O SÉCULO DE OURO DE ATENAS E SEUS PRIMÓRDIOS Por Pedro Yannoulis I - DO REGIME TIRÂNICO E SUA TRANSFORMAÇÃO PARA O REGIME DEMOCRÁTICO Ao final do séc. VI a.C., vive em Atenas aquele que é considerado um dos Sete Sábios da Grécia Antiga, Sólon, o qual lançou as sementes da legislação ateniense e a ideia de um regime político em que o povo tivesse participação expressa. Lançou a ideia da Assembleia dos Quatrocentos, representativas das classes sociais que compunham a sociedade ateniense de sua época. Todavia, apesar dos esforços desse sábio e legislador, na segunda metade do séc. VI a.C., o governo da cidade cai nas mãos do tirano Pisístrato. Entende-se como “tirania” um governo autoritário e opressivo. Não significa que fosse um governo “aristocrático” pois este, em última instância, também poderia ter representatividade. Na realidade, como veremos logo mais, o governo tirânico dos Pisistrátidas (o próprio Pisístrato e seus filhos), era sob certo aspecto um governo populista, o que nos faz lembrar muitas situações análogas vividas na atualidade. Com a morte de Pisístrato, 528 a.C., sucederam-no seus dois filhos varões, Hípias e Hiparco. Conquanto Pisístrato pudesse ser considerado um tirano de hábitos simples, vivendo como qualquer cidadão (daí seu aspecto populista), seus dois filhos fizeram-se rodear por pessoas e artistas de renome, o que ajudou a projetar Atenas, desde esta época, como centro irradiador da civilização grega. Muitas famílias aristocráticas, que haviam deixado a urbe exatamente pelo fato de Pisístrato se opor a eles, acabaram por retornar, ao entender que a situação era muito mais segura do que sob o comando de seu pai. Por motivos de ordem pessoal e fator de vingança, um grupo de atenienses assassinou Hiparco. Doravante, Hipias endureceu o regime e novamente os aristocratas abandonaram a cidade. A tirania de Pisístrato e de seus filhos tinha um caráter populista, como eu já disse anteriormente, daí o motivo das intrigas especificamente com a aristocracia, enquanto que o povo em geral não era de todo contrário a ela, já que seus interesses não eram atingidos. O regime tirânico continuou sob Hípias, mas a aristocracia tramou contra ele. Assim, com o apoio de Cleómenes, rei de Esparta, Hípias foi expulso no ano de 508 a.C. (exilando-se na corte do imperador dos persas) e o poder foi tomado por Clístenes que, apesar de pertencer à aristocracia, decidiu definitivamente dar uma nova perspectiva ao regime político de Atenas. Ele obtém o controle da cidade e as condições de reformar todo o sistema. Pela primeira vez, sob Clístenes o povo começou a ter voz ativa. Para isso, ele estabeleceu duas instituições, pela qual a população seria ouvida e teria efetiva participação no governo, a saber: a) A Assembleia dos 500 (em grego, ΒΟΥΛΗ ΤΩΝ ΠΕΝΤΑΚΟΣΙΩΝ) que, considerada sob o prisma da atualidade, funcionaria como uma Câmara Baixa e b) A Assembleia do Povo (em grego, ΕΚΚΛΗΣΙΑ ΤΟΥ ΔΗΜΟΥ), que seria uma Câmara Alta. Há de se observar que a palavra ΒΟΥΛΗ (transliterada pelo método clássico, BOULÉ e, no grego moderno pronunciada como VULI), é o nome que se dá na atualidade ao Parlamento da Grécia, chamado de ΒΟΥΛΗ ΤΩΝ ΕΛΛΗΝΩΝ, isto é, Assembleia dos Gregos. Já a palavra ΕΚΚΛΗΣΙΑ, que transliterada pelo método clássico é “ECCLESIA” e que no grego moderno se pronuncia “EKLISSIA”, perdeu o significado de “assembleia” e passou, após a prevalência do Cristianismo entre os Helenos, a designar “IGREJA”. O sentido, logicamente, era de início metafórico, já que na igreja havia a reunião de fiéis. A palavra “Eclésia”, que entrou para o latim, deu origem às palavras “chiesa”, em italiano, “église”, em francês, “iglesia” em espanhol e, finalmente, “igreja”, em português. Conquanto todas as decisões mais importantes e definitivas tivessem de ser tomadas pela Assembleia do Povo, nada poderia ser apreciado por ela se antes não tivesse sido examinado pela Assembleia dos Quinhentos. Um sistema parecido com os das duas câmaras do Congresso Brasileiro, só que no nosso caso, não há um sequência obrigatória na elaboração do processo legislativo, que indistintamente pode iniciar-se na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Na Atenas antiga, a ordem era a exposta acima. Clístenes tratou de formar em Atenas uma verdadeira classe média, em que a posição do cidadão não dependesse mais de sua renda e onde ele era livre para ocupar e exercer os mais diversos cargos e profissões. Na realidade, ele levou adiante as reformas preconizadas por Sólon e é por isso considerado um dos pais da democracia e abriu o caminho para a postura democrática de Péricles. Segundo disse Aristóteles, séculos mais tarde, Clístenes “Deu o Estado ao povo”. E foi essa mesma classe média, por ele formada e incentivada, constituída de cidadãos livres, a base para a formação do exército ateniense, que poucos anos depois viria a salvar a cidade da invasão persa na planície de Maratona. Eram soldados que lutavam para defender sua cidade, suas casas, suas mulheres e seus filhos, não mercenários, prontos a lutar por quem lhes oferecesse mais. II – A REVOLTA JÔNICA Entretanto, importantes acontecimentos sucediam na margem oposta do Mar Egeu e que viriam a influenciar a história de Atenas e de todo o Mundo Helênico pelos séculos vindouros. Tudo se iniciou com a expansão do Império Persa, desde a Ásia Central até as margens do Mar Mediterrâneo, incluindo todas as colônias gregas da Ásia Menor e, mais ainda, penetrando em território africano, com a invasão do Egito em 525 a.C. Em 499 a.C. iniciou-se a revolta de algumas colônias gregas, destacando-se Mileto, importante cidade da Jônia. A cidade pediu ajuda a diversas cidades da Grécia continental, mas que recusaram o pedido, por temor de enfrentar o grande império. Mas, por ser Atenas também uma cidade de origem jônica, resolveu mandar, juntamente com a cidade de Erétria, na Ilha de Eubéia, uma ajuda de 25 trirremes. Após terem sufocado a revolta e destruído Mileto, os persas empreenderam um plano de vingança contra as duas cidades da metrópole, que ousaram desafiar seu poderio. Em 492 a.C. o plano foi posto em execução, inicialmente com a conquista da Trácia e de parte da Macedônia. A cidade de Erétria, por sua vez, foi tomada, saqueada e destruída pelo fogo. E, dois anos depois, em 490 a.C., os persas finalmente desembarcam na planície de Maratona, a pouco mais de 40 km da cidade de Atenas, com o objetivo de dar-lhe destino idêntico ao que tivera Erétria. A batalha daí resultante foi um dos maiores feitos da História Universal, em que 10.000 atenienses e 1.000 plateenses, únicos aliados que Atenas encontrou na última hora, destruíram o exército persa, infinitamente maior. A vitória de Atenas na Batalha de Maratona foi um resultado feliz das reformas implantadas há menos de duas décadas por Clístenes e que transformaram todo cidadão ateniense, homem livre que era, num defensor de sua cidade e de seu próprio lar, e não num mercenário, que lutava apenas pela perspectiva do butim final, como cheguei a falar um pouco antes. Maratona é um marco importantíssimo no desenrolar da História pelas décadas vindouras, já que, se de um lado assinala o longo, sangrento e desgastante confronto entre gregos e persas, também estabelece o início temporal do período de maior apogeu não só da cidade de Atenas como de toda a Civilização Grega, sob todos os aspectos. Em face do justo temor de que os atenienses foram tomados, ao saber que tão poderoso exército estava a marchar contra sua urbe, ao se consolidar a vitória o general ateniense, Miltíades, encarregou um soldado de ir, o mais rápido possível, e narrar aos temerosos cidadãos o desfecho feliz da luta. Fidípides, este nome, era um soldado, não um atleta. Todavia, assim mesmo ele percorreu os 42 km que separavam o campo de batalha da Ágora de Atenas, e em lá chegando teve tempo apenas de dizer “Vencemos os persas e os medos”, e faleceu, de exaustão. O brilho da vitória em Maratona e o feito brilhante deste simples soldado da infantaria, mais sua importância para a Humanidade, que impediu a primeira tentativa de invasão da Europa pela Ásia, foi perpetuado na instituição da célebre corrida, considerada a maior prova de resistência física do mundo, nos Jogos Olímpicos da atualidade. Disputada desde os Jogos Olímpicos de 1896, a Maratona goza de tanto prestígio e importância que se consagrou como o ato de encerramento das Olimpíadas e diversas versões são disputadas corriqueiramente nos mais diversos quadrantes do planeta. Costumo dizer sempre, em tom de brincadeira, que possivelmente só não deve existir a Maratona de Teerã... em todos os outros cantos do mundo, com certeza há! III - O APOGEU DE ATENAS Os persas, todavia, não desistiram de sua sanha vingativa contra Atenas. Diz-se que Dario tinha encarregado um escravo de lhe dizer, todas as manhãs: “Senhor, não vos esqueçais dos atenienses”. Dario morreu sem ter visto realizada sua vingança. Contudo, seu filho Xerxes, herdou dele o ódio contra Atenas e o firme propósito de levar a cabo o desejo de seu pai. Organizou um exército e uma frota como jamais vistos e em 480 a.C. pôs em marcha em direção à Grécia e em especial a Atenas. O exército adentrou na Europa por intermédio de uma ponte flutuante montada sobre o Helisponto (atual Estreito de Dardanelos), enquanto a frota seguia próxima ao litoral. Por ocasião da segunda invasão houve maior união entre os gregos. Esparta mandou seu célebre batalhão dos Trezentos, comandado pelo próprio rei, Leônidas, para enfrentar os persas. Este punhado de gente combateu até a morte, no desfiladeiro das Termópilas. Ultrapassado o desfiladeiro, a via para Atenas estava livre. Apavorada, a população ateniense refugiou-se na vizinha ilha de Salamina, sentindo-se protegida pela presença da imponente frota, composta por ágeis trirremes, que os defenderia das tropas persas. A batalha se constitui na segunda grande glória de Atenas: após terem os persas invadido a cidade abandonada e queimado a Acrópole, viram sua frota ser totalmente dizimada na estreita passagem que separa o continente da ilha. Os poucos barcos que restaram trataram de levar para a Ásia o rei e os dignitários mais importantes e uma parte das tropas, enquanto que o remanescente, sem ter como, ficou a vagar pela Grécia. A destruição definitiva do imenso exército persa, na Grécia Continental, deu-se após a batalha de Plateia, em 479 a.C. Nunca mais os persas voltaram a invadir a Grécia. Os atenienses, prevalecendo-se de seu imenso poderio naval, sem comparação em todo o Mediterrâneo, passam a combater os persas já nas costas da Ásia Menor. As diversas cidades-estados, a fim de se proteger melhor de um eventual novo ataque do inimigo, fundaram a Confederação o Liga de Delos, sob a égide de Atenas, no ano de 476 a.C. Delos é uma pequena ilha do Mar Egeu, muito próxima a Míkonos, hoje desabitada. Após determinado tempo, algumas cidades, aí incluída Esparta, entendendo que o perigo persa não mais existia, retiraram-se da Confederação. O tesouro, composto de contribuições voluntárias e de impostos cobrados às cidades membros da Liga ficava depositado no santuário da ilha de Delos, tendo sido posteriormente transferido para Atenas, no ano de 450 a.C. Foi quando os atenienses começaram a desviar a destinação original do tesouro, para financiar as obras da reconstrução da cidade e notadamente da Acrópole, destruída por Xerxes em 480 a.C. Nessa ocasião é que se iniciou a construção do Partenon. Péricles foi a expressão mais perfeita desta fase de apogeu, que foi corretamente denominada pelos historiadores de SÉCULO DE OURO ou de SÉCULO DE PÉRICLES. O período, todavia, não abrange o séc. V a.C. integralmente, mas está delimitado entre derrota dos persas na segunda invasão (479 a.C.) e o início da Guerra do Peloponeso, em 431 a.C. Péricles subiu ao poder em Atenas no ano de 461 a.C. e após a transferência do tesouro, de Delos para Atenas, na realidade transformou a Confederação em Hegemonia de Atenas, ou como dizem alguns, num Império ateniense camuflado sob o título de confederação. Péricles, além de consolidar de maneira definitiva o sistema democrático ateniense, transformou a cidade num dos maiores polos de civilização e de cultura que já houve, até hoje, na Humanidade. A par da arquitetura, ali floresceram a política, a história, a filosofia, a escultura, a literatura, as artes representativas, como a tragédia e a comédia e as ciências, com seus maiores expoentes sediados na urbe ateniense. Na Atenas da época de Péricles é que se lançaram os fundamentos da que seria chamada, posteriormente, de Civilização Ocidental. Nunca, na história da Humanidade, houve uma cidade que conseguisse reunir um contingente de tal porte de pessoas eruditas e conhecedoras de todos os ramos da ciência humana. O esplendor de Atenas perpetuou-se mesmo quando a cidade decaiu política e militarmente, tendo sido conquistada primeiro pelos macedônios de Filipe e posteriormente pelos romanos. Estes, contudo, renderam-se de todas as formas à sua grandeza intelectual. Conta-se que Nero, famoso por sua crueldade e por ter mandado incendiar Roma, tinha enorme apreço pela cidade. Os imperadores Adriano e Marco Aurélio passaram temporadas na cidade, a fim de realizar estudos e aprimorar o espírito. Na época romana continuaram as grandes obras, dentre as quais se podem apreciar, até hoje, o Templo de Zeus Olímpico, a Porta de Adriano, a Ágora Romana. A verdadeira decadência de Atenas iniciou-se com a prevalência do cristianismo sobre o paganismo, entre os séculos V e VI de nossa era, quando tudo que se referisse à antiga Civilização Grega era automaticamente estigmatizado como pagão e, consequentemente, contrário à nova religião. A derradeira pá de cal sobre este passado glorioso deu-se quando o Imperador Justiniano ordenou o fechamento da Escola de Filosofia de Atenas, herdeira direta da Academia de Platão, em 529 d.C. As trevas da Idade Média haviam chegado para valer. IV – ASPÁSIA DE MILETO Preliminarmente, devo esclarecer que a denominação composta, “Aspásia de Mileto” é usada pelos povos ocidentais, nunca pelos gregos. Para eles, ASPÁSIA (ou ΑΣΠΑΣΙΑ) é ela, e somente ela, a que veio de Mileto e se tornou a companheira de Péricles. Toda e qualquer outra Aspásia pode precisar de adjetivo gentílico, de epíteto ou de sobrenome, mas nunca ela. Quando se fala em ASPÁSIA, na história grega e até os tempos atuais, todos sabem a quem se está referindo. Neste contexto, da cidade mais culta da época e que assim permaneceu por séculos, em torno do ano 440 a.C. chega a Atenas uma mulher jovem e bonita, segundo descrições da época, originária da mesma Mileto à qual já nos referimos, e que foi o estopim da primeira invasão persa, de nome Aspásia. Os historiadores referem-se a Aspásia como sendo uma “HETERA”, ou na grafia grega transliterada, “hetaira”. O Aurélio traz a grafia com “e”, tal como se pronuncia em grego e aqui cabe um esclarecimento. No grego, como em todo e qualquer idioma, há ditongos. Um dentre os muitos é o ditongo composto pelas letras A e I, cuja pronúncia não é “ai”, mas “e”. Este o motivo porque se diz “hetera”. Se alguém disser “hetaira”, a um grego soará tão bizarro quanto soa para nós ouvir estrangeiros referirem-se à nossa cidade como “SAO PAULO”, isto é, sem o til no ditongo “ão”. E o H, que é mudo, provém do fato de a palavra em grego receber o chamado “espírito áspero”, um dos dois que antecediam as vogais e na transposição do grego para o latim, ainda na época clássica, foi identificado com a letra H. Etimologicamente, a palavra provém do substantivo “etairia” (pronúncia “Etería”), que significa “companhia”. Hoje, no grego moderno, a expressão “sociedade anônima” se diz “anónymos etería”. O sócio é “éteros”. A partir desta origem etimológica, passou-se a denominar estas mulheres de “heteras”, ou seja, de “companheiras”, ou seja, não eram “submissas” Eram elas as únicas que naquela ocasião, na sociedade grega em geral e na ateniense em especial, a gozar de ampla independência, podiam possuir e gerir propriedades pessoais e ter seus próprios escravos. Frequentavam festas, banquetes, discutiam artes, filosofia, poesia, sabiam tocar instrumentos musicais e eram livres no amor. Todavia, não podiam ser confundidas com “prostitutas”, que eram pagas por noitada ou serviços prestados, mas eram exatamente consideradas “companheiras” de seus parceiros, dos quais recebiam presentes e doações, o que lhes proporcionava uma vida confortável, de padrão acima da média. Para poderem ser companheiras e desempenhar as funções que acima mencionei, precisavam ser mulheres cultas, o que não sucedia com as mulheres comuns, que eram simplesmente mães de família. É evidente que tiveram muitos opositores e detratores, para os quais “etera” nada mais era do que um eufemismo para “prostituta”, mas ao se refletir bem sobre as qualidades que estas mulheres apresentavam, não se há de confundi-las com simples mercadores mercadoras de amor. Fontes gregas consultadas mencionam a notável semelhança com as funções desempenhadas pelas gueixas, na cultura e na sociedade JAPONESAS japoneses, elas também, sob certo aspecto, mulheres instruídas acima do normal e que tinham a função de distrair seus homens, não somente com favores sexuais, mas sua arte e sua cultura. A partir deste ponto, quem deverá falar, com muito mais precisão e clareza a respeito do tema foco desta palavra, é a eminente Aspásia Papazanakis.