Cap 10 ORÍGENES (185-253) Ramiro Marques A fonte mais fidedigna para conhecer a biografia de Orígenes é o Livro VI da História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia. Orígenes foi um cristão egípcio que nasceu provavelmente em Alexandria no ano de 185. Filho do mártir São Leónidas, recebeu uma esmerada educação cristã. O objectivo dos seus estudos foi, de início, o ensino, visto que a trágica morte do pai deixara a mãe de Orígenes e os seus seis irmãos sem rendimentos. Aos dezoito anos, Orígenes já era responsável pela escola catequética de Alexandria que dirigiu durante trinta anos. Orígenes estudou hebraico, grego, filosofia grega e teologia, tendo sido condiscípulo do célebre Porfírio. Em breve a sua fama de sábio e de eminente teólogo correu o Império Romano. Quando o Imperador Caracala mandou pilhar e submeter a cidade de Alexandria, fechando as suas escolas, Orígenes refugiou-se na Cesareia da Palestina. Uns anos mais tarde, regressa a Alexandria para voltar a dirigir a escola catequística e faz viagens a Antioquia e à Grécia. Ao passar por Cesareia foi ordenado sacerdote por bispos da região. O bispo de Alexandria, Demétrio nunca reconheceu essa ordenação, invocando várias irregularidades canónicas. Impossibilitado de regressar a Alexandria, por causa da oposição do bispo. Orígenes fixou-se na Cesareia, onde continuou a ensinar e a escrever. Além do ensino, Orígenes escreveu obras de exegese bíblica, apologéticas, ascéticas e mais de cem cartas, das quais só duas completas não se perderam. Em 240, Orígenes passou algum tempo em Atenas, e depois em Nicomédia, com o seu amigo Ambrósio. Combateu a heresia na Arábia e, durante a perseguição de Décio, foi preso e torturado, vindo a morrer, em Tiro, com sessenta e nove anos, na sequência das torturas. Orígenes viveu no século III, um século caracterizado pelas perseguições em massa contra os cristãos, organizadas pelo Estado. As maiores perseguições deram-se em 249-51, sob o imperador Décio e em 283-305, sob o imperador Diocleciano. Só em 313, com o édito de Constantino foi concedida liberdade de culto aos cristãos. "Quando sob o imperador Sétimo Severo e durante o episcopado de Demétrio em Alexandria, a fogueira da perseguição se acendeu com maior violência, a paixão do martírio apoderou-se da alma de Orígenes que, menino ainda, se inflamava no desejo de enfrentar perigos e de participar na luta. Quando o seu pai foi encarcerado, a sua mãe precisou de esconder as suas roupas para o obrigar a permanecer em casa. Ele, então, enviou uma cata ao pai a respeito do martírio, animando-o com as palavras: "Toma cuidado para não mudares de propósito". Foi, assim, na era gloriosa e heróica das perseguições, que Orígenes forjou uma alma de mártir" (1). Das suas numerosas obras, podemos destacar: "Doutrina Verdadeira", "Sobre os Doze Profetas" e "Comentários ao Evangelho de São Mateus". Orígenes era procurado não só por cristãos como também por pagãos. A uns e outros ensinava teologia, filosofia e gramática. Em muitos dos seus escritos, nota-se a preocupação de dar sugestões sobre a educação das crianças, a qual estava intimamente ligada com o ensino da catequese, o conhecimento dos textos bíblicos e a aprendizagem da gramática que, naquela época, incluía não só a escrita mas também a literatura. "No tocante à educação dos filhos, os cristãos continuavam a formá-los de acordo com as condições da sua classe social, enviando-os às escolas oficiais ou particulares mas dando-lhes, desde pequenos, sólida orientação espiritual no lar sob a assistência dos ministros religiosos. O ensinamento teológico apoiava-se nas Palavras do Senhor, e nas interpretações e exortações dos primeiros escritores eclesiásticos. Estes mestres religiosos, de origem romana, africana ou oriental, redigiam as suas obras em grego ou em latim, e passaram, mais tarde, a ser conhecidos com os Santos Padres, Latinos ou Gregos, conforme o idioma de que se serviam na redacção dos seus escritos" (2). Lendo os seus escritos e, sobretudo, os escritos dos seus discípulos, é possível ter uma noção exacta do ensino feito por Orígenes: "por meio da dialéctica, Orígenes formava a parte superior da alma (a racional), enquanto cuidava da parte inferior (domínio da imaginação e das paixões) por meio das ciências da natureza, a física, a geometria e a astronomia. Pela física ele estudava cada um dos seres, dividindo-os nos seus primeiros elementos... Orígenes considerava, entretanto, que o objecto mais nobre das escolas filosóficas são as virtudes morais...Aplicava.se à formação moral dos seus discípulos por meio de sábios discursos, e por meio de actos pelos quais lhes orientava as tendências, fazendo-os examinar e considerar os impulsos e as paixões da alma, e fazia questão de frisar que a moral seria uma disciplina inútil e vã se a palavra ficasse separada dos actos, se a prudência não levasse a pessoa a fazer aquilo que é preciso fazer, se não fizesse afastar-se daquilo que não se deve fazer, pois nesse caso a moral só proporcionaria o conhecimento teórico" (3). Como seria de esperar, a moral tinha um lugar de relevo no currículo da escola de Orígenes. O objectivo era fazer com que os discípulos não só conhecessem as quatro virtudes cardinais (justiça, temperança, coragem e prudência), e as três virtudes teologais (fé, esperança e caridade), mas também as praticassem no dia a dia e as incarnassem nos seus hábitos. Após os ensinamentos de filosofia e das ciências, "Orígenes orientava os seus discípulos para o cultivo da teologia, a doutrina sagrada, que dizia ser o estudo mais necessário, por visar ao conhecimento da causa de todas as coisas. Esse estudo era feito em dois momentos. Primeiro liam-se os textos dos antigos filósofos e poetas, excepto os dos ateus que negavam a existência de Deus e da Providência. Os alunos eram instados a prestar atenção indistintamente aos filósofos de todas as escolas, gregas ou bárbaras. Orígenes, lembra Gregório, fazia-nos conhecer as filosofias sem nos enclausurar numa só e conduzia-nos pela mão através da selva emaranhada das opiniões. O seu método de investigação e de exposição consistia em escolher e propor o que cada filosofia possuísse de verdadeiro e útil, e em denunciar-lhes as mentiras e as afrontas à pidedade dos homens. Depois dessa primeira parte da filosofia do curso, passava-se à Segunda fase, propriamente escriturística. Orígenes, então, aconselhava os discípulos a não apegarem a nenhum filósofo, mesmo que algum deles tivesse a reputação de excelsa sabedoria, recomendando-lhes que só aderissem a Deus e aos profetas. Aí, se explicava e interpretava o que houvesse de obscuro e de enigmático na Sagrada Escritura" (4). Tanto na escola catequística de Alexandria como na de Cesareia, o currículo de Orígenes assemalhava-se ao de um seminário maior, com dois ciclos de estudos: um de propedêutica científica e filosófica, onde se estudava filosofia, gramática, geometria, astronomia e física, e um segundo ciclo onde se estudava teologia. O segundo ciclo encontrava-se dividido em dois níveis: um primeiro nível em que o aluno estudava os textos e as sentenças de vários autores e escolas e um segundo nível dedicado apenas ao estudo das Sagradas Escrituras. Notas 1) Costa Nunes, R. (1978). História da Educação na Antiguidade Cristã. São Paulo: EPU, p. 123 2) Idem, p. 137 3) Ibid., p. 139 4) Ibid., p. 140