, § 197, HW 7, p. 352. 50 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 179. 47 Além da interdependência econômica no mundo profissional, os Indivíduos também estão ligados na riqueza universal, pertencente à nação, na qual todos contribuem em alguma parte com os seus trabalhos, e neste ponto os particulares estão intersubjetivamente unidos. Nessa dependência e reciprocidade do trabalho e da satisfação das necessidades, o egoísmo subjetivo se transforma em contribuição para a satisfação das necessidades de todos os outros. O egoísmo se transforma, isto é, na mediação do particular operada pelo universal enquanto movimento dialético: nesse sentido, ganhando, produzindo e gozando por si, exatamente por isso qualquer um produz e ganha para o gozo dos outros.51 Ou seja, ao desejar satisfazer apenas o próprio egoísmo subjetivo o Indivíduo contribui com os outros em suas satisfações. É de certa forma notável que o egoísmo possa ser mediação do particular operada pelo universal enquanto movimento dialético. A sociedade civil realiza o universal alargando ao máximo a particularidade. A contribuição de todos entre si constrói aquilo que se entende por riqueza universal. Não obstante isso, o trabalho e os interesses buscados são realizados visando-se os próprios interesses. Como consequência dessa situação ocorre a dialética da moderna sociedade industrial, na chamada oposição de classes. A sociedade civil, em seu escopo de acúmulo de lucro, se vê ineficaz para impedir o aumento das desigualdades sociais, logo, enquanto alguns enriquecerão graças ao trabalho executado, outros serão invariavelmente reduzidos à pobreza. Sendo assim, os interesses públicos somente podem ser controlados eficazmente por uma instituição que se guie por interesses públicos, eis a figura do Estado. Tal movimento é analisado por Hegel como algo natural, uma vez que os Indivíduos possuem habilidades diferenciadas em suas atividades econômicas. Assim, não há como todos obterem a mesma quantidade de riqueza. A sociedade civil, apesar de realizar o universal, segue sendo competitividade e egoísmo na busca pela satisfação das próprias necessidades, de modo que não se 51 “In dieser Abhãngigkeit und Gegenseitigkeit der Arbeit und der Befriedigung der Bedürfnisse schlägt die subjektive Selbstsucht in den Beitrag zur Befriedigung der bedürfnisse aller anderen um, - in die Vermittlung des Besonderen durch das Allgemeine als dialektische Bewegung, so daβ, indem jeder für sich erwirbt, produziert und genießt, er eben damir für den Genuß der übrigen produziert und erwirbt”. FD, A riqueza, § 199, HW 7, p. 353. 48 pode esperar que todos cresçam na mesma proporção. A sociedade civil oportuniza certa Liberdade de espaço para o crescimento econômico, mas a partir daí é priorizada a evolução de cada Indivíduo. De qualquer forma as desigualdades sociais não podem ser incentivadas ou ignoradas pelo universal. Se excessivas, a própria totalidade ética é posta em perigo, pois aqueles considerados mais pobres em algum momento se revoltarão contra os demais. Controlar os interesses universais é função da última instituição da eticidade: o Estado. 3.3 O ESTADO Os parágrafos 257 e 258 da Filosofia do Direito concentram já as linhas gerais de toda a discussão posterior. No § 257 articula-se o Estado como vontade substancial, manifesta, “que se pensa e se sabe e realiza plenamente o que ele sabe e na medida em que o sabe”52, e por isso é a realidade efetiva da Ideia ética. Ora, a repetição de palavras é enfática, o Estado é a instituição que sabe a si mesma, e na medida em que o sabe, porque o Estado, antes de ser Instituição, é consciência de si, é Indivíduo. Hegel lança ao Estado o olhar não para um órgão afastado e singular, mas para um organismo formado por indivíduos, que o efetivaram conforme suas vontades. Se o Estado se sabe na medida em que o sabe, isto se deve a contingências históricas, pois cada povo realizará o Estado de acordo com suas disposições espirituais. Se para Platão o Estado deveria ser o reflexo da alma, em Hegel ele é, efetivamente, o reflexo da formação espiritual de cada povo. Não há contraposição entre indivíduo e Estado, se esta instituição não se mobiliza, ou age por injustiça, significa que o problema central não está nele, mas nas consciências que o criou, porque o Estado é produto efetivo da vontade livre daqueles indivíduos. “Quando os indivíduos comportam-se em relação ao Estado como se ele fosse uma substância inerte e fixa, abre-se um período de degradação 52 FD, § 257, p. 25. 49 da livre organização social” 53 . Não basta culpar o Estado, é preciso responsabilizar- se como protagonista nesse cenário, se as atividades públicas e universais não são executadas coerentemente, é não somente direito, mas dever do cidadão perfazer o movimento lógico que articulou o Estado, remodelando-o ao reflexo de sua vontade livre. “O exercício do direito, a atividade do pensamento e o pensar do cidadão perfazem e desenvolvem o conceito do Estado. [...] Dizer não ao ser-aí histórico do Estado significa que os indivíduos agem de acordo com o seu conceito” 54. Depois, o § 260 apresenta o Estado como a mais elevada das instituições da Filosofia do Direito de Hegel: O Estado é a realização efetiva da liberdade concreta; mas a liberdade concreta consiste em que a singularidade pessoal e os seus interesses particulares tanto tenham o seu desenvolvimento completo e o reconhecimento do seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), quanto, em parte passem por si mesmos ao interesse do universal, em parte reconheçam-no, com saber e vontade, como o seu espírito substancial, e sejam ativos a favor do universal como seu fim-último, e isso de tal maneira que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam apenas para estes como pessoas privadas, sem querê-los, simultaneamente, no universal e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz consciente desse fim.55 Nota-se que o Estado hegeliano de forma alguma pode ser entendido como opressor ao indivíduo, pois o filósofo afirma claramente nesse parágrafo que a realização do universal não é suficiente se antes os indivíduos não satisfazerem suas vontades próprias na família e na sociedade civil. Ademais, é essencial que os indivíduos se reconheçam no Estado como espírito substancial e sejam ativos a favor do universal como seu fim53 ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 222. ROSENFIELD, Denis. Política e Liberdade em Hegel, p. 222-223. 55 “Der Staat ist die Wirklichkeit der konkreten Freiheit; die konkrete Freiheit aber besteht darin, daß die persönliche Einzelheit und deren besondere Interessen sowohl ihre vollständige Entwicklung und die Anerkennung ihres Rechts für sich (im Systeme der Familie und der bürgerlichen Gesellschaft) haben, als sie durch sich selbst in das Interesse des Allgemeinen teils übergehen, teils mit Wissen und Willen dasselbe [,] und zwar als ihren eigenen substantiellen Geist anerkennen und für dasselbe als ihren Endzweck tätig sind, so daß weder das Allgemeine ohne das besondere Interesse, Wissen und Wollen gelte und vollbracht werde, noch [[daß]] die Individuen bloß für das letztere als Privatpersonen leben, und nicht zugleich in und für das Allgemeine wollen und eine dieses Zwecks bewußte Wirksamkeit haben”. FD, O Estado, § 260, HW 7, p. 406-7. 54 50 último. Com isso Hegel afirma que são os indivíduos que devem cultivar a consciência de realizar como finalidade última o universal. Diante destas considerações, compreende-se como o Estado hegeliano é o desenvolvimento do Estado moderno. O Estado antigo, sobretudo aquele tão discutido e refletido nas obras políticas e éticas de Platão e Aristóteles, era um Estado que possuía o universal e o bem comum como finalidades últimas indiscutíveis, a tal ponto que o indivíduo já nascia e se via como cidadão da polis, e ali residia sua felicidade. Por outro lado, o Estado moderno viu nascer o sujeito burguês, o capitalismo, e inclusive antes o conceito de pessoa e sua realidade ligada à propriedade privada no direito romano e a fé cristã, que relativiza o Estado terreno tendo em vista a Cidade de Deus, como defendia Santo Agostinho, por exemplo. Todos estes novos fenômenos abrem portas a uma dimensão interior e subjetiva do indivíduo, que já não se satisfaz em viver apenas para o universal. Cada sujeito deseja realizar a si próprio também. Assim, o Estado hegeliano é a instituição que pretende, sem excluir esta nova realidade, sem oprimir o direito do indivíduo realizar-se em sua subjetividade, que ele também busque a realização do universal. O Estado, como se vê, é o fim absoluto da filosofia política hegeliana, mas não o Estado somente como instituição, mas como Ideia realizada, livre manifestação do conceito, e isto exige a fundamental participação consciente de si dos indivíduos. O Estado, como realidade efetiva da vontade substancial, realidade efetiva que ele tem na autoconsciência particular erguida à universalidade do Estado, é o racional em si e por si. Esta unidade substancial é auto-fim absoluto, “imoto”, no qual a liberdade chega ao seu supremo direito, assim como este fim-último tem o direito supremo em face dos singulares, cujo dever supremo é o de ser membro do Estado.56 O Estado hegeliano não é um Leviatã, não é um ser externo e oposto ao indivíduo, e por isso os singulares possuem o dever supremo de serem membros do Estado. Ser membro do Estado não significa simplesmente participar 56 FD, § 258, p. 25-26. 51 dele, mas viver efetivamente a sua realidade, inclusive modificá-la quando pensar necessário. Hegel opõe-se aos contratualistas, não há um contrato social entre indivíduo e Estado, estabelecendo o surgimento deste; enquanto existir sociedade, existe o Estado. O surgimento do Estado hegeliano deve ser entendido não como movimento histórico, mas lógico, isto é, uma sucessão de momentos e figuras que resultam na efetivação de um Estado que seja, de fato, o reflexo espiritual da vontade livre dos Indivíduos conscientes de si, e que por isso ele pode ser representado como momento absoluto da realização da Liberdade substancial. Hegel apresenta o Estado que se sabe como Estado, ou seja, um movimento consciente de si, uma determinação racional. As leis, que também poderiam vir a ser objeto de coerção estatal para com os indivíduos, em Hegel exprimem as “determinações-de-conteúdo da liberdade objetiva” 57 , porque são obras universais, iniciadas pelos particulares, porque as leis são a “substância de seu querer, que aí é livre, e de sua disposição; e assim são expostas como costumes [ethos] vigentes” 58 . Ou seja, as leis não são manifestações singulares de um ou outro Indivíduo que por contingência se encontra no poder público, mas a positivação dos costumes em códigos. Ademais, deve-se advertir que se Hegel é contrário à ideia de uma imposição superior legislativa, tampouco corrobora com o chamado direito consuetudinário59, pois os costumes, se não devidamente positivados, e abertos publicamente ao interesse de todos os particulares, podem transformar as leis em um conjunto de determinações obscuras, facilmente manipuláveis por alguns indivíduos. A publicidade das leis, nesse sentido, é uma garantia fundamental da liberdade particular. Por fim, 60 Constituição como potência 57 exprime-se a necessidade da efetivação da 61 do Estado . Pela Constituição os Indivíduos ENC, § 538, p. 307. ENC, § 538, p. 307. 59 Piazza, em seu artigo acerca do confronto entre Hegel e a tradição historicista, delineia as críticas hegelianas ao direito consuetudinário. Cf. PIAZZA, Di Stefano. Note minime intorno ad un possibile confronto tra sistema hegeliano della filosofia del diritto e scuola storica del diritto. Revista Filosofia do Direito e Intersubjetividade, Itajaí, n. 2, 2009. Disponível em: http://www.univali.br/direitofilosofia. 60 Potência em acepção ontológica, como algo que vem a ser efetivo, realizado substancialmente, transcendendo da idéia para a realidade concreta. É, sobretudo, o princípio de mudança, conforme Aristóteles: “Em primeiro lugar é o princípio de movimento ou de uma mudança que se encontra em outra coisa ou na própria coisa enquanto outra”. A dialética hegeliana, sustenta-se, fundamentalmente, nesta idéia de vir-a-ser. ARISTÓTELES. Metafísica: ensaio introdutório, texto 58 52 fundamentam sua igualdade, em sentido jurídico, e mantém guarnecida a Liberdade, por isso em Hegel ela é justiça existente, já que guarda as determinações racionais do movimento que constitui a liberdade. A Constituição, para Hegel, não é simplesmente a legislação máxima de um Estado, mas a representação do desenvolvimento do espírito de um povo. É pela Constituição que se pode analisar a que medida aquele povo ousou articular suas determinações racionais e construir um movimento livre no conceito. Não sem razão Hegel encerra sua Filosofia do Direito trabalhando uma seção sobre a história universal, na qual apresenta momentos distintos do desvelar do espírito objetivo, e até que ponto aqueles povos realizaram a manifestação da Ideia de Liberdade.62 Por fim, cabe assinalar que, como contraponto à sociedade civil, o Estado financia uma certa parcela de Indivíduos a viverem exclusivamente para a universalidade da nação e do Estado como funcionários estatais. Para muitos seria a fundamentação hegeliana para o servidor público e a burocracia moderna. Se todos os Indivíduos vivem buscando satisfazer suas necessidades subjetivas, é necessário que pelo menos uma parte deles dedique-se ao universal em si mesmo. A síntese que se faz do Estado hegeliano é que ele realiza a harmonia ética na Filosofia do Direito de Hegel, convergindo em um mesmo movimento os interesses particulares e subjetivos dos Indivíduos aos interesses universais e objetivos do Estado e do mundo ético. A universalidade segue sendo privilegiada, pois ela contém a singularidade, mas não exclui a particularidade de cada membro do Estado e da comunidade. Por fim, encerra-se este trabalho com algumas considerações relacionando a filosofia política hegeliana à contemporaneidade e alguns de seus principais doutrinadores. grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. p. 225. 61 ENC. § 539, p. 307. 62 Última seção da Filosofia do Direito, onde Hegel, após trabalhar o direito político interno e externo do Estado, apresenta o mundo oriental, o mundo grego, o mundo romano, e o mundo germânico, analisando até que ponto cada povo elevou seu conceito de liberdade. 53 3.4 HEGEL E A CONTEMPORANEIDADE Analisar o mundo contemporâneo, onde se vê o fenômeno da crise das democracias, das ciências, das ideologias, a relativização de tantos hábitos e condutas institucionalizadas há séculos, certamente exige um exame árduo e multidisciplinar, o que não caberia neste trabalho. O que se pretende aqui é tão somente tecer algumas breves considerações acerca das contribuições de Hegel para o entendimento da sociedade contemporânea, seja no que seu pensamento influenciou, ou em partes no que oferece para a efetivação de mudanças do cenário atual. Miguel Reale, ao doutrinar sobre a teoria geral do direito e do Estado, analisou de forma rápida a estrutura geral da concepção hegeliana de Estado, auferindo que por mais que na Filosofia do Direito atribua-se o valor à pessoa humana, utilizando-se da máxima do direito abstrato, “sê uma pessoa e respeite aos outros como pessoas”, e da apresentação do Estado como ‘realização da liberdade’, ainda assim Hegel não teria escapado de em estatalismo éticojurídico63. Ora, a atribuição ao valor máximo da pessoa humana em Hegel não se reduz à máxima mencionada, antes deve ser compreendida na totalidade de seu pensamento. Se pensarmos que a Fenomenologia do Espírito possui como finalidade a formação da consciência desde seu estágio mais primitivo até o Saber Absoluto, e que mesmo sua filosofia-política baseia-se nas determinações racionais do conceito, e da vontade livre que realiza sua Ideia de Liberdade, jamais se poderia afirmar que em Hegel o Estado recebe primado por sobre o Indivíduo, já que, é exatamente a consciência de si, representada como pessoa, sujeito e membro da comunidade, quem constrói a figura do Estado conforme suas determinações éticas. Hegel confere este alto valor ao Estado por questões lógicas, sendo o Estado reflexo da vontade livre, do querer do Indivíduo, só pode ser ele a figura máxima de uma 63 Não obstante, deve-se aclarar que, ainda que Reale esboce essa crítica a Hegel, logo a seguir acentua que estatalismo ético-jurídico em nada se confunde com totalitarismo, como declararam vários comentadores, ancorados principalmente na visão marxista acerca do pensamento hegeliano. REALE. Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 227. 54 organização jurídico-política. Contudo, como antes foi apresentado, se esse mesmo Estado não reflete mais a vontade geral, o povo tem o dever de alterá-lo, assim como o elaborou racionalmente. Do contrário desabar-se-ia no absolutismo de um Leviatã. O Estado contemporâneo, ademais, possui muito maior aproximação ao Estado hobbesiano que ao pensamento de Hegel, tendo em vista sua crescente concentração de poderes. Hegel dedicou dois espaços em sua filosofia política para o pleno desenvolvimento da particularidade, primeiro com a moralidade, ao anunciar a questão singular das intenções, e depois na sociedade civil, onde se caracteriza o valor do sujeito e do particular nas relações econômicas e jurídicas. O Estado surge como harmonia entre a universalidade imediata e natural da família e a particularidade extrema da sociedade civil. O Estado é também necessário para organização e execução de poderes, segundo Habermas, onde demonstra a necessidade dos chamados direitos fundamentais para a reconstrução dos princípios de um Estado de Direito.64 Contudo, o que Hegel também se preocupou foi em evitar uma dissociação entre Estado e Indivíduos. A concepção hegeliana de Estado é uma concepção orgânica, se o Estado institucionaliza determinadas leis é porque os Indivíduos assim o quiseram. A questão democrática é, de fato, a única via que resta para uma reestruturação política, porém uma das maiores contribuições de Hegel nesse sentido é de como se enxergar a democracia. Deve-se superar a democracia como violência da maioria para uma democracia em que haja participação de todos. E como participação efetiva, para Hegel, entende-se não o simples voto, mas o verdadeiro exercício de um membro da comunidade, através das relações econômicas, da contribuição com a riqueza geral, com a participação nas tomas de decisões jurídicas. O mundo pós-moderno apresenta cada vez mais a revolta do Indivíduo contra o sistema vigente. A resolução dessa problemática certamente não virá com o incremento de poder soberano ao Estado. O que Hegel se preocupou, e nisso antecede muitos pensadores posteriores, é que as questões políticas e jurídicas não são resolvidas somente com mudanças legislativas ou políticas, mas através de um trabalho humano. Hegel articulou as instituições jurídicas e políticas, 64 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 171. 55 mas o agente que agia, e a finalidade de seu pensamento, não era apenas repensar o modelo estatal moderno, mas, sobretudo, demonstrar que as grandes transformações sociais não ocorrem na esfera política, mas na esfera humana, é necessário primeiro formar o Indivíduo, depois pensar o Estado. É nesse sentido, que Juszezak, ao interpretar a Filosofia do Direito como uma antropologia hegeliana, afirma, que em Hegel, não se trata de superestimar o Estado, mas sim de pensar o papel do Indivíduo em todas as esferas sociais, de compreender que é o Indivíduo quem age e transforma a sua realidade, e não simplesmente uma tomada de poder público. Em uma metáfora que alude a Louis XIV, encerra sua obra dizendo que, em Hegel, é o Indivíduo quem diz: “L’État c’est Moi”65. 65 JUSZEZAK, Joseph. L’ anthropologie de Hegel à traves la pensée moderne. Paris: Éditions Anthropos, 1977. p. 255. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste trabalho foi analisar a relação entre Indivíduo e as Instituições na Filosofia do Direito de Hegel. Assim, no primeiro capítulo apresentou-se uma introdução à filosofia política hegeliana concentrada na obra Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito. Estudou-se aqui brevemente o sistema hegeliano, a divisão da Enciclopédia, da própria Filosofia do Direito, bem como conceitos essenciais para o presente trabalho, sobretudo o de vontade livre como fundamento do direito e das Instituições. No segundo capítulo foram estudados os três grandes momentos da Filosofia do Direito: Direito Abstrato, Moralidade e Eticidade. Por fim, o terceiro capítulo trouxe as considerações acerca das três Instituições da eticidade hegeliana: Família, Sociedade Civil, Estado. O trabalho encerra-se, ainda, com algumas reflexões envolvendo a filosofia política de Hegel e a realidade contemporânea, tendo em vista principalmente o mundo pós-moderno. Diante dessa exposição, qual a relação entre Indivíduo e as Instituições na Filosofia do Direito de Hegel? Atenta-se que esse questionamento está intrinsecamente ligado à Ideia de Liberdade, conceito central da obra de Hegel estudada. Responde-se o problema da pesquisa revisando brevemente o movimento percorrido. O Direito Abstrato estabelece o direito formal, positivo, nas leis e nos contratos entre as pessoas. Exclui, contudo, as particularidades subjetivas de cada Indivíduo. O resultado é que o formalismo jurídico não impede a violação ao contrato e o próprio crime, pois não pode impedir que uma das partes veja o direito apenas como aparente, e portanto, passível de ser violado. A Moralidade é consequência desse movimento. O Direito Abstrato denunciou que é necessário estudar o mundo interior e subjetivo do indivíduo. Na Moralidade descobre-se que cada um age tendo em vista uma ideia de Bem, a qual se torna o seu fim último de vida. E essa ideia brota de convicções 57 subjetivas, particulares, que não impedem a possibilidade de a minha ideia de Bem parecer algo mau a outrem. Aqui surge a limitação da simples moralidade subjetiva. A Eticidade é a síntese dos dois momentos. No mundo ético existe o Bem Vivo, isto é, um Bem capaz de gerar realização e Liberdade à coletividade, à universalidade, à comunidade como um todo, mas sem excluir a particularidade de cada um. Na Eticidade o Indivíduo entende que as leis e Instituições não são forças exteriores a ele, mas movimentos postos por ele mesmo conforme a sua vontade livre, estudada no Capítulo I. O Indivíduo vive o mundo ético pois ali entende a realização da Liberdade. A Eticidade se faz em três Instituições principais, sendo a primeira a Família. Na Família há a união de dois Indivíduos em uma só pessoa pelo amor do matrimônio. Dessa união nascem outros Indivíduos. A família é a base natural do mundo ético porque nela todos vivem para o fim universal, que é o bem familiar e não para os próprios desejos. Contudo, a situação modifica-se na realidade dos filhos, pois estes não optaram por integrar a família. A família dissolvese quando o filho decide retirar-se dela para construir a própria vida na sociedade civil. A Sociedade Civil é onde cada um busca satisfazer o próprio egoísmo e necessidades pela atividade econômica no sistema das necessidades. O trabalho, contudo, coloca cada um em relação de interdependência econômica com os demais, pois a minha satisfação passa pelo envolvimento comercial com o outro, já que sozinho não se pode produzir tudo e consumir tudo. Mas segue sendo realização do egoísmo. Logo, como as pessoas possuem habilidades diferenciadas, nem todos acumularão riquezas na mesma parcela, gerando as desigualdades sociais. E esta problemática é também do Estado. No Estado busca-se a síntese entre o particular e o universal. Cada Indivíduo busca realizar o universal como fim último, pois o Estado é a Instituição mais importante do mundo ético, sem, contudo, excluir a vontade particular de cada membro. O Estado não é opressor ao indivíduo, mas permite o desenvolvimento de sua singularidade. Essencial é compreender que para Hegel o Estado é reflexo da formação de seu povo, logo é direito e dever de cada Indivíduo 58 realizar a dialética de modificar o Estado, quando esse não aparecer conforme a sua vontade livre. Logo, deve-se notar que nenhuma Instituição é absoluta em Hegel. A Liberdade do indivíduo se faz também pelas Instituições, mas no movimento através delas. Elas são essenciais para a Liberdade porque concretizam a possibilidade de se realizar tanto na particularidade como na universalidade, tanto o singular como a própria comunidade. Contudo, nenhuma delas comporta em si a Liberdade em si mesma. Mesmo o Estado, notavelmente a Instituição mais importante, só tem realidade efetiva e livre se em harmonia com a família e sociedade civil. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ARISTÓTELES. Metafísica: ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. p. 225. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. 12. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2005. BOURGEIS, Bernard. O pensamento político de Hegel. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 1999. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio (1830). Volume III, A Filosofia do Espírito. Texto completo, com os Adendos Orais, traduzido por Paulo Meneses com a colaboração do Pe. José Machado. São Paulo: Loyola, 1995 (O Pensamento Ocidental). HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses com a colaboração de Karl-Heinz Efken e José Nogueira Machado. Petrópolis: Vozes, 2005. HEGEL, G. W. F. Grundlinien der Philosophie des Rechts oder Naturrecht und Staatswissenschaft im Grundrisse. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1982 (Werke in zwanzig Bänden 7) [mit Hegels eigenhändigen Notizen und den mündlichen Zusätzen], auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. 60 HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da filosofia do direito ou Direito Natural e ciência do estado em compêndio (1820) – Introdução. Tradução e notas de Marcos Lutz Müller, em Analytica, volume 1, número 2, 1994: 107-161. HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da filosofia do Direito ou Direito natural e ciência do estado em compêndio – primeira parte, o direito abstrato. Tradução, introdução e notas de Marcos Lutz Müller. Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução nº 5. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2003. HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da filosofia do Direito ou Direito natural e ciência do estado em compêndio – segunda parte, a moralidade. Tradução, introdução e notas de Marcos Lutz Müller. Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução nº 5. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2003. HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da filosofia do Direito ou Direito natural e ciência do estado em compêndio – terceira parte, a eticidade – a segunda seção, a sociedade civil-burguesa. Tradução, introdução e notas de Marcos Lutz Müller. Textos Didáticos nº 21. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1996. HEGEL, G. W. F. Linhas Fundamentais da filosofia do Direito ou Direito natural e ciência do estado em compêndio – terceira parte, a eticidade – terceira seção, o Estado. Tradução, introdução e notas de Marcos Lutz Müller. Textos Didáticos nº 21. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1998. JUSZEZAK, Joseph. L’ anthropologie de Hegel à traves la pensée moderne. 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